The Great Cleric â CapĂtulo 4â Volume 1
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The Great ClericSeija Musou
Light Novel Online â CapĂtulo 04:
[ Treinamento Parte 1: Talento Marcial]
O tempo voou. JĂĄ fazia uma semana desde que entrei para a Guilda dos Aventureiros. Achei que fosse me acostumar aos poucos com esse estilo de vida brutal, mas a realidade nĂŁo foi tĂŁo gentil.
â Ugh, dolorido de novo hoje.
Naquela manhã, acordei mais uma vez sentindo dores nas articulaçÔes. Depois dos dois primeiros dias, elas me atormentaram durante toda a semana.
Mas eu nĂŁo estava em posição de reclamar. No fim das contas, a culpa desse sofrimento era toda minha⊠No segundo dia, continuei com meu treino independente, mas a sessĂŁo nĂŁo foi muito diferente do primeiro dia. Depois de tomar a Substancia X e perceber que meus mĂșsculos nĂŁo estavam doendo, comecei a pensar em intensificar o treinamento. Acabei me deixando levar, achando que, com esse corpo jovem e novo, eu poderia aumentar meu nĂvel de treino e ficar ainda mais forte.
â Treinador Brod, o treino de ontem foi bem puxado, mas eu nĂŁo estou sentindo dor muscular. SerĂĄ que dĂĄ pra pegar mais pesado? â soltei feito um idiota.
â Hmph, vocĂȘ Ă© mais resistente do que eu imaginava⊠pra um curandeiro.
Nunca vou esquecer aqueles olhos, a intensidade deles, a forma como me perfuraram como uma lança. SĂł descobri no inĂcio da sessĂŁo da tarde que, atĂ© entĂŁo, ele tinha pegado leve comigo, permitindo que atĂ© um curandeiro como eu avançasse no treinamento de forma gradual.
Por quĂȘ, Deus, por que eu tinha que ser tĂŁo convencido? Por mais que eu me arrependesse da minha estupidez, nĂŁo podia voltar no tempo. O treino continuou o mesmo, mas agora havia puniçÔes. Se eu diminuĂsse o ritmo durante a corrida, ele nĂŁo teria piedade nos alongamentos, nĂŁo importava o quanto eu implorasse. Ou entĂŁo, durante os combates, ele parava de apenas desviar e começava a aparar meus golpes. Meus socos e chutes desajeitados eram rebatidos com ainda mais força, sĂł para me ensinar uma lição.
Foi nessa época que comecei a chamå-lo de Treinador Brod. Isso parecia deixå-lo satisfeito, então eu esperava que isso o amolecesse⊠mas o treinamento não ficou nem um pouco mais fåcil. Muito pelo contrårio. Ele continuou intensificando as coisas aos poucos.
Minha rotina começava Ă s sete da manhĂŁ e terminava Ă s sete da noite, com doze horas de instrução. Contando os intervalos, eram um pouco mais de oito horas de treino contĂnuo.
Setenta por cento desse tempo era dedicado ao condicionamento fĂsico e o restante ao treinamento de artes marciais. O resto do meu dia era gasto treinando magia. O pequeno alĂvio que eu tinha sentido na Guilda dos Curandeiros havia desaparecido por completo. Mas eu tinha me colocado nessa situação. Talvez fosse otimismo da minha parte esperar que as coisas melhorassem depois do primeiro mĂȘs.
â NĂŁo descanse. NĂŁo pense. Apenas corra. O mais rĂĄpido que puder.
E lå estava eu de novo, correndo pelo campo de treinamento. Não por obrigação, mas por desespero de passar dessa fase o quanto antes.
â VocĂȘ acha que esses punhos moles vĂŁo derrubar um monstro? Abaixe a postura. Use os quadris. NĂŁo pare depois de um golpe, nenhum monstro cai tĂŁo fĂĄcil! â Brod gritava. â O quĂȘ, vocĂȘ quer morrer? Hein?! TĂĄ quieto, entĂŁo quer dizer que quer morrer, nĂ©?!
No começo, as broncas do Brod pesavam no meu espĂrito, mas agora eu enxergava nelas uma visĂŁo imparcial da realidade. Isso nĂŁo significava que eu tinha me acostumado, claro. Sempre que meu ritmo caĂa, eu sentia aquela aura ameaçadora dele. Se ele aumentasse aquilo atĂ© virar pura sede de sangue, minhas pernas provavelmente tremeriam demais para correr, mas, felizmente, ele mantinha num nĂvel âaceitĂĄvelâ.
Quanta folga esse cara tinha no dia? No primeiro dia, ele sĂł me instruiu. Agora, ele corria comigo. Começava no meu ritmo, mas logo me ultrapassava e dava a volta, me alcançando por trĂĄs como um predador. Eu sabia que era o Brod, mas meu instinto de sobrevivĂȘncia nĂŁo conseguia diferenciar e me fazia correr ainda mais.
Ele me alcançava, gritava mais uns insultos e acelerava de novo. Repetia o processo sem perder o fÎlego. Enquanto isso, eu questionava se éramos realmente da mesma espécie.
Se havia um lado positivo nisso tudo, era que os aventureiros normais jĂĄ nĂŁo pareciam tĂŁo assustadores. Isso tinha que valer de alguma coisa.
Depois, vinham os alongamentos. Essa rotina mudou pouco ao longo da semana. Basicamente, consistia em dobrar meus braços e pernas em ùngulos que claramente não eram naturais. Pelo menos ele me deixava usar Cura quando algo se deslocava.
Mas de longe, a pior parte do treino era o combate. Durante as lutas, Brod nunca aliviava no olhar intimidador e nas posturas ameaçadoras. Segundo os aventureiros que eu curava, ele se tornava uma pessoa completamente diferente no treinamento. Todo mundo evitava aquela sessão infernal como se fosse a peste.
Eu bem que gostaria de ter descoberto isso antes.
Se foi por saber disso ou pelo prĂłprio medo constante do Brod, minha resistĂȘncia despencou e meu corpo parecia cada vez mais pesado. Meus socos saĂam trĂȘmulos, meus chutes pareciam lançados por troncos rĂgidos.
O momento em que eu desistisse seria o momento em que Brod começaria a me atacar de verdade. Ele me avisou disso. Então eu não podia parar. Tinha que continuar.
Cada golpe esquivado drenava minhas energias, mas esse nem era meu maior problema. O pior era a dor intensa que percorria meus braços e pernas sempre que ele rebatia meus golpes. E mesmo ele pegando leve, o dano se acumulava. Como alguém podia ser tão injusto assim? Continuei atacando, resistindo à dor, até cair de cara no chão. Mas não tinha acabado ainda.
â O quĂȘ, jĂĄ era? Prefere morrer? Se Ă© assim, entĂŁo acho que vou parar de pegar leve. Fique de olhos abertos e tome sua postura. Agora vou atacar. Se puder, bloqueie. Se nĂŁo, desvie.
Ele nĂŁo perdeu mais tempo falando e partiu para o ataque. Bem tĂpico do Brod.
Eu estava sem energia. Todo machucado. Movimentar o corpo era um esforço imenso. Nessa situação, a Ășnica coisa que eu podia fazer era usar a cabeça para sobreviver.
Brod sabia disso e começou a atacar num ritmo mais lento, como se quisesse que eu aprendesse com os movimentos. Sim, essa postura perfeita, com certeza dava praâŠ
â Ah!
Me peguei encarando o punho que vinha em minha direção um segundo tarde demais. Um golpe certeiro e caà inconsciente. Até que um balde de ågua gelada me trouxe de volta à realidade.
â TĂĄ muito cheio de si pra ficar aĂ sentado no chĂŁo sonhando acordado, garoto.
â D-desculpa⊠â murmurei, segurando o nariz. Eu podia me curar com Cura, mas ele nĂŁo deu permissĂŁo, entĂŁo fiquei na minha. Provavelmente era para o meu prĂłprio bem.
â Estou de pĂ©. Vamos tentar de novo, por favor.
Não era como se eu gostasse da dor ou algo assim⊠Mas o treinador Brod ficaria de mau humor se eu não continuasse, e isso não era nada bom para o aprendizado. Em vez de perder tempo reclamando, era melhor aproveitar para tentar superå-lo. Ele estava atacando dentro dos meus limites, então, se eu conseguisse ir além, talvez conseguisse acertar um golpe nele. Cerrei os punhos.
â VocĂȘ me dĂĄ arrepios sorrindo depois de tudo isso, sabia?
â Isso me motiva. Vou acertar um golpe em vocĂȘ, pode apostar.
â Hmph. Se tem energia pra falar merda, entĂŁo tĂĄ bom. Vou te quebrar, mas sĂł o suficiente pra nĂŁo te partir ao meio.
Soltei uma risada nervosa.
â Era sĂł uma piada!
Minha boca grande me meteu em mais uma encrenca, mas minha salvação veio na forma de aventureiros descendo as escadas â feridos.
Depois dos meus primeiros pacientes, meus serviços de cura se espalharam pelo boca a boca. Antes que eu percebesse, tinha uma fila de aventureiros tĂmidos vindo testar o terreno. Muitos acabavam voltando quando sofriam ferimentos mais graves que atrapalhavam seus movimentos. Brod, sem surpresa alguma, nĂŁo deixava os ferimentos leves passarem despercebidos. Ele tambĂ©m parecia estar registrando quem vinha e quantas vezes, mas eu apenas focava na tarefa de curar. Obviamente, nĂŁo podĂamos treinar durante esse tempo, entĂŁo tambĂ©m servia como um pequeno descanso. Os aventureiros saĂam restaurados, e eu ganhava um momento de folga â um verdadeiro ganha-ganha.
A paciente à minha frente hoje era uma mulher-gato, algo raro. E além disso, uma garota. Pelo jeito que seu grupo me olhava, no entanto, parecia que uma conversa casual estava fora de questão.
â O que estĂĄ incomodando vocĂȘ hoje?
â VocĂȘ⊠vai mesmo me curar? â ela perguntou desconfiada.
Sendo sincero, o que mais me chamou atenção nem foi o tom suspeito dela, mas sim o fato de que ela nĂŁo soltou um âmiauâ no meio da frase. Sim, talvez nos meus sonhos. As pessoas nĂŁo colocavam palavras estranhas na fala sem motivo. Me senti um pouco mais culto agora.
Assenti. â Vou sim. Ă para isso que estou aqui. O que aconteceu?
â Fui atacada por um Ratofera. Ele mordeu minhas costas e minhas pernas.
Um Ratofera, hein? Este mundo tinha envenenamento e paralisia, mas o que aconteceria se uma ferida fosse infectada por bactérias?
â A cura deve fechar o ferimento â expliquei â, mas pode estar infectado, entĂŁo recomendo que procure um mĂ©dico se começar a se sentir mal. Posso curĂĄ-la?
â Sim, por favor.
Fiz a cura como prometido, e a garota começou a chorar. Ah não, fiz algo errado?
â Hum, o que foi? â perguntei.
â Ei, curandeiro, qual Ă© o seu nome? â um dos aventureiros perguntou.
â Sou Luciel. â Opa, melhor manter a compostura aqui.
â Luciel⊠vocĂȘ usa magia em homens-fera.
â HĂŁ? NĂŁo estou entendendo. Humanos, homens-fera⊠no fim das contas, todos sĂŁo pacientes. NĂŁo Ă© Ăłbvio?
Pelo jeito que esse homem, que parecia ser o lĂder, falava, parecia bastante claro que os homens-fera sofriam discriminação, mas eu nunca senti nada do tipo com os funcionĂĄrios da guilda. Seria um problema especĂfico da mentalidade dos curandeiros?
â VocĂȘ Ă© um bom sujeito, Luciel. Podemos voltar se nos machucarmos de novo?
â Claro. Minhas portas estĂŁo sempre abertas.
Sorri e fiz uma leve reverĂȘncia, mas entĂŁo, de repente, a garota que chorava me abraçou forte, e meu coração parou por um instante.
â Obrigada. Vou voltar da prĂłxima vez que me machucar, tĂĄ? â ela sussurrou no meu ouvido antes de me soltar.
â Se um dia estiver em apuros, nos avise â disse o lĂder, enquanto subiam as escadas.
â Brod, quem eram eles?
â Vou investigar depois.
Bem, sim, eu nĂŁo podia esperar que ele memorizasse todos os membros de cada grupo. Com a pausa encerrada, voltamos ao treinamento. Nem por um segundo passou pela minha cabeça que, com esse Ășnico ato de curar um homem-fera, meu nĂșmero de pacientes aumentaria drasticamente.
â EntĂŁo vocĂȘ sobreviveu Ă sua primeira semana.
Brod deu um tapinha no meu ombro enquanto terminĂĄvamos, parecendo satisfeito. Suponho que nĂŁo fosse comum as pessoas durarem tanto tempo.
â De alguma forma. E sinto meu corpo melhorando pouco a pouco, entĂŁo nĂŁo pretendo fugir.
â Claro que nĂŁo. Agora vamos, nĂŁo quero ver nenhum resto nesse prato hoje.
Ele começou a caminhar em direção ao refeitório, e eu o segui, me perguntando se ele realmente estava preocupado que eu fosse fugir.
Se curar aventureiros era um alĂvio, a hora das refeiçÔes era o paraĂso. Mesmo comparando com a comida da minha vida passada, a culinĂĄria do Gulgar nĂŁo era algo a se menosprezar. Aquele homem-lobo tinha um repertĂłrio impressionante, e cada prato que preparava era diferente do anterior. De bifes a hambĂșrgueres, passando por um tipo de ensopado que misturava carne cozida e pot-au-feu, atĂ© algo parecido com udon frito, todos (para minha surpresa) faziam uso generoso de temperos.
Infelizmente, nĂŁo havia doces, mas nĂŁo seria exagero dizer que essa comida deliciosa era o que me sustentava no inferno do treinamento. Se nada fosse minimamente saboroso, eu provavelmente jĂĄ teria desistido. NĂŁo sabia exatamente para onde iria, mas ainda assim.
De qualquer forma, esse paraĂso que intercalava meus treinos mantinha minha motivação bem alta. Se eu tivesse que reclamar de algo, seria da quantidade absurda de comida, mas sempre que eu mencionava isso, recebia a mesma resposta:
â Comer faz parte de ser aventureiro. NĂŁo deixe nada no prato.
Os pratos principais normalmente não vinham com vegetais, mas Gulgar sempre tinha a gentileza de preparar uma salada morna e nutritiva para mim no café da manhã. Ele era um homem de poucas palavras, mas muitos aventureiros vinham até ele em busca de conselhos.
â E aĂ, como foi o treinamento hoje?
â DifĂcil dizer â Brod respondeu. â Ele ainda nĂŁo estĂĄ pronto⊠Vai levar um mĂȘs ou mais atĂ© chegar na parte sĂ©ria.
â Um mĂȘs, Ă©? Acha que ele sobrevive ao seu treinamento infernal?
â Pergunta pro garoto.
Os dois olharam para mim.
â T-Tudo o que posso fazer agora Ă© o meu melhor. SĂł passou uma semana, mas estou melhorando, mesmo que seja pouco a pouco. Sinto que estou. Mas, pra ser sincero, o que me mantĂ©m de pĂ© Ă© a comida do Gulgar.
â VocĂȘ sabe falar direitinho. Oh, jĂĄ terminou? Que tal repetir?
â NĂŁo, obrigado, estou cheio.
â Ah, Ă©?
Gulgar voltou para a cozinha, deixando Brod e eu sozinhos. SilĂȘncio constrangedorâŠ
Meu instrutor tomou um gole de cerveja e ficou pensativo por um momento.
â Escuta, garoto. Pessoalmente, acho que ainda Ă© cedo pra começar com armas, mas o que acha? Quer tentar?
Ele estava hesitando sobre qual caminho tomar no meu treinamento? Eu certamente ficaria preocupado em ter apenas opçÔes de combate corpo a corpo caso realmente saĂsse da cidade. Seria bom aprender algumas tĂ©cnicas de longo alcance tambĂ©m.
â NĂŁo pretendo me meter em brigas, mas, caso acabe envolvido em uma, gostaria de ter opçÔes de mĂ©dio a longo alcance para poder escapar.
â MĂ©dio a longo alcance. Entendido. Estou indo na frente. Avise o Gulgar.
â Vou sim. Obrigado por hoje.
â Ă isso aĂ.
Ele saiu do refeitĂłrio. Pouco depois, Gulgar voltou carregando uma caneca de SubstĂąncia X.
â Eu realmente preciso beber tudo isso?
â Precisa. Quer ficar mais forte, nĂŁo quer?
NĂŁo havia como argumentar contra isso, entĂŁo aceitei a caneca e engoli o lĂquido.
A comida do Gulgar era deliciosa. Uma pena que eu nunca conseguia saboreĂĄ-la direito, jĂĄ que precisava destruir meu nariz e lĂngua depois de cada refeição. âNojentoâ nem começava a descrever aquilo. Beber a solução exigia esforço fĂsico real para nĂŁo desmaiar, e eu poderia viver sem isso. Mas, de certa forma, isso fazia parte da minha alimentação, entĂŁo, se eu recusasse, Gulgar provavelmente me obrigaria a beber de qualquer jeito, detonando completamente nosso relacionamento.
Alguns dias antes, vi um grupo de aventureiros que nĂŁo conseguiu terminar as montanhas de comida empilhadas em seus pratos. Gulgar explodiu.
â Olha essa comida toda desperdiçada! Se nĂŁo podiam comer tudo, por que pediram? NinguĂ©m sai desse refeitĂłrio atĂ© limpar os pratos!
Os aventureiros tentaram reclamar, mas rapidamente se calaram quando o cozinheiro lançou um olhar furioso digno de um urso enfurecido. Seus protestos se transformaram em soluços abafados por bocas cheias de comida. Desde então, eu fiz disso uma regra de vida: nunca, jamais, deixar restos.
Depois de recusar cuidadosamente outra dose de SubstĂąncia X, voltei para meu quarto, me joguei na cama, abri minha tela de status e revisei meu progresso.
â Acho que eu nem teria conseguido aprender Cura sem essa habilidade de DomĂnio de Avaliação. Bom saber que estou fazendo as coisas direito.
No fim de cada dia, eu tirava o måximo de proveito dessa habilidade especial, depois praticava Controle de Magia e Manipulação Mågica antes de dormir. Essa era minha rotina agora. Uma rotina cheia, apesar de um pequeno problema⊠Eu continuava com a sensação de que estava sendo observado.
No começo, achei que era coisa da minha cabeça, mas, com o passar dos dias, essa sensação foi ficando mais forte. No inĂcio, suspeitei que fosse um perseguidor, mas, nesse caso, nĂŁo parecia algo crescente, entĂŁo descartei essa ideia. Ainda assim, isso me deixava inquieto. Decidi mencionar para Brod no dia seguinte.
Na manhã seguinte, expus minha preocupação.
â Ultimamente, sinto que estou sendo observado⊠NĂŁo, por vĂĄrias pessoas. Sempre acontece quando saio do meu quarto e quando estou no primeiro andar.
Nem Brod nem Gulgar disseram nada. Pelo modo como desviaram o olhar em vez de responder como de costume, ficou claro quem eram os culpados: o pessoal da guilda e os aventureiros.
â Podem me explicar por que estou sendo vigiado?
A Ășnica privacidade que eu tinha era dentro do meu prĂłprio quarto, e isso estava começando a me desgastar.
â Desculpa, garoto. Sei que isso nĂŁo justifica, mas prometo que ninguĂ©m tem mĂĄs intençÔes â Brod disse. â A maioria dos aventureiros nĂŁo nasceu em famĂlias ricas. Eles nĂŁo sabem como fazer melhor, entĂŁo aceitam trabalhos imprudentes e acabam se machucando. Mas isso nĂŁo importa pra eles. Eles precisam de dinheiro pra viver, entĂŁo se levantam e aceitam mais missĂ”es, porque Ă© tudo o que podem fazer. Esse ciclo se repete atĂ© que, antes que percebam, nĂŁo tĂȘm escolha alĂ©m de se aposentar cedo.
Começar como aventureiro definitivamente tinha altos custos iniciais, entĂŁo se virar no começo devia exigir todo o esforço possĂvel. Se eu nĂŁo fosse um curandeiro, provavelmente estaria no mesmo barco. SerĂĄ que nĂŁo existia um curso de treinamento para iniciantes? NĂŁo me lembrava de ter ouvido falar de nada assim quando me registrei.
â A guilda nĂŁo oferece nenhum treinamento ou orientação para novos aventureiros?
â Nada obrigatĂłrio.
A opressĂŁo por trĂĄs de suas palavras me fez perceber algo. Para estabilizar a renda mĂnima e instĂĄvel que novos e fracos aventureiros conseguiam obter, eu, um curandeiro, era uma necessidade. Quando inevitavelmente se machucavam, minha cura permitia que voltassem ao campo e ganhassem dinheiro novamente no dia seguinte. As vidas dessas pessoas haviam sido forçadas para minhas mĂŁos sem que eu sequer percebesse. Pelo menos, agora eu entendia por que ele nĂŁo queria que eu fosse embora. Evidentemente, a confiança entre nĂłs ainda tinha um longo caminho a percorrer.
â NĂŁo Ă© justo da minha parte dizer tudo isso. SĂł queria que vocĂȘ entendesse a situação desses novatos.
â NĂŁo vou a lugar nenhum este mĂȘs, entĂŁo, por favor, pode parar com essa espionagem? Ă sĂł isso que eu peço.
Brod fez uma pausa antes de responder.
â Certo.
Eu havia confirmado minha intenção de ficar por um mĂȘs, mas uma sombra ainda pairava sobre seu rosto. Ver um homem normalmente tĂŁo impiedoso durante o treinamento de repente parecer tĂŁo abatido era demais para o meu coração aguentar, entĂŁo deixei que minha promessa encerrasse o assunto.
â E eu falo sĂ©rio. Da prĂłxima vez que eu sentir que alguĂ©m estĂĄ me vigiando, vou fazer essa pessoa tomar uma caneca do âvocĂȘ-sabe-o-quĂȘâ comigo.
Ele abriu um sorriso seco.
â Isso Ă© golpe baixo, moleque.
â SĂł para deixar claro, isso inclui vocĂȘ tambĂ©m â respondi com um sorriso travesso. O olhar de desespero que se espalhou pelo seu rosto me fez cair na gargalhada.
Brod parecia ter mais a dizer, mas permaneceu em silĂȘncio. Gulgar colocou uma caneca de âSubstĂąncia Xâ na minha frente e logo desapareceu de volta para a cozinha sem dizer uma palavra.
A partir daquele momento, meus relacionamentos com a equipe e meus laços com os aventureiros começariam a mudar.
â Ei, valeu pela cura mais cedo, chefe. Se precisar de mais, eu volto.
â SĂł toma cuidado e tenta manter isso no mĂnimo, tĂĄ bom?
Os olhares que eu sentia sobre mim desapareceram no dia seguinte à minha conversa com Brod. Agora, todos começaram a vir falar comigo diretamente. Felizmente, não para me intimidar ou algo do tipo, mas ia levar um tempo para eu me acostumar com isso. Na verdade, até pediram desculpas pela hostilidade anterior. Ainda não conseguia acreditar na rapidez com que passei de mal conseguir perguntar por que estava sendo vigiado para simplesmente dizer a eles para pararem.
Nem todos os aventureiros tinham aparĂȘncia assustadora, longe disso. Muitos pareciam bastante tranquilos, embora um particularmente teimoso e cabeça-quente pudesse facilmente me colocar no meu lugar. No entanto, comecei a gostar da minha estadia na Guilda dos Aventureiros. Roupas e outros pequenos presentes começaram a chegar atĂ© mim como forma de agradecimento.
â Obrigado por tudo.
â Ouvi dizer que vocĂȘ estava sem roupas.
â Valeu por tornar a guilda um lugar mais agradĂĄvel.
E assim por diante.
E não eram apenas os aventureiros que me presenteavam. Até mesmo os funcionårios da guilda entraram na onda. Porém, fiquei um pouco triste ao perceber que nenhum desses presentes veio de uma garota. Muito triste, de fato.
Mas, no geral, meus relacionamentos estavam melhorando, e eu jĂĄ estava ficando sem espaço para guardar tanta coisa nova. Quando mencionei isso para Brod, ele mandou remover as camas extras do meu quarto e me arranjou um baĂș e uma cĂŽmoda. Esse tratamento privilegiado me deixou completamente perplexo. Eu estava determinado a fazer tudo o que pudesse para retribuir essa gentileza.
Em poucos dias, eu tinha tudo o que poderia precisar e percebi que não havia mais razão para sair da guilda. Bem, exceto para fugir do treinamento, mas o treinador Brod certamente viria atrås de mim, então isso seria o próprio significado de perda de tempo. Eu estava confortåvel ali. Sair dos portÔes da guilda jå não parecia necessårio.
â Eles nĂŁo estĂŁo tentando me bajular, estĂŁo? â pensei comigo mesmo. â Nah, estou pensando demais.
Convencido de que era apenas paranoia, terminei meu treino matinal de Cura, Meditação, Controle Mågico e Manipulação de Magia, e fui para o refeitório.
â Ei, moleque. Hoje vocĂȘ chegou cedo.
Brod jĂĄ estava sentado no balcĂŁo quando cheguei.
â Bom dia. O mesmo para vocĂȘ, treinador Brod. Ah, bom dia, Gulgar. Posso tomar cafĂ© da manhĂŁ?
â Saindo jĂĄ. A partir de hoje, vou começar a te dar um pouco mais.
â HĂŁ? Acho que jĂĄ estamos no limite do que eu consigo comer.
â VocĂȘ estĂĄ prestes a aprender o verdadeiro significado da palavra âlimiteâ â zombou o homem-lobo. Depois de colocar os pratos na minha frente, ele sumiu na cozinha para buscar a SubstĂąncia X.
Brod começou a falar devagar.
â Olha, moleque, vou ser honesto com vocĂȘ. No que se trata de combate, vocĂȘ nĂŁo tem um pingo de talento natural.
Eu nĂŁo me lembrava de ter pedido uma porção de depressĂŁo junto com minha refeição matinal. Minha resistĂȘncia mental jĂĄ nĂŁo era grande coisa para começo de conversa, entĂŁo suas palavras me acertaram em cheio. No entanto, seus olhos eram sinceros e inabalĂĄveis. Havia um motivo para ele estar me dizendo isso.
â Eu jĂĄ suspeitava â confessei, com a voz trĂȘmula. Minha maestria estava aumentando, entĂŁo eu estava melhorando. Usei essa linha de pensamento como desculpa para ignorar a verdadeâeu nĂŁo tinha talento algum. E nĂŁo era sĂł um desequilĂbrio entre ataque e defesa. Eu nĂŁo queria atacar. Eu nĂŁo queria ser atingido. Meu coração e minha mente estavam em conflito.
Quando cheguei a este mundo, queria poderâespecificamente, o poder de evitar uma morte injusta. Mas, na minha vida passada, nunca havia me envolvido em uma Ășnica briga. No fundo, eu tinha medo de machucar alguĂ©m. Isso ficou claro durante meus treinos diĂĄrios com Brod. Para piorar, eu nem conseguia acompanhar seus ataques, muito menos desenvolver alguma habilidade para artes marciais.
Aguardei Brod continuar. Ele fechou os olhos e assentiu.
â Mas o que vocĂȘ tem Ă© talento para se esforçar. VocĂȘ tem uma mentalidade resistente que te faz continuar.
â O-Oh, hĂŁ, obrigado.
Fiquei aliviado, embora um pouco envergonhado, por ele nĂŁo ter dito que ia desistir de mim. Cocei a bochecha, sem jeito.
Ele abriu os olhos e me encarou.
â Enquanto vocĂȘ continuar tentando, eu nĂŁo vou te abandonar, moleque. NĂŁo desista e, no mĂnimo, vocĂȘ vai aprender a se defender. Eu sei que vai.
Me virei para ele e fiz uma reverĂȘncia.
â Conto com o seu ensino atĂ© lĂĄ.
â Certo, termine de comer e volte pro treino. A partir de agora, vamos começar a fortalecer seu corpo de verdade. E vamos incluir armas no currĂculo.
â Armas? Do tipo afiado?
â Sim. Mas nĂŁo se preocupe, vou ter certeza de cortar sĂł de leve â disse ele, com um brilho nos olhos.
Previ muitas experiĂȘncias de quase morte no meu futuro se baixasse a guarda. Minha cabeça começou a girar.
â Anda logo e termina esse prato, moleque â ele pressionou.
Para ser sincero, eu tinha perdido completamente o apetite, mas o medo do Gulgar era maior do que essa preocupação. Falando no diabo, lå vem ele agora, carregando uma caneca de Substùncia X.
â HĂŁ? Ainda nĂŁo terminou? Aqui, Ă© isso que vocĂȘ vai beber a partir de agora. â Ele colocou a caneca no balcĂŁo.
A natureza sinistra da bebida nĂŁo tinha mudado, exceto pelo fato de que agora havia mais dela. Muito mais. Pelo que parecia, tinha pelo menos uma vez e meia a quantidade normal.
â Isso Ă© uma piada, nĂ©?
â DĂĄ pra beber, nĂŁo dĂĄ? Se beber, vai ficar mais forte.
Como se eu fosse cair nessa. Terminei meu café da manhã.
â Eu realmente nĂŁo suporto essa coisa, entĂŁo se puder fazer como de costumeâŠ
â Moleque, sĂł bebe logo. Temos trabalho a fazer.
â Sim, senhor.
Então, o Brod também estava envolvido nisso. Tornar esses caras meus inimigos seria um desastre. Eles tinham controle sobre meu tempo de descanso. Mas isso não era só uma caneca de cerveja, era um jarro inteiro! Decidi que um dia eu daria o troco neles e, então, engoli aquela solução horrenda de uma vez. Brod disse que me encontraria no campo de treinamento e saiu.
A Substùncia X não enchia o estÎmago nem um pouco, então eu não precisava me preocupar em ficar pesado antes do treino. Na verdade, o cheiro e o gosto eram tão ruins que quase fizeram minha refeição inteira voltar, se não fosse pela presença intimidadora do Gulgar me forçando a manter tudo no lugar.
â Ufa, essa foi por pouco. VocĂȘ deve ser bem forte tambĂ©m, Gulgar, jĂĄ que tem essa aura insana igual Ă do treinador Brod.
â Me chama se um dia quiser testar a sorte! â ele uivou enquanto limpava os pratos.
Esse cara deve ser um monstro⊠Jurei para mim mesmo que nunca, sob nenhuma circunstùncia, enfrentaria ele.
â Acho que vou passar. AtĂ© mais.
Gulgar soltou outra gargalhada enquanto eu saĂa.
Quando cheguei ao campo de treinamento, Brod estava no meio, imponente como sempre, mas tinha algo diferente naquele dia.
â Desculpa a demora. EntĂŁo, hum⊠por que tem uma montanha de pedras aqui?
E esse âalgoâ era a pilha gigantesca de pedras ao lado dele.
â A partir de hoje, vocĂȘ nĂŁo vai mais correr depois do cafĂ© da manhĂŁ. Vai praticar arremessar essas pedras no alvo ali. Quando se acostumar, vai conseguir adquirir a habilidade Arremesso.
â Isso Ă© aquilo que eu tinha pedido antes, nĂ©?
â Exato. NĂŁo importa o quanto aprimorarmos suas habilidades de combate pra vocĂȘ conseguir se virar de perto, sempre vai ter gente â e coisas â mais fortes do que vocĂȘ. EntĂŁo vou fazer vocĂȘ dominar a habilidade de Arremesso a um nĂvel que pelo menos faça os inimigos hesitarem. Algo que possa te dar uma chance.
Ele pegou uma pedra e jogou casualmente. Um segundo depois, um estrondo alto, como um disparo de arma de fogo, ecoou pelo campo, e um buraco apareceu no meio do alvo. Isso era o que a habilidade Arremesso era capaz de fazer⊠mas eu não consegui nem ver o movimento. O som fez meu coração disparar. Parece que as memórias da morte não desaparecem tão fåcil assim.
â Eventualmente, vocĂȘ vai conseguir fazer o mesmo. O que foi? Parece que viu um fantasma.
Por mais que ele parecesse preocupado comigo, eu não podia simplesmente sair falando sobre outro mundo. Eles iam me chamar de maluco. Forçando um sorriso, balancei a cabeça.
â NĂŁo Ă© nada. EntĂŁo eu sĂł preciso jogar pedras?
â Isso. Primeiro, começa com pedras, depois passa pra adagas e, por fim, lanças. Mas por enquanto, sĂł pedras.
Ele me entregou uma pedra lisa e arredondada. Era leve e fĂĄcil de segurar. Devia ter sido escolhida especificamente para o treino.
â Tem algo que eu deva saber antes?
â Por agora, joga com toda a força que puder, como se estivesse tentando causar dano de verdade. Depois, vai descobrindo sozinho como aumentar a velocidade, a distĂąncia e a força dos seus arremessos.
â Sim, senhor.
Eu entendia que a prĂĄtica independente tambĂ©m era importante. Quando criança, eu jogava muito beisebol, entĂŁo sabia uma coisa ou outra sobre arremessos, mas levaria anos pra alcançar o nĂvel do treinador Brod. Meu Ăąnimo jĂĄ estava começando a cair. Mas sem esforço, sem progresso.
Peguei a pedra e joguei, tentando aproveitar os anos de experiĂȘncia jogando bola. Ela descreveu uma parĂĄbola no ar e acertou o alvo, menos de trinta centĂmetros distante do centro.
â TĂĄ de brincadeira, moleque?! VocĂȘ acha que o inimigo vai se jogar no chĂŁo chorando pela mamĂŁe sĂł porque vocĂȘ jogou uma porcaria num alvo?!
Mais uma vez, eu tinha irritado meu instrutor. Graças a Deus não havia outros aventureiros por perto. Jå até dava pra ouvir as risadinhas.
â Desculpa, sĂł queria sentir o peso e a distĂąncia.
â A gente nĂŁo tem o dia todo. E as pedras nunca vĂŁo ser todas do mesmo tamanho ou peso, entendeu?
â Sim, senhor.
â Como eu disse, vamos aumentar a dificuldade aos poucos. De pedras para adagas, depois lanças. Assim, atĂ© mesmo um curandeiro como vocĂȘ vai conseguir manter distĂąncia caso seja atacado.
â Obrigado, vou dar o meu melhor.
â Agora escuta bem. NĂŁo pense nisso como uma forma de derrubar alguĂ©m. Esse nĂŁo Ă© o objetivo. Coloca isso na sua cabeça.
â Sim, senhor.
â Certo. Quero ver todas essas pedras sumirem na prĂłxima hora.
â Tudo issoâŠ?
â NĂŁo Ă© o suficiente?
â N-nĂŁo, senhor⊠JĂĄ vou começar.
Peguei um pedaço da pilha de pedras montanhosa e comecei a arremessar com toda a força que conseguia. Alguns lançamentos acertavam o alvo, outros nĂŁo. Esse processo se repetia, e repetia. EntĂŁo, algo me ocorreu. Um mĂȘs de treinamento nĂŁo era nem de longe tempo suficiente para aprender alguma coisa. Eu mesmo havia pedido para renovar nosso acordo mensalmente, mas minha suposição de que ficaria forte o bastante para me virar em tĂŁo pouco tempo era tĂŁo equivocada que doĂa.
â Agi como se entendesse, mas, no fundo, ainda devia achar que era o protagonista.
Como eu deveria progredir para lançar lanças em apenas duas semanas? Eu nĂŁo podia. Era impossĂvel. Para falar a verdade, um mĂȘs nem sequer era tempo suficiente para fortalecer e condicionar meu corpo. Brod certamente sabia disso e mesmo assim aceitou meus termos. Talvez ele nĂŁo esperasse que eu fosse aguentar a pressĂŁo.
â Devagar e sempre, Ă© isso? â murmurei, pensativo. â TrĂȘs anos⊠Talvez esse seja o tempo suficiente para aprender a sobreviver neste mundo.
Conforme os dias passavam, eu me dividia entre o meu quarto, o refeitório e o campo de treinamento, agarrado a essa determinação.
Acordava e praticava meu Controle Mågico enquanto alongava. Depois de treinar arremessos sozinho, comia até me fartar da comida do Gulgar e tomava uma dose de Substùncia X. Mais uma hora de arremessos e começava a correr voltas no campo de treinamento enquanto suportava a pressão habitual do treinador Brod.
Em vez de alongamentos, nosso tempo de combate aumentou, assim como o nĂșmero de aventureiros que vinham me procurar para serviços de cura. Alguns atĂ© começaram a aparecer timidamente de fora de Merratoni, aumentando a população de aventureiros na cidade.
Olhei para Brod, que estava de lado, conversando animadamente com Gulgar sobre isso. Embora me deixasse um pouco envergonhado, aquilo me fazia feliz também. Era como se tivesse sido aceito, de certa forma. Brod nunca me elogiava diretamente; era sempre de maneira indireta, aquele cabeça-dura.
Os outros aventureiros tambĂ©m passaram a me ver como um verdadeiro curandeiro afiliado Ă guilda, jĂĄ que eu praticamente nĂŁo saĂa do lado dele. Fiquei feliz por ter o apoio deles. Assim, pelo menos, eles nĂŁo ficariam me olhando torto. Por enquanto, pelo menos.
â Agora eu fui realmente aceito. Ou pelo menos Ă© o que eu gostaria de pensar, mas a vida nunca Ă© tĂŁo simples, nĂ©? â Provavelmente, essa aceitação se devia ao fato de eu ser membro da equipe da guilda.
â O que tĂĄ murmurando aĂ, moleque?
â Ah, me desculpe. SĂł estava pensando em como esse primeiro mĂȘs passou rĂĄpido. â NĂŁo podia simplesmente sair dizendo que estava ficando sentimental relembrando tudo.
Brod e Gulgar estavam tomando cafĂ© juntos. Hoje marcava o fim do nosso contrato. A ansiedade se misturava com o alĂvio que eu sentia. NĂŁo fazia ideia de como as coisas ficariam daqui para frente ou se conseguiria renovar nosso acordo. A aura intimidadora que emanava constantemente do meu treinador nĂŁo ajudava em nada.
â Bom, primeiro mĂȘs concluĂdo, moleque. VocĂȘ aguentou firme â ele disse.
â Obrigado. De alguma forma, graças Ă comida do Gulgar, consegui sobreviver sem enlouquecer. SĂ©rio, obrigado por tudo.
â NĂŁo precisa agradecer â ele sorriu. â Ainda nĂŁo acredito que vi vocĂȘ engolindo aquela porcaria depois de cada refeição. JĂĄ tĂŽ satisfeito sĂł com isso.
â NĂŁo me entenda mal, aquilo era horrĂvel. Mas, de novo, treinador, obrigado.
â Esquece isso.
â Sobre daqui para frente⊠Vou trabalhar em uma clĂnica para juntar mais dinheiro. Depois disso, adoraria treinar com vocĂȘ de novo.
Ele fez uma pausa.
â Dinheiro?
â Sim. A guilda cuidou de todas as minhas necessidades atĂ© agora, mas eu praticamente nĂŁo tenho nada. Preciso pagar minhas taxas na Guilda dos Curandeiros e comprar grimĂłrios para aprender novos feitiços.
â Ă pra isso que vocĂȘ precisa de dinheiro?
â Isso mesmo. NĂŁo posso ser colocado na lista negra da guilda por nĂŁo pagar minhas taxas a tempo.
â EntĂŁo, digamos que alguĂ©m pagasse suas taxas do ano. O que faria?
â HĂŁ? Bom, eu nĂŁo tenho esse dinheiro, Ă© por isso que estou trazendo isso Ă tona.
â Suponha que alguĂ©m pagasse para vocĂȘ. O que faria entĂŁo?
â DifĂcil dizer, mas acho que perguntaria se vocĂȘ continuaria me treinando. Ainda nĂŁo consigo me defender nem um pouco.
Brod sorriu de canto e puxou um saquinho de couro do bolso do casaco.
â Ah, Ă©? Bom, aqui estĂĄ sua recompensa por aguentar firme por um mĂȘs. E por salvar tantas vidas. Pegue. Use para pagar suas taxas e volte logo pra cĂĄ.
Dentro havia doze moedas de prata.
â O q-quĂȘ? Isso⊠Como assim?! â Fiquei completamente pasmo. Eu Ă© que deveria estar pagando, mas quem estava sendo pago era eu?
â VocĂȘ trabalhou duro curando todos aqueles aventureiros. Graças a vocĂȘ, menos deles morreram. Achei que merecia algo.
Francamente, eu queria aceitar sem pensar duas vezes, mas isso seria de mau gosto. Recusar uma vez por educação era o certo a se fazer.
â Sou extremamente grato, mas doze moedas de prata Ă© muito dinheiro, nĂŁo Ă©? NĂŁo posso simplesmente aceitar isso de vocĂȘ. Ainda mais depois de jĂĄ ter recebido comida e abrigo esse tempo todo.
Dizer isso em voz alta realmente me fez perceber o quĂŁo ridiculamente sortudo eu fui nesse mĂȘs.
â Apenas aceite. VocĂȘ ainda tem um longo caminho pela frente, fedelho, entĂŁo seu treinamento nĂŁo termina hoje. Agora vĂĄ para a Guilda dos Curandeiros e faça o que precisa fazer. â Ele sorriu novamente, e nem preciso dizer que aquele olhar me deu arrepios.
Peguei a bolsa.
â Entendido. Aceito com gratidĂŁo. Vou sair assim que terminar esse copo.
â Faça isso.
Para marcar a aquisição da minha anuidade, graças à generosidade de Brod, engoli a dose de Substùncia X e soltei um suspiro satisfeito.
â Certo, estou indo.
â Acho bom esperar uns trinta minutos, moleque.
Agora que ele mencionou, talvez não fosse uma boa ideia ir até a Guilda dos Curandeiros com o hålito do jeito que estava, então segui o conselho e esperei.
Trinta minutos depois, com o hĂĄlito mais fresco e o entusiasmo um pouco reduzido, finalmente deixei a Guilda dos Aventureiros. Fazia tanto tempo que nĂŁo pisava nas ruas de Merratoni que me senti um pouco desnorteado.
â Pensando bem, nĂŁo conheço quase nada desse lugar, nĂ©? SĂł o caminho dos portĂ”es da cidade atĂ© a Guilda dos Curandeiros e de lĂĄ atĂ© a Guilda dos Aventureiros. E sĂł.
Olhei para o céu. O clima agradåvel me deu vontade de relaxar e aproveitar o momento, mas me contentei com um bom alongamento antes de começar a andar. Ver todas aquelas pessoas se movimentando pelas ruas me lembrou que meus medos ainda estavam ali.
â Bem, se nĂŁo Ă© o Luciel! â chamou um dos funcionĂĄrios da guilda.
â Pra onde vocĂȘ tĂĄ indo?
â VocĂȘ nĂŁo tĂĄ saindo da guilda, tĂĄ? â outro perguntou.
â O quĂȘ?! â os outros exclamaram em unĂssono.
â Calma aĂ, pessoal. Hoje era o Ășltimo dia da sua solicitação, senhor Luciel?
Eu sabia que a Nanaella entenderia a situação.
â Isso mesmo. Estou indo para a Guilda dos Curandeiros agora. Mas volto depois.
Cortei a explicação para economizar tempo e passei por eles.
â Ă bom mesmo! â ouvi eles gritarem atrĂĄs de mim. Aquilo aqueceu meu coração. Agradeci em silĂȘncio e apressei o passo.
Ao longo do caminho, não encontrei nenhum aventureiro, mas o fato de ainda estar tão consciente dessas interaçÔes provava que meu medo continuava vivo.
Suspirei.
â Quanto tempo serĂĄ que vai levar para eu conseguir falar com essas pessoas normalmente?
Assim que entrei na guilda dos curandeiros, uma voz feminina soou atrĂĄs do balcĂŁo.
â Bem-vindo Ă Guilda dos Curandeiros da Igreja de Saint Shurule, filial de Merratoni!
Olhei na direção da voz e vi que era Monica.

â Bom dia, Monica.
â Ah, vocĂȘ Ă© o senhor Luciel, se bem me lembro.
â Fico lisonjeado que se lembre de mim. Desde quando a guilda começou a receber as pessoas dessa forma?
â Bem recentemente, na verdade.
â Parece que vocĂȘs estĂŁo trabalhando duro.
â Sim, estamos. â Ela forçou um sorriso, mas logo retomou a postura profissional de recepcionista. â EntĂŁo, no que posso ajudĂĄ-lo?
â Quero pagar minhas taxas. Pelos prĂłximos onze meses, para ser exato, se estiver tudo certo.
â Sim, senhor, muito obrigada. Posso ver sua carta da guilda, por favor?
â Aqui. â Entreguei a ela.
â Senhor Luciel, curandeiro de rank G. As taxas restantes do ano totalizam onze moedas de prata.
â Certo. â Coloquei sobre o balcĂŁo a prata que havia recebido de Brod.
â Obrigada. Mas preciso perguntar, tem certeza? Seu rank ainda Ă© baixo, e se for promovido dentro do ano, precisaremos cobrar uma taxa adicional.
Que gentileza dela em me avisar. O valor de um curandeiro muda conforme o rank, e pagar um ano inteiro na classificação mais baixa era como dizer que eu nĂŁo tinha intenção de crescer. AlĂ©m disso, precisava subir de rank para aprender mais magia. Como o rank de um curandeiro e sua habilidade em Magia Sagrada sĂŁo proporcionais, minha habilidade de nĂvel dois me permitiria alcançar o rank F, mas isso tambĂ©m significaria um aumento nas taxas. Como planejava passar pelo menos um ano na Guilda dos Aventureiros, aumentar meus gastos nĂŁo parecia uma boa ideia. Embora, claro, a possibilidade de aprender novas magias fosse tentadora.
â Sim, tenho certeza. Aprender mais magia Ă© importante, mas primeiro preciso conseguir me sustentar.
â Entendo. Abrir uma clĂnica Ă© bem caro, mas ainda assim recomendo que aprenda novos feitiços.
â Vou considerar isso assim que juntar dinheiro suficiente para lidar com uma promoção.
Ela riu.
â VocĂȘ Ă© bem interessante, senhor Luciel. Entendido. Obrigada pelo pagamento, e aqui estĂĄ sua carta de volta.
â Obrigado.
â Continue se esforçando, ok? â Ela se despediu com um sorriso.
No caminho de volta para a Guilda dos Aventureiros, pensei no silĂȘncio absoluto da base dos curandeiros. Ficar sentado ali, sem uma alma por perto, devia ser difĂcil. No meu mundo anterior, o ambiente do escritĂłrio sempre tinha uma certa energia, mas ali nĂŁo havia nada disso.
Talvez eu devesse levar alguma coisa comigo da prĂłxima vez.
Quando cheguei a esse mundo, nem sequer percebia essas coisas. Talvez fosse graças à Lumina ou à Kururu. Mais provåvel ainda, era porque não tive tempo nem espaço para pensar nisso. Muito menos do que agora.
Acelerei o passo de volta Ă Guilda dos Aventureiros.
â Ora, vocĂȘ conseguiu. â Brod sorriu de canto. Foi a primeira coisa que disse assim que botei os pĂ©s na guilda. Ele claramente estava esperando para ver quanto tempo eu demoraria.
â Hã⊠VocĂȘ ficou me esperando o tempo todo?
AtrĂĄs dele, Nanaella e outras duas recepcionistas humanas, Melina e Mernell, riam como colegiais.
â Nem um pouco. Vamos, temos treino pra fazer.
â NĂŁo deverĂamos estabelecer um novo acordo antes?
â Nanaella, a carta dele?
â EstĂĄ bem aqui! â ela respondeu animada.
â Renove-a.
â Certo!
â O consentimento faz parte desse processo? â perguntei.
â Pronto, contrato resolvido. â Brod agarrou meu braço e me arrastou em direção ao campo de treinamento.
â Ai, ei, treinador! Isso dĂłi!
Procurei alguém, qualquer alma bondosa que me salvasse, mas todos me abandonaram. As recepcionistas apenas acenaram enquanto eu era arrastado.
Depois de suportar um treinamento ainda pior que o de costume e terminar o almoço, Brod tirou um grimĂłrio da bolsa: Guia de Magia Sagrada de Baixo NĂvel. Estava um pouco gasto, mas era o primeiro grimĂłrio que eu via fora da Guilda dos Curandeiros, onde aprendi meu primeiro feitiço. Fiquei atĂ© um pouco empolgado.
â Pensei em te dar isso por ter voltado. Pode ser Ăștil.
â O que eu sou, um cachorro perdido?! â retruquei. â Por que vocĂȘ tem um grimĂłrio de Magia Sagrada?
Pelo termo baixo nĂvel, presumi que nĂŁo fosse algo muito caro, mas ainda assim era estranho que uma Guilda dos Aventureiros tivesse algo assim.
â O feitiço Curar para ferimentos e o feitiço Purificar para venenos sĂŁo o bĂĄsico de um curandeiro. No momento, vocĂȘ sĂł tem o Curar. Estude isso e complete o conjunto.
Ele não respondeu à minha pergunta, mas pelo menos descobri que o livro continha o feitiço Purificar. Gulgar, que estava no balcão, ria sozinho do jeito rabugento de Brod, mas se eu fizesse o mesmo, acabaria vendo estrelas no treinamento da noite.
â Obrigado. Fico feliz que tenha pensado em mim. Vou continuar me esforçando, entĂŁo agradeço pela orientação contĂnua. â Fiz uma reverĂȘncia.
â Certo. â Brod respondeu secamente, e Gulgar caiu na gargalhada.
â TĂĄ animado, hein? Beba isso e vĂĄ direto ao trabalho! â O homem-lobo colocou diante de mim uma caneca da famigerada SubstĂąncia X, como fazia em toda refeição, e sumiu na cozinha para fugir do cheiro.
â Beba â ordenou Brod. â Temos trabalho a fazer.
â FĂĄcil falar quando nĂŁo Ă© vocĂȘ que tem que sentir o gosto disso â resmunguei.
â NĂŁo tenho motivo pra isso. TĂŽ indo na frente. â E saiu sem olhar para trĂĄs.
â Se eu me atrasar, nunca vou ouvir o fim disso⊠â Suspirei. â LĂĄ vai.
Engoli aquele lĂquido horrĂvel e corri atrĂĄs de Brod, certo de que, dentro de um ano, conseguiria acertar pelo menos um golpe nele.
E assim começou, de fato, minha vida na Guilda dos Aventureiros.
Tradução: CarpeadoPara estas e outras obras, visite o Carpeado Traduz â Clicando Aqui
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