The Great Cleric â CapĂtulo 2 â Volume 4
The Great ClericSeija Musou
CapĂtulo 5: Para Reviver a Guilda dos Curandeiros
Light Novel Online – CapĂtulo 2:
[No NegĂłcio de Escravos e Milagres]
Ao deixar o salão caindo aos pedaços em busca do mercado, nosso grupo se tornou o centro das atençÔes por onde passava. Não que eu pudesse culpar os moradores por desconfiarem de um bando de estranhos vestidos de branco. Nosso visual era comum na Cidade Sagrada, mas nos destacåvamos bastante até mesmo em Merratoni.
NĂŁo podĂamos simplesmente vagar sem rumo para sempre, entĂŁo tentei pedir informaçÔes para alguns locais, mas sem sucesso. Todos viravam as costas e fingiam que nĂŁo existĂamos. Finalmente, ouvi alguĂ©m mencionar um mercado e alguns mercadores de escravos por perto.
Depois de um pouco de errĂąncia, encontramos trĂȘs estabelecimentos que vendiam pessoas. O primeiro nos recusou, dizendo que precisĂĄvamos de um convite para entrar, e o segundo nĂŁo foi muito melhor. Shahza havia chegado antes de nĂłs e instruĂdo que nĂŁo vendessem para ninguĂ©m da Guilda dos Curandeiros.
O terceiro local, prĂłximo Ă s favelas, nĂŁo era nossa primeira escolha, mas, naquele ponto, era nossa Ășltima esperança. A aparĂȘncia suja do prĂ©dio nĂŁo significava que eles nĂŁo tivessem guerreiros fortes.
â Todos, esperem aqui fora. Vou procurar por artesĂŁos fortes e capazes. Algo mais que devo considerar?
Ninguém respondeu, então entrei na loja. O interior, surpreendentemente, não era tão sujo quanto o exterior, mas também não era bonito.
â VocĂȘs vendem escravos aqui?
â Humano, hein? NĂŁo vejo muitos de vocĂȘs por aqui. â Um sorriso vulgar surgiu no rosto do dono, que tinha orelhas de lobo. â Sim, temos escravos, mas vai te custar pelo menos cinco moedas de ouro. Tem o dinheiro?
Eu não estava acostumado a lidar com esse tipo de comerciante inescrupuloso, mas não tinha muitas opçÔes.
â Tenho bastante. â Respondi com confiança fingida. â Quanto custa o mais caro que vocĂȘ tem?
â Metido, hein? Um elfo sai por cinco moedas de platina. Serve pra vocĂȘ?
Ele estava de olho na minha bolsa enquanto falava, mas mantive a compostura.
â SĂł verificando o preço mĂĄximo. Detesto pensar que vocĂȘ mantĂ©m um elfo nesse lugar imundo.
â TĂĄ tirando com a minha cara? Vou limpar isso aqui no dia em que tirar teia de aranha me der dinheiro, moleque.
O tom do homem mudou rapidamente quando percebeu que dinheiro estava envolvido.
â Que pena. â Tirei uma moeda de platina e a segurei entre os dedos. â Prefiro fazer compras em lugares mais higiĂȘnicos.
As orelhas dele se ergueram e sua cauda começou a balançar.
â Agora, senhor, precisava mesmo de toda essa encenação? Eu sabia que vocĂȘ era gente boa!
â Me mostre todos os escravos que tem. Se me der um desconto, talvez eu atĂ© ajude a limpar esse lugar.
O homem-lobo concordou imediatamente, esfregando as mãos com um sorriso traiçoeiro enquanto me guiava para dentro.
Cada escravo tinha sua prĂłpria cela privada, com homens e mulheres separados por andar. Começamos o tour pelo andar feminino, começando com a elfa mencionada. Mas, toda vez que eu encontrava o olhar de uma delas, desviavam os olhos, desapontadas. Sem dĂșvida, assumiam que um jovem como eu nĂŁo teria dinheiro para comprĂĄ-las. Felizmente, todas pareciam estar em um estado decente o suficiente para que eu nĂŁo me sentisse obrigado a levar todas.
Continuamos até que percebi que não havia outros funcionårios por perto, mas essa preocupação logo desapareceu da minha mente.
Entre os escravos, vi muitos que haviam perdido um ou vårios membros, inclusive crianças. Tive que me controlar para não curar cada um deles, mas só estaria ajudando o negócio do mercador de escravos se fizesse isso. Cerrei os punhos e aguentei.
Havia escravos de quase todas as raças que eu conseguia imaginar: humanos, anĂ”es, draconianos, elfos e atĂ© homens-fera. Eu me perguntava como um buraco desses conseguia lucrar o suficiente para ter uma variedade tĂŁo grande. Seria normal? DifĂcil dizer, jĂĄ que nĂŁo cheguei a ver os outros dois lugares.
O dono da loja continuava falando sobre preços e negĂłcios, se gabando de como eu nunca encontraria draconianos ou elfos como os dele em outro lugar, mas as palavras entravam por um ouvido e saĂam pelo outro.
â Por que todos parecem tĂŁo sem vida?
Muitos nem pareciam querer sair de suas celas, como se simplesmente estivessem cansados de viver. Os escravos de Bottaculli nĂŁo estavam exatamente radiantes, mas ainda havia um brilho em seus olhos.
â SĂŁo escravos. Isso te surpreende? â respondeu ele, erguendo uma sobrancelha.
â Acho que nĂŁo. Me mostre seus homens agora. Decidirei depois disso.
No momento em que falei, senti o ar na sala mudar ao redor dos escravos em suas celas. Ignorei e segui o comerciante.
â Por aqui. â Ele riu, mas nĂŁo consegui dizer se era por minha causa ou por seus produtos.
O andar masculino tinha bem menos prisioneiros do que o feminino. O homem-lobo continuou com seu discurso de vendas, mas eu o ignorei e me concentrei nos escravos Ă minha frente.
Brod me ensinou um truque para testar a força de alguĂ©m: emitir uma aura intensa de intimidação. Eu havia evitado usĂĄ-la no andar das mulheres, mas agora deixei-a fluir livremente. Alguns dos homens se encolheram, enquanto outros retribuĂram com olhares afiados. Dentre esses, escolhi trĂȘs que nĂŁo demonstraram nenhuma reação.
â O anĂŁo sem braços, o cara mais velho com os tendĂ”es cortados e o jovem de cabelo escuro. Quero falar com eles individualmente. Quanto custam?
O comerciante desanimou. Eles deviam estar entre os mais baratos.
â O anĂŁo jĂĄ foi um grande ferreiro, pelo que dizem. Perdeu os dois braços em um acidente, entĂŁo sĂł pode dar conselhos. Cinco moedas de ouro. O segundo pode parecer velho, mas Ă© de meia-idade, juro. Dizem que era experiente no campo de batalha, mas foi traĂdo pelos aliados. Envenenaram ele e cortaram os tendĂ”es das pernas. NĂŁo vai andar, mas depois de tudo que gastei com ele, nĂŁo vendo por menos de cinco de ouro. E esse pirralho sujo Ă© um prisioneiro de guerra. Acabou vindo parar aqui e agora estou preso com ele. Mas ele Ă© jovem, entĂŁo, vinte de ouro.
Se ele estava tentando fazer uma venda agressiva, nĂŁo estava fazendo um bom trabalho. Mas, dessa vez, consegui obter algumas informaçÔes valiosas em meio Ă sua tagarelice. Principalmente, que ao recuperar a forma fĂsica do anĂŁo e do guerreiro (literalmente) com Extra Cura, eu poderia trazer aliados poderosos e motivados para o lado da guilda com bastante facilidade. Sua Santidade havia me proibido de usar esse feitiço, mas tempos difĂceis exigiam medidas drĂĄsticas.
â Entendido. Gostaria de falar com eles agora. Em particular, se possĂvel. Com certeza nĂŁo hĂĄ problema, certo? VocĂȘ nĂŁo negaria isso a um cliente, negaria?
Ele riu.
â Sem problema. Sem problema algum!
Se eu nĂŁo gastasse meu dinheiro aqui, onde mais gastaria? O mercador de escravos nĂŁo precisava saber disso, Ă© claro, mas ainda assim.
O anão sem braços entrou primeiro na pequena sala de reuniÔes, arrastando os pés sem entusiasmo. Não havia vida em seu olhar.
â Sente-se â sugeri. â SĂł quero fazer algumas perguntas. E, por favor, responda com sinceridade. Ah, mas antes, deixe-me me apresentar. Meu nome Ă© Luciel, e sou um curandeiro de rank S. Agora, suponha que vocĂȘ tivesse seus braços de volta. VocĂȘ tem outras habilidades alĂ©m da metalurgia? Carpintaria, talvez?
O anĂŁo bufou.
â Com quem acha que tĂĄ falando?
Uma chama surgiu nos olhos antes apagados.
â Eu nasci pra forjar, garoto! Abençoado pelo Ferreiro Divino desde o nascimento! Acha que bater em metal Ă© tudo que envolve o trabalho com ferro?!
Seu olhar estava carregado de indignação. Ele estava ofendido por eu ter ousado questionar suas habilidades. Sem dĂșvida, teria feito um escĂąndalo se ainda tivesse os braços.
â EntĂŁo, presumo que seja confiante.
â Melhor escolher bem suas prĂłximas palavras, moleque.
Eu estava tĂŁo perto de estragar tudo quanto de fechar o negĂłcio.
â Deixe-me ser mais especĂfico. â Fixei os olhos nos dele. â Se vocĂȘ tivesse seus braços de volta, estaria disposto a jurar lealdade e ajudar na reconstrução da Guilda dos Curandeiros local?
O anĂŁo hesitou.
â Talvez. Se o trabalho nĂŁo for muito ruim.
Ele soltou as palavras com dificuldade, tentando e falhando em esconder o tremor em sua voz. O espĂrito de um artesĂŁo era algo difĂcil de extinguir.
Isso resolve a questĂŁo.
â Qual Ă© o seu nome?
â Dhoran.
â Bem, Dhoran, tenho mais uma pergunta. HĂĄ mais alguĂ©m aqui que vocĂȘ gostaria que eu comprasse junto com vocĂȘ?
â Por que pergunta?
Era difĂcil nĂŁo notar o quanto ele estava inquieto, ou os olhares ocasionais que lançava para o andar das mulheres.
â Se vocĂȘ jurar usar suas habilidades para a Guilda dos Curandeiros, incluindo auxiliar na reconstrução da sede e na produção de armas e armaduras, prometo que nĂŁo encontrarĂĄ um lugar melhor para colocĂĄ-las em uso. â Sorri.
Ele hesitou.
â VocĂȘ Ă© um rank S, hein? Um curandeiro? Se isso significa o mesmo que para os aventureiros, entĂŁo vocĂȘ tem dinheiro de sobra.
â Pode-se dizer que sim. Fiz uma pequena fortuna derrotando monstros mortos-vivos imundos por alguns anos.
Dhoran fechou os olhos, provavelmente tentando esconder a leve angĂșstia em minha expressĂŁo, e entĂŁo grunhiu baixinho em reconhecimento.
â NĂŁo precisa se preocupar com minhas finanças. Diga-me quem mais vocĂȘ quer que eu compre.
â Uma mestiça de humano e anĂŁo. Minha neta, Pola. VocĂȘ a viu? Ă uma garota quieta. Cabelos castanho-avermelhados. SĂł tem dezesseis anos.
O nervosismo de antes desapareceu, dando lugar Ă emoção crua e Ă preocupação, que superaram seu orgulho. A famĂlia fazia isso com as pessoas Ă s vezes.
â Vou procurĂĄ-la assim que terminar de conversar com os outros. VocĂȘ tem minha palavra.
O prĂłximo a entrar foi o velho ex-guerreiro. Considerando suas pernas debilitadas, eu esperava que ele viesse em uma cadeira de rodas, mas ele entrou se arrastando sobre um par de muletas.

Eu pude perceber imediatamente o quĂŁo bem construĂdo e forte esse cara era, apenas por essa demonstração.
â Vou direto ao ponto â eu disse. â Consigo sentir o quĂŁo forte vocĂȘ Ă©. VocĂȘ tem a mesma presença do meu mestre.
Eu senti a aura ao redor dele mudar imediatamente.
â E o que tem isso? â ele respondeu.
â Ouvi dizer que foram seus aliados que fizeram isso com vocĂȘ. Pessoas em quem vocĂȘ confiava. VocĂȘ estĂĄ em busca de vingança?
Ele riu de forma debochada.
â Vingança? Contra quem? Uma nação inteira? NĂŁo, meu passado Ă© irrelevante. Estou mais interessado em saber que tipo de mestre poderia treinar um curandeiro para ter esse tipo de fĂsico.
A juventude parecia voltar à sua expressão cansada. Algo nele me atingiu da mesma forma que Brod. Talvez todos os lutadores desse calibre compartilhassem uma certa vibração.
â Ele Ă© conhecido como o FuracĂŁo, se isso satisfaz sua curiosidade. Mas quem Ă© vocĂȘ? AliĂĄs, deixa pra lĂĄ. Esse vai e vem nĂŁo vai nos levar a lugar nenhum. Sobre suas pernas, o veneno as torna incurĂĄveis?
â Foi o que me disseram. â Ele voltou a se encolher, parecendo o velho de antes.
â Se eu ajudar vocĂȘ a andar de novo, vocĂȘ juraria proteger a mim e aos meus companheiros?
â Sou velho, garoto. Qual Ă© o seu objetivo? â Mais uma vez, uma chama brilhou em seus olhos.
â Estou procurando pessoas para proteger o Guilda dos Curandeiros local e nossos pertences. Talvez se juntar a mim e ao meu time nos treinos de vez em quando. Parece viĂĄvel?
â SĂł isso?
Serå que senti um toque de frustração?
â Por enquanto. AtĂ© eu pensar em mais alguma coisa com que vocĂȘ possa ajudar.
O homem riu e, em seguida, soltou uma gargalhada.
â Parece um punhado de problemas! Tudo bem, se sua palavra for boa e vocĂȘ me fizer andar de novo, eu te chamarei de senhor, mestre ou o que quiser.
â Espero que nĂŁo se arrependa de dizer isso.
O fogo no olhar dele havia sido reacendido, e eu parei de tentar acompanhar quantos anos ele aparentava ter de um momento para o outro. Comecei a me perguntar se era o Senhor da Sorte quem havia nos reunido depois que os outros dois mercados de escravos nos recusaram.
Assim como fiz com Dhoran, perguntei ao homem mais velho seu nome e quem mais ele queria que eu comprasse.
â Eu sou Lionel â ele respondeu. â E tem uma humana chamada Nalia e uma mulher-gato chamada Ketty que eu gostaria que vocĂȘ encontrasse. TĂȘm trinta e trĂȘs e vinte e trĂȘs anos, respectivamente.
â Entendido. Espero que vocĂȘ retribua o favor.
â Da melhor forma que puder, com essas pernas.
Minha Ășltima reuniĂŁo foi com o jovem que tinha mais ou menos a minha idade.
â Ouvi dizer que vocĂȘ Ă© um prisioneiro de guerra. Ă verdade? â perguntei.
â Sim. Sou filho da realeza, e o impĂ©rio me usou como refĂ©m quando invadiram. â Havia uma paixĂŁo nele, diferente dos outros escravos. Liguei os pontos e imaginei que ele devia ter vindo de Luburk, considerando o conflito em andamento com Illumasia.
â EntĂŁo, deixe-me perguntar uma coisa: qual Ă© o seu objetivo? Ă vingança? Se for, sinto muito, mas nĂŁo posso te ajudar com isso.
Ele me encarou em silĂȘncio.
â Estou aqui para fundar uma Guilda dos Curandeiros neste paĂs e preciso de ajuda. Escravo ou nĂŁo, pretendo tratar todos os envolvidos com humanidade, entĂŁo, se puder me prometer que viverĂĄ sua vida com esse objetivo, eu o acolherei. Se nĂŁo, terĂĄ que encontrar outra pessoa para buscar retribuição. A escolha Ă© sua.
A segurança vinha sempre em primeiro lugar. Eu não estava no mercado de ressentimentos ou inimigos.
O jovem contemplou isso com uma expressĂŁo sombria e entĂŁo perguntou:
â Por quanto tempo vocĂȘ me manteria?
Fiquei sem resposta. NĂŁo tive a chance de considerar essa questĂŁo e nĂŁo tinha uma resposta pronta. Mentir nĂŁo adiantaria; isso era Ăłbvio.
Ficamos em silĂȘncio por um tempo, atĂ© que finalmente respondi:
â Para ser sincero, nĂŁo acho que poderia te libertar tĂŁo cedo. NĂŁo tenho ideia de quanto tempo levarĂĄ para estabelecer a guilda, sem falar em administrar novas clĂnicas. Honestamente, nĂŁo posso oferecer um prazo agora.
Fiz minha pesquisa sobre escravos depois do incidente com Bottaculli em Merratoni. NĂŁo havia nenhuma condição que um escravo, exceto os ligados a dĂvidas ou crimes menores, pudesse cumprir para se libertar. Somente a vontade do mestre poderia realizar isso.
â Eu… â O homem abaixou a cabeça e cerrou os punhos atĂ© que seus nĂłs dos dedos ficassem brancos.
Fiz mais algumas perguntas, mas sua luz se apagou. Eu teria que deixå-lo ali, e eu sabia disso. Tudo o que pude oferecer foi uma oração para que encontrasse um dono gentil e um pouco de magia para arrumar seu cabelo bagunçado.
â Obrigado, senhor â ele disse em um sussurro fraco. â Pode me deixar aqui. Por favor, nĂŁo me compre.
E, com isso, ele saiu da sala. Eu sabia que, se o comprasse, o vazio em seu coração nunca seria preenchido. A escuridão dentro dele apenas aumentaria.
â Algumas coisas estĂŁo alĂ©m do nosso controle â murmurei, encarando a porta por onde ele havia saĂdo. â Se eu tivesse ao menos metade do coração dos arcebispos, talvez pudesse ter feito algo para ajudĂĄ-lo, nem que fosse um pouco.
Depois de um momento, deixei a sala também.
O mercador de escravos esperava do lado de fora do quarto, mĂŁos juntas e um sorriso ainda mais largo no rosto.
â Vou levar o anĂŁo e o guerreiro â eu disse. â Mas antes, quero dar outra olhada nas mulheres para conseguir mais algumas mĂŁos extras.
â Seu negĂłcio Ă© muito apreciado â ele zombou.
Seguimos para o andar das mulheres, e eu jĂĄ sabia exatamente quem procurar. A halfling, uma humana e uma mulher-gato, repeti mentalmente. Minha intenção era comprĂĄ-las pelo mesmo motivo dos dois homens, e nĂŁo como acompanhantes para os escravos masculinos. Eu preferiria muito mais tĂȘ-las do que qualquer outra pessoa ali. Diga o que quiser sobre encher os bolsos desse mercador, mas, no mĂnimo, eu tinha certeza de que a presença delas ajudaria a conquistar a confiança de todos.
Assim que chegamos, examinei as celas, mantendo suas descriçÔes em mente, e logo encontrei minhas alvos.
â Posso fazer algumas perguntas a elas? â perguntei ao mercador.
â Mas Ă© claro.
Ele claramente jĂĄ havia percebido que eu estava buscando pessoas ligadas aos dois primeiros homens e, sem dĂșvida, iria me explorar no preço, mas deixei passar. Gostando ou nĂŁo, era um gasto necessĂĄrio.
Parei diante da garota de cabelos castanho-queimados primeiro. Ela era minĂșscula, mal chegava Ă altura do meu peito.
â VocĂȘ Ă© Pola? â perguntei suavemente. â Se nĂŁo quiser falar, pode apenas acenar com a cabeça.
Ela hesitou por um instante, entĂŁo assentiu levemente.
â Eu sou Luciel. Dhoran me pediu para te encontrar. NĂŁo se preocupe, nĂŁo vou te obrigar a fazer nada que vocĂȘ nĂŁo queira, tĂĄ bem? SĂł quero que ajude Dhoran no trabalho dele.
â O vovĂŽ estĂĄ vindo? â a garota perguntou, impassĂvel. Seu rosto mal se mexeu ao falar, mas eu senti sua guarda baixar um pouco.
â Isso mesmo. Vou consertar os braços dele.
Ela inclinou a cabeça.
â VocĂȘ Ă© um deus?

â Infelizmente, nĂŁo â respondi com um sorriso sem jeito. â VocĂȘ vai me ajudar a reconstruir a Guilda dos Curandeiros com o seu avĂŽ? Pode me prometer isso?
â Prometo. Desde que o vovĂŽ esteja lĂĄ.
Notei um leve sorriso em seu rosto.
Em seguida, encontrei as garotas que Lionel havia mencionado: Nalia e Ketty. Suas celas ficavam uma ao lado da outra.
â Sou Luciel â disse a elas. â Estou aqui para comprar vocĂȘs a pedido do Lionel. VocĂȘs nĂŁo serĂŁo forçadas a nada que nĂŁo queiram fazer. Apenas trabalho braçal. Alguma pergunta?
â O senhor Lionel estĂĄ bem? â perguntou a humana.
â Sim. Os tendĂ”es dele foram cortados, e ele nĂŁo pode andar, mas pretendo resolver isso. NĂŁo se preocupem.
â Por favor, faça o que puder.
â Essa gatinha estĂĄ com o senhor Lionel! â miou a mulher-gato. â Eu vou para onde ele for!
â Eu tambĂ©m. Contanto que eu esteja ao lado dele, seu desejo Ă© uma ordem.
Certo… Quem era esse cara, afinal? Havia mais em Lionel do que ele deixava transparecer, mas deixei isso para depois. Elas funcionariam bem como um trio.
â Mercador â chamei â, vou levar essas trĂȘs, alĂ©m do anĂŁo e do homem mais velho com quem falei antes. Quanto custa?
â Digamos… uma moeda de platina â ele respondeu.
Eu sabia que ele ia me arrancar atĂ© a Ășltima moeda… espera, isso nĂŁo era tĂŁo ruim. Escravas costumavam ser bem mais caras, mas esse preço era cerca de vinte moedas de ouro a menos do que eu esperava.
â Isso estĂĄ mais barato do que eu planejava. Por que a gentileza?
â Sabe como Ă©, tenho a sensação de que eu e vocĂȘ ainda vamos nos conhecer muito bem no futuro. Quem compra tantos escravos de uma vez provavelmente vai precisar de mais depois.
Tenho que admitir, ele dominava a arte do sorriso ardiloso e do esfregar de mãos. Infelizmente para ele, eu não via nosso relacionamento indo além de hoje, por mais lógica que sua afirmação tivesse.
Depois de um momento desconfortĂĄvel, respondi:
â Suponho que sim. NĂŁo planejava comprar as garotas, mas se dinheiro for o suficiente para motivar os outros, tudo bem. Quem sabe eu acabe precisando de mais no futuro.
â Uma possibilidade muito real, senhor! â exclamou. â Escute, vai acontecer um leilĂŁo daqui a alguns meses. Pegue esse convite. Ele vai garantir sua entrada.
Um leilĂŁo de escravos? Organizado por homens-fera?
â HĂŁ… certo. Mas por que eu? VocĂȘ entrega isso para todo mundo que compra aqui?
â De jeito nenhum. Nem qualquer um pode participar. Eles me pedem para entregar os convites para pessoas com dinheiro de sobra.
â E o que vocĂȘ ganha com isso? â Um mercador fazendo favores sem motivo sĂł poderia significar duas coisas: ou era louco, ou era uma armadilha. NĂŁo havia meio-termo.
â NĂłs, comerciantes, recebemos um bĂŽnus de dez por cento por cada escravo comprado por alguĂ©m que convidamos. VocĂȘ arremata uns lances, continua comprando aqui… e todo mundo sai ganhando.
Tive a impressão de que ele não estava mentindo, mas isso não significava que eu confiava nele. Suas intençÔes não eram da minha conta, então comprei o que precisava e saà do estabelecimento.
Minha equipe ficou um pouco surpresa ao me ver sair com cinco pessoas, mas deixei as explicaçÔes para depois e seguimos de volta à guilda, com os cavaleiros carregando Lionel.
Ao chegarmos ao salão da guilda, coloquei todos a par da situação e imediatamente tratei Dhoran e Lionel com Cura Extra e Recover.
E, de repente, todos ao meu redor começaram a se ajoelhar.
â HĂŁ, o que… â gaguejei. â O que estĂĄ acontecendo? Por que estĂŁo me adorando?
NĂŁo me levem a mal, eu sabia que a habilidade de restaurar membros perdidos era impressionante, mas mesmo assim… Dhoran girava os braços regenerados e apertava os punhos, incrĂ©dulo, enquanto Lionel, jĂĄ de pĂ© e sem um Ășnico cicatriz nas pernas, dava passos hesitantes e pulinhos, se reacostumando ao movimento. Incapaz de se conter, Pola pulou nos braços novos do avĂŽ, e as garotas de Lionel logo a seguiram.
Os cavaleiros que vieram comigo da Igreja jå conheciam o feitiço Cura Extra, mas nunca o tinham visto em ação. E, por mais que eu insistisse, eles não paravam de rezar para mim. Só quando sua devoção começou a influenciar os ex-escravos é que fiquei verdadeiramente constrangido.
ApĂłs incontĂĄveis sĂșplicas, finalmente desistiram, e fiz todos se apresentarem aos novos recrutas. Mesmo assim, continuavam com aquela reverĂȘncia irritante. Era exaustivo, para dizer o mĂnimo, e de repente passei a respeitar muito mais quem tinha energia para viver sendo tratado como uma divindade. Eu, tĂmido do jeito que sou, definitivamente nĂŁo estava acostumado com esse tipo de coisa.
â Todos prontos? Ătimo. Aqui estĂĄ o plano. Novatos, este serĂĄ seu lar e local de trabalho a partir de agora. â Dei uma olhada ao redor para garantir que todos estavam atentos. â Esse salĂŁo tem trĂȘs andares e um porĂŁo. O terceiro andar serĂĄ o escritĂłrio do mestre da guilda, o segundo serĂĄ o alojamento dos cavaleiros e curandeiros, e este andar serĂĄ a recepção. O porĂŁo servirĂĄ como seus prĂłprios aposentos.
Os escravos assentiram.
â Dhoran â continuei â, posso deixar vocĂȘ encarregado de colocar esse lugar em ordem? SĂł um aviso: ele estĂĄ abandonado hĂĄ anos.
â Considere feito â respondeu o anĂŁo. â E somos escravos, garoto. Agradeceria se cortasse as formalidades.
â Igualmente â comentou Lionel.
Eles pareciam bem mais relaxados desde que foram curados. Talvez até demais? Bom, provavelmente era a forma deles demonstrarem gratidão.
â Se insistem… quer dizer, tudo bem. NĂŁo estou acostumado a ser tĂŁo informal, entĂŁo se eu acabar voltando para o modo educado, apenas ignorem.
Eles assentiram, reconhecendo meu pedido.
â Enfim, voltando ao assunto principal. Dhoran, tenho certeza de que jĂĄ notou os buracos no teto e no chĂŁo. Me avise de quais materiais vai precisar.
â Pode deixar.
â Ah, e eu esqueci de mencionar que hĂĄ trĂȘs depĂłsitos no andar de baixo. Dhoran e Pola dividirĂŁo um; Ketty e Nalia outro, e Lionel ficarĂĄ com o menor para ele mesmo.
â Entendido â respondeu Lionel.
â Seu trabalho serĂĄ a segurança. Pelo que eu entendi, esta cidade nĂŁo Ă© das mais organizadas, e estamos nos becos. Pretendo manter os cavalos dentro por um tempo, jĂĄ que deixĂĄ-los do lado de fora Ă© arriscado, mas nĂŁo podemos fazer isso para sempre.
â EntĂŁo Ă© trabalho de estĂĄbulo, Ă© isso?
â Por enquanto. AtĂ© conseguirmos construir um estĂĄbulo de verdade no salĂŁo, mas, no momento, nĂŁo temos espaço para expandir. Qualquer ideia que tiver, fale com Dhoran. Isso vale para todos da Ordem tambĂ©m. Pensem neste lugar como nossa fortaleza. Todos temos que fazer a nossa parte para manter isso funcionando.
â Sim, senhor! â meu grupo respondeu em coro, sorrisos por toda parte.
Eles rapidamente se perderam em pensamentos, animados com a possibilidade de algumas melhorias no local. Dhoran ergueu a mĂŁo com um brilho nos olhos.
â Alguma coisa a acrescentar?
â Aye. Se o que falta Ă© espaço, tem de sobra no subsolo. Tudo que preciso sĂŁo algumas pedras mĂĄgicas e uns feitiços, e posso expandir o porĂŁo o quanto quiser. Mas, se quiser construir para cima, vou precisar de madeira e ferro.
â VocĂȘ consegue fazer isso com pedras mĂĄgicas?
Fiquei meio confuso. Como ele ia escavar tanto espaço sem fazer o prĂ©dio inteiro desabar? E o que ele faria com toda a terra? NĂŁo dava para simplesmente explicar tudo com um “porque magia”.
Na verdade, pensando bem⊠dava sim.
â NĂłs, anĂ”es, seguimos nosso caminho pedindo emprestado o poder dos espĂritos da terra e do fogo. NĂŁo hĂĄ terra que nĂŁo possamos moldar Ă nossa vontade, nem ferro que nĂŁo possamos forjar, garotoâ quer dizer, senhor.
â Mas, vovĂŽ, vocĂȘ explodiu a forja uma vez tentando sintetizar minĂ©rio â Pola comentou baixinho.
Dhoran corou, coçando a bochecha de maneira constrangedora e desviando o olhar para o nada.
â EntĂŁo, basicamente â eu disse â, vocĂȘ pode aumentar o porĂŁo com pedras mĂĄgicas suficientes. Certo?
â Aye, quer dizer, sim, senhor. Melhor deixar esse tipo de trabalho para os anĂ”es, a menos que queira transformar o salĂŁo num monte de escombros. NĂłs conseguimos ouvir os espĂritos da terra e cavar mais fundo e com mais segurança do que qualquer outra raça.
Tudo que eu estava entendendo era que os anÔes eram meio OP. O que os impedia de cavar por baixo das cidades e fazer naçÔes inteiras desmoronarem de dentro para fora?
Nota mental: não mexer com anÔes.
Lhe dei um sorriso nervoso. â Bom saber. Vamos seguir com isso por enquanto. Devagar e com cuidado. Continuando⊠Quem aqui sabe cozinhar?
Nalia foi a Ășnica a me encarar e assentir. Ketty e Pola evitaram meus olhos como se suas vidas dependessem disso.
â Entendido. Eu tambĂ©m cozinho um pouco, entĂŁo vou precisar da sua ajuda, Nalia.
â Sim, Mestre.
Foi aĂ que percebi que tinha esquecido de considerar a natureza do nosso relacionamento. “Mestre” era um pouco pesado, entĂŁo fiquei quieto por um momento, pensando no assunto.
â Sabe, nunca gostei das formalidades da Igreja. “Senhor” pra cĂĄ, “mister” pra lĂĄ. Me chamem sĂł de Luciel, ou chefe, ou algo assim.
Seguiu-se uma cacofonia de “chefe” e “senhor” como resposta. Com o bĂĄsico resolvido, achei que precisĂĄvamos de uma ida Ă s compras para tirar todo mundo desses trapos. Mas um grupo de quase vinte pessoas tornava isso complicado.
â Precisamos comprar roupas, camas e comida. Lionel, topa ser guarda-costas?
â Espera um minuto â Piaza interveio. â Por que um escravo estĂĄ tomando nosso lugar? NĂłs somos sua guarda, senhor.
Os outros cavaleiros pareciam igualmente incomodados. Mas eu me sentia mais seguro com alguém que me lembrava do meu mestre.
â Hmm, bom, eu explico depois. Por ora, vou levar Lionel.
â Se o senhor diz⊠â Piaza suspirou, resignado.
â Obrigado por entender. EntĂŁo, Lionel, qual sua especialidade?
Um brilho passou pelos olhos dele. â Posso usar quase qualquer arma, mas sou mais proficiente com uma espada grande ou uma lança longa.
Qual era a desse cara com lutas? Eu que estava louco? Honestamente, ele me lembrava do meu mestre a cada minuto que passava. SĂł que bem mais musculoso.
â Certo, vou te emprestar a espada que meu mestre me deu. Serve?
â Perfeitamente.
â O resto de vocĂȘs, comecem a arrumar tudo, incluindo os itens mĂĄgicos. Vou deixar tudo aqui.
Percebi Pola se animando ao ouvir a palavra “mĂĄgico”, enquanto os outros apenas confirmavam.
â NĂŁo sei se Ă© uma boa ideia deixar o velho Lionel sozinho tĂŁo cedo depois de se recuperar â Ketty disse. â Me leva junto! Sou um desastre na cozinha, mas minhas garras sĂŁo afiadas!
Hesitei por um momento, mas entĂŁo me lembrei de que estĂĄvamos num paĂs de homens-fera e que comprar roupas provavelmente significava comprar roupas Ăntimas femininas. Rapidamente aceitei sua companhia.
Lionel pegou minha longa espada de prata sagrada e a analisou cuidadosamente antes de embainhĂĄ-la, sem que eu tivesse tempo de pensar muito nisso. Ele me olhou e disse:
â Seu mestre se importa muito com vocĂȘ.
Eu sorri e assenti.
Mais tarde, enquanto eu descarregava os pertences de todos da minha bolsa mågica, Nalia se encarregou de dar um jeito na bagunça que era a barba desgrenhada de Lionel (não havia tempo suficiente para cortar o cabelo). Quando ela terminou, o homem diante de nós jå não era mais Lionel, e sim um guerreiro digno e respeitåvel. O salão inteiro congelou ao ver sua transformação, e eu não fui exceção.
Antes de sairmos, dei a ele e a Ketty meus antigos mantos, e entĂŁo partimos.
Fomos de barraca em barraca, comprando vegetais e frutas sempre que possĂvel, o que se mostrou um pouco difĂcil graças Ă influĂȘncia de Shahza. A maior parte das nossas compras foi feita nos poucos lugares que aceitavam nos vender algo. Seria muito fĂĄcil para eles simplesmente nos deixarem morrer de fome. No pior dos casos, eu teria que entrar em contato com Shurule para conseguir mantimentos. Dhoran pediu o mĂĄximo de ferro que encontrĂĄssemos, incluindo armas, ferramentas e utensĂlios, fossem eles de boa qualidade ou nĂŁo, alĂ©m de madeira, que eu tinha certeza de que pagamos mais caro do que devĂamos.
â Voltem sempre!
â Finalmente terminamos as compras.
â Isso foi bem mais difĂcil do que precisava ser â murmurei com um suspiro. â Nesse ritmo, nem vamos durar tempo suficiente para provar nosso valor.
De repente, Lionel e Ketty pararam de andar.
â JĂĄ esperava que eles atacassem mais cedo ou mais tarde.
â Que tentativa ridĂcula de nos seguir. Mas devo dizer que foi ousado para uns meros bandidos. Prontos?
â Sempre â ronronou Ketty.
Os dois desembainharam suas lĂąminas, e mesmo que eu estivesse um passo atrĂĄs, ficou Ăłbvio que a luta era inevitĂĄvel.
Lancei Barreira de Ărea e ordenei:
â Se nĂŁo forem monstros, evitem matar!
Eles assentiram e tomaram posição Ă minha frente e atrĂĄs de mim. De repente, inimigos armados atĂ© os dentes saltaram das sombras dos prĂ©dios ao redor e sacaram suas armas… para o azar deles.
Lionel embainhou a espada novamente e começou a derrubar atacantes com a bainha, encaixando alguns socos bem dados enquanto desviava dos golpes.
â Vamos lĂĄ! Me deem um desafio!
Ele parecia um chefe de videogame em carne e osso. Ketty, por outro lado, os esmagava com uma velocidade que eu mal conseguia acompanhar. Desviando agilmente enquanto lùminas cortavam o ar, ela derrubava um por um com socos bem colocados, chutes giratórios no rosto e até algumas pancadas com o lado chato da lùmina, só para garantir.
â Fica tranquilo, nĂŁo estamos cortando eles! SĂł vĂŁo tirar um cochilinho!
Como diabos esses dois tinham acabado como escravos?
Em instantes, nossos atacantes estavam neutralizados e, comicamente, amarrados juntos em um grande grupo com uma corda que tirei da minha bolsa â depois que terminei de encarar tudo em choque. O fato de termos sido atacados nem parecia mais tĂŁo relevante depois daquilo.
Eu tinha decidido levar os agressores Ă guilda para interrogatĂłrio quando Lionel me interrompeu.
â Devemos levĂĄ-los atĂ© o chefe de estado de Yenice, Luciel. Se os entregarmos na nossa prĂłpria sede, Ă© capaz de acusarem a gente de sequestro.
NĂŁo era uma mĂĄ ideia. Segui seu conselho e partimos, com Lionel arrastando os treze atacantes atrĂĄs de nĂłs. Eu jĂĄ estava acostumado com o fato de que nĂveis e atributos tornavam impossĂvel julgar alguĂ©m apenas pela aparĂȘncia neste mundo, mas mesmo assim, ver aquele homem carregando o peso de mais de uma dĂșzia de pessoas era impressionante. Uma pergunta ecoava na minha mente: quem diabos Ă© esse cara?
Ketty permaneceu em alerta mĂĄximo enquanto continuĂĄvamos pela cidade, ignorando olhares arregalados e suspiros chocados, rumo ao que parecia ser a maior propriedade da cidade, a mesma que tĂnhamos visto ao chegar. Ficava a uns cinco minutos do mercado e parecia nossa melhor aposta para encontrar Shahza e suas tropas.
Ao nos aproximarmos do edifĂcio, os guardas do portĂŁo congelaram, atĂŽnitos. E, para falar a verdade, eu nĂŁo os culpava. Se eu estivesse no lugar deles â sendo a Ășnica barreira entre um grupo de estranhos arrastando uma dĂșzia de corpos e o seu destino â provavelmente teria desmaiado.
Endireitei a postura e foquei.
â Sou Luciel, curandeiro de Rank S. Fomos atacados durante nossas compras, e estou aqui para expressar minha preocupação com a segurança pĂșblica. Posso falar com Shahza?
Os soldados imediatamente correram para dentro, em pĂąnico.
â NĂŁo nos mandaram esperar, entĂŁo suponho que isso signifique que podemos entrar. â Sem me dar tempo para processar sua lĂłgica, Lionel adentrou os portĂ”es, arrastando os corpos atrĂĄs dele.
â Esse Ă© o nosso Lionel! â Ketty o seguiu sem hesitação. â E aĂ, chefe? Vamos nessa!
Eu nĂŁo gostava da ideia de ficar sozinho do lado de fora, entĂŁo me apressei atrĂĄs deles.
â Isso nĂŁo Ă©… sei lĂĄ, invasĂŁo?
â Como assim? â Lionel perguntou alguns passos Ă frente. â VocĂȘ Ă© um curandeiro de Rank S. O Ășnico no mundo, aliĂĄs.
â Sim, e daĂ?
â VocĂȘ teria total direito de transformar essa confusĂŁo em um incidente diplomĂĄtico. Seus anfitriĂ”es deveriam estar agradecendo aos cĂ©us por vocĂȘ estar disposto a resolver isso pacificamente! â Ele soltou uma gargalhada poderosa.
Eu jĂĄ tinha pensado nisso antes, e pensaria de novo: quem diabos Ă© esse cara? Era simplesmente inconcebĂvel para mim que um homem como ele tivesse acabado como escravo.
Enquanto me perdia em pensamentos, Lionel seguia em frente. Ketty, por sua vez, parecia em seu prĂłprio mundinho, cantarolando como se jĂĄ tivesse feito isso um milhĂŁo de vezes.
Ao atravessarmos o pĂĄtio e chegarmos Ă entrada do edifĂcio, Shahza e vĂĄrios homens-fera saĂram Ă s pressas, entre eles, Orga, o pai de Sheila.
Lionel os encarou.
â Meu mestre, o Ășnico curandeiro de Rank S do mundo, foi atacado! â rugiu. â Atacado enquanto fazia negĂłcios na sua cidade! VocĂȘs irĂŁo corrigir essa injustiça, aqui e agora!
Shahza se encolheu como um gato assustado, e os outros abaixaram a cabeça. O jeito que Lionel se portava, como comandava a situação como um verdadeiro herĂłi de uma histĂłria â isso sim era digno de um protagonista. Os sete polĂticos e trĂȘs soldados diante de nĂłs estavam sem palavras.
â O silĂȘncio nĂŁo vai salvĂĄ-los â continuou Lionel, agora em um tom mais baixo, mas nĂŁo menos intimidador. â Exigimos reparaçÔes. Exigimos que esses marginais sejam levados Ă justiça.
â V-VocĂȘs tĂȘm nossas mais profundas desculpas â Shahza finalmente respondeu, desviando do homem mais velho e olhando diretamente para mim. â Estou horrorizado que alguĂ©m tenha tentado lhe fazer mal no seu primeiro dia, Senhor Curandeiro. Garanto que esses criminosos pagarĂŁo com suas vidas, e vocĂȘ serĂĄ compensado… Err, podemos entrar em contato depois sobre isso?
Lionel se virou para mim, esperando minha decisĂŁo.
â Para ser honesto, depois de algo assim, eu realmente deveria relatar isso Ă sede. â Cocei o queixo. A situação nĂŁo parecia certa, como se Shahza estivesse tramando algo. Seu pĂąnico inicial tinha sumido, e Orga (que, por outro lado, tinha ido atĂ© Shurule sĂł para solicitar uma Guilda de Curandeiros em Yenice) parecia completamente derrotado. Ficava claro que Yenice nĂŁo falava com uma Ășnica voz.
â Que tal isso? VocĂȘs nĂŁo precisam condenar ninguĂ©m Ă morte; apenas os escravizem por seus crimes. VocĂȘs cobrem os custos da marcação, eles ajudam a reconstruir a guilda e tornamos esse incidente pĂșblico. AlĂ©m disso, quero que ordenem aos comerciantes que vendam para nĂłs. NĂŁo estamos pedindo esmolas, mas tivemos dificuldades para conseguir suprimentos. Por fim, quero que a ĂĄrea ao redor da guilda seja mantida. Ă sĂł isso que estou pedindo, e podemos deixar o resto para lĂĄ. Ah, e tambĂ©m espero que paguem as reparaçÔes.
A pena de morte era uma forma de resolver as coisas, imagino, mas ter mais pessoas para a segurança ajudaria a aliviar a pressĂŁo sobre Lionel e os cavaleiros. PoderĂamos estabelecer turnos ininterruptos. E ter mais lojas disponĂveis para nĂłs evitaria que tivĂ©ssemos que comprar estoques inteiros de uma sĂł vez, alĂ©m de nos dar mais opçÔes. AlĂ©m disso, mais espaço ao redor do prĂ©dio da guilda significava mais possibilidade de expansĂŁo.
Lionel parecia um pouco insatisfeito com minhas exigĂȘncias, mas eu nĂŁo estava ali para gerar atritos, e tornar o incidente pĂșblico jĂĄ nos colocaria em uma posição forte com Shahza.
Os outros homens-fera mantinham distĂąncia do homem-tigre. Eu conseguia sentir sua raiva de onde estava. Mas nenhum dos meus pedidos era irracional, e ele estava de mĂŁos atadas.
â Claro, senhor. Concordamos com suas condiçÔes. â Ele manteve a cabeça baixa, mas eu nĂŁo precisava ver seu rosto para saber a expressĂŁo que fazia.
â VocĂȘs tĂȘm sorte de meu mestre ser misericordioso. NĂŁo esperem que isso aconteça duas vezes â disse Lionel, com veneno na voz. â Um de vocĂȘs, venha conosco atĂ© o mercador de escravos.
Eu realmente nĂŁo queria irritar Lionel. Quanto mais tempo passava com ele, mais minha curiosidade crescia.
â Espere, eu nĂŁo o reconheço â disse Shahza para Lionel. â Quem Ă© vocĂȘ?
â Eu? Sou apenas um servo do meu senhor, senhor.
Sua gargalhada ecoou pelo pĂĄtio.
Junto com o homem-lobo chamado Gralga (o mesmo que, por acaso, havia me esfaqueado nos becos anos atrĂĄs), voltamos ao mercado de escravos.
Assim que ficamos fora do alcance dos soldados, sem virar-se para mim, ele sussurrou:
â Sinto muito que sua visita esteja acontecendo dessa forma.
â Algo mudou em Yenice nos Ășltimos anos? â perguntei em voz baixa.
â Foi mais recente que isso. â Ele assentiu, resolvendo-se, e entĂŁo continuou sua explicação.
Na Ă©poca da visita de Orga a Shurule, ele era o chefe de estado de Yenice. Mas quando retornou e seu mandato terminou, quem assumiu seu lugar foi um dragonewt. Infelizmente, os dragonewts possuĂam habilidades de auto cura extraordinĂĄrias, entĂŁo o valor dos curandeiros era quase nulo para eles. PoçÔes medicinais passaram a ter muito mais prioridade, jĂĄ que podiam curar doenças (coisa que os curandeiros nĂŁo podiam fazer), e quando chegou a hora de redistribuir as terras, a sede da Guilda dos Curandeiros foi movida para os becos para acalmar a população.
Quando o mandato do dragonewt terminou, um certo homem-tigre assumiu seu lugar graças a acordos de bastidores e subornos de seu próprio povo. E, embora não tivessem as mesmas habilidades regenerativas dos dragonewts, os homens-tigre também eram especialistas em regeneração e combate.
Um ano depois, a perspectiva de reerguer a guilda parecia sombria⊠atĂ© que as circunstĂąncias mudaram. Um labirinto prĂłximo, que estava inativo havia anos, de repente começou a se encher de monstros novamente. As poçÔes medicinais comuns nĂŁo davam conta da gravidade dos ferimentos que os aventureiros e soldados sofriam. Para piorar, cada veneno e cada variação de paralisia exigia um antĂdoto Ășnico. A solução racional eram os curandeiros.
Uma inquietação surgiu no fundo da minha mente. Um labirinto reativando? Isso não podia ser⊠Ainda deveriam restar quarenta anos. Ou as coisas jå estavam em movimento? Quarenta anos era mesmo todo o tempo que eu tinha?
NĂŁo demoramos muito para chegar Ă primeira loja de escravos.
â Espere, essas pessoas se recusaram a nos vender sem um convite da Ășltima vez.
â EstĂĄ tudo bem. Eles nĂŁo receberam ordens para evitar vocĂȘs, sĂł sĂŁo muito criteriosos com quem fazem negĂłcios â explicou Gralga. Ele bateu na porta, e um velho homem com orelhas de lobo saiu. â Fico feliz em vĂȘ-lo bem, anciĂŁo.
O homem nos analisou, claramente lembrando de nossos rostos, e entĂŁo virou-se para Gralga.
â VocĂȘ trouxe um grupo, garoto.
â Este Ă© o Santo Esquisito, o homem que salvou nossas vidas na Cidade Santa. Esses idiotas amarrados aqui tentaram atacĂĄ-lo. Ăamos executĂĄ-los, mas o Santo decidiu mostrar misericĂłrdia e apenas marcĂĄ-los.
â Um maluco e um santo, hein? Para que um homem como vocĂȘ precisa de escravos? â Seus olhos envelhecidos pareciam enxergar tudo. Nenhuma mentira passaria despercebida.
â Pretendo ordenar que nunca façam mal Ă Guilda dos Curandeiros, suas clĂnicas ou seus bens â respondi. â Vou alimentĂĄ-los e lhes dar um lugar para dormir em troca de serviços como guardas da guilda.
â Isso serve. Entrem.
Cada criminoso recebeu um brasĂŁo vinculativo, e logo tudo estava resolvido.
â Pronto, todos marcados.
â Envie a conta para o estado, se nĂŁo se importar, anciĂŁo â informou Gralga.
â Assim serĂĄ. Agora, antes de irem, o Santo estĂĄ interessado em fazer algumas compras?
â Tenho certeza de que encontraria um uso para eles, mas a guilda ainda nĂŁo tem espaço para acomodar mais escravos. No entanto, vou me lembrar de vocĂȘ caso a necessidade surja.
â NĂŁo vou criar expectativas.
Depois que saĂmos, antes de Gralga voltar para Shahza, ele fez questĂŁo de me avisar que o velho Lerga tinha simpatizado comigo.
â Escutem bem, escravos! â proclamou Lionel. â Obedeçam as ordens e serĂŁo tratados com dignidade. Desobedeçam e enfrentarĂŁo as consequĂȘncias. A escolha Ă© de vocĂȘs. Agora, marchem! Estamos voltando para a Guilda dos Curandeiros!
â Ketty liderava nossa procissĂŁo, seguida por mim, depois os novos escravos, com Lionel fechando a retaguarda. Sua aura intimidadora mantinha todos na linha durante o caminho.
Dois cavaleiros estavam postados na entrada do salĂŁo da guilda.
â Obrigado por segurarem as pontas â eu disse. â Alguma novidade?
â Apenas alguns olhares curiosos. Nada de estranho.
â Bom, demos sorte e conseguimos treze novos guardas para o turno da noite. Logo vocĂȘs vĂŁo poder descansar.
A dupla sorriu. O turno da madrugada realmente era o pior.
â Isso Ă© bom de ouvir â respondeu um deles.
â Aguentem firme mais um pouco, pessoal.
â Sim, senhor!
Dhoran estava logo na entrada quando entramos, como se estivesse nos esperando o tempo todo.
â Viagem longa, hein? â ele perguntou. â Dei uma melhorada no porĂŁo enquanto vocĂȘ estava fora. Esqueci de pedir umas pedras mĂĄgicas pra reforçar o chĂŁo e tal, mas a fundação tĂĄ firme o suficiente por enquanto. Conseguiu os suprimentos?
â EstĂŁo todos na minha bolsa. Vou descarregar lĂĄ embaixo. Ah, e se precisar de pedras mĂĄgicas, estas aqui servem?
Peguei algumas das gemas que coletei no labirinto sob a Igreja.
O anĂŁo assentiu.
â Aye, essas sĂŁo do tipo sombrio, mas dĂĄ pra purificar na ĂĄgua sagrada durante a noite. Tem alguma?
â Purificação, Ă©?
Usei minha magia e as pedras passaram de um verde-escuro para um azul-claro.
â Pelos deuses, vocĂȘ tĂĄ cheio de surpresas, rapaz! â Dhoran pegou uma e admirou o resultado. â Essas vĂŁo servir perfeitamente.
Sorri e me virei para os outros.
â Lionel, Ketty, bom trabalho hoje. Podem ficar com as armas que dei a vocĂȘs. Assim que descarregarmos tudo no porĂŁo, descansem um pouco. SĂł fiquem de olho nos novatos. Agora, novos escravos: sejam gratos a Dhoran por oferecer um lugar para dormirem. Espero que façam por merecer, e enquanto fizerem, garanto que ninguĂ©m passarĂĄ fome.
Com isso, descemos as escadas e chegamos a um porĂŁo que eu mal reconhecia. âUma melhoradaâ era um baita eufemismo. Eu nĂŁo conseguia parar de olhar em volta enquanto descarregĂĄvamos toda a madeira, ferro e outros suprimentos da minha bolsa mĂĄgica. TambĂ©m entreguei a Dhoran umas cem pedras mĂĄgicas purificadas para mais reformas.
â Estou confiando em vocĂȘ, mas sem loucuras, ok? â avisei. â Vou chamar todo mundo quando o jantar estiver pronto. AtĂ© lĂĄ, eles estĂŁo por sua conta.
â Seu desejo Ă© uma ordem!
Eu sĂł tinha pedido um favor…
Tinha coisas demais na minha cabeça para ficar me preocupando com isso, então subi para começar o jantar.
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Desde que perdeu os braços, Dhoran se tornara terrivelmente amargo. Ele havia perdido as esperanças, incapaz de enxergar valor em uma vida sem artesanato. Mas então surgiu um jovem curandeiro e, de repente, ele encontrou um novo propósito.
Ele nĂŁo se iludia, claro. Sabia hĂĄ muito tempo que nenhuma magia poderia devolver o que havia perdido.
Mas mal sabia ele que aquele curandeiro era um verdadeiro milagreiro. Quando tudo parecia perdido, ele recebeu sua vida de volta. Um trabalho. Confiança. Não era ferreiro de novo, mas Dhoran teve uma segunda chance de criar, de construir.
O que Luciel nĂŁo sabia era o quĂŁo habilidoso o anĂŁo realmente era… ou o fogo que queimava em sua alma agora que se encontrava num verdadeiro paraĂso para artesĂŁos.
A Guilda dos Curandeiros estava prestes a passar por algumas… modificaçÔes extremas.
Tradução: CarpeadoPara estas e outras obras, visite o Carpeado Traduz â Clicando Aqui
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