Grieving Soul – Prólogo – Volume 8
Nageki no Bourei wa Intai shitai
Let This Grieving Soul Retire Volume 08
Prólogo:
[O Homem Amaldiçoado]
— Ufa! Finalmente em casa!
Tínhamos voltado à capital imperial de Zebrudia. Enfim, eu estava de volta aos meus aposentos particulares na sede do clã, o único lugar onde eu realmente podia relaxar. Girei o corpo e me joguei sobre o colchão que tanto havia sentido falta. Ele fora feito sob medida, com exatamente o grau de maciez e resistência que eu gostava.
O Festival do Guerreiro Supremo era pra ter sido só uma pequena viagem, mas acabou se tornando uma baita provação. Tive que aguentar o rancor constante do Franz, ajudar a treinar a princesa imperial e, de alguma forma, manter a Pequena Raposa sob controle (normalmente, um fantasma como ela fora de seu cofre já seria motivo pra um caos enorme).
Depois ainda me arrastaram pra dentro do Clube de Fãs da Máscara de Raposa, conheci o Krahi e sua turma e, pra fechar com chave de ouro, consegui conter a Chave da Terra (mesmo que tenha sido praticamente culpa minha ela ter se ativado em primeiro lugar).
Meus amigos fizeram quase tudo com a princesa imperial, a Sitri cuidou da Raposa, eu nem cheguei a fazer nada de relevante com o grupo do Krahi, e conter a Chave da Terra só foi possível graças à ajuda de todo mundo. Pensando bem, eu praticamente não fiz nada, mas isso não me impediu de me convencer de que eu merecia descansar.
Deitado na cama, tomei minha decisão: não importa o que acontecesse, eu não sairia deste quarto por um bom tempo. Felizmente, eu não precisava mesmo sair, o quarto tinha de tudo, até banheira. Se quisesse comida, podia pedir pra trazerem. E tinha várias Relíquias pra polir, então não faltavam coisas pra fazer.
Recentemente, fiquei sabendo que o império estava prestes a iniciar conversas com outras nações para montar uma operação conjunta e eliminar a Raposa. Por ordem do imperador, até caçadores de tesouros estavam sendo convocados, inclusive eu. Recusei na hora. O Gark e vários outros não gostaram nem um pouco, mas azar o deles. Eu tinha outras prioridades.
Eva! Por enquanto, não vou receber visitas! — declarei com firmeza. Ela me observava da porta, com aquela expressão de quem já estava cansada das minhas manias. — Mesmo que seja o Gark, um comerciante ou alguém do governo, manda embora! Não me importa quem seja! Estou ocupado!
Posso perguntar… ocupado com o quê? — ela retrucou, arqueando a sobrancelha.
Ocupado em não fazer nada.
Isso é pra soar filosófico?
Não era. Eu só precisava dar um descanso pro cérebro. Embora fosse discutível se eu o havia usado o suficiente para justificar isso. Me espreguicei preguiçosamente na cama.
Como mestre de clã e Nível 8, eu não devia deixar ninguém me ver assim, mas tudo bem se fosse só a Eva. Meu corpo ainda estava reagindo aos eventos do Festival do Guerreiro Supremo, tudo o que eu queria era me fundir à cama.
Vendo minha completa decadência, Eva soltou um suspiro profundo.
Muito bem. Vou dispensar todas as visitas por enquanto. Ah, mas… e se for algum dos seus amigos?
Um deles? Esses podem entrar.
Pra ser sincero, eles entrariam de qualquer jeito. Mesmo que eu quisesse impedir, não teria como. Foi justamente por não conseguir dizer “não” a eles que ainda estava nessa vida perigosa de caçador de tesouros! Me deixar levar por eles já fazia parte do meu destino.
Enquanto rolava de um lado pro outro tentando recarregar as energias, notei um papel sobre o criado-mudo. Alcancei e o peguei entre os dedos, um bilhete velho, dobrado ao meio. Tinha certeza de que não estava ali antes de eu partir pra Kreat.
Li o conteúdo e franzi o cenho.
O que é isso? “Não consigo achar o Cae”? Eva se sobressaltou e se aproximou.
É uma carta? Alguém entrou aqui enquanto estávamos fora? Larguei o bilhete simples e virei de lado.
Não, tá tudo bem. Hmm.
O que foi?
Aquela nota era da própria Eliza. “Cae” era um apelido que ela usava pra mim.
Eliza Beck, a Andarilho , era uma Espírito Nobre do Deserto treinada como Ladina. Era a mais livre de espírito do grupo e a única que não fazia parte do nosso círculo original de amigos. Extremamente talentosa e tão simpática que às vezes a gente até esquecia que ela era um Espírito Nobre (embora também desse pra chamá-la de inconsequente). Como seu título indicava, ela tinha o péssimo hábito de vagar por aí, sem rumo, como o vento. Eu era o líder do grupo e fui quem recomendou sua entrada, mas, pra falar a verdade, só tinha me encontrado com ela pessoalmente algumas vezes.
O que tornava essa mania de vagar tão frustrante era o fato de que ela nem parecia perceber o quanto era errante. Apesar do bilhete mal formulado dar a entender o contrário, posso afirmar com certeza que nunca excluí a Eliza. O problema não era eu estar “sumido”, era ela quem desaparecia sozinha. Embora, para ser justo, talvez esse tipo de descuido fosse mesmo necessário para se encaixar num grupo como o Grieving Soul.
Mas onde ela estava, e o que andava fazendo? Pelo que parecia, os outros Grievers a encontravam com certa frequência, mas, pra mim, esbarrar na Eliza era um acontecimento raro. Nunca tive a impressão de que ela estivesse me evitando nem que não gostasse de mim. Parecia apenas que o destino nunca deixava nossos caminhos se cruzarem. Segundo a Liz, o motivo de eu quase nunca ver a Andarilho era simples: ela sabia identificar perigo a quilômetros de distância. Eu ainda não sabia se isso era pra ser um elogio ou não.
Apesar de curta, a carta me deu uma boa ideia do motivo da visita de Eliza enquanto eu estava fora. Sentei-me e olhei em volta, até notar uma caixa de madeira encostada ao pé do criado-mudo. Era pesada, e precisei fazer um pouco de força para abrir a tampa. Dentro, havia uma pilha de… lixo.
Uma bota velha e gasta, uma moeda enferrujada, uma faca sem lâmina e um anel de ouro simples. Objetos aparentemente sem valor mas todos eram Relíquias, recuperadas de cofres do tesouro. Provavelmente achados de alguma das muitas andanças da Eliza. Talvez alguns tivessem sido comprados numa loja qualquer, mas isso pouco importava.
Pelo que eu sabia, todos os Espíritos Nobres do Deserto tinham um certo instinto natural para viajar. Diferente dos Espíritos Nobres da floresta, que raramente deixavam suas terras, os Espíritos Nobres do deserto eram andarilhos por natureza, embora nenhum tanto quanto a Eliza.
Os Espíritos Nobres do Deserto eram caçadores de tesouros natos. Suas afinidades excepcionais com magia e elementais, combinadas com corpos ágeis e sentidos aguçados, lhes permitiam explorar reinos perigosos onde a maioria jamais ousaria pisar. Ainda existiam muitos cantos do mundo natural intocados pelos humanos mas os Espíritos Nobres do Deserto conseguiam alcançá-los, assim como inúmeros cofres escondidos.
Conheci a Eliza pela primeira vez em um desses cofres, no meio do deserto. Ela era talentosa e não se prendia a detalhes tolos, exatamente como um verdadeiro caçador devia ser. Também não era movida por ganância. Apesar de se aventurar por cofres e lugares mortais, parecia procurar algo além de tesouros, já que demonstrava quase nenhum interesse em Relíquias ou recompensas de fantasmas.
Claro, suas viagens custavam dinheiro, então ela pegava qualquer coisa que parecesse minimamente valiosa, mas deixava pra trás quase todo o resto. Fui eu quem colocou um fim nisso. Achei um desperdício absurdo arriscar a vida em cofres perigosos só pra depois abandonar as Relíquias lá. A maioria delas era sucata, sim, mas vendendo em volume, dava pra juntar um bom lucro.
Foi aí que montamos um pequeno esquema. A Eliza trazia as Relíquias, eu vendia e repassava o dinheiro pra ela. Não cobrava taxa nenhuma, mas podia ficar com uma Relíquia pra mim, caso alguma me chamasse a atenção. Era um ótimo negócio pros dois lados. A Sitri cuidava da divisão dos espólios quando atuávamos em grupo, então a Eliza só me entregava o que encontrava sozinha, o que, ainda assim, não era pouca coisa.
O incidente no Festival do Guerreiro Supremo acabou sendo bem proveitoso para mim. Até então, eu nem imaginava que existissem Relíquias capazes de causar tremores só de serem fincadas no chão. Como colecionador, senti a necessidade de ampliar meu
conhecimento. Mesmo que a Chave da Terra tivesse sido destruída, não podia descartar a possibilidade de existir algo semelhante por aí.
Comecei a pensar que seria bom treinar para caso precisasse suprimir outra Chave da Terra no futuro. Enquanto vasculhava o conteúdo da caixa, refletindo sobre isso, encontrei algo fino, enrolado num pano preto. Peguei imediatamente e desenrolei o tecido com padrão estranho.
“Ohh. Uma Relíquia do tipo espada! Não é todo dia que se vê uma dessas.”
Isso! É isso que eu estava procurando! — exclamei, empolgado.
Tirei a lâmina da bainha com cuidado e a examinei. A lâmina era de um preto profundo, e uma gema parecida com ônix brilhava no cabo, dava pra sentir que era um item especial. No entanto, ao contrário da Chave da Terra, não parecia uma ferramenta cerimonial. O fato de estar embainhada e envolta naquele tecido mostrava que a Eliza também a tratava com cuidado. Teria que pedir pra Lúcia carregá-la pra mim.
Sorri. Minha vida normal finalmente estava voltando aos trilhos.
Por favor, só não exagere — pediu Eva, soltando um suspiro cansado.
Hã?! O submundo colocou uma recompensa pela cabeça do meu irmão?! — gritou Lúcia.
Parece que ele andou chamando atenção — respondeu Sitri, intrigada. — Com a Raposa em desordem e se preparando para uma guerra contra o império, duvido que tentem algo muito arriscado.
Bem, olha só o que ele aprontou — disse Liz, dando de ombros. — E isso sem contar o fato de ele ser o líder dos Grieving Souls.
Caçadores de tesouros habilidosos sempre foram alvos cobiçados por bandidos. Isso valia especialmente para quem se aventurava em cofres do tesouro e mais ainda para o grupo Grieving Souls, que já havia exterminado várias organizações criminosas inteiras.
À primeira vista, as ondas causadas pelo incidente no Festival do Guerreiro Supremo pareciam ter se acalmado. A remoção dos destroços da arena estava ocorrendo sem problemas, e tudo dava a impressão de que a normalidade havia sido restaurada. Mas era apenas aparência. Em diferentes níveis, o impacto da exposição de uma organização tão aterrorizante reverberava por todo o continente.
Até então, os Grieving Souls nunca haviam se preocupado muito com as recompensas que colocavam por suas cabeças. No fim das contas, mais uma ou menos uma era só mais uma gota no oceano. Um dos motivos pelos quais não enfrentavam tantos caçadores de recompensas era simples: o pagamento raramente valia o risco. Os Grievers, por sua vez, viam essas recompensas como prova de que o nome deles estava se espalhando.
Estão realmente interessados no Krai. Um, dez, cem, mil… — murmurou Luke, examinando a lista que Sitri havia conseguido. — Como é que alguém consegue uma recompensa dessas? Eu poderia cortar cem caras e ainda assim não chegaria nem perto disso. Tem algum truque especial pra isso?
Ansem respondeu apenas com um grunhido pensativo.
Com um pouco mais de esforço, já dava pra pagar a dívida dele — comentou Sitri, cruzando os braços.
A quantia oferecida era absurda. Diferente das recompensas normais, as postas pelo submundo eram proporcionais à quantidade de gente que odiava o alvo ou queria vê-lo desaparecer.
Normalmente, pessoas com preços tão altos por suas cabeças eram dignitários de grandes nações, caçadores de linhagens lendárias, o tipo cuja morte ecoava pelo mundo inteiro. Muito provavelmente, era a primeira vez que um caçador sem sangue nobre e sem nenhum assassinato nas costas recebia uma recompensa dessas.
Liz fitava a lista, boquiaberta.
Ele conseguiu superar o Ark com isso.
Não consigo imaginar uma organização pequena juntando tanto dinheiro — comentou Sitri. — E, além disso, eles têm uma reputação a manter. Bom, parece que a Raposa não está com muitos recursos sobrando agora. Ouvi dizer que começaram a retirar seus membros de Zebrudia.
De acordo com as investigações de Sitri, a Raposa estava instável. Ela não sabia muitos detalhes, mas parecia haver conflitos internos. O uso da Chave da Terra provavelmente os havia surpreendido tanto quanto a todos. Também era provável que não tivessem percebido que não fora um dos seus membros quem a ativou.
O ponto mais importante, porém, não era o estado real da Raposa, e sim como ela estava sendo vista de fora. O que todos viram foi a Raposa sendo superada em plena luz do dia. Se deixassem isso passar, perderiam o respeito. Colocar uma recompensa pela cabeça do inimigo era o passo natural, daí o valor absurdo. Claro, muitos dos interessados naquela recompensa já tinham motivos pessoais para querer ver o Mil Truques morto.
O único consolo era que essa lista estava circulando apenas no submundo. Nenhum caçador decente iria atrás do Krai por isso.
Sorte a dele — comentou Luke. — Será que algum Espadachim forte vai aparecer?
Duvido muito — respondeu Sitri. — Ninguém em sã consciência iria atrás de uma recompensa desse tamanho sem confiança absoluta. Se alguém for tentar, vai ser só depois de uma preparação cuidadosa. E não, não acredito que venha nenhum Espadachim.
Isso não estaria acontecendo se ele se comportasse como uma pessoa normal — resmungou Lucia.
Havia uma infinidade de rumores sobre o Mil Truques, mas uma coisa era certa: incontáveis vezes, ele escapou da morte sem levar sequer um arranhão.
Sitri se levantou e bateu palmas.
Ouvi dizer que o Krai não pretende sair do quarto por enquanto, mas acho melhor ficarmos de olho nele, só por precaução. Estamos todos ocupados, então proponho que façamos revezamento!
É, e de todos nós, você é a mais ocupada, né? — respondeu Liz, observando-a com preocupação. — Não está com uma cara muito boa.
Sitri levou a mão à testa, suspirando.
Luke fez uma expressão de quem lembrara de algo e se levantou a contragosto.
Pois é, tenho gente me cobrando. Basta eu faltar a uma caça a dragão e já caem matando em cima de mim. Fazer o quê, né? Vou mostrar pra eles o Voltaic Deicide que estive aprimorando.
Eu perdi uma prova importante — acrescentou Lucia —, então agora não sei nem o que dizer pro professor que me recomendou.
Ansem soltou outro grunhido, dessa vez em solidariedade. Liz olhou pro irmão com inveja.
Sortudo, Anssy. Seus superiores não se metem na sua vida. Ele respondeu com um aceno vigoroso de cabeça.
Tradução: Carpeado
Para estas e outras obras, visite Canal no Discord do Carpeado – Clicando Aqui
Apoie o autor comprando a obra original.
Compartilhe nas Redes Sociais
Publicar comentário