The Great Cleric – Capítulo 13 – Volume 3

 

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The Great ClericSeija Musou

Arco 4: O Curandeiro Que Mudou o Mundo

Light Novel Online – CapĂ­tulo 13:
[O Retorno do Melhor Curandeiro de Merratoni]


Eu bocejei.

— Agora sim, isso Ă© nostĂĄlgico.

Levantei, fiz meus alongamentos e exercĂ­cios mĂĄgicos e entĂŁo abri a porta lentamente. Meu mestre estava ali por perto, imponente como sempre.

— O que vocĂȘ estĂĄ fazendo?

Ele estalou a lĂ­ngua, frustrado.

— Achei que ia te pegar relaxando. Bom. Vamos lá, temos voltas pra correr. Vá com tudo, Reforço Físico total.

— Sim, senhor!

E assim corremos, e corremos, e corremos mais um pouco. Quando assistia a corredores na TV na minha vida passada, nunca entendia o que os movia, por que simplesmente vĂȘ-los podia despertar um certo sentimento nos outros. Agora acho que finalmente entendi. Pelo menos um pouco. Era porque acreditavam que seus esforços e lutas tinham um propĂłsito, que ao demolir as barreiras que os seguravam, encontrariam algo alĂ©m delas. Porque, embora nossas experiĂȘncias sejam Ășnicas, esse sentimento especial que surge ao ver alguĂ©m se entregar completamente a uma paixĂŁo existe em todos nĂłs, ansiando por ser libertado.

— Balance esses braços! Levante essas pernas! Esqueça as dĂșvidas! Esqueça os limites! Me mostre do que Ă© feito e seja o homem que cospe no talento!

Passei pelo treinamento do meu mestre e queria continuar avançando. Para reforçar essa determinação, devorei o café da manhã do Gulgar.

Estava delicioso.

*

NĂŁo demorou muito para minha equipe e a ForĂȘt Noire chegarem Ă  clĂ­nica de trĂȘs andares. Era tĂŁo grande quanto, senĂŁo maior, que a Guilda dos Aventureiros.

— Todas as clĂ­nicas sĂŁo grandes assim? — perguntei. — Eles mantĂȘm pacientes internados?

— Essa aqui Ă© definitivamente maior do que estou acostumado — respondeu Jord. — Pelo que dizem, o terceiro andar sĂŁo os aposentos do diretor, o segundo Ă© para os escravos e curandeiros, e o primeiro Ă© onde ficam as salas de tratamento. E os mercenĂĄrios.

— Mercenários? Clínicas contratam soldados?

— Não posso dizer que todas fazem isso, mas a maioria deve ter algum tipo de guarda.

— A maioria, hein? — murmurei.

— Hoje em dia ninguĂ©m mais foge, mas antigamente tinha muita gente que pagava sĂł uma parte da conta pra evitar o crime no registro. As clĂ­nicas nunca deixaram de ser paranoicas, mesmo depois que as coisas mudaram.

De repente, consegui imaginar os tipos de bandidos que devem ter levado os curandeiros pelo caminho em que estavam agora. Isso definitivamente exigia alguns ajustes nas diretrizes.

— Enfim, vamos entrar.

Abri a porta e imediatamente ouvi gritos.

— Aguente firme, Mestre Bottaculli! Os curandeiros jĂĄ vĂŁo atendĂȘ-lo!

Antes que eu pudesse processar qualquer choque, vi um homem — talvez um aventureiro ou mercenĂĄrio — descendo as escadas apressado, carregando alguĂ©m nas costas. Ele passou por uma porta com a placa “Sala de Exames” sem sequer olhar na nossa direção.

— Mantenham ele vivo! Ele ainda nĂŁo pagou a mensalidade! — um grito veio lĂĄ de dentro. NĂŁo houve resposta, e a voz ficou mais impaciente. — VocĂȘs se chamam de curandeiros?! É sĂł um maldito ferimento de adaga! Se nĂŁo conseguem curar, tragam alguma poção ou qualquer coisa, tanto faz!

O corte de Bottaculli devia ter sido profundo.

— Bem, uma vida Ă© uma vida. NĂŁo dĂĄ pra ignorar isso — falei. — Jord, vem comigo.

— Entendido. Não sei dizer se tivemos sorte ou azar aqui.

— Quero pensar que foi sorte. Palaragus, Piaza, venham com a gente. Todos os outros, fiquem de prontidão do lado de fora da clínica.

Entrei na sala de exames e quase cambaleei com a tensĂŁo no ar. Todos os olhares se voltaram para mim, mas ignorei e fui direto atĂ© a cama onde Bottaculli estava. Seu manto estava manchado de vermelho, mas o ferimento nĂŁo era tĂŁo grave assim, entĂŁo lancei uma cura sĂł para estabilizĂĄ-lo. A perda de sangue havia deixado seu rosto pĂĄlido, e ele parecia estar Ă  beira da inconsciĂȘncia.

Olhei ao redor da sala, analisando a situação, e notei trĂȘs homens que pareciam curandeiros me encarando.

— Tem algo no meu rosto? Ah, certo, apresentaçÔes. Sou Luciel, o curandeiro da Sede que deveria começar os estudos aqui.

— Hm
 Ele vai ficar bem?

— Ele vai viver, mas precisa ficar de repouso. Quero saber como ele se feriu.

O mercenĂĄrio que carregou Bottaculli respondeu:

— Um mordomo atacou ele do nada. Um dos que ele mais confiava.

— Um escravo fez isso? Com o próprio mestre?

— Esquece isso. VocĂȘ curou ele ou nĂŁo? Parece que ainda tĂĄ com dor.

Eu poderia ter aliviado sua dor facilmente, mas queria ouvir toda a histĂłria antes.

— Como eu disse, ele vai viver. Agora, quero saber os detalhes do que aconteceu.

O homem me lançou um olhar ameaçador, mas logo suspirou, resignado.

— Tem muitos escravos aqui, mas o senhor Bottaculli confiava mais nesse mordomo do que em qualquer outro. O cara pegou uma faca e enfiou direto na barriga dele.

Ele colheu o que plantou, no fim das contas. As pessoas só aguentam a falta de dignidade humana até certo ponto. Talvez houvesse mais nesse sistema de escravidão do que eu entendia, mas nada disso tinha a ver comigo ou com a minha vida.

— E o que aconteceu com o escravo?

— Veja vocĂȘ mesmo.

Fiquei surpreso ao saber que ainda nĂŁo tinham matado ele.

— Ele tá vivo, mas não sei por quanto tempo — disse outro mercenário.

Como se estivesse no roteiro, sons de agitação vieram de fora da sala, e um segundo homem foi carregado para dentro. Provavelmente o mordomo, pelo traje que usava, mas era difĂ­cil acreditar que alguĂ©m com uma aparĂȘncia tĂŁo gentil pudesse ter esfaqueado outra pessoa. O pedaço de carne meio morto arfava, provavelmente sofrendo tanto pelas consequĂȘncias de ferir seu mestre quanto da surra que levou. Ele jĂĄ tinha um pĂ© na cova, e a maioria dos curandeiros teria desistido dele, mas eu sabia que poderia salvĂĄ-lo com apenas um Ășnico Cura MĂ©dia.

— Duvido que ele tente fugir nesse estado, então não interfiram — instrui os dois homens.

Eu curei o mordomo enquanto os guardas gritavam em protesto, mas a presença de Piaza e Palaragus me dava paz de espírito. Enquanto isso, os curandeiros de Bottaculli tentavam de tudo para aliviar a expressão de dor em seu rosto. Mas não adiantaria nada. Nem mesmo os feitiços de Cura faziam efeito.

Fui checar sua condição mais uma vez e percebi uma barricada de pessoas assustadas do lado de fora da sala. Escravos, imaginei.

— Foi vocĂȘ quem me curou? — uma voz fraca veio de baixo.

O mordomo jå estava completamente recuperado. Os mercenårios explodiram em gritos, exigindo a cabeça do criminoso, mas eu os calei com firmeza.

— Sou Luciel, um curandeiro de rank S. Eu deveria começar a trabalhar aqui hoje. A vida do seu mestre está segura.

— NĂŁo, vocĂȘ nĂŁo pode ficar aqui com ele. Deve se afastar. Independentemente dos seus motivos, sua simples presença Ă© um risco para a saĂșde dele.

— Fico feliz que esteja lĂșcido. Posso fazer algumas perguntas?

— Qualquer coisa.

— Primeiro, por que vocĂȘ o esfaqueou? Se eu nĂŁo estivesse aqui, ele poderia ter morrido.

Na verdade, o ferimento nem era tão grave, mas eu precisava entender sua motivação.

— Pela paz — ele respondeu com calma. — A Ășnica salvação para um escravo Ă© a morte, e eu achei que, levando meu mestre comigo, eu finalmente me libertaria de toda a dor e Ăłdio que sofri.

A tranquilidade na sua voz me incomodou. Algo nĂŁo estava certo.

— Curandeiro! — um homem interrompeu. — VocĂȘ nĂŁo Ă© o melhor dos melhores? Quando ele vai acordar? NĂŁo pode fazer nada?

— É, precisamos ser pagos antes que ele bata as botas, droga! — outro disse, impaciente, puxando a espada.

Seus protestos, por mais mĂłrbidos que fossem, entraram por um ouvido e saĂ­ram pelo outro. Havia coisas demais nesse incidente que eu precisava esclarecer, e nĂŁo conseguia tirar da cabeça o que Galba tinha me dito no dia anterior. Para que servia aquela barricada? AlguĂ©m havia planejado tudo isso, sabendo que eu estaria aqui? Os curandeiros de Bottaculli pareciam, para falar a verdade, estranhamente incompetentes. E os mercenĂĄrios…

— Chega. Guarda essa espada — eu disse com firmeza. — VocĂȘs nĂŁo eram os guardas de Bottaculli? Deveriam estar ao lado dele o tempo todo. Quero saber como deixaram isso acontecer.

Eles sĂł ficaram olhando? Confiavam tanto assim no mordomo?

— Senhor Luciel — Jord interveio —, aquela barricada… acho que sĂŁo escravos.

Corri para dar uma olhada, mas nĂŁo conseguia ter certeza.

— Não vejo coleiras. Tem certeza?

— Ah, em que era vocĂȘ acha que estamos? — ele riu. — Pessoas presas Ă  servidĂŁo sĂŁo marcadas de vĂĄrias formas, mas hoje em dia recebem um brasĂŁo mĂĄgico nas costas, no pescoço ou no lado esquerdo do peito.

— Eu não fazia ideia. Sabe quais são os efeitos desse brasão?

— Depende do nĂ­vel. Existem brasĂ”es de vinculação absoluta, vinculação fĂ­sica e vinculação menor.

Eu nĂŁo esperava uma resposta tĂŁo detalhada. Como ele sabia tanto? Ele nĂŁo podia ser dono de escravos… ou pelo menos, nĂŁo havia motivo para eu supor isso. Se esses brasĂ”es tinham distinçÔes, talvez houvesse uma forma de desfazĂȘ-los, e talvez Jord pudesse me contar.

— Então são eles que impedem os escravos de terem livre-arbítrio.

— NĂŁo exatamente. A vinculação absoluta impede que desobedeçam ordens e, aos poucos, apaga suas emoçÔes. A vinculação fĂ­sica faz com que sintam uma dor extrema ao tentarem agir por conta prĂłpria. Com esses dois tipos, tambĂ©m Ă© possĂ­vel dar ordens sobre o que devem fazer apĂłs a morte do mestre.

Senti um nojo profundo e fui tomado por uma vontade intensa de nunca me tornar um escravo.

— Então dá para forçá-los a morrer junto com o mestre ou passá-los para outra pessoa que possa libertá-los.

— Exato. A vinculação menor funciona atravĂ©s da dor, mas deixa o portador relativamente livre, com algumas exceçÔes. Eles nĂŁo podem ferir o mestre, cometer suicĂ­dio ou ficar a mais de um quilĂŽmetro dele sem sentir uma dor insuportĂĄvel. Se o mestre morrer, o escravo Ă© libertado.

O mordomo continuava impassível, como se essa informação fosse algo banal para ele. Agora eu estava ainda mais confuso sobre como ele conseguiu atacar seu mestre.

— E outros tipos de escravos? Como criminosos, devedores, infratores ou prisioneiros de guerra? Eles tambĂ©m sĂŁo marcados?

— Sim. Fica a critĂ©rio do mercador de escravos. Crimes menores recebem apenas vinculaçÔes leves, enquanto os outros variam de acordo com as partes envolvidas. Mercadores que vinculam sem critĂ©rio sofrem punição divina e sĂŁo proibidos de negociar.

Fiquei surpreso com o conhecimento de Jord.

— VocĂȘ parece saber bastante sobre isso.

— HĂŁ… Ă©, mais ou menos.

— Me responde uma coisa. AlguĂ©m marcado com um brasĂŁo pode atacar fisicamente o prĂłprio mestre?

— NĂŁo. Esses brasĂ”es sĂŁo uma espĂ©cie de maldição e sĂŁo completamente absolutos.

Ele nĂŁo quis dizer “maldição” no sentido figurado. Eu encarei o mordomo.

— Isso Ă© verdade? VocĂȘ estava pronto para jogar sua vida fora?

— Eu… eu nĂŁo sei como responder. — Ele hesitou. — Uma vida sem esperança de liberdade nĂŁo Ă© uma vida de verdade. NĂŁo havia nada a perder.

Eu poderia acreditar nisso como um motivo, mas nĂŁo como o que deu a ele a capacidade de esfaquear seu mestre. Seus olhos estavam vazios, sem esperança. AlguĂ©m que jĂĄ tinha desistido de tudo nĂŁo teria motivo para esconder nada. Talvez, se eu removesse seu brasĂŁo, ele me contasse como tudo começou. Mas algumas pessoas podem ser teimosas…

— Entendo. Agora me diz uma coisa. Se vocĂȘ fosse libertado do seu pacto… desistiria de matar Bottaculli?

— O sofrimento que ele causou na minha vida… eu… eu nunca vou esquecer. Mas, neste momento, acho que nem consigo mais olhar para ele. Tudo que eu quero Ă© sair daqui. Longe.

— VocĂȘ acha que os outros escravos sentem o mesmo?

— Sim, eu sei. Somos tratados como animais.

A dor em seus olhos carregava um sofrimento que nenhuma magia poderia curar. De repente, eu me vi dolorosamente ciente das limitaçÔes dos meus poderes.

— EntĂŁo, que tal fazermos um acordo? Mas jĂĄ aviso: se vocĂȘ quebrar sua palavra, nĂŁo me responsabilizo pelas consequĂȘncias.

— O que exatamente está pedindo?

— Estou perguntando se vocĂȘ quer ser livre. Ah, pensando bem, precisamos dos outros escravos aqui tambĂ©m.

— VocĂȘ nĂŁo pode estar falando sĂ©rio…

— Estou. Traga todos aqui.

O mordomo piscou algumas vezes, processando minhas palavras. Quando finalmente entendeu, ele disparou pelos corredores, gritando para que seus companheiros viessem.

— Senhor, tem certeza de que isso Ă© certo? — Jord perguntou, a hesitação clara na voz.

— Provavelmente não, mas não vou deixar essa situação continuar. Na pior das hipóteses, eu compenso Bottaculli. — Me virei para ele. — Por que está me olhando assim?

— É que… acho que todos aqui estĂŁo preocupados com a mesma coisa.

Os outros assentiram.

— Eu sei bem no que estou me metendo.

Fiquei grato por Shurule nĂŁo ter um sistema de escravidĂŁo. Ou melhor, fiquei grato por ter vivido uma vida privilegiada, longe desse tipo de coisa. Talvez essa distĂąncia fosse o que estava alimentando minha revolta diante do que estava presenciando.

O mordomo logo voltou com mais de uma dĂșzia de pessoas.

— Certo. Piaza, Jord, corram atĂ© a Guilda dos Curandeiros e tragam o mestre da guilda. E qualquer outra pessoa com autoridade.

— Sim, senhor!

— Pode deixar.

Observei enquanto saĂ­am, entĂŁo me voltei para os servos reunidos.

— Obrigado por virem. Podem chegar mais perto, por favor? Podem confiar em mim.

Eles se aproximaram cautelosamente, liderados pelo mordomo.

— Muito bem, prestem atenção. Se vocĂȘs tivessem uma segunda chance na vida, conseguiriam vivĂȘ-la sem buscar vingança contra seu antigo mestre?

Todos assentiram, concordando.

— Ótimo. Antes de libertá-los, quero que façam um contrato comigo. Entendido?

Eles assentiram de novo, sem mostrar qualquer sinal de dĂșvida. Talvez fosse porque eu era um curandeiro de Rank S, ou talvez sĂł estivessem desesperados demais para questionar.

Olhei para Bottaculli, cujo rosto estava pĂĄlido como um cadĂĄver.

— Ouviu tudo isso, Bottaculli? Sua vida terá um preço. Se quer que eu te livre do seu sofrimento, liberte essas pessoas do delas. Transfira a posse delas para a Guilda dos Curandeiros. Jura aceitar esses termos?

— Eu… eu juro! — ele gemeu.

Seu corpo brilhou por um instante, sinalizando que o contrato havia sido concluĂ­do. Em troca, lancei Cura Suprema, Purificação, Recuperação e Dissipar em sequĂȘncia. A cor voltou ao seu rosto.

— Todos vocĂȘs sĂŁo testemunhas — anunciei para os curandeiros e mercenĂĄrios presentes.

Eles assentiram repetidamente. Felizmente, tinham prestado atenção e não precisariam de mais explicaçÔes. Agora, tudo que restava era esperar por Kururu. Enquanto isso, eu precisava descobrir como o mordomo havia conseguido contornar a marca da escravidão.

— EntĂŁo, como vocĂȘ conseguiu ferir seu mestre? Isso deveria ser impossĂ­vel sob um pacto, certo? Como fez isso?

— NĂŁo posso dar detalhes, mas alguĂ©m sobrepĂŽs minha maldição com outra.

Ou seja, havia um terceiro envolvido. Provavelmente a mesma pessoa que Galba estava caçando e que Bottaculli temia.

— Vou te fazer mais algumas perguntas. Responda com clareza e objetividade.

— Farei o possível.

— Quando aceitou a nova maldição?

— Recentemente.

— VocĂȘ conhecia o lançador?

— Não. O encontrei enquanto cumpria ordens, fazendo recados.

— Onde exatamente?

— No caminho de volta, logo depois de concluir meus afazeres. Ele me chamou.

— E foi aí que ele te contou sobre isso?

— Sim. Quase não falamos de outra coisa. Aceitei a maldição sabendo exatamente no que estava me metendo.

— Sabe qual era o objetivo dele?

— Não perguntei, mas lembro vagamente de ele mencionar o desgosto com o tratamento dos escravos. Embora parecesse que tinha uma rixa pessoal com o Mestre Bottaculli.

— Hmm. Como ele aplicou a maldição? E o que pediu em troca?

— Não sei como fez. Apenas lançou o feitiço e desapareceu nas sombras.

Uma pessoa comum, desaparecendo nas sombras? DifĂ­cil de acreditar. SĂł assassinos tinham permissĂŁo para derreter na escuridĂŁo daquele jeito. NĂŁo era Ă  toa que Brod e Galba ainda nĂŁo tinham encontrado nenhum rastro.

— VocĂȘ acha que ele te chamou jĂĄ sabendo que era um escravo?

— Sim. Fiquei surpreso que ele soubesse. Era de noite na ocasião.

No escuro, era difĂ­cil notar marcas. Brod e Galba precisavam saber disso.

— Consegue se lembrar de mais alguma coisa? Qualquer detalhe?

— Muito pouco. Acho que… — O mordomo forçou a memĂłria. — Acho que a voz da pessoa era meio aguda. Quase feminina.

Nosso culpado claramente estava tramando algo. Eu duvidava que estivesse rompendo pactos de escravidão só por diversão. Mas quais eram seus verdadeiros objetivos? Isso ainda estava além do meu entendimento.

Foi quando Kururu entrou Ă s pressas na clĂ­nica.

— Senhor Luciel, o que está acontecendo aqui?!

— Desculpe por chamá-la assim de repente. Eu só queria estudar o funcionamento de uma clínica e, de repente, vejo Bottaculli sendo carregado escada abaixo com uma faca enfiada no estîmago — expliquei.

— Sim, eu ouvi tudo pelos cavaleiros. Mas por que diabos está libertando os escravos do nada? Espera, antes de mais nada, como está o senhor Bottaculli?

— Eu o curei. Ele está bem, só em choque agora. Fiz com que ele transferisse a posse dos escravos para a Guilda dos Curandeiros como compensação.

— VocĂȘ sabe o que estĂĄ fazendo, nĂŁo sabe?

— Claro que sei.

— As Guildas dos Curadores da RepĂșblica de Saint Shurule eram proibidas de possuir escravos. Qualquer guilda que fosse flagrada com escravos em sua posse era obrigada a libertĂĄ-los, e eu me orgulhava bastante de ter pensado nessa regrinha Ăștil.

— Sei que vocĂȘs nĂŁo podem simplesmente deixar escravos criminosos Ă  solta, entĂŁo vou deixĂĄ-los sob os cuidados da guilda — eu disse. — Eles sempre podem ser enviados de volta junto com Bottaculli. E assim viveriam felizes para sempre. É, claro.

— Como planejamos remover os selos deles? — Kururu perguntou.

— Deixa isso comigo. — Eu tinha confiança de que conseguiria com o Cajado da Ilusão.

— Então eu sou um senhor de escravos agora? Foi para isso que me chamou aqui?

— Claro que nĂŁo. Quero que vocĂȘ vasculhe os aposentos de Bottaculli junto com o mordomo dele e encontre provas de corrupção. Eu nĂŁo pretendia começar essa investigação tĂŁo cedo, mas jĂĄ que surgiu essa oportunidade, nada melhor do que um pouco de trabalho corretivo. Posso contar com vocĂȘs?

O rosto de Kururu se contorceu em um sorriso nervoso e rĂ­gido. — Nossa, vocĂȘ Ă© cruel.

Hesitei por um momento, me perguntando se estava indo longe demais, mas sĂł por um momento.

— Por favor, isso faz parte do meu trabalho de colocar as coisas no lugar. A forma como os curadores encaram sua profissão vai mudar de um jeito ou de outro assim que minhas diretrizes forem aprovadas, então posso muito bem usar essa situação como um teste.

— Eu concordo em lidar com encrenqueiros, mas prefiro evitar governar com punho de ferro, sabe?

— NĂŁo pretendo fazer isso. Nunca quis causar tanto alvoroço aqui, mas… bem, as peças caĂ­ram onde caĂ­ram.

— Tá bom, tá bom — ela suspirou. — Investigação, entendi. Só para constar, nunca fiz isso antes, então vou precisar de ajuda.

Fiquei satisfeito por tĂȘ-la convencido. — Certo. Ouvi dizer que havia algum tipo de comitĂȘ de investigação desativado na guilda quando me registrei, mas isso provavelmente vai mudar no futuro, conforme reconstruirmos nossa imagem. Vamos ter muito mais desse tipo de coisa.

— Claro. Tudo por vocĂȘ, senhor S-rank.

— Er… pode falar comigo normalmente? VocĂȘ Ă© uma mestre de guilda. Formalidades sĂŁo desnecessĂĄrias.

— Tá, tá. De qualquer forma, vamos logo com isso.

Os curadores e guardas apenas ficaram observando enquanto a busca era realizada. Logo descobrimos que todos os servos de Bottaculli, com exceção de dois, haviam sido escravizados contra sua vontade.

— Desculpem a demora, pessoal — chamei o grupo. — Vou dissipar os selos de vocĂȘs agora, entĂŁo se reĂșnam!

Tentei um feitiço de Purificação primeiro, sem sucesso, mas Dispersar funcionou. Um por um, removi as maldiçÔes de todos os cerca de vinte escravos, exceto os dois mencionados, certificando-me antes de formar contratos com cada um deles.

— Espero que todos vocĂȘs cumpram nossa promessa. VocĂȘs devem deixar este lugar e nĂŁo trazer mal algum a Bottaculli. Cada um de vocĂȘs receberĂĄ dez pratas para começar uma nova vida. Se precisarem de um lugar para ir, recomendo a Guilda dos Aventureiros.

— Luciel, temos um problema — disse Kururu, trazendo uma pilha de pergaminhos enquanto eu terminava de distribuir o dinheiro.

Olhei para os documentos. — É uma lista de mercadores e compradores de escravos Illumasianos.

— Veja a quantidade. Todos esses aventureiros e cidadĂŁos foram vendidos para o ImpĂ©rio contra sua vontade pelos prĂłprios curadores.

Fiquei em silĂȘncio. Eram facilmente mais de cem pĂĄginas. Invadi a sala de exames onde Bottaculli estava sentado, agora acordado.

— Como se sente? — ele disse com desdĂ©m. — Gostou de trocar minha vida por minha riqueza? Se sim, entĂŁo vocĂȘ e eu nĂŁo somos tĂŁo diferentes, oh grande S-rank.

O veneno em suas palavras morreu subitamente Ă  medida que deixavam seu corpo exausto. Ele parecia ter envelhecido uma eternidade.

— Eu te salvei porque era meu dever, nĂŁo para roubar de vocĂȘ — rebati. — NĂŁo estou interessado na sua fortuna. Sei que vocĂȘ pode se ver como a vĂ­tima aqui, mas foi vocĂȘ quem causou isso.

Ele me lançou um olhar feroz. Minha equipe se preparou para reagir, mas eu os fiz recuar.

— Eu deveria ter me livrado de vocĂȘ quando tive a chance. E entĂŁo? Que palavras tem para mim? JĂĄ que Ă© um S-rank, sou obrigado a ouvir, senhor curador.

— Quero saber como isso começou — exigi. — Por que vocĂȘ estĂĄ trabalhando com os escravistas Illumasianos? Por que estĂĄ roubando vidas? Pessoas que vieram atĂ© vocĂȘ em busca de ajuda?

Bottaculli cruzou os braços, fechou os olhos e não disse nada.

— Os documentos nĂŁo mentem! VocĂȘ estĂĄ comprando e vendendo pessoas por uma ninharia! — gritei. — VocĂȘ jĂĄ foi um bom homem, Bottaculli. Um curador de verdade. Como isso aconteceu?

ApĂłs um momento de silĂȘncio, ele disse: — Faz tanto tempo que jĂĄ esqueci.

— Não tente me enganar. Quer que eu te amarre a outro contrato? Ou preciso ordenar que confesse pela autoridade da própria papa?

— Foi… — Ele se esforçou para falar. — Foi por minha filha. Achei que curadores pudessem curar qualquer coisa, tudo, mas a doença estĂĄ alĂ©m atĂ© mesmo de nossas mĂŁos. Depois que perdi minha esposa, minha garota foi tudo o que me restou, e o ImpĂ©rio Illumasiano me fez uma oferta que eu nĂŁo podia recusar. Disseram que poderiam salvĂĄ-la.

— Em troca de vender seus pacientes como escravos.

Não podia culpå-lo, como pai, por estar disposto a fazer qualquer coisa pela filha, mas nunca lhe ocorreu que as pessoas que ele estava prejudicando também tinham famílias? Talvez até filhos?

— Onde estĂĄ sua filha agora? — NĂŁo encontrei evidĂȘncias de crianças na propriedade.

— NĂŁo a vejo hĂĄ mais de dez anos. Ela vive em Illumasia e cuida de servos, pelo que ouvi. Por isso eu precisava de mais. Eu preciso trazĂȘ-la de volta.

— Dez anos? E em todo esse tempo nunca lhe ocorreu que o que estava fazendo era errado? — SilĂȘncio. — Eu simpatizo com vocĂȘ e com sua filha. Posso entender sua posição como pai. Mas por que vocĂȘ a entregou ao impĂ©rio? Certamente tinha outras opçÔes. Poderia ter recorrido Ă  Sede ou a uma Guilda de MĂ©dicos.

— Se eu pudesse preparar elixires, vocĂȘ acha que eu jĂĄ nĂŁo teria feito isso? E os mĂ©dicos deste paĂ­s estĂŁo acabados. Eu nĂŁo tinha as opçÔes que vocĂȘ acha que eu tinha. Mas o impĂ©rio… Quando ouvi que eles tinham o que eu precisava, nĂŁo hesitei. Eu sabia que era errado, mas nĂŁo havia nada que eu pudesse fazer, entende?

Eu senti pena dele. Senti de verdade. Mas no momento em que ele soube que tinha cruzado a linha, deveria ter parado por ali.

— Escute, Bottaculli, eu nĂŁo vou adoçar as coisas. As pessoas que vocĂȘ arruinou tinham famĂ­lias, assim como vocĂȘ. E sua filha? O que ela pensaria de tudo isso? Alguma vez passou pela sua cabeça que eles estĂŁo te manipulando esse tempo todo?

Ele abaixou a cabeça. E não a ergueu mais. Eu não queria chutå-lo enquanto ele jå estava caído, mas esse homem tinha ido longe demais. Eu não poderia simplesmente deixå-lo impune.

— Por ordem da Guilda dos Curadores, vocĂȘ estĂĄ proibido de tirar a prĂłpria vida. Seus bens serĂŁo vendidos e a Igreja decidirĂĄ sua punição. Sua clĂ­nica serĂĄ tomada pela guilda e convertida em um orfanato.

— O quĂȘ?! U-Um orfanato?

— Isso mesmo. Dito isso, a falta de uma clínica pode ser um problema para alguns, então ela ainda funcionará parcialmente como tal. Estarão te esperando na Cidade Santa, Bottaculli.

Ele fez uma careta. — Eu não vou deixar isso assim.

— Preciso de dois cavaleiros e um de meus curadores para escoltá-lo, por favor.

O homem miseråvel saiu sem sequer olhar para trås. Comecei a escrever uma carta para Sua Santidade, mas então me lembrei do meu cristal de comunicação e a contatei imediatamente. Depois de explicar a situação, ela confiou a decisão a mim.

Com isso resolvido, falei com o mordomo uma Ășltima vez.

— EntĂŁo, sobre o conjurador da maldição. VocĂȘ se lembra de alguma coisa sobre a aparĂȘncia dele?

O ex-escravo pareceu confuso. — Um conjurador, senhor? Receio que não entenda. O senhor me devolveu a vida e eu quero ajudar no que puder, mas meu conhecimento tem limites.

— Sabe, a maldição que sobrescreveu sua marca. Acabamos de falar sobre isso.

— Senhor, isso Ă© mesmo possĂ­vel?

— O quĂȘ? Jord, eu nĂŁo estou louco, certo? VocĂȘ se lembra de termos falado sobre maldiçÔes antes, nĂŁo?

— Quando isso aconteceu? — ele respondeu. — Não me lembro de nada assim.

Eu pisquei, chocado. Ninguém mais da minha equipe sabia do que eu estava falando. Serå que havia um demÎnio entre nós? Lancei Purificação ao nosso redor por precaução, mas ninguém pareceu afetado.

Sem opçÔes, decidi que precisaria conversar com Galba e meu mestre antes que qualquer coisa fizesse sentido. Mas antes de iniciar essa investigação, havia a questão das clínicas subsidiårias de Bottaculli. No fim, decidimos aplicar as diretrizes nelas imediatamente como um teste, embora isso fosse reduzir bastante meu tempo livre para visitar a Guilda dos Aventureiros fora dos intervalos de almoço.

Enquanto visitava as clínicas da cidade, percebi o quão ruim a situação estava. A maioria cobrava o dobro do que as diretrizes permitiam, e as piores cobravam até quatro vezes mais. Para facilitar as coisas, mandei publicar os novos preços na Guilda dos Aventureiros e na Guilda dos Curadores. Merratoni seria meu primeiro passo para tornar essa profissão respeitåvel novamente.

Quase todos os ex-escravos de Bottaculli tinham constituição robusta, entĂŁo alguns decidiram se tornar aventureiros, enquanto outros permaneceram para trabalhar no orfanato. Os poucos criminosos que nĂŁo podĂ­amos libertar acabaram fazendo trabalhos diversos na Guilda dos Aventureiros, graças a Gulgar e Galba, que se ofereceram para acolhĂȘ-los.

As auditorias continuaram, os dias passaram, e acabei aprendendo muito sobre como as clĂ­nicas funcionavam ao longo do caminho.

Um dia, finalmente tive tempo livre para passar na Guilda dos Aventureiros, e Nanaella chamou minha atenção assim que entrei.

— Luciel, vocĂȘ mencionou querer cortar o cabelo hĂĄ um tempo. Ainda precisa?

— Na verdade, sim. Lembro de ter dito o quanto Ă© irritante ter ele tĂŁo comprido. Estou acostumado a prendĂȘ-lo, mas prefiro curto.

— Por que não vamos lá atrás e resolvemos isso agora? — Monica sugeriu, me empurrando para frente.

Fomos até o jardim nos fundos, onde ficava o poço.

— Parece que faz uma eternidade desde que vim aqui. AliĂĄs, sou sĂł eu ou vocĂȘ estĂĄ estranhamente animada com isso, Monica?

Fiquei envergonhado demais para continuar essa linha de pensamento, entĂŁo mudei de assunto.

— Ei, lembram daquela vez que me cortaram fazendo isso?

Anos atrás, em um dos meus primeiros cortes de cabelo, confiei nelas e fui traído. O que eu achei que seria um procedimento cuidadoso acabou com elas se empolgando demais e acidentalmente cortando meu rosto. Não houve dano permanente—bastou um simples Cura—, mas desde então, as duas ficaram extra cautelosas com tesouras perto da minha cabeça.

— Ah, qual Ă©, isso foi hĂĄ muito tempo — Monica resmungou. — EntĂŁo, que estilo vocĂȘ quer?

— O de sempre está bom.

— E se fizĂ©ssemos algo um pouco diferente? — Nanaella sugeriu esperançosa.

— Contanto que eu ainda possa sair na rua. Estou confiando em vocĂȘs, hein?

Os sorrisos delas cresceram ainda mais.

Assim nasceu a Ordem da Cura. Os aventureiros, por outro lado—malditos e suas tradiçÔes—começaram a nos chamar de Ordem do Terror pelas sombras.

Conforme nosso trabalho continuava, ficava cada vez mais claro que a Guilda dos Curandeiros e suas clínicas estavam em uma situação precåria, então comecei a revezar meus curandeiros entre elas para ajudar a colocar tudo nos eixos. Eventualmente, passei a seguir as diretrizes eu mesmo e ofereci meus serviços de cura pelos preços adequados, fazendo exceçÔes para crianças e idosos, é claro.

Os dias passaram voando, e o momento em que eu teria que voltar para a Cidade Santa se aproximava.

O refeitĂłrio estava fechado—uma ocorrĂȘncia bastante estranha para a Guilda dos Aventureiros. Brod, Gulgar, Galba e eu estĂĄvamos dentro, bebendo juntos. E, pela primeira vez, bebidas alcoĂłlicas.

—Droga, vocĂȘ resolveu o problema das guildas e clĂ­nicas bem rĂĄpido —comentou meu mestre. —E agora, pra onde? Yenice? Reconstruir uma guilda do zero nĂŁo parece nada fĂĄcil.

—Concordo. Mas vou tentar aguentar firme com as receitas do Gulgar e as informaçÔes do Galba.

—VocĂȘ sempre tem um lugar para voltar, se precisar. Estaremos aqui para ajudar, desde que nĂŁo enfie o nariz onde nĂŁo deve. NĂŁo que eu ache que faria isso. —Os olhos de Galba eram calorosos e confiantes. —VocĂȘ pode cometer erros, mas continue no caminho certo.

—Eu sei. Sempre digo que farei qualquer coisa para sobreviver, mas nunca gostaria de sentir vergonha ao olhar para qualquer um de vocĂȘs.

Brod resmungou com irritação.

—Diz o cara que tĂĄ criando o pĂ©ssimo hĂĄbito de faltar no treinamento.

Eu nĂŁo tinha perdido um Ășnico treino, nem de manhĂŁ nem Ă  noite. A audĂĄcia desse homem…

—Mestre, será que custa muito estar de bom humor antes de eu partir?

—Eu entendo o que ele quer dizer —disse Galba. —DĂȘ um tempo e vocĂȘ alcançarĂĄ nosso nĂ­vel. Digamos… talvez uma dĂ©cada de treinamento intenso e vocĂȘ chega lĂĄ.

—Se vocĂȘ for otimista, talvez. VocĂȘ acha que pessoas normais conseguem desaparecer no ar, reaparecer atrĂĄs de alguĂ©m e cortar a pele com lĂąminas cegas? VocĂȘs sĂŁo todos insanos.

Eu nunca tinha visto eles lutando, mas sabia que isso valia para Galba e Gulgar também. Serå que não existia um mundo de paz e tranquilidade para eu viver sossegado?

—Sua magia de cura tambĂ©m Ă© bem absurda, pelo que posso ver —disse Gulgar.

—Minha habilidade em Magia Sagrada acabou de alcançar o nível dez outro dia, mas ainda tenho um longo caminho pela frente —confessei. —Estou frustrado com a forma como lidei com Bottaculli. Eu poderia ter feito muito mais, mas só dei uma bronca nele. Magia não resolve tudo. Ela não pode curar doenças. Não pode curar feridas da mente.

—Luciel —interveio Galba—, aquele orfanato que vocĂȘ fundou nĂŁo foi em vĂŁo. VocĂȘ fez mudanças significativas, e nĂłs vamos garantir que isso nĂŁo se perca. AlĂ©m disso, ouvi dizer que Bottaculli praticamente se regenerou na capital, entĂŁo essa Ă© uma preocupação a menos para vocĂȘ.

—É verdade, mas isso nĂŁo foi por minha causa, e aparentemente sĂł criou conflitos com as facçÔes da Igreja. No fim das contas, ele mudou porque os arcebispos derrubaram suas barreiras e ajudaram-no a abrir o coração. Eu sĂł fiquei balançando meu cajado sem realmente entender o que significa ter autoridade.

Não havia peso, dignidade ou graça nas minhas açÔes ou palavras. Sem essas qualidades, tudo que eu fizesse seria superficial, por mais sincero que fosse.

—Sem dĂșvida —retrucou Brod. —VocĂȘ mal tem vinte anos. Pessoas como nĂłs jĂĄ viveram o dobro da sua vida, e vocĂȘ tĂĄ se comparando a nĂłs? Quer que as pessoas te levem a sĂ©rio? EntĂŁo peça ajuda. Aprenda com os outros e absorva conhecimento. Caso contrĂĄrio, vai acabar sĂł mais um fracassado gritando ao vento.

—É verdade, jovens cometem erros —acrescentou Galba. —Mas a vida nĂŁo Ă© tĂŁo simples a ponto de esses erros definirem quem vocĂȘ Ă©. NinguĂ©m encontra o sucesso por acaso. Acho que o que vocĂȘ precisa fazer Ă© aprender com essa experiĂȘncia e crescer.

—As palavras tĂȘm peso, e esse peso vem da vida de quem as diz. ExperiĂȘncia —continuou meu mestre. —VocĂȘ nĂŁo precisa agir como se fosse maior do que realmente Ă©. A Ășnica pessoa que vocĂȘ precisa impressionar Ă© a si mesmo. Viva, lute, cresça. Esse Ă© o caminho, mas nem sempre seguir em frente Ă© a resposta. Às vezes, vocĂȘ precisa parar, e Ă© nesse momento que deve contar conosco. Nenhum de nĂłs Ă© perfeito, nenhum de nĂłs Ă© igual, mas estamos aqui uns para os outros, mesmo que nĂŁo possamos tomar as decisĂ”es difĂ­ceis por vocĂȘ. No momento em que sentir que estĂĄ escorregando, venha atĂ© nĂłs, e nĂłs vamos te colocar de volta nos trilhos. Nem pense em carregar tudo sozinho. Entendeu?

Fiquei emocionado. Simplesmente emocionado.

—O que ele disse. Agora experimente minha nova invenção! —interrompeu Gulgar.

—Isso tem um… cheiro Ășnico —fiz uma careta. —Espera, pra onde todo mundo tĂĄ indo?

Eu nĂŁo via conexĂŁo entre nossa conversa e a oferta de Gulgar. Como se eu tivesse escolha, embora gostasse de fingir que tinha.

—Luciel, será que pode ser rápido? Meu nariz não aguenta mais —gemeu Galba, visivelmente sofrendo. Ele só podia culpar o próprio irmão.

—Come logo isso, ou vou te arrebentar na nossa próxima luta! —gritou Brod.

Isso era pura maldade. A diferença entre nós era de quase quatrocentos níveis!

—Provavelmente tem gosto de lixo, mas tĂĄ bom. Se vocĂȘ conseguir, te dou a receita secreta lendĂĄria deixada por um dos chefs mais famosos do mundo!

Eu nĂŁo era pĂĄreo para esses trĂȘs e nunca seria, entĂŁo me calei e comi a droga do doria (um prato de arroz cremoso assado, misturado com a substĂąncia que eu mais odiava). Nunca antes eu tinha visto minha vida passar diante dos meus olhos depois de comer alguma coisa. AtĂ© aquele momento.

—Enfim… —me recompus. —VocĂȘs investigaram aquela maldição que eu mencionei, a que estĂĄ sobrescrevendo brasĂ”es? Alguma pista sobre quem pode ser nosso misterioso culpado?

Galba me olhou com uma sobrancelha levantada.

—Do que vocĂȘ tĂĄ falando?

—Bottaculli foi esfaqueado pelo prĂłprio mordomo. VocĂȘ nĂŁo se lembra?

—O quĂȘ? Isso Ă© ridĂ­culo. VocĂȘ deve estar se sobrecarregando.

—Mestre, vocĂȘ sabe do que estou falando, certo?

—Desculpa, mas nĂŁo tem como o Galba nĂŁo ter ouvido algo assim —resmungou ele. —Por que vocĂȘ tĂĄ trazendo esse assunto de volta?

Porque eu sabia que isso aconteceria. — Digo, ele foi esfaqueado por um dos próprios escravos.

— Sim, mas foi um acidente. O escravo caiu da escada com uma faca na mão, só isso — disse Galba.

NĂŁo havia mais dĂșvidas. As memĂłrias deles haviam sido alteradas.

— Falando em coisas sombrias — Gulgar interrompeu —, ouvi dizer que aquela recepcionista de cabelos negros pediu demissão da Guilda dos Curandeiros.

— Sim, ela pediu — respondi. — Disse que queria tentar a vida como aventureira na Cidade Santa. Parece que conhece alguĂ©m por lĂĄ.

Kururu havia se apegado bastante Ă  Estia, entĂŁo nĂŁo ficou muito feliz com a ideia de deixĂĄ-la partir. Foi preciso bastante convincĂȘs.

— Quase parece que ela está na cola de Bottaculli ou algo assim — comentou meu mestre.

— Só não contem para minha equipe, beleza?

A atitude polida e gentil de Estia era completamente diferente das Valíquirias, mas, mesmo assim, ela havia sido uma peça essencial para manter nosso moral elevado.

— Ah, eu treinei elas direitinho. Elas vão se tornar algo de verdade quando aprenderem a trabalhar melhor juntas.

— Agradeço a ajuda. Agora, vou sair mais cedo. Quero passar no orfanato.

— Vamos fazer isso de novo alguma hora, hein?

— Com certeza.

Eu gostava de beber com todos, nĂŁo me entenda mal, mas minha mente estava girando com esse misterioso alterador de memĂłrias.

Caminhei pela estrada iluminada pela lua atĂ© a mansĂŁo de Bottaculli, agora transformada em orfanato. Os fundos arrecadados com a venda de seus bens haviam sido usados para recomprar o mĂĄximo possĂ­vel das pessoas que ele escravizou, mas muitas estavam alĂ©m do nosso alcance. Nosso Ășnico consolo era termos dado um lar para as crianças que conseguimos resgatar.

Os leais da Igreja tambĂ©m haviam distribuĂ­do diretrizes adicionais para curandeiros autĂŽnomos. Quanto a mim, ainda estava me acostumando com o embaraço de ver meu nome em um artigo de jornal. No entanto, isso me deixava esperançoso quanto ao futuro da percepção do pĂșblico sobre os curandeiros. Quem sabe um dia vĂ­amos mais curandeiros atuando nas Guildas dos Aventureiros.

As clĂ­nicas de Merratoni agora estavam todas operando sob minhas diretrizes e cobrando seus serviços adequadamente. E, apesar de ter levado uma bronca via arclink por desviar a renda da guilda para criar um fundo de resgate de escravos, eu tinha orgulho das mudanças na cidade e da melhora na relação entre o povo e os curandeiros. Grande parte disso havia sido causada por indivĂ­duos e ideias alĂ©m de mim, e toda essa experiĂȘncia acabou se tornando um grande experimento humano (e de bestiais), destacando nossas diferenças, nossas semelhanças e nossas dificuldades em nos compreendermos.

Isso me trouxe lĂĄgrimas aos olhos ao pensar em todos aqueles que, com certeza, machuquei, ou pelo menos incomodei, com minha incompetĂȘncia, mas que ainda assim falavam comigo com bondade. Eu queria aprender a ter orgulho de mim mesmo um dia. A acreditar em mim do jeito que os outros acreditavam.

Lembrei-me de como meu peito começara a doer ultimamente sempre que abria mapas de qualquer tipo. Como se os DragÔes Eternos estivessem me chamando, convocando-me para suas prisÔes. Mas eu mal conseguia lidar com minha vida no momento, muito menos caçar labirintos. Conquistar outra masmorra, muito menos matar dragÔes, com a pouca força que havia adquirido desde meu primeiro encontro, era um sonho distante.

Ainda assim, a dor estava lĂĄ.

Suspirei. Pobres dragÔes. Se ao menos eu fosse mais såbio, mais ousado ou mais corajoso, talvez pudesse ser o herói que o Dragão Sagrado precisava que eu fosse. Por que ele me escolheu, afinal?

Eu nĂŁo ia encontrar a resposta para essa pergunta. Tudo o que podia fazer era rezar para que o caminho que escolhesse daqui para frente fosse o certo. EntĂŁo tomei uma decisĂŁo. Viver uma vida pacĂ­fica e morrer de velhice nĂŁo era mais meu Ășnico objetivo. Eu queria salvar pessoas do sofrimento, resgatar todas as vidas que pudesse, e, para isso, precisava viajar pelo mundo. Estava pronto.

Meses passaram, minhas diretrizes foram transformadas em lei, e todas as guildas e clĂ­nicas do mundo aprenderam as novas regras.


Tradução: CarpeadoPara estas e outras obras, visite o Carpeado Traduz – Clicando Aqui


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