The Great Cleric – Capítulo 4– Volume 1

 

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The Great ClericSeija Musou

Light Novel Online – Capítulo 04:
[ Treinamento Parte 1: Talento Marcial]


O tempo voou. JĂĄ fazia uma semana desde que entrei para a Guilda dos Aventureiros. Achei que fosse me acostumar aos poucos com esse estilo de vida brutal, mas a realidade nĂŁo foi tĂŁo gentil.

— Ugh, dolorido de novo hoje.

Naquela manhã, acordei mais uma vez sentindo dores nas articulaçÔes. Depois dos dois primeiros dias, elas me atormentaram durante toda a semana.

Mas eu nĂŁo estava em posição de reclamar. No fim das contas, a culpa desse sofrimento era toda minha
 No segundo dia, continuei com meu treino independente, mas a sessĂŁo nĂŁo foi muito diferente do primeiro dia. Depois de tomar a Substancia X e perceber que meus mĂșsculos nĂŁo estavam doendo, comecei a pensar em intensificar o treinamento. Acabei me deixando levar, achando que, com esse corpo jovem e novo, eu poderia aumentar meu nĂ­vel de treino e ficar ainda mais forte.

— Treinador Brod, o treino de ontem foi bem puxado, mas eu não estou sentindo dor muscular. Será que dá pra pegar mais pesado? — soltei feito um idiota.

— Hmph, vocĂȘ Ă© mais resistente do que eu imaginava
 pra um curandeiro.

Nunca vou esquecer aqueles olhos, a intensidade deles, a forma como me perfuraram como uma lança. Só descobri no início da sessão da tarde que, até então, ele tinha pegado leve comigo, permitindo que até um curandeiro como eu avançasse no treinamento de forma gradual.

Por quĂȘ, Deus, por que eu tinha que ser tĂŁo convencido? Por mais que eu me arrependesse da minha estupidez, nĂŁo podia voltar no tempo. O treino continuou o mesmo, mas agora havia puniçÔes. Se eu diminuĂ­sse o ritmo durante a corrida, ele nĂŁo teria piedade nos alongamentos, nĂŁo importava o quanto eu implorasse. Ou entĂŁo, durante os combates, ele parava de apenas desviar e começava a aparar meus golpes. Meus socos e chutes desajeitados eram rebatidos com ainda mais força, sĂł para me ensinar uma lição.

Foi nessa época que comecei a chamå-lo de Treinador Brod. Isso parecia deixå-lo satisfeito, então eu esperava que isso o amolecesse
 mas o treinamento não ficou nem um pouco mais fåcil. Muito pelo contrårio. Ele continuou intensificando as coisas aos poucos.

Minha rotina começava às sete da manhã e terminava às sete da noite, com doze horas de instrução. Contando os intervalos, eram um pouco mais de oito horas de treino contínuo.

Setenta por cento desse tempo era dedicado ao condicionamento fĂ­sico e o restante ao treinamento de artes marciais. O resto do meu dia era gasto treinando magia. O pequeno alĂ­vio que eu tinha sentido na Guilda dos Curandeiros havia desaparecido por completo. Mas eu tinha me colocado nessa situação. Talvez fosse otimismo da minha parte esperar que as coisas melhorassem depois do primeiro mĂȘs.

— Não descanse. Não pense. Apenas corra. O mais rápido que puder.

E lå estava eu de novo, correndo pelo campo de treinamento. Não por obrigação, mas por desespero de passar dessa fase o quanto antes.

— VocĂȘ acha que esses punhos moles vĂŁo derrubar um monstro? Abaixe a postura. Use os quadris. NĂŁo pare depois de um golpe, nenhum monstro cai tĂŁo fĂĄcil! — Brod gritava. — O quĂȘ, vocĂȘ quer morrer? Hein?! TĂĄ quieto, entĂŁo quer dizer que quer morrer, nĂ©?!

No começo, as broncas do Brod pesavam no meu espĂ­rito, mas agora eu enxergava nelas uma visĂŁo imparcial da realidade. Isso nĂŁo significava que eu tinha me acostumado, claro. Sempre que meu ritmo caĂ­a, eu sentia aquela aura ameaçadora dele. Se ele aumentasse aquilo atĂ© virar pura sede de sangue, minhas pernas provavelmente tremeriam demais para correr, mas, felizmente, ele mantinha num nĂ­vel “aceitĂĄvel”.

Quanta folga esse cara tinha no dia? No primeiro dia, ele sĂł me instruiu. Agora, ele corria comigo. Começava no meu ritmo, mas logo me ultrapassava e dava a volta, me alcançando por trĂĄs como um predador. Eu sabia que era o Brod, mas meu instinto de sobrevivĂȘncia nĂŁo conseguia diferenciar e me fazia correr ainda mais.

Ele me alcançava, gritava mais uns insultos e acelerava de novo. Repetia o processo sem perder o fÎlego. Enquanto isso, eu questionava se éramos realmente da mesma espécie.

Se havia um lado positivo nisso tudo, era que os aventureiros normais jĂĄ nĂŁo pareciam tĂŁo assustadores. Isso tinha que valer de alguma coisa.

Depois, vinham os alongamentos. Essa rotina mudou pouco ao longo da semana. Basicamente, consistia em dobrar meus braços e pernas em ùngulos que claramente não eram naturais. Pelo menos ele me deixava usar Cura quando algo se deslocava.

Mas de longe, a pior parte do treino era o combate. Durante as lutas, Brod nunca aliviava no olhar intimidador e nas posturas ameaçadoras. Segundo os aventureiros que eu curava, ele se tornava uma pessoa completamente diferente no treinamento. Todo mundo evitava aquela sessão infernal como se fosse a peste.

Eu bem que gostaria de ter descoberto isso antes.

Se foi por saber disso ou pelo prĂłprio medo constante do Brod, minha resistĂȘncia despencou e meu corpo parecia cada vez mais pesado. Meus socos saĂ­am trĂȘmulos, meus chutes pareciam lançados por troncos rĂ­gidos.

O momento em que eu desistisse seria o momento em que Brod começaria a me atacar de verdade. Ele me avisou disso. Então eu não podia parar. Tinha que continuar.

Cada golpe esquivado drenava minhas energias, mas esse nem era meu maior problema. O pior era a dor intensa que percorria meus braços e pernas sempre que ele rebatia meus golpes. E mesmo ele pegando leve, o dano se acumulava. Como alguém podia ser tão injusto assim? Continuei atacando, resistindo à dor, até cair de cara no chão. Mas não tinha acabado ainda.

— O quĂȘ, jĂĄ era? Prefere morrer? Se Ă© assim, entĂŁo acho que vou parar de pegar leve. Fique de olhos abertos e tome sua postura. Agora vou atacar. Se puder, bloqueie. Se nĂŁo, desvie.

Ele nĂŁo perdeu mais tempo falando e partiu para o ataque. Bem tĂ­pico do Brod.

Eu estava sem energia. Todo machucado. Movimentar o corpo era um esforço imenso. Nessa situação, a Ășnica coisa que eu podia fazer era usar a cabeça para sobreviver.

Brod sabia disso e começou a atacar num ritmo mais lento, como se quisesse que eu aprendesse com os movimentos. Sim, essa postura perfeita, com certeza dava pra


— Ah!

Me peguei encarando o punho que vinha em minha direção um segundo tarde demais. Um golpe certeiro e caí inconsciente. Até que um balde de ågua gelada me trouxe de volta à realidade.

— Tá muito cheio de si pra ficar aí sentado no chão sonhando acordado, garoto.

— D-desculpa
 — murmurei, segurando o nariz. Eu podia me curar com Cura, mas ele não deu permissão, então fiquei na minha. Provavelmente era para o meu próprio bem.

— Estou de pĂ©. Vamos tentar de novo, por favor.

NĂŁo era como se eu gostasse da dor ou algo assim
 Mas o treinador  Brod ficaria de mau humor se eu nĂŁo continuasse, e isso nĂŁo era nada bom para o aprendizado. Em vez de perder tempo reclamando, era melhor aproveitar para tentar superĂĄ-lo. Ele estava atacando dentro dos meus limites, entĂŁo, se eu conseguisse ir alĂ©m, talvez conseguisse acertar um golpe nele. Cerrei os punhos.

— VocĂȘ me dĂĄ arrepios sorrindo depois de tudo isso, sabia?

— Isso me motiva. Vou acertar um golpe em vocĂȘ, pode apostar.

— Hmph. Se tem energia pra falar merda, então tá bom. Vou te quebrar, mas só o suficiente pra não te partir ao meio.

Soltei uma risada nervosa.

— Era só uma piada!

Minha boca grande me meteu em mais uma encrenca, mas minha salvação veio na forma de aventureiros descendo as escadas — feridos.

Depois dos meus primeiros pacientes, meus serviços de cura se espalharam pelo boca a boca. Antes que eu percebesse, tinha uma fila de aventureiros tĂ­midos vindo testar o terreno. Muitos acabavam voltando quando sofriam ferimentos mais graves que atrapalhavam seus movimentos. Brod, sem surpresa alguma, nĂŁo deixava os ferimentos leves passarem despercebidos. Ele tambĂ©m parecia estar registrando quem vinha e quantas vezes, mas eu apenas focava na tarefa de curar. Obviamente, nĂŁo podĂ­amos treinar durante esse tempo, entĂŁo tambĂ©m servia como um pequeno descanso. Os aventureiros saĂ­am restaurados, e eu ganhava um momento de folga — um verdadeiro ganha-ganha.

A paciente à minha frente hoje era uma mulher-gato, algo raro. E além disso, uma garota. Pelo jeito que seu grupo me olhava, no entanto, parecia que uma conversa casual estava fora de questão.

— O que estĂĄ incomodando vocĂȘ hoje?

— VocĂȘ
 vai mesmo me curar? — ela perguntou desconfiada.

Sendo sincero, o que mais me chamou atenção nem foi o tom suspeito dela, mas sim o fato de que ela não soltou um “miau” no meio da frase. Sim, talvez nos meus sonhos. As pessoas não colocavam palavras estranhas na fala sem motivo. Me senti um pouco mais culto agora.

Assenti. — Vou sim. É para isso que estou aqui. O que aconteceu?

— Fui atacada por um Ratofera. Ele mordeu minhas costas e minhas pernas.

Um Ratofera, hein? Este mundo tinha envenenamento e paralisia, mas o que aconteceria se uma ferida fosse infectada por bactérias?

— A cura deve fechar o ferimento — expliquei —, mas pode estar infectado, entĂŁo recomendo que procure um mĂ©dico se começar a se sentir mal. Posso curĂĄ-la?

— Sim, por favor.

Fiz a cura como prometido, e a garota começou a chorar. Ah não, fiz algo errado?

— Hum, o que foi? — perguntei.

— Ei, curandeiro, qual Ă© o seu nome? — um dos aventureiros perguntou.

— Sou Luciel. — Opa, melhor manter a compostura aqui.

— Luciel
 vocĂȘ usa magia em homens-fera.

— HĂŁ? NĂŁo estou entendendo. Humanos, homens-fera
 no fim das contas, todos sĂŁo pacientes. NĂŁo Ă© Ăłbvio?

Pelo jeito que esse homem, que parecia ser o líder, falava, parecia bastante claro que os homens-fera sofriam discriminação, mas eu nunca senti nada do tipo com os funcionårios da guilda. Seria um problema específico da mentalidade dos curandeiros?

— VocĂȘ Ă© um bom sujeito, Luciel. Podemos voltar se nos machucarmos de novo?

— Claro. Minhas portas estão sempre abertas.

Sorri e fiz uma leve reverĂȘncia, mas entĂŁo, de repente, a garota que chorava me abraçou forte, e meu coração parou por um instante.

— Obrigada. Vou voltar da próxima vez que me machucar, tá? — ela sussurrou no meu ouvido antes de me soltar.

— Se um dia estiver em apuros, nos avise — disse o líder, enquanto subiam as escadas.

— Brod, quem eram eles?

— Vou investigar depois.

Bem, sim, eu nĂŁo podia esperar que ele memorizasse todos os membros de cada grupo. Com a pausa encerrada, voltamos ao treinamento. Nem por um segundo passou pela minha cabeça que, com esse Ășnico ato de curar um homem-fera, meu nĂșmero de pacientes aumentaria drasticamente.

— EntĂŁo vocĂȘ sobreviveu Ă  sua primeira semana.

Brod deu um tapinha no meu ombro enquanto terminĂĄvamos, parecendo satisfeito. Suponho que nĂŁo fosse comum as pessoas durarem tanto tempo.

— De alguma forma. E sinto meu corpo melhorando pouco a pouco, então não pretendo fugir.

— Claro que não. Agora vamos, não quero ver nenhum resto nesse prato hoje.

Ele começou a caminhar em direção ao refeitório, e eu o segui, me perguntando se ele realmente estava preocupado que eu fosse fugir.

Se curar aventureiros era um alĂ­vio, a hora das refeiçÔes era o paraĂ­so. Mesmo comparando com a comida da minha vida passada, a culinĂĄria do Gulgar nĂŁo era algo a se menosprezar. Aquele homem-lobo tinha um repertĂłrio impressionante, e cada prato que preparava era diferente do anterior. De bifes a hambĂșrgueres, passando por um tipo de ensopado que misturava carne cozida e pot-au-feu, atĂ© algo parecido com udon frito, todos (para minha surpresa) faziam uso generoso de temperos.

Infelizmente, nĂŁo havia doces, mas nĂŁo seria exagero dizer que essa comida deliciosa era o que me sustentava no inferno do treinamento. Se nada fosse minimamente saboroso, eu provavelmente jĂĄ teria desistido. NĂŁo sabia exatamente para onde iria, mas ainda assim.

De qualquer forma, esse paraíso que intercalava meus treinos mantinha minha motivação bem alta. Se eu tivesse que reclamar de algo, seria da quantidade absurda de comida, mas sempre que eu mencionava isso, recebia a mesma resposta:

— Comer faz parte de ser aventureiro. Não deixe nada no prato.

Os pratos principais normalmente não vinham com vegetais, mas Gulgar sempre tinha a gentileza de preparar uma salada morna e nutritiva para mim no café da manhã. Ele era um homem de poucas palavras, mas muitos aventureiros vinham até ele em busca de conselhos.

— E aí, como foi o treinamento hoje?

— DifĂ­cil dizer — Brod respondeu. — Ele ainda nĂŁo estĂĄ pronto
 Vai levar um mĂȘs ou mais atĂ© chegar na parte sĂ©ria.

— Um mĂȘs, Ă©? Acha que ele sobrevive ao seu treinamento infernal?

— Pergunta pro garoto.

Os dois olharam para mim.

— T-Tudo o que posso fazer agora Ă© o meu melhor. SĂł passou uma semana, mas estou melhorando, mesmo que seja pouco a pouco. Sinto que estou. Mas, pra ser sincero, o que me mantĂ©m de pĂ© Ă© a comida do Gulgar.

— VocĂȘ sabe falar direitinho. Oh, jĂĄ terminou? Que tal repetir?

— Não, obrigado, estou cheio.

— Ah, Ă©?

Gulgar voltou para a cozinha, deixando Brod e eu sozinhos. SilĂȘncio constrangedor


Meu instrutor tomou um gole de cerveja e ficou pensativo por um momento.

— Escuta, garoto. Pessoalmente, acho que ainda Ă© cedo pra começar com armas, mas o que acha? Quer tentar?

Ele estava hesitando sobre qual caminho tomar no meu treinamento? Eu certamente ficaria preocupado em ter apenas opçÔes de combate corpo a corpo caso realmente saísse da cidade. Seria bom aprender algumas técnicas de longo alcance também.

— NĂŁo pretendo me meter em brigas, mas, caso acabe envolvido em uma, gostaria de ter opçÔes de mĂ©dio a longo alcance para poder escapar.

— MĂ©dio a longo alcance. Entendido. Estou indo na frente. Avise o Gulgar.

— Vou sim. Obrigado por hoje.

— É isso aí.

Ele saiu do refeitĂłrio. Pouco depois, Gulgar voltou carregando uma caneca de SubstĂąncia X.

— Eu realmente preciso beber tudo isso?

— Precisa. Quer ficar mais forte, não quer?

NĂŁo havia como argumentar contra isso, entĂŁo aceitei a caneca e engoli o lĂ­quido.

A comida do Gulgar era deliciosa. Uma pena que eu nunca conseguia saboreá-la direito, já que precisava destruir meu nariz e língua depois de cada refeição. “Nojento” nem começava a descrever aquilo. Beber a solução exigia esforço físico real para não desmaiar, e eu poderia viver sem isso. Mas, de certa forma, isso fazia parte da minha alimentação, então, se eu recusasse, Gulgar provavelmente me obrigaria a beber de qualquer jeito, detonando completamente nosso relacionamento.

Alguns dias antes, vi um grupo de aventureiros que nĂŁo conseguiu terminar as montanhas de comida empilhadas em seus pratos. Gulgar explodiu.

— Olha essa comida toda desperdiçada! Se nĂŁo podiam comer tudo, por que pediram? NinguĂ©m sai desse refeitĂłrio atĂ© limpar os pratos!

Os aventureiros tentaram reclamar, mas rapidamente se calaram quando o cozinheiro lançou um olhar furioso digno de um urso enfurecido. Seus protestos se transformaram em soluços abafados por bocas cheias de comida. Desde então, eu fiz disso uma regra de vida: nunca, jamais, deixar restos.

Depois de recusar cuidadosamente outra dose de SubstĂąncia X, voltei para meu quarto, me joguei na cama, abri minha tela de status e revisei meu progresso.

— Acho que eu nem teria conseguido aprender Cura sem essa habilidade de Domínio de Avaliação. Bom saber que estou fazendo as coisas direito.

No fim de cada dia, eu tirava o máximo de proveito dessa habilidade especial, depois praticava Controle de Magia e Manipulação Mágica antes de dormir. Essa era minha rotina agora. Uma rotina cheia, apesar de um pequeno problema
 Eu continuava com a sensação de que estava sendo observado.

No começo, achei que era coisa da minha cabeça, mas, com o passar dos dias, essa sensação foi ficando mais forte. No início, suspeitei que fosse um perseguidor, mas, nesse caso, não parecia algo crescente, então descartei essa ideia. Ainda assim, isso me deixava inquieto. Decidi mencionar para Brod no dia seguinte.

Na manhã seguinte, expus minha preocupação.

— Ultimamente, sinto que estou sendo observado
 Não, por várias pessoas. Sempre acontece quando saio do meu quarto e quando estou no primeiro andar.

Nem Brod nem Gulgar disseram nada. Pelo modo como desviaram o olhar em vez de responder como de costume, ficou claro quem eram os culpados: o pessoal da guilda e os aventureiros.

— Podem me explicar por que estou sendo vigiado?

A Ășnica privacidade que eu tinha era dentro do meu prĂłprio quarto, e isso estava começando a me desgastar.

— Desculpa, garoto. Sei que isso nĂŁo justifica, mas prometo que ninguĂ©m tem mĂĄs intençÔes — Brod disse. — A maioria dos aventureiros nĂŁo nasceu em famĂ­lias ricas. Eles nĂŁo sabem como fazer melhor, entĂŁo aceitam trabalhos imprudentes e acabam se machucando. Mas isso nĂŁo importa pra eles. Eles precisam de dinheiro pra viver, entĂŁo se levantam e aceitam mais missĂ”es, porque Ă© tudo o que podem fazer. Esse ciclo se repete atĂ© que, antes que percebam, nĂŁo tĂȘm escolha alĂ©m de se aposentar cedo.

Começar como aventureiro definitivamente tinha altos custos iniciais, então se virar no começo devia exigir todo o esforço possível. Se eu não fosse um curandeiro, provavelmente estaria no mesmo barco. Serå que não existia um curso de treinamento para iniciantes? Não me lembrava de ter ouvido falar de nada assim quando me registrei.

— A guilda não oferece nenhum treinamento ou orientação para novos aventureiros?

— Nada obrigatório.

A opressão por trås de suas palavras me fez perceber algo. Para estabilizar a renda mínima e inståvel que novos e fracos aventureiros conseguiam obter, eu, um curandeiro, era uma necessidade. Quando inevitavelmente se machucavam, minha cura permitia que voltassem ao campo e ganhassem dinheiro novamente no dia seguinte. As vidas dessas pessoas haviam sido forçadas para minhas mãos sem que eu sequer percebesse. Pelo menos, agora eu entendia por que ele não queria que eu fosse embora. Evidentemente, a confiança entre nós ainda tinha um longo caminho a percorrer.

— NĂŁo Ă© justo da minha parte dizer tudo isso. SĂł queria que vocĂȘ entendesse a situação desses novatos.

— NĂŁo vou a lugar nenhum este mĂȘs, entĂŁo, por favor, pode parar com essa espionagem? É sĂł isso que eu peço.

Brod fez uma pausa antes de responder.

— Certo.

Eu havia confirmado minha intenção de ficar por um mĂȘs, mas uma sombra ainda pairava sobre seu rosto. Ver um homem normalmente tĂŁo impiedoso durante o treinamento de repente parecer tĂŁo abatido era demais para o meu coração aguentar, entĂŁo deixei que minha promessa encerrasse o assunto.

— E eu falo sĂ©rio. Da prĂłxima vez que eu sentir que alguĂ©m estĂĄ me vigiando, vou fazer essa pessoa tomar uma caneca do “vocĂȘ-sabe-o-quĂȘ” comigo.

Ele abriu um sorriso seco.

— Isso Ă© golpe baixo, moleque.

— SĂł para deixar claro, isso inclui vocĂȘ tambĂ©m — respondi com um sorriso travesso. O olhar de desespero que se espalhou pelo seu rosto me fez cair na gargalhada.

Brod parecia ter mais a dizer, mas permaneceu em silĂȘncio. Gulgar colocou uma caneca de “SubstĂąncia X” na minha frente e logo desapareceu de volta para a cozinha sem dizer uma palavra.

A partir daquele momento, meus relacionamentos com a equipe e meus laços com os aventureiros começariam a mudar.

— Ei, valeu pela cura mais cedo, chefe. Se precisar de mais, eu volto.

— Só toma cuidado e tenta manter isso no mínimo, tá bom?

Os olhares que eu sentia sobre mim desapareceram no dia seguinte à minha conversa com Brod. Agora, todos começaram a vir falar comigo diretamente. Felizmente, não para me intimidar ou algo do tipo, mas ia levar um tempo para eu me acostumar com isso. Na verdade, até pediram desculpas pela hostilidade anterior. Ainda não conseguia acreditar na rapidez com que passei de mal conseguir perguntar por que estava sendo vigiado para simplesmente dizer a eles para pararem.

Nem todos os aventureiros tinham aparĂȘncia assustadora, longe disso. Muitos pareciam bastante tranquilos, embora um particularmente teimoso e cabeça-quente pudesse facilmente me colocar no meu lugar. No entanto, comecei a gostar da minha estadia na Guilda dos Aventureiros. Roupas e outros pequenos presentes começaram a chegar atĂ© mim como forma de agradecimento.

— Obrigado por tudo.

— Ouvi dizer que vocĂȘ estava sem roupas.

— Valeu por tornar a guilda um lugar mais agradável.

E assim por diante.

E não eram apenas os aventureiros que me presenteavam. Até mesmo os funcionårios da guilda entraram na onda. Porém, fiquei um pouco triste ao perceber que nenhum desses presentes veio de uma garota. Muito triste, de fato.

Mas, no geral, meus relacionamentos estavam melhorando, e eu jĂĄ estava ficando sem espaço para guardar tanta coisa nova. Quando mencionei isso para Brod, ele mandou remover as camas extras do meu quarto e me arranjou um baĂș e uma cĂŽmoda. Esse tratamento privilegiado me deixou completamente perplexo. Eu estava determinado a fazer tudo o que pudesse para retribuir essa gentileza.

Em poucos dias, eu tinha tudo o que poderia precisar e percebi que não havia mais razão para sair da guilda. Bem, exceto para fugir do treinamento, mas o treinador Brod certamente viria atrås de mim, então isso seria o próprio significado de perda de tempo. Eu estava confortåvel ali. Sair dos portÔes da guilda jå não parecia necessårio.

— Eles não estão tentando me bajular, estão? — pensei comigo mesmo. — Nah, estou pensando demais.

Convencido de que era apenas paranoia, terminei meu treino matinal de Cura, Meditação, Controle Mågico e Manipulação de Magia, e fui para o refeitório.

— Ei, moleque. Hoje vocĂȘ chegou cedo.

Brod jĂĄ estava sentado no balcĂŁo quando cheguei.

— Bom dia. O mesmo para vocĂȘ, treinador Brod. Ah, bom dia, Gulgar. Posso tomar cafĂ© da manhĂŁ?

— Saindo já. A partir de hoje, vou começar a te dar um pouco mais.

— Hã? Acho que já estamos no limite do que eu consigo comer.

— VocĂȘ estĂĄ prestes a aprender o verdadeiro significado da palavra “limite” — zombou o homem-lobo. Depois de colocar os pratos na minha frente, ele sumiu na cozinha para buscar a SubstĂąncia X.

Brod começou a falar devagar.

— Olha, moleque, vou ser honesto com vocĂȘ. No que se trata de combate, vocĂȘ nĂŁo tem um pingo de talento natural.

Eu nĂŁo me lembrava de ter pedido uma porção de depressĂŁo junto com minha refeição matinal. Minha resistĂȘncia mental jĂĄ nĂŁo era grande coisa para começo de conversa, entĂŁo suas palavras me acertaram em cheio. No entanto, seus olhos eram sinceros e inabalĂĄveis. Havia um motivo para ele estar me dizendo isso.

— Eu jĂĄ suspeitava — confessei, com a voz trĂȘmula. Minha maestria estava aumentando, entĂŁo eu estava melhorando. Usei essa linha de pensamento como desculpa para ignorar a verdade—eu nĂŁo tinha talento algum. E nĂŁo era sĂł um desequilĂ­brio entre ataque e defesa. Eu nĂŁo queria atacar. Eu nĂŁo queria ser atingido. Meu coração e minha mente estavam em conflito.

Quando cheguei a este mundo, queria poder—especificamente, o poder de evitar uma morte injusta. Mas, na minha vida passada, nunca havia me envolvido em uma Ășnica briga. No fundo, eu tinha medo de machucar alguĂ©m. Isso ficou claro durante meus treinos diĂĄrios com Brod. Para piorar, eu nem conseguia acompanhar seus ataques, muito menos desenvolver alguma habilidade para artes marciais.

Aguardei Brod continuar. Ele fechou os olhos e assentiu.

— Mas o que vocĂȘ tem Ă© talento para se esforçar. VocĂȘ tem uma mentalidade resistente que te faz continuar.

— O-Oh, hã, obrigado.

Fiquei aliviado, embora um pouco envergonhado, por ele nĂŁo ter dito que ia desistir de mim. Cocei a bochecha, sem jeito.

Ele abriu os olhos e me encarou.

— Enquanto vocĂȘ continuar tentando, eu nĂŁo vou te abandonar, moleque. NĂŁo desista e, no mĂ­nimo, vocĂȘ vai aprender a se defender. Eu sei que vai.

Me virei para ele e fiz uma reverĂȘncia.

— Conto com o seu ensino atĂ© lĂĄ.

— Certo, termine de comer e volte pro treino. A partir de agora, vamos começar a fortalecer seu corpo de verdade. E vamos incluir armas no currículo.

— Armas? Do tipo afiado?

— Sim. Mas não se preocupe, vou ter certeza de cortar só de leve — disse ele, com um brilho nos olhos.

Previ muitas experiĂȘncias de quase morte no meu futuro se baixasse a guarda. Minha cabeça começou a girar.

— Anda logo e termina esse prato, moleque — ele pressionou.

Para ser sincero, eu tinha perdido completamente o apetite, mas o medo do Gulgar era maior do que essa preocupação. Falando no diabo, lå vem ele agora, carregando uma caneca de Substùncia X.

— HĂŁ? Ainda nĂŁo terminou? Aqui, Ă© isso que vocĂȘ vai beber a partir de agora. — Ele colocou a caneca no balcĂŁo.

A natureza sinistra da bebida nĂŁo tinha mudado, exceto pelo fato de que agora havia mais dela. Muito mais. Pelo que parecia, tinha pelo menos uma vez e meia a quantidade normal.

— Isso Ă© uma piada, nĂ©?

— Dá pra beber, não dá? Se beber, vai ficar mais forte.

Como se eu fosse cair nessa. Terminei meu café da manhã.

— Eu realmente não suporto essa coisa, então se puder fazer como de costume


— Moleque, só bebe logo. Temos trabalho a fazer.

— Sim, senhor.

Então, o Brod também estava envolvido nisso. Tornar esses caras meus inimigos seria um desastre. Eles tinham controle sobre meu tempo de descanso. Mas isso não era só uma caneca de cerveja, era um jarro inteiro! Decidi que um dia eu daria o troco neles e, então, engoli aquela solução horrenda de uma vez. Brod disse que me encontraria no campo de treinamento e saiu.

A Substùncia X não enchia o estÎmago nem um pouco, então eu não precisava me preocupar em ficar pesado antes do treino. Na verdade, o cheiro e o gosto eram tão ruins que quase fizeram minha refeição inteira voltar, se não fosse pela presença intimidadora do Gulgar me forçando a manter tudo no lugar.

— Ufa, essa foi por pouco. VocĂȘ deve ser bem forte tambĂ©m, Gulgar, jĂĄ que tem essa aura insana igual Ă  do treinador Brod.

— Me chama se um dia quiser testar a sorte! — ele uivou enquanto limpava os pratos.

Esse cara deve ser um monstro
 Jurei para mim mesmo que nunca, sob nenhuma circunstñncia, enfrentaria ele.

— Acho que vou passar. AtĂ© mais.

Gulgar soltou outra gargalhada enquanto eu saĂ­a.


Quando cheguei ao campo de treinamento, Brod estava no meio, imponente como sempre, mas tinha algo diferente naquele dia.

— Desculpa a demora. Então, hum
 por que tem uma montanha de pedras aqui?

E esse “algo” era a pilha gigantesca de pedras ao lado dele.

— A partir de hoje, vocĂȘ nĂŁo vai mais correr depois do cafĂ© da manhĂŁ. Vai praticar arremessar essas pedras no alvo ali. Quando se acostumar, vai conseguir adquirir a habilidade Arremesso.

— Isso Ă© aquilo que eu tinha pedido antes, nĂ©?

— Exato. NĂŁo importa o quanto aprimorarmos suas habilidades de combate pra vocĂȘ conseguir se virar de perto, sempre vai ter gente — e coisas — mais fortes do que vocĂȘ. EntĂŁo vou fazer vocĂȘ dominar a habilidade de Arremesso a um nĂ­vel que pelo menos faça os inimigos hesitarem. Algo que possa te dar uma chance.

Ele pegou uma pedra e jogou casualmente. Um segundo depois, um estrondo alto, como um disparo de arma de fogo, ecoou pelo campo, e um buraco apareceu no meio do alvo. Isso era o que a habilidade Arremesso era capaz de fazer
 mas eu não consegui nem ver o movimento. O som fez meu coração disparar. Parece que as memórias da morte não desaparecem tão fácil assim.

— Eventualmente, vocĂȘ vai conseguir fazer o mesmo. O que foi? Parece que viu um fantasma.

Por mais que ele parecesse preocupado comigo, eu não podia simplesmente sair falando sobre outro mundo. Eles iam me chamar de maluco. Forçando um sorriso, balancei a cabeça.

— NĂŁo Ă© nada. EntĂŁo eu sĂł preciso jogar pedras?

— Isso. Primeiro, começa com pedras, depois passa pra adagas e, por fim, lanças. Mas por enquanto, só pedras.

Ele me entregou uma pedra lisa e arredondada. Era leve e fĂĄcil de segurar. Devia ter sido escolhida especificamente para o treino.

— Tem algo que eu deva saber antes?

— Por agora, joga com toda a força que puder, como se estivesse tentando causar dano de verdade. Depois, vai descobrindo sozinho como aumentar a velocidade, a distñncia e a força dos seus arremessos.

— Sim, senhor.

Eu entendia que a pråtica independente também era importante. Quando criança, eu jogava muito beisebol, então sabia uma coisa ou outra sobre arremessos, mas levaria anos pra alcançar o nível do treinador Brod. Meu ùnimo jå estava começando a cair. Mas sem esforço, sem progresso.

Peguei a pedra e joguei, tentando aproveitar os anos de experiĂȘncia jogando bola. Ela descreveu uma parĂĄbola no ar e acertou o alvo, menos de trinta centĂ­metros distante do centro.

— TĂĄ de brincadeira, moleque?! VocĂȘ acha que o inimigo vai se jogar no chĂŁo chorando pela mamĂŁe sĂł porque vocĂȘ jogou uma porcaria num alvo?!

Mais uma vez, eu tinha irritado meu instrutor. Graças a Deus não havia outros aventureiros por perto. Jå até dava pra ouvir as risadinhas.

— Desculpa, só queria sentir o peso e a distñncia.

— A gente não tem o dia todo. E as pedras nunca vão ser todas do mesmo tamanho ou peso, entendeu?

— Sim, senhor.

— Como eu disse, vamos aumentar a dificuldade aos poucos. De pedras para adagas, depois lanças. Assim, atĂ© mesmo um curandeiro como vocĂȘ vai conseguir manter distĂąncia caso seja atacado.

— Obrigado, vou dar o meu melhor.

— Agora escuta bem. NĂŁo pense nisso como uma forma de derrubar alguĂ©m. Esse nĂŁo Ă© o objetivo. Coloca isso na sua cabeça.

— Sim, senhor.

— Certo. Quero ver todas essas pedras sumirem na próxima hora.

— Tudo isso
?

— NĂŁo Ă© o suficiente?

— N-não, senhor
 Já vou começar.

Peguei um pedaço da pilha de pedras montanhosa e comecei a arremessar com toda a força que conseguia. Alguns lançamentos acertavam o alvo, outros nĂŁo. Esse processo se repetia, e repetia. EntĂŁo, algo me ocorreu. Um mĂȘs de treinamento nĂŁo era nem de longe tempo suficiente para aprender alguma coisa. Eu mesmo havia pedido para renovar nosso acordo mensalmente, mas minha suposição de que ficaria forte o bastante para me virar em tĂŁo pouco tempo era tĂŁo equivocada que doĂ­a.

— Agi como se entendesse, mas, no fundo, ainda devia achar que era o protagonista.

Como eu deveria progredir para lançar lanças em apenas duas semanas? Eu nĂŁo podia. Era impossĂ­vel. Para falar a verdade, um mĂȘs nem sequer era tempo suficiente para fortalecer e condicionar meu corpo. Brod certamente sabia disso e mesmo assim aceitou meus termos. Talvez ele nĂŁo esperasse que eu fosse aguentar a pressĂŁo.

— Devagar e sempre, Ă© isso? — murmurei, pensativo. — TrĂȘs anos
 Talvez esse seja o tempo suficiente para aprender a sobreviver neste mundo.

Conforme os dias passavam, eu me dividia entre o meu quarto, o refeitório e o campo de treinamento, agarrado a essa determinação.

Acordava e praticava meu Controle Mågico enquanto alongava. Depois de treinar arremessos sozinho, comia até me fartar da comida do Gulgar e tomava uma dose de Substùncia X. Mais uma hora de arremessos e começava a correr voltas no campo de treinamento enquanto suportava a pressão habitual do treinador Brod.

Em vez de alongamentos, nosso tempo de combate aumentou, assim como o nĂșmero de aventureiros que vinham me procurar para serviços de cura. Alguns atĂ© começaram a aparecer timidamente de fora de Merratoni, aumentando a população de aventureiros na cidade.

Olhei para Brod, que estava de lado, conversando animadamente com Gulgar sobre isso. Embora me deixasse um pouco envergonhado, aquilo me fazia feliz também. Era como se tivesse sido aceito, de certa forma. Brod nunca me elogiava diretamente; era sempre de maneira indireta, aquele cabeça-dura.

Os outros aventureiros também passaram a me ver como um verdadeiro curandeiro afiliado à guilda, jå que eu praticamente não saía do lado dele. Fiquei feliz por ter o apoio deles. Assim, pelo menos, eles não ficariam me olhando torto. Por enquanto, pelo menos.

— Agora eu fui realmente aceito. Ou pelo menos Ă© o que eu gostaria de pensar, mas a vida nunca Ă© tĂŁo simples, nĂ©? — Provavelmente, essa aceitação se devia ao fato de eu ser membro da equipe da guilda.

— O que tá murmurando aí, moleque?

— Ah, me desculpe. SĂł estava pensando em como esse primeiro mĂȘs passou rĂĄpido. — NĂŁo podia simplesmente sair dizendo que estava ficando sentimental relembrando tudo.

Brod e Gulgar estavam tomando café juntos. Hoje marcava o fim do nosso contrato. A ansiedade se misturava com o alívio que eu sentia. Não fazia ideia de como as coisas ficariam daqui para frente ou se conseguiria renovar nosso acordo. A aura intimidadora que emanava constantemente do meu treinador não ajudava em nada.

— Bom, primeiro mĂȘs concluĂ­do, moleque. VocĂȘ aguentou firme — ele disse.

— Obrigado. De alguma forma, graças Ă  comida do Gulgar, consegui sobreviver sem enlouquecer. SĂ©rio, obrigado por tudo.

— NĂŁo precisa agradecer — ele sorriu. — Ainda nĂŁo acredito que vi vocĂȘ engolindo aquela porcaria depois de cada refeição. JĂĄ tĂŽ satisfeito sĂł com isso.

— Não me entenda mal, aquilo era horrível. Mas, de novo, treinador, obrigado.

— Esquece isso.

— Sobre daqui para frente
 Vou trabalhar em uma clĂ­nica para juntar mais dinheiro. Depois disso, adoraria treinar com vocĂȘ de novo.

Ele fez uma pausa.

— Dinheiro?

— Sim. A guilda cuidou de todas as minhas necessidades atĂ© agora, mas eu praticamente nĂŁo tenho nada. Preciso pagar minhas taxas na Guilda dos Curandeiros e comprar grimĂłrios para aprender novos feitiços.

— É pra isso que vocĂȘ precisa de dinheiro?

— Isso mesmo. Não posso ser colocado na lista negra da guilda por não pagar minhas taxas a tempo.

— EntĂŁo, digamos que alguĂ©m pagasse suas taxas do ano. O que faria?

— HĂŁ? Bom, eu nĂŁo tenho esse dinheiro, Ă© por isso que estou trazendo isso Ă  tona.

— Suponha que alguĂ©m pagasse para vocĂȘ. O que faria entĂŁo?

— DifĂ­cil dizer, mas acho que perguntaria se vocĂȘ continuaria me treinando. Ainda nĂŁo consigo me defender nem um pouco.

Brod sorriu de canto e puxou um saquinho de couro do bolso do casaco.

— Ah, Ă©? Bom, aqui estĂĄ sua recompensa por aguentar firme por um mĂȘs. E por salvar tantas vidas. Pegue. Use para pagar suas taxas e volte logo pra cĂĄ.

Dentro havia doze moedas de prata.

— O q-quĂȘ? Isso
 Como assim?! — Fiquei completamente pasmo. Eu Ă© que deveria estar pagando, mas quem estava sendo pago era eu?

— VocĂȘ trabalhou duro curando todos aqueles aventureiros. Graças a vocĂȘ, menos deles morreram. Achei que merecia algo.

Francamente, eu queria aceitar sem pensar duas vezes, mas isso seria de mau gosto. Recusar uma vez por educação era o certo a se fazer.

— Sou extremamente grato, mas doze moedas de prata Ă© muito dinheiro, nĂŁo Ă©? NĂŁo posso simplesmente aceitar isso de vocĂȘ. Ainda mais depois de jĂĄ ter recebido comida e abrigo esse tempo todo.

Dizer isso em voz alta realmente me fez perceber o quĂŁo ridiculamente sortudo eu fui nesse mĂȘs.

— Apenas aceite. VocĂȘ ainda tem um longo caminho pela frente, fedelho, entĂŁo seu treinamento nĂŁo termina hoje. Agora vĂĄ para a Guilda dos Curandeiros e faça o que precisa fazer. — Ele sorriu novamente, e nem preciso dizer que aquele olhar me deu arrepios.

Peguei a bolsa.

— Entendido. Aceito com gratidão. Vou sair assim que terminar esse copo.

— Faça isso.

Para marcar a aquisição da minha anuidade, graças à generosidade de Brod, engoli a dose de Substùncia X e soltei um suspiro satisfeito.

— Certo, estou indo.

— Acho bom esperar uns trinta minutos, moleque.

Agora que ele mencionou, talvez não fosse uma boa ideia ir até a Guilda dos Curandeiros com o hålito do jeito que estava, então segui o conselho e esperei.

Trinta minutos depois, com o hĂĄlito mais fresco e o entusiasmo um pouco reduzido, finalmente deixei a Guilda dos Aventureiros. Fazia tanto tempo que nĂŁo pisava nas ruas de Merratoni que me senti um pouco desnorteado.

— Pensando bem, nĂŁo conheço quase nada desse lugar, nĂ©? SĂł o caminho dos portĂ”es da cidade atĂ© a Guilda dos Curandeiros e de lĂĄ atĂ© a Guilda dos Aventureiros. E sĂł.

Olhei para o céu. O clima agradåvel me deu vontade de relaxar e aproveitar o momento, mas me contentei com um bom alongamento antes de começar a andar. Ver todas aquelas pessoas se movimentando pelas ruas me lembrou que meus medos ainda estavam ali.

— Bem, se nĂŁo Ă© o Luciel! — chamou um dos funcionĂĄrios da guilda.

— Pra onde vocĂȘ tĂĄ indo?

— VocĂȘ nĂŁo tĂĄ saindo da guilda, tĂĄ? — outro perguntou.

— O quĂȘ?! — os outros exclamaram em unĂ­ssono.

— Calma aĂ­, pessoal. Hoje era o Ășltimo dia da sua solicitação, senhor Luciel?

Eu sabia que a Nanaella entenderia a situação.

— Isso mesmo. Estou indo para a Guilda dos Curandeiros agora. Mas volto depois.

Cortei a explicação para economizar tempo e passei por eles.

— É bom mesmo! — ouvi eles gritarem atrĂĄs de mim. Aquilo aqueceu meu coração. Agradeci em silĂȘncio e apressei o passo.

Ao longo do caminho, não encontrei nenhum aventureiro, mas o fato de ainda estar tão consciente dessas interaçÔes provava que meu medo continuava vivo.

Suspirei.

— Quanto tempo será que vai levar para eu conseguir falar com essas pessoas normalmente?

Assim que entrei na guilda dos curandeiros, uma voz feminina soou atrĂĄs do balcĂŁo.

— Bem-vindo à Guilda dos Curandeiros da Igreja de Saint Shurule, filial de Merratoni!

Olhei na direção da voz e vi que era Monica.

The Great Cleric Animexnovel Ilustracoes Volume 10 720x1024 – The Great Cleric – Capítulo 4– Volume 1 traduzido

— Bom dia, Monica.

— Ah, vocĂȘ Ă© o senhor Luciel, se bem me lembro.

— Fico lisonjeado que se lembre de mim. Desde quando a guilda começou a receber as pessoas dessa forma?

— Bem recentemente, na verdade.

— Parece que vocĂȘs estĂŁo trabalhando duro.

— Sim, estamos. — Ela forçou um sorriso, mas logo retomou a postura profissional de recepcionista. — Então, no que posso ajudá-lo?

— Quero pagar minhas taxas. Pelos próximos onze meses, para ser exato, se estiver tudo certo.

— Sim, senhor, muito obrigada. Posso ver sua carta da guilda, por favor?

— Aqui. — Entreguei a ela.

— Senhor Luciel, curandeiro de rank G. As taxas restantes do ano totalizam onze moedas de prata.

— Certo. — Coloquei sobre o balcão a prata que havia recebido de Brod.

— Obrigada. Mas preciso perguntar, tem certeza? Seu rank ainda Ă© baixo, e se for promovido dentro do ano, precisaremos cobrar uma taxa adicional.

Que gentileza dela em me avisar. O valor de um curandeiro muda conforme o rank, e pagar um ano inteiro na classificação mais baixa era como dizer que eu não tinha intenção de crescer. Além disso, precisava subir de rank para aprender mais magia. Como o rank de um curandeiro e sua habilidade em Magia Sagrada são proporcionais, minha habilidade de nível dois me permitiria alcançar o rank F, mas isso também significaria um aumento nas taxas. Como planejava passar pelo menos um ano na Guilda dos Aventureiros, aumentar meus gastos não parecia uma boa ideia. Embora, claro, a possibilidade de aprender novas magias fosse tentadora.

— Sim, tenho certeza. Aprender mais magia Ă© importante, mas primeiro preciso conseguir me sustentar.

— Entendo. Abrir uma clĂ­nica Ă© bem caro, mas ainda assim recomendo que aprenda novos feitiços.

— Vou considerar isso assim que juntar dinheiro suficiente para lidar com uma promoção.

Ela riu.

— VocĂȘ Ă© bem interessante, senhor Luciel. Entendido. Obrigada pelo pagamento, e aqui estĂĄ sua carta de volta.

— Obrigado.

— Continue se esforçando, ok? — Ela se despediu com um sorriso.

No caminho de volta para a Guilda dos Aventureiros, pensei no silĂȘncio absoluto da base dos curandeiros. Ficar sentado ali, sem uma alma por perto, devia ser difĂ­cil. No meu mundo anterior, o ambiente do escritĂłrio sempre tinha uma certa energia, mas ali nĂŁo havia nada disso.

Talvez eu devesse levar alguma coisa comigo da prĂłxima vez.

Quando cheguei a esse mundo, nem sequer percebia essas coisas. Talvez fosse graças à Lumina ou à Kururu. Mais provåvel ainda, era porque não tive tempo nem espaço para pensar nisso. Muito menos do que agora.

Acelerei o passo de volta Ă  Guilda dos Aventureiros.

— Ora, vocĂȘ conseguiu. — Brod sorriu de canto. Foi a primeira coisa que disse assim que botei os pĂ©s na guilda. Ele claramente estava esperando para ver quanto tempo eu demoraria.

— Hã
 VocĂȘ ficou me esperando o tempo todo?

AtrĂĄs dele, Nanaella e outras duas recepcionistas humanas, Melina e Mernell, riam como colegiais.

— Nem um pouco. Vamos, temos treino pra fazer.

— Não deveríamos estabelecer um novo acordo antes?

— Nanaella, a carta dele?

— Está bem aqui! — ela respondeu animada.

— Renove-a.

— Certo!

— O consentimento faz parte desse processo? — perguntei.

— Pronto, contrato resolvido. — Brod agarrou meu braço e me arrastou em direção ao campo de treinamento.

— Ai, ei, treinador! Isso dói!

Procurei alguém, qualquer alma bondosa que me salvasse, mas todos me abandonaram. As recepcionistas apenas acenaram enquanto eu era arrastado.

Depois de suportar um treinamento ainda pior que o de costume e terminar o almoço, Brod tirou um grimório da bolsa: Guia de Magia Sagrada de Baixo Nível. Estava um pouco gasto, mas era o primeiro grimório que eu via fora da Guilda dos Curandeiros, onde aprendi meu primeiro feitiço. Fiquei até um pouco empolgado.

— Pensei em te dar isso por ter voltado. Pode ser Ăștil.

— O que eu sou, um cachorro perdido?! — retruquei. — Por que vocĂȘ tem um grimĂłrio de Magia Sagrada?

Pelo termo baixo nĂ­vel, presumi que nĂŁo fosse algo muito caro, mas ainda assim era estranho que uma Guilda dos Aventureiros tivesse algo assim.

— O feitiço Curar para ferimentos e o feitiço Purificar para venenos sĂŁo o bĂĄsico de um curandeiro. No momento, vocĂȘ sĂł tem o Curar. Estude isso e complete o conjunto.

Ele não respondeu à minha pergunta, mas pelo menos descobri que o livro continha o feitiço Purificar. Gulgar, que estava no balcão, ria sozinho do jeito rabugento de Brod, mas se eu fizesse o mesmo, acabaria vendo estrelas no treinamento da noite.

— Obrigado. Fico feliz que tenha pensado em mim. Vou continuar me esforçando, entĂŁo agradeço pela orientação contĂ­nua. — Fiz uma reverĂȘncia.

— Certo. — Brod respondeu secamente, e Gulgar caiu na gargalhada.

— Tá animado, hein? Beba isso e vá direto ao trabalho! — O homem-lobo colocou diante de mim uma caneca da famigerada Substñncia X, como fazia em toda refeição, e sumiu na cozinha para fugir do cheiro.

— Beba — ordenou Brod. — Temos trabalho a fazer.

— FĂĄcil falar quando nĂŁo Ă© vocĂȘ que tem que sentir o gosto disso — resmunguei.

— Não tenho motivo pra isso. Tî indo na frente. — E saiu sem olhar para trás.

— Se eu me atrasar, nunca vou ouvir o fim disso
 — Suspirei. — Lá vai.

Engoli aquele lĂ­quido horrĂ­vel e corri atrĂĄs de Brod, certo de que, dentro de um ano, conseguiria acertar pelo menos um golpe nele.

E assim começou, de fato, minha vida na Guilda dos Aventureiros.


Tradução: CarpeadoPara estas e outras obras, visite o Carpeado Traduz – Clicando Aqui


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