Rakuin no Monshou – Capítulo 1 – Volume 1
Rakuin no Monshou
Emblem of the Branded
Light Novel Online – Capítulo 01:
[Sangue e Ferro]
O resultado foi decidido.
O anfiteatro de Ba Roux tremeu com os gritos dos inúmeros espectadores reunidos que rugiam com unanimidade do vencedor. Seus pés batiam contra o chão das arquibancadas da arena, criando um abalo sísmico que mais parecia um terremoto.
Enquanto o vencedor estava sendo banhado pelos aplausos apaixonados e barulhentos da multidão, aquele que recebera o destino oposto permanecia imóvel sob seus pés do campeão. Até que eventualmente, o corpo sem cabeça do perdedor foi fincado por ganchos e arrastado pelas mãos de dois escravos.
O sol ainda brilhava na arena, embora já estivesse próximo da noite. Os rostos dos espectadores estavam cobertos de suor, refletindo a luz intensamente, como se alguém os tivesse banhado com óleo, e seus olhos também brilhavam com sede de sangue, pois previam que a próxima luta seria mais uma batalha até a morte. Quem ganhou ou perdeu a luta anterior, já não estava mais na mente deles. Apenas o calor da batalha continuou a deixar um gosto eterno nas suas bocas, pairando sobre o ar e girando ao redor da arena.
— VÁI, VÁI!
— MATE ELE! MATE ELE!
Hoje foi mais um grande sucesso. Como as pessoas mais “virtuosas” que moram na cidade, para as quais as taxas de admissão não eram mais do que o subsídio semanal de uma criança, puderam assistir aos jogos, mais de mil espectadores foram reunidos.
A próxima partida foi uma batalha montada. Dois homens armados com lanças, emergindo dos portões leste e oeste, e cruzaram entre si a grande velocidade. Na segunda investida, um deles foi arremessado de sua montaria e, enquanto tentava se levantar novamente, o outro rapidamente saltou de sua própria montaria para dar o golpe final.
Em seguida, dois homens quase despidos, começaram a travar uma batalha com as próprias mãos.
Eles eram Espadachins-Escravos, ou os chamados Gladiadores. Em compensação por arriscar suas vidas em batalhas públicas, eles receberiam alguns trocados e a quantidade mínima de comida necessária para sobreviver. Alguns deles, já nasceram como escravos, enquanto outros foram jogados na arena por causa de seus crimes, e houve até aqueles que se candidataram pessoalmente para participar neste inferno na terra.
No entanto, se um gladiador fosse bem sucedido o suficiente para se tornar um veterano, ele receberia um tipo diferente de tratamento da multidão. Um desses, chamado Shique, era um gladiador bonito, popular entre as mulheres, e tinha acabado de vencer uma disputa. Ele era estranhamente pretensioso, curvando-se da maneira que um nobre faria e notavelmente, vozes estridentes surgiram da multidão.
— Você viu isso, irmão? O Shique acabou de ganhar!
Esta foi a voz de uma garota ainda nos anos mais tenros de idade, sentada em uma das arquibancadas entre os assentos da primeira fila. Pilares altos, que se erguiam dos cantos da esquerda e da direita, sustentavam um teto que cobria o suporte. Somente aqueles que puderam pagar uma grande quantia em dinheiro puderam ver a partida desses assentos especiais.
Pelo que parecia, o jovem descansando o queixo nas mãos ao lado dela, a quem chamou de ‘irmão’, não estava satisfeito. Com um longo pano enrolado em sua cabeça, as pontas pendendo da esquerda e da direita, como um crente em Badyne, ele deixava a impressão de estar tentando esconder o seu rosto dos olhares curiosos da multidão.
— Ahh, foi exatamente como você disse. — Falou ele.
— O seu gladiador venceu. Então, já não foi suficiente? Podemos ir logo e comer alguma coisa? Este lugar está me dando uma dor de cabeça.
— Mas o espetáculo está apenas começando, não é? Ou vai me dizer que o cheiro de sangue o deixou doente? Você, o sucessor das terras de Mephius?
— Meça as suas palavras.
Não preocupada com súbita alteração do jovem, a garota deu uma risada zombeteira.
A luta seguinte já tinha começando, por isso o jovem foi forçado a ficar depois de tudo e descansou as bochechas nas mãos novamente com um olhar amargo no rosto. Quanto sangue tinha que ser derramado e quantos músculos suados ela tinha que ver antes de se cansar de tudo isso?
Ele ocasionalmente lançava tímidos olhares para a pele branca e o rosto atraente da jovem. Ela tinha uma inocência que correspondia à sua idade, mas também uma estranha beleza sensual e madura que… era uma visão muito mais encantadora do que a da luta selvagem acontecendo logo abaixo.
Depois de duas batalhas, um novo palco estava sendo montado na arena. Uma estaca enorme foi fincada no centro da arena e uma única mulher foi presa ao topo. Ela era bonita e deixada propositadamente com roupas rasgadas. Cada vez que ela se contorcia de dor, seus seios e coxas balançavam, atraindo assobios do público masculino efervescido.
No entanto, a mulher não estava em posição de se incomodar com seus olhares obscenos da plateia, pois ao mesmo tempo em que a estaca foi colocada, uma grande gaiola com aproximadamente a mesma altura foi trazida. Dentro, havia uma fera furiosa com cerca de sete ou oito metros de comprimento. Suas escamas verdes e viscosas refletiam à luz do sol.
Tratava-se de um enorme dragão. Criada através de repetida reprodução seletiva por seres humanos, esta era uma variedade conhecida como [Sozos], usada por Mephius inclusive na guerra. Seus dentes enormes e cerrados, e cada uma de suas garras se estendendo de suas seis patas, eram como espadas afiadas.
Provavelmente porque estava drogada, a besta parecia ter uma ferocidade atenuada e seus instintos suprimidos. Entretanto, ser atingido por seu enorme volume ainda causaria ferimentos graves. Além disso, parecia que ela poderia explodir a gaiola de aço como um brinquedo.
— Senhoras e senhores!
De repente, um orador em pé começou a discursar de cima do palco com um alto-falante. Provavelmente ansioso para terminar seu discurso antes que a fera se libertasse.
— A seguir, é o início do nosso programa. Os grandes dragões uma vez vagaram pela terra e provavelmente estabeleceram nossa cultura. Mas agora, não são mais do que esta simples besta sedenta por sangue que estamos desprezando. Não há o que temer. Somos as almas corajosas, as mais puras das mentes, que assumiram o controle do mundo após uma era de viagens espaciais! Nem pelas presas e garras do dragão – para não mencionar seu sopro terrível e mortal – seremos superados! Por favor, deem uma olhada nas evidências. Eis as figuras destes homens destemidos que desafiarão este dragão do passado! Uma besta terrível deixada por um deus falso!
Do portão leste, um único gladiador avançou. Nas mãos do homem, que ostentava um corpo musculoso, havia uma bola de ferro conectada a uma corrente.
— Verne da Bola de Aço!
Os aplausos da platéia ficaram ainda mais altos, pois ele era um gladiador que podia se orgulhar de ser um dos lutadores mais famosos de Ba Roux. O homem com cerca de trinta anos e uma pele escura, respondeu acenando com a mão para as senhoras e senhores da platéia.
Então…
— É o tigre!
— Olhem, é o Tigre de Ferro, Orba!
Um espadachim, também sozinho, saiu, mas do portão oeste.
— Que cara mais excêntrico. — Comentou o jovem sobre a máscara azul de aço que cobria o rosto do gladiador.
Como se imitando um tigre, pequenas presas se projetavam dos lábios da máscara, deixando apenas um pequeno espaço para a boca desse homem chamado Orba. Cortada em duas divisões, havia aberturas onde os olhos do tigre estariam, mas naturalmente era apenas os olhos de Orba que espreitavam. E, apesar de um tigre normalmente ter orelhas arredondadas, a máscara tinha extremidades pontiagudas para os dois lados – quase como se chifres saíssem dos cantos.

No entanto, isso foi tudo; ele não tinha outras características que o distinguissem. Em comparação com Verne, ele tinha uma estrutura corporal quase que pobre, e ele só segurava uma espada longa simples e comum em sua mão.
Os espectadores começaram a ridicularizá-lo, dizendo:
— AHAHA! Olhem para o corpo magro dele! Apenas um golpe da bola de aço vai esmagá-lo completamente!
— Dizem que ele arrancou a cabeça de Meier, o Barão, na Arena de Tidan, depois de apenas dois ataques. Vamos ver se ele faz o mesmo com o nosso Verne. Continuem lutando!
— Este é o Tigre de Ferro, Orba. — Disse a garota, enquanto suas bochechas coravam de emoção.
— Não é a sua primeira aparição em Ba Roux? Mas ele parece já ser bem famoso. irmão, você já o conhecia?
— Como eu deveria saber?
— Nossa, que resposta fria. Tudo bem, se você está tão entediado por estar aqui, por que não fazemos uma pequena aposta neste jogo? Talvez isso acabe te deixando um pouquinho interessado.
— Uma aposta, não é? De que tipo e como?
— Simples. Desses dois prestes a lutar, quem você espera ganhar?
— Isso é muito estupido. Como você chamaria isso de uma aposta? Até eu conheço esse tal de Verne e o seu físico é muito melhor que o do outro cara. Até um amador consegue ver isso. Você está apenas querendo me enganar, apostando no vencedor, não é?
— Minha nossa, como você é difícil de agradar! Mas tudo bem, você pode ficar de mau humor assim o quanto quiser. Eu até pensei em trazê-lo junto para que pudesse se distrair um pouco. Mas já entendi, você odeia passar um tempo com a Ineli. Se for esse o caso, não se preocupe, porque eu nunca mais o convidarei para nada!
A garota virou o rosto com raiva, quando o jovem tirou as mãos do queixo em pânico.
— N-não, espera! A culpa é minha. Deixa que aposto no espadachim mascarado. É isso que você quer, não é?
— Não. Ineli decidiu apostar nele primeiro. Você pode ficar com a sua bola de aço, irmão.
— Hã? Por quê?
— Porque eu gosto dele.
Mesmo que você não consiga ver o rosto? – era o que o jovem estava prestes a dizer, mas se deteve a tempo. Ele não podia dar ao luxo de desagradá-la ainda mais.
— Muito bem. — Disse o orador, levantando a voz novamente.
— Entre Orba e Verne, quem assumirá o papel do herói para libertar esta mulher? Ou será que esses dois rivais lutarão em vão, quando a gaiola se romper e esta pobre e bela dama acabar no estômago do dragão?
A partir daí, os dois espadachins lutariam entre si e o vencedor resgataria a mulher – ou, como o orador estabeleceu, “uma certa princesa de um país em ruínas” – das garras do dragão, recebendo uma noite de amor como recompensa. Ou ao menos, este era o cenário montado.
Os dois avançaram ao mesmo tempo e, ao se aproximarem, a falta de físico de Orba ficou ainda mais aparente. Verne então, falou com uma voz alta o suficiente para ser ouvida pelos espectadores que estavam nos assentos da primeira fila.
— Então, você se considera um tigre, hein? Eu já ouvi falar do seu nome, mas não há nada menos confiável do que um boato. Você pode tentar esconder seu rosto com essa máscara, só que eu posso ver muito bem a pele que tem por baixo, se moleque.
Os lábios grossos de Verne se curvaram em um sorriso.
— Tenho certeza de que a máscara é apenas um blefe para que as pessoas não tirem sarro de você. Você não é um tigre, é apenas um vira-lata sarnento! Vou ensinar a você como se luta um homem de verdade!
Enfrentando Verne, que tremia os ombros de tanto rir, Orba não respondeu. Provavelmente achando que ele havia sucumbido ao nervosismo, Verne lançou um olhar zombador, assumiu uma postura defensiva e coloco a pesada bola de ferro ligada a uma corrente por cima do ombro.
— Começar!
A voz do orador ainda anunciava o início da luta, mas simplesmente desapareceu no meio da algazarra cada vez maior dos aplausos da platéia. Em um instante, Verne fez a sua jogada.
Ele arremeçou a bola de ferro com toda a sua força. A princípio, o espadachim mascarado estava prestes a avançar, mas, como se tivesse entrado em pânico, ele de repente recuou. Houve uma pequena faísca quando a bola de ferro raspou contra a máscara e isso foi o suficiente para levar Verne a perseguir o atrapalhado Orba.
A enorme bola de ferro, que era muito maior que uma cabeça humana, se aproximou sibilando com o vento, mas Orba continuou a evitá-la dando um passo para trás.
Ele rolou no chão, pulou excessivamente para o lado e finalmente se precipitou fazendo um gesto evasivo – que convidou a risada da plateia.
— Olhe para isso, seu precioso espadachim está completamente encurralado!”, disse o mesmo jovem. “Ou vai me dizer que a culpa é da luta que não foi justa?
— Você acha isso? — A menina disse, olhando para a frente enquanto colocava um dedo nos lábios carnudos e floridos.
— Se é assim, então por que a partida não terminou ainda?”
— Isso porque o oponente dele continua correndo de um lugar para outro.
— Eu fico curiosa para saber como é que o Verne não consegue alcançar um opoente tão desajeitado, você não concorda?
O jovem queria dizer algo em troca, mas manteve a boca fechada. Enquanto observava, ele percebeu que Orba não estava fugindo aleatoriamente, mas sim mantendo um circulo ao redor do seu oponente, garantindo uma distância fixa entre os dois. E não só isso, parecia que o Verne já não era capaz de atacar e perseguir seu oponente tão rápido quanto antes.
Provavelmente por ter perdido a paciência, Verne colocou toda a sua força em mais um golpe, mas a bola de ferro perdeu o controle e voou apenas por cima do ombro de orba que – embora parecesse óbvio para os espectadores que essa era uma oportunidade de ouro – apenas revidou com um leve empurrão da espada, se afastando mais uma vez em seguida.
— LEVE A SÉRIO!
— PARE DE BRINCAR!
A platéia parou de rir e começou a vaiar na arena. Não apenas para Orba, mas também para Verne, que não parecia capaz de derrubar seu oponente em constante fuga.
— SEU DESGRAÇADO! — Rugiu Verne.
Quando ele tentou correr na Orba na diagonal, a garota de repente levantou a voz, “Ah!”, Surpresa.
Orba, que até agora só recuara para trás, de repente começou a avançar. Parando de correr, Verne também aproveitou a oportunidade para dar outro golpe.
Ele então inclinou o corpo para a direita, evitando a bola de ferro e, enquanto girava com a ponta dos dedos do pé esquerdo, levantou a espada em um corte diagonal. No momento em que a corrente foi cortada, um som estranho e claro ecoou por toda a arena, então Orba torceu o corpo novamente e balançou a espada para baixo com a força de um raio.
O crânio de Verne foi dividido ao meio e o gigante caíu logo em seguida.
— M-Magnífico! — Gritou o orador.
No entanto, por ter acontecido tão de repente e a ter chegado a uma conclusão tão inesperada, o público parecia um tanto perplexo. Embora o silêncio constrangedor envolvesse a arena, o vencedor não parecia se importar de qualquer maneira e subiu para a estaca e, emprestando as mãos de vários escravos para levantá-la do chão, usou sua espada para cortar as cordas que mantinham a mulher prisioneira.
Com um grito de alegria, ela se agarrou alegremente ao pescoço dele, apenas para ser afastada com um olhar confuso no rosto, quando Orba imediatamente começou a retornar ao portão dele.
A garota no assento especial – também estava olhando boquiaberta o fechar das cortinas para o espetáculo – mas ela lentamente começou a formar em seus lábios um sorriso. Aquele gladiador chamado Orba, parecia alheio ao público, como se afirmando que a única razão de ele estar aqui hoje era lutar e matar como lhe fora ordenado.
— Ele… matou o Verne.
— Com um só golpe.
Após aquele momento de silêncio, as vozes louvando Orba começaram a se levantar pouco a pouco. Agora que o clima deixou de ser desconfortável para os visitantes da arena, eles lentamente começaram a aplaudir e abater os pés nas arquibancadas. Então, quando tudo tinha quase voltado ao estado em que deveria ser, o ar tremeu violentamente.
Foi o rugido do dragão Sozos.
Talvez o efeito da droga tivesse terminado ou fosse uma reação instintiva ao cheiro de sangue, mas de repente, o dragão começou a balançar seu corpo enorme da direita para a esquerda, quebrando uma parte da gaiola. Um dos escravos que estava no processo de rebocar tudo foi agarrado por um braço enorme e seu torso desapareceu sem qualquer resistência na boca do dragão.
O som de ossos sendo triturados pode ser ouvido e, ao mesmo tempo em que o som horrível de deglutir ressoou, a arena foi inundada por gritos. No meio de todo o medo e pânico repentinos, o Sozos estendeu os seus membros com bastante calma e emergiu da gaiola quebrada.
Sendo puxado para a multidão que se esforçava para ser o primeiro a escapar, o jovem de antes quase caiu no chão. Mas então, ele foi puxado por uma mão do lado.
— Por aqui! Depressa!
Era um dos soldados que guardava os assentos especiais. Enquanto balançava com uma espada e uma pistola, ele tentou trazer o jovem de volta para dentro.
— E-espera. E a Ineli!?
Embora tentasse resistir, ele conseguiu se mover livremente por causa da multidão tentando fugir que o arrastava.
Então, ele ouviu um forte grito.
Para além do muro de contenção que separava o público da zona de batalha, a figura de ninguém menos que a própria Ineli estava parada diante das ameaçadoras patas do enorme Sozos. A garota que foi empurrada pela multidão para fora da galeria, ficou pálida ao ponto em que parecia que estar prestes a perder a consciência a qualquer momento.
O focinho longo do dragão se abriu de cima para baixo. Quando as fileiras de presas, semelhantes a espadas afiadas e pontiagudas, se abriram, formaram longos fios baba. O jovem estava prestes a desviar os olhos involuntariamente, quando uma fina faixa de sangue jorrou do pescoço do Sozos.
Os guardas da arena chegaram carregando suas armas. No entanto, por estarem muito perto dos assentos da plateia, eles só podiam atirar à queima-roupa e, do jeito que estavam, mal tinham coragem de se aproximar. Enquanto eles estavam em conflito com o que fazer, o Sozos se virou rapidamente e os atingiu com um único golpe de rabo, enviando vários deles para longe.
A garota desabou no chão, com olhos arregalados olhando para os arredores.
Então, por aqueles olhos, ela viu.
Uma sombra passando pelo flanco do Sozos como uma rajada de vento. Pouco antes de se chocar contra a parede de tijolos que separava os assentos do ringue, a sombra chutou contra a parede e subiu no ar. Um homem com uma máscara de ferro imitando a um tigre entrou na vista da garota, e a figura de Orba, o gladiador, pousou no topo da cabeça do Sozos.
Mesmo tendo acabado de testemunhá-lo correndo em direção ao Sozos por trás, enquanto o dragão estava distraído pelas balas, ela não conseguiu acreditar no que via.
Apesar do corpo magro de Orba, suas articulações e músculos pareciam fortalecer seus braços como aço quando ele segurou com firmeza o pescoço do dragão. Enquanto apertava ainda mais o pescoço entre as pernas, ele o segurou firme com um braço e, com o outro, enfiou a espada na cabeça.
O dragão girou sua longa cauda e abalou o chão batendo os pés, mas não importava o quanto lutasse, ele foi incapaz de se livrar do gladiador. Orba sacudiu a espada uma segunda vez. Então, sacodiu uma terceira, até que rasgou escamas tão duras quanto uma armadura de ferro, e pedaços de carne e sangue foram espalhados pelo chão. No entanto, a espada quebrou quando chegou ele a sacodiu uma quarta, mas foi bem na hora que os outros gladiadores chegaram correndo.
— ORBA!!!
Recebendo uma espada lançada por um espadachim de pele marrom, Orba mais uma vez a levantou para dar um quinto ataque, seguindo exatamente o mesmo processo de antes, enterrando completamente a lâmina bem no meio da cabeça do dragão.
Seus olhos dourados se reviraram para o céu e, pouco antes do enorme corpo da criatura desabar no chão, o espadachim desceu do pescoço, caindo ao lado dos assentos dos convidados.
A garota, ainda ajoelhada no chão, o encarava. Era quase como se ele viesse de um conto de fadas, pois ela se sentia como se fosse uma princesa apanhada por um bruxo malvado, e, apesar do olhar apaixonado dela, com um coração palpitante, de todas as coisas, o pretenso gladiador-herói continuou sua caminhada de volta para o ringue, ignorando-a completamente.
Ainda havia uma nuvem de medo pairando sobre a arena enquanto ele lhe mostrava as costas e se despedia, mas ao invés de exalar o ar de um vencedor, Orba parecia mais uma figura solitária que dificilmente poderia suportar os olhares da multidão.
— I-Ineli! Está tudo bem!?
Ela voltou os olhos para o jovem que havia trazido. Ele que veio correndo até ela com a respiração ofegante e de repente, uma sensação estranha tomou de conta dela. Embora só os tivesse visto de relance, os olhos por baixo da máscara do espadachim pareciam se assemelhar aos do jovem.
No meio de toda esta confusão, havia ainda um outro homem que concentrou um longo olhar nas costas de Orba, porém surpreso por um motivo diferente.
— Não pode ser… Você ainda está vivo?
Ele limpou levemente o suor do queixo com as costas da mão. De pé, por trás do jovem – um homem que também estava nos assentos especiais – ele estava falando sozinho, maravilhado, enquanto o cheiro único de sangue flutuava.
— Orba, era assim que se chamava? Dois anos… Dois longos anos, hein…
— Dois anos…
O gladiador Orba, encarando a escuridão que o rodeava, murmurou essas palavras em sua boca. Apesar de fazer apenas dois anos desde que ingressou neste ramo de trabalho, ele já estava atolado até o pescoço com as dificuldades, o sangue e os cadáveres. Quantas vezes lutou por sua vida, apenas para ter os pés acorrentados, passar a noite nas senzalas dos escravos, onde seu único passatempo era treinar a manhã inteira para continuar vivendo como um espadachim-escravo? E então, no dia seguinte haveria uma nova luta.
Ninguém, exceto o próprio Orba, esperava que ele fosse capaz de viver por mais de cinco batalhas. Dois anos atrás, quando pisou na arena pela primeira vez, ele só tinha quatorze anos. Seu corpo era ainda mais magro do que agora e mal conseguia segurar uma arma também.
No entanto, no momento da verdade, ele sobreviveu. Ele brandiu a arma em suas mãos, escolhida entre as poucas que ele conseguia empunhar dentro dos limites de sua força. A única coisa que sabia era correr para cima do inimigo de forma imprudente, mas a medida em que ganhava experiência, sua habilidade, a espessura de cada fibra muscular, o domínio de novas armas, bem como os cadáveres do adversário por onde pisava, aumentava toda vez em que emergia vitorioso.
Assim, dois anos se passaram. Orba não sabia se isso era muito ou pouco tempo e, às vezes, ele pensava que em si mesmo como uma pessoa consideravelmente velha. Ao mesmo tempo, ele também pensava que ainda era aquele garoto que não sabia nada sobre lutar até a morte.
De qualquer forma, talvez isso tenha a ver com o fato de ele não ter sido abençoado com a oportunidade de ver o próprio rosto. Deitado de bruços, ele ainda estava com a mesma máscara de ferro que usou no ringue de batalha. Por ela nunca ter sido removida durante esses dois anos, os outros espadachins-escravos do mesmo Grupo Gladiatorial Tarkas não tinham como saber sua verdadeira face.
— Levantem-se, seus escravos! Vocês acham ruim ter de acordar dedo? Pois saibam que hoje vai ser o pior dia das suas vidas!
Quando a manhã chegou, outro dia para os escravos teve início. O supervisor geral dos escravos e responsável por treinar os espadachins-escravos, Gowen, colocou todos para fora de suas celas e os fez limpar as acomodações.
Quando terminaram, ainda tinha os cuidados com os leões, serpentes, javalis, tigres e similares – em suma, todos os animais utilizados na arena. Em particular, cuidar dos dragões era um trabalho árduo. Mesmo os dragões de pequeno e médio porte eram demais para uma única pessoa, mas cuidar dos enormes Sozos de tamanho grande foi ainda pior. Embora fosse esperado que os escravos morressem pela espada, muitos também encontraram seu fim esmagados por esses dragões que foram propositadamente treinados para não se acostumarem com seres humanos.
Orba pôs os pés na enorme jaula dos dragões, que era muito maior do que as habitações dos escravos – muito, muito maior do que elas – que mais se assemelhava ao pátio de um castelo. No entanto, ele parou quando percebeu as costas de uma mulher.
O nome dela era Hou Ran. De todos os outros escravos ordenados a alimentar os dragões, ela foi a única que conseguia tocar diretamente as suas escamas. Obviamente, os dragões foram acorrentados nas suas pernas e no pescoço, mas isso não era, de forma alguma, garantia de que o exemplo de ontem não se repetiria. A uma distância que faria até um gladiador hesitar, ela cumprimentou cada dragão um por um, tocando gentilmente as escamas com a ponta dos dedos.
— Orba.
Dizendo o nome dele, ela rapidamente se virou.
— Parece que fui descoberto.
— Foi a “voz” dos dragões quem me disse.
Ran sorriu. Ela parecia realmente inadequada em um campo de detenção só para homens, sem mencionar os violentos espadachins-escravos. Orba ainda não tinha se acostumado com seu sorriso indefeso.
Sua pele como ébano polido, combinada com cabelos que pareciam ter empalidecido, emitia um charme misterioso. Originária da tribo nômade dos adoradores do Deus Dragão, que vagavam pelas montanhas ao oeste de Mephius, diferente de seus parentes reclusos, Ran estava cheia de curiosidade sobre o mundo a fora e, por isso, embarcou secretamente em caravana que passava por perto de sua tribo. Como ela nunca o contou exatamente o que aconteceu depois disso, ele não sabia quando foi que Tarkas a comprou, ou como ela conseguia cuidar dos dragões sozinha assim.
— Eles sabem o meu nome?
— Suas “vozes” vêm como imagens na minha cabeça. Todos conhecem o seu rosto, Orba. Você é querido pelos dragões.
Embora pareça tolice, os olhos de Ran passavam uma impressão profunda, como se o atraísse para as profundezas do mar. Ou melhor, como se possuíssem algum tipo de conhecimento antigo, perdido para sempre pelos homens civilizados.
Do outro lado da cerca, os dragões de pequeno porte colocavam seus focinhos para fora da gaiola, rosnando e bufando para ele.
— Não é assim que se parece — disse Orba com um leve sorriso.
Quando ele chegou, dois anos atrás, Hou Ran já estava no campo de detenção. Naquela época, ela não fazia sequer contato visual com os outros escravos de Tarkas, muito menos abrir a boca para ele. Para ter um pouco de entretenimento, os escravos logo começaram a apostar se eles veriam primeiro o rosto de Orba ou a voz de Ran.
Mas, uma vez, Ran estava prestes a ser violentada por um grupo recém-chegado de Espadachins-Escravos, quando Orba chegou e espancou a todos. Desde então, ela vem ao menos trocado algumas palavras com ele.
— Ouvi dizer que você foi atacado por um Sozos em Ba Roux.
— Fui eu quem o atacou, na verdade. O Sozos começou a ficar violento.
— Mesmo com as drogas, é inútil tentar aprisionar seu coração pela força. Se eu tivesse supervisionado, isso nunca teria acontecido.

Ela mordeu os lábios, mas não por estar frustrada pelo que aconteceu com Orba ou os espectadores. Com a figura da garota acariciando a nuca de um dragão da raça Baian no canto da vista, Orba terminou seu trabalho e deixou a jaula dos dragões para trás.
Após a alimentação dos animais e a limpeza, era a vez de conferir seus armamentos. Já que suas vidas dependiam dessas armas, os gladiadores cuidadosamente conferiam uma a uma. No entanto, sempre que chegava a hora de fazer a manutenção, guardas fortemente armados ficavam de guarda, vigiando cada movimento deles. Naturalmente, essa era uma medida necessária para evitar que qualquer revolta acontecesse.
Então, depois de terminarem de comer uma quantidade lamentável de pão e sopa – enquanto que os sobreviventes da lua do dia anterior eram servidos com carne e frutas como recompensa – eles começariam seu treinamento até o meio dia. Da mesma forma de quando fizeram a manutenção das armas, soldados foram colocados para vigiar, mas, havia uma diferença agora, as correntes que os prendiam pelas pernas tinham sido retiradas.
Espadachins escravos que sobreviviam por mais de dois anos como Orba eram extremamente raros. Vidas foram perdidas uma após a outra, enquanto novas faces iam aparecendo rotineiramente ao longo dos dias. Gowen os ensinava incansavelmente o trabalho de pés necessário ao se manejar uma arma ou uma espada, e os acompanhava até que estivesse totalmente preparados.
Orba também engajava em lutas-treino com os recém-chegados. Algumas vezes, eles cruzavam espadas, assim como numa luta de verdade, e não era incomum que alguém acabasse perdendo um pedaço dos seus membros ou às vezes a própria vida no meio de um treino…
Hoje, porém não houve casualidades, mas isso não significava que eles estavam com sorte. No dia seguinte, um destino ainda mais miserável poderia acontecer e uma morte sangrenta os espreitava a todo instante.
Quando o rosto de todos os espadachins-escravos se nublou e suas peles se cobriram de suor e areia, Orba foi até a cerca que separava o campo de treinamento do corredor que levava até o outro lado, e avistou a figura de Tarkas.
Gritando “Descansar!” para um novato, Orba correu logo em seguida na direção dele.
Percebendo a aproximação do homem mascarado, Tarkas parou o que estava fazendo. Um sentimento de desconfiança era sentido em sua face envelhecida.
— O que você quer, Tigre de Ferro? Ah… bom trabalho ontem.
O seu rosto dizia que ele acabara de se lembrar que precisava jogar um osso para seu fiel cão.
— Verne se tornou um gladiador famoso muito rápido e por isso os outros grupos de gladiadores começaram insistir que gostariam de colocá-lo contra você. “Assim, nós não conseguiríamos recuperar todo o dinheiro que investimos nele?”. Não me venham com essa merda! Bem, eu suponho que preciso agradecê-lo por se livrar dele por mim. Agora, quanto a ter matado aquele Sozos…
— Tarkas, quanto mais tempo eu vou precisar continuar ganhando?
— Como é?
— Já faz dois anos e eu continuei ganhando o tempo todo. Quantas vezes vou ter que ser o “evento principal” como ontem? Não está na hora de você tirar essas correntes dos meus pés?
Espadachins-escravos, todos eles, quando comprados, eram obtidos através de um contrato com algum um comerciante. Embora parecesse que Tarkas dificilmente lidava com isso diretamente.
— Não pense que eu não saiba ler. Até um escravo deveria ter o direito de examinar o seu contrato. Eu tenho esperado aqui, Tarkas! Eu deveria ter saído há muito tempo!
Quando Orba falou isso na sua cara, Tarkas lançou um olhar furioso com os olhos.
— Então, para onde planeja ir? Você pode até escapar das minhas mãos, mas ainda continuará sendo um criminoso! Você não tem dinheiro para pagar a fiança da pena que ainda te resta. Ou talvez você queira trabalhar nas minas de Tsaga ao longo da fronteira oeste? Gases venenosos, bestas devoradoras de homens, tribos Geblin que caçam humanos e – é claro – trabalho extremamente miserável e rigoroso. Você acha que um inferno assim é melhor do que aqui? Se não, então trate de voltar logo para o treino e nunca mais fale comigo como se fôssemos iguais! Não até que você tenha se tornado espadachim completo que ganha seu próprio salário!
Enfiando o dedo na cara de Orba, Tarkas rapidamente saiu, indo para o escritório. Atrás dele, rostos desconhecidos seguiram o exemplo. Considerando que este era um lugar onde as pernas estavam amarradas em correntes, provavelmente eram escravos recém-adquiridos.
Orba ficou calado. Seus olhos estavam cheios de raiva, no entanto, mas as palavras de Tarkas também não eram mentiras. Em relação à lei de Mephius, você pode basicamente, vender sua vida ou ir para a prisão. Assim como as Minas de Tsaga das quais Tarkas falou – ele deveria solicitar o serviço público do país, acompanhado pelos perigos, e se vender como escravo lá?
Segurando a cerca com força em suas mãos, seus dedos acabaram ficando dormentes antes que ele percebesse.
Orba permaneceu ali parado no lugar.
— O que você está fazendo, Orba!? Volte já aqui!
Depois de finalmente ser repreendido por Gowen, ele voltou a praticar. Como sempre.
Poucas horas depois, após lavar o corpo com um copo cheio de água, chegou a hora da segunda refeição do dia. Orba, arredondando seu corpo como um corcunda no canto da sala de jantar, estava quase abraçando sua comida. Como hábito, ele não podia fazer uma refeição sem ler um livro.
Foi então…
— Bom trabalho na luta de ontem, Orba.
Outro espadachim-escravo, aquele chamado Shique, chegou se apoiando nas costas de Obra, que logo empurrou para trás com a mão.
— Verne da Bola de Aço. Quando ouvi que a luta tinha sido arranja, eu não sabia o que fazer. Cheguei até a considerar em atirar nele de fora da arena, caso você ficasse numa situação de vida ou morte.
— Fica longe de mim. A menos é claro que você queira que eu esmurre essa sua carinha bonita.
— Wow, que assustador. Mas eu não me importaria de ficar com uma cicatriz no meu lindo rosto se isso criar uma ligação entre você e eu.
Apesar do comportamento zombeteiro de Shique, era difícil de se dizer se ele estava falando sério ou não. De qualquer forma, Orba não queria socializar com ele também.
O belo Shique deixou seus cabelos crescerem e usava até mesmo maquiagem antes de uma luta na arena, assim, ele se tornou extremamente popular entre as mulheres. Embora o mesmo se auto proclame um imenso misógino.
Rudy: Misógino é alguém que tem aversão a mulheres. É diferente de um Ginófobo, que tem um medo incontrolável de mulheres.
— Mas, eu não esperava menos de você, Orba. Mesmo sem a minha ajuda, você conseguiu fazer uma performance magnífica. Isso não te faz agora, tanto em nome como na realidade, o melhor gladiador de Tarkas?
— Eu não diria que foi “magnífica”.
De repente, o homem encarregado de treinar os gladiadores, Gowen, fez a sua aparição. Embora Orba tivesse uma cara aborrecida quando ele se sentou na mesma mesa, a verdade era que não se incomodava.
— Você se saiu bem, mas se arriscou demais. Quando partiu para cima, ainda era muito cedo. É péssimo hábito seu partir para cima quando está encurralado, mesmo que seja só um pouco. Você deveria colocar mais esforço em assegurar a sua dominância. Quanto ao Verne, embora ele fosse um espadachim brilhante, o ponto fraco dele era não saber aproveitar as fraquezas do oponente. Qualquer um com mais experiência iria facilmente perceber esse seu pavio curto e puxar o tapete dos seus pés.
Gowen era um homem com cabelos grisalhos no meio dos seus cinquenta anos, mas apesar disso, se corpo bronzeado era forte. Além disso, o olhar afiado que ele dava aos outros espadachins-escravos foi cheio de intensidade.
— Mas o oponente dele era o Verne. Querendo ou não, aquele cara estava em perfeita forma.
Uma outra voz se juntou ao grupo. Desta vez, foi o gigante número um do Grupo Gladiatorial Tarkas, Gilliam.
Ele esteve na mesma arena que Orba e Shique no dia anterior, carregando um machado de batalha no ombro, e com isso, os três gladiadores mais fortes estavam reunidos. Com longos cabelos ruivos em tanta desordem quanto possível, seu rosto, sorrindo com dentes cerrados, parecia tão intimidador quanto o de um leão selvagem.
— Quando soube que você tinha que lutar contra o Verne, sinceramente achei que você tinha ficado sem sorte. Bem, você não tem habilidades ruins, mas, como sempre, não sabe o que significa ser um gladiador. Não vale nada se você ganhar sem graça. Não vai satisfazer o público assim. A maneira como tu continuou correndo de um lado pro outro e, de repente, decidiu a partida com um só golpe, não foi nada divertido. Você precisa abater o oponente lutando de frente com ele.
Para um espadachim-escravo, não se tratava apenas de vencer a partida. Você tinha que ser popular, em suma, garantir que muitos espectadores viessem apenas para vê-lo. Gladiadores sem fama, depois de ganharem uma pilha de dinheiro para seus donos, seriam atirados contra dragões ou feras, apenas para satisfazer os desejos sádicos do público.
Foi por isso que os gladiadores – todos eles – se esforçaram para aprimorar suas habilidades e também tentaram apelar para o público com personalidades chamativas, a fim de sobreviver. Alguns decoraram seu corpo com armaduras berrantes, outros fizeram um show arrastando o coração de seu oponente após a morte, enquanto teve aqueles pintaram seus corpos com tatuagens misteriosas.
Quanto a Shique, ele afirmou dramaticamente ser “um descendente de uma antiga dinastia real”.
— Desta vez, venha contra mim, Orba. Vou te ensinar o que é lutar de verdade!
— Não interessado.
— Haha, você tem medo de mim?
— Ah, como estou com medo. Muito, muito medo… Se estiver feliz agora, vá embora e não em encha mais.
— Não fode comigo, seu pequeno bastardo!
Enquanto Orba continuava comendo com seu comportamento habitual, Gilliam o empurrou pelas costas.
— Pare com isso! — Ordenou Gowen.
Se houvesse qualquer perturbação, os soldados de Tarkas viriam correndo. E assim, Gillian fez a sua saída com a cara vermelha de raiva.
— Agora que parei para pensar nisso, um grupo estranho de novatos apareceu hoje.
Disse Gowen, depois que se lembrou o que aconteceu durante o dia. Aparentemente, ele se referia ao grupo que Orba viu seguindo Tarkas hoje mais cedo.
— Estranho? Tipo, com chifres no cabelo e um rabo enorme saindo das costas? — Perguntou um espadachim-escravo chamado Kain.
Ele era apenas um garoto, da mesma idade que Orba, que chegou por volta de um ano atrás e acabou se estabelecendo. Ele não era muito forte fisicamente ou mesmo segurando uma a espada, mas mostrou grande destreza ao manejar pistolas ou rifles.
— Ou quem sabe, algum sobrevivente da tribo Ryuujin? Soa meio que romântico, não?
Rudy: Ryuujin, povo dragão. Outra parte importante do folclore é a existência de Geblins. Eles não dão as caras na história, mas aparentemente é alguma referência aos Goblins.
— Ryuujins, Geblins, ou qualquer outra coisa que apareça, eu não ficaria nem um pouco surpreso. Afinal, essa é uma companhia de espadachins-escravos, um lugar para toda e qualquer raça.
— Na verdade, a história é muito mais simples do que vocês imaginam. Pelo que eu ouvi dizer, nenhum deles tem qualquer habilidade com espada.
— Como é?
Kain moveu os braços para os lados, indicando que não tinha o menor interesse.
— Eu quase não acreditei quando me disseram que o Tarkas comprou um bando de inúteis sem nem pestanejar. Mas aparentemente, ele estava com um humor muito bom mesmo depois disso.
— Oh?
— Eu sei. Alguém como o Tarkas, que sempre fica hipnotizado pelo brilho do ouro, fazer algo assim pode soar estranho, não é?
— Mas, sério. De bom humor? Aquele cara? — Disse Orba, se lembrando da reação de Tarkas hoje mais cedo.
— Eu o conheço a mais tempo do que vocês. A única coisa capaz de deixar aquele homem de bom humor é a chance de fazer uma boa grana.
— Eu me pergunto se algum nobre veio visitá-lo sobre uma exibição ou coisa assim. Talvez esses novatos sejam de origem nobre e tenham sido trazidos por causar alguma ofensa política contra o Império Mephius, ou coisa assim. Poderia ser, uma execução pública usando os dragões?
— Você parece estranhamente animado com isso. Tanto que até acho difícil de ler a expressão no seu rosto.
— De qualquer forma, onde está o meu livro novo? Faz três meses que o pedi.
Perdendo o interesse na conversa, Orba perguntou sobre outra coisa e os demais também passaram a conversar sobre questões diferentes. Amanhã, eles provavelmente se enfrentariam como inimigos, mesmo sendo gladiadores à serviço do mesmo empregador. A ideia de aprofundar uma amizade mais do que o necessário nunca esteve na mente de Orba desde o início.
— Ahh, já foi comprado. Estará aqui amanhã. No entanto… embora pareça um pouco tarde para dizer isso, você também é meio excêntrico. Entre os caras daqui, mesmo aqueles que sabem ler e escrever, duvido que algum já tenham lido mais de cem palavras em tuda sua vida.
Devorando o pedaço de uma pele de galinha, Gowen olhou para Orba.
— Às vezes, até eu penso em arrancar essa sua máscara. Que tipo de rosto tem aí por baixo? Há momentos em que acho que você é apenas um jovem pirralho selvagem e há vezes em que acho que você é um homem de cabeça fria que já sobreviveu a inúmeros campos de batalha. Ontem foi assim. Você tomou as ações apropriadas contra um Sozos sem vacilar um instante sequer.
— Você está me elogiando ou não?
— Estou te elogiando. Além de pegar uma espada e lutar por si mesmo, você considera as circunstâncias com calma. Embora, se não fosse por esse seu pavio curto, eu acho que você serviria melhor como líder de um time. Você gosta de livros sobre história e pessoas, fica absorvido nisso até tarde da noite e devora todo o conhecimento.
Quando eles se viram pela primeira vez, isto é, quando Tarkas comprou Orba, o rosto dele já tinha sido coberto pela máscara. Desde então, ela nunca tinha sido removida uma única vez. Claro, todo mundo queria saber o motivo. Todo mundo queria ver o rosto por trás dela. Por isso, os escravos tentavam adivinhar qual era a origem daquele menino.
No início, Gowen estava preocupado que Orba e os outros escravos começassem a trocar socos por causa da curiosidade deles. Foi então que meio ano depois, ele teve a ideia de espalhar o rumor de que “um feitiço colocou uma maldição naquela máscara” e assim, quando completou um ano desde a sua chegada, ninguém mais o questionou sobre isso. Embora, sempre que chega algum novato, a primeira coisa que eles fazem é ir perguntar sobre isso, mas agora Orba já é capaz de ignorá-los completamente.
— O que é que se ganha lendo um livro? Ao menos no lugar onde eu nasci, ninguém ganha mais respeito, independente de quantos desses você tenha.
— Isso faz parecer que você foi criado por alguma tribo de macacos ou de Geblins.
— Olhe como você fala comigo, Orba. Considerando as circunstâncias, eu acho que tenho sido muito bom com você. Se isso não te agrada, então posso muito bem adotar a sua mesma atitude.
Agir como se não tivesse entendido a piada era um dos hábitos que Gowen mais gostava. Orba respondeu com um sorriso no rosto, mas inesperadamente, o responsável por treinar os espadachins-escravos respondeu com um olhar ainda mais a sério.
— Normalmente, um espadachim-escravo se preocupa apenas em dar o melhor para viver outro dia. Alguns conseguem sair dessa vida infernal, mas, como a maioria não consegue viver sem cometer algum tipo de crime, muitos acabam sendo gladiadores pela vida toda. Apesar de que a “vida toda”, provavelmente será bem curta… Mas você é diferente, Orba. Você não se deixou ser engolido pela carnificina e continua focando no seu futuro. Eu sempre me perguntei o que falar para um homem assim? Deveria aconselhá-lo a esquecer disso e viver o agora? Mesmo depois de te ver insistindo tanto apesar do inferno em que vivemos? Ou será que eu deveria te falar para nunca perder a esperança? Talvez isso te desse a coragem suficiente para superar isso.
— Velho, por acaso não andou bebendo escondido? Você está muito mais que o normal hoje.
— Ei, eu estou tentando ser sério aqui.
Gowen sacodiu a cabeça para os lados em desapontamento, mas Orba decidiu apenas considerar que ele tinha realmente ficado bêbado. Afinal, o treinador dos escravos jamais permaneceria em silêncio depois de ser chamado de “velho”.
— Pelo que você luta, Orba? Pelos outros espadachins-escravos? Por si mesmo? Ou por algum outro objetivo em sua vida?
— E-Eu mesmo q-queria saber…
Gaguejando como uma criança, Orba desviou o rosto. Ele não queria que seus sentimentos internos fossem expostos.
Terminando o jatar, Orba saiu rapidamente do refeitório. Embora gladiadores pudessem andar livremente, não tinha nada além do refeitório e dos quartos no campo de detenção. Poiam chamar de “quarto”, mas a verdade era que não diferia muito de um estábulo onde o gado ficava preso. Quando ele se deitou em um canto, Orba olhou para suas próprias mãos.
Fazia dois anos desde então. Ainda hoje, ele conseguia se lembrar de tudo perfeitamente. E se ele não tivesse vivido isso pessoalmente, esses “dois anos” não seriam mais que um número. Por dois anos, Orba mal se manteve vivo, cercado pelo cheiro de sangue, tripas e ferro.
No entanto, ele matou, sobreviveu, fez tudo de novo, e qual era o sentido disso tudo?
Ele se virou chão. Seu corpo já havia se acostumado com a sensação da máscara dura tocando o solo. Foi como disse Tarkas, mesmo que deixasse de ser um escravo, ele não sabia mais como viver uma vida “limpa”, mas parecia que Gowen tinha entendido uma coisa errado – Orba não tinha esperanças para um futuro melhor. Tudo o que ele tinha era…
Sob a sombra fina formada pelas presas da máscara, Orba rangeu seus dentes com força.
Mesmo que eu sobreviva a tudo isso, o que vou fazer depois?
Não havia mais retorno. Ele já estava cansado de repetir as coisas indefinidamente na arena. Já estava cansado dos massacres, do sangue, das lutas, de matar uns aos outros. Em seu caminho, ele nunca foi capaz de pensar que “está tudo bem, não importa” ou “com o tempo, ficará mais fácil”.
Uma raiva inexplicável emanava de seus olhos, do outro lado da máscara.
Eu vou pegar a minha vida de volta de volta. Eu vou tomar tudo o que é meu outra vez. E para aqueles que tiraram tudo de mim, mesmo que não seja o suficiente, farei com que experimentem toda a dor e os gritos agonizantes das pessoas que matei nos últimos dois anos.
— Então era aqui que você estava, Orba.
O irmão de Orba, Roan, mostrou seu rosto.
Orba, que estava olhando para o céu noturno, rudemente averteu os olhos. Como punição por ir brincar ao invés de cuidar dos animais, sua mãe o tinha deixado sem jantar e ele agora estava do lado de fora do celeiro, emburrado por conta própria. Seu rosto, assim como os joelhos com os quais enterrava a cabeça, estavam cheios de arranhões.
— Você andou brigando de novo?
— Não, eu não briguei…
Orba tinha um temperamento difícil e por isso sempre acabava entrando em uma briga com as crianças da vizinhança. Ele chegou ao ponto de ir até a aldeia vizinha carregando uma espada de madeira para brigar.
Os aldeões que o avistaram, correndo aos tropeços por entre os campos, riram dizendo “ah, lá vai o Orba de novo”, enquanto acenavam com as mãos, o assistindo. Claro, depois de cada uma de suas brigas, sua mãe o repreendia com um sermão que quase não tinha fim.
— Por que você não segue o exemplo do seu irmão!? — Era o que ela sempre dizia.
O seu irmão era capaz de fazer qualquer coisa. Quando pequeno, ele sempre folheava um livro velho que seu pai tinha trazido em uma das muitas viagens que fez para a aldeia vizinha e assim, memorizou cada linha que o pai lia, aprendendo a ler e a escrever por conta própria. Roan, também aprendeu, ainda cedo, a fazer cálculos simples de matemática e assim, quando completou dez anos, conseguiu um trabalho como assistente de um comerciante depois de implorar muito. Com isso, ele passou a ajudar também nas despesas de sua família.
Orba, por outro lado, embora tivesse aprendido a ler e escrever com seu irmão, era péssimo em matemática e, acima de tudo, não sabia o que fazer com seu sangue fervente. Quase todas as noites, ele passava horas sem dormir, olhando para o teto. Seu sangue estava sempre gritando no escuro. Depois de cada briga, as suas feridas pareciam arder, como se este sangue ruim tentasse saltar para fora de suas veias.
Nessas horas, ele ficava de pé e ia para fora, onde agarrava a sua espada de madeira encostada em um canto do celeiro. Não importava quantas vezes a mãe confiscasse a arma de brinquedo do menino, Orba sempre fazia uma novinha do zero. Não era incomum também vê-lo balançando a arma até amanhecer.
— Eu não me importo que você saia arrumando brigas.
Disse Roan, sentando-se ao lado dele.
— Mas você tem que ajudar em casa também. A vida de uma mãe viúva é muito difícil. Você sabe né?
Em algum ponto ao longo da fronteira ao sul de Mephius, tinha um lugar conhecido como “Vale da Seca”. Embora um rio secar fosse uma ocorrência bem comum em Mephius, neste lugar de terras áridas, cujo o nome fora esquecido pelos mapas, havia uma vila onde Orba cresceu.
Seu pai morreu quando ele tinha dois ou três anos, por isso ele não tinha qualquer lembrança dele. Tudo o que sabia era que o pai tinha morrido num desmoronamento, enquanto trabalhava escavando um túnel na fortaleza de Apta, ao sul da vila. Perfurar os penhascos íngremes ao invés de construir edifícios, foi uma prática comum na construção civil em Mephius.
“Seu pai nasceu apenas para cavar buracos no chão”, ele lembrou que, um dia, sua mãe lhe disse essas palavras em um tom que não era nem de pesar ou ironia. Dito isso, ela mesma também não era alguém que sentia prazer em uma vida de dar duro desde a alvorada até o crepúsculo, todo santo dia. Ela arava os campos estéreis, uma vez ao mês vendia na cidade de Apta as roupas e toalhas que fazia, e cozinhava uma sopa quase insossa para os dois filhos, sem nunca se cansar disso.
Orba também vivia uma vida incolor, tendo como único prazer, a companhia de seu irmão quando o mesmo voltava para casa duas ou três vezes por mês, trazendo muitos livros diferentes.
Livros sobre o Mundo Antigo, de quando a civilização humana deixou seu ninho, para explorar mundos novos. Livros sobre o Rei Mágico Zodias e, acima de tudo, romances históricos com ilustrações coloridas ou histórias heróicas, deixaram Orba totalmente absorvido.
Bravos heróis balançando suas espadas para salvar reinos cheios de perigos, lindas donzelas em roupas finas, aprisionadas em torres altas, dragões ferozes revividos de antigas ruínas – coisas que ele nunca experimentou na vida e as muitas aventuras deslumbrantes que o deixavam perplexo. No entanto, ao fechar os livros, ele estaria de volta àquela pequena e miserável rotina de desespero.
Ele ansiava pelos tempos antigos, como a época em que bárbaros, empunhando longas espadas, eram reis. Mas a verdade era que, desde o momento em que nasceu, foi decidido que Orba viveria sua vida bebendo águas lamacentas e, se ele quisesse fazer mais no futuro, seria muito mais fácil trazer os mortos de volta à vida.
— Sabe, irmão.
Disse Orba, enterrando a cabeça entre os joelhos envoltos por seus braços.
— Eu queria fazer algo muito maior. Muito mais importante.
— Orba, você não tem nem dez anos direito. Esse tipo de coisa não é algo que combine com uma criança dessa idade, não acha?
— Estou falando sério! Olhe para os adultos em volta. Daqui a alguns anos, até eu vou ficar igual a eles. Dia após dia, você trabalha e trabalha, mas a vida não melhora em nada. Aí, mais cedo ou mais tarde, vou me casar e ter meus filhos e se a criança for um “menino rebelde” como eu, um dia ele vai me dizer que quer ir para a cidade, ser um soldado Mephian, ou pilotar uma Nave Garberan, e direi algo como, “ah, na sua idade, eu também sonhava com coisas assim”, e então provavelmente rirei junto com os outros adultos enquanto bebo meu chá.
— Hahaha, mas todo mundo é assim! — Roan riu, banhando pelo cálido luar.
A essa hora da noite, podia-se ouvir as vozes cantando, vindo da casa do outro lado da estrada. As vozes alegres de homens embriagados, depois de um dia duro de trabalho. Embora Orba não estivesse prestando a menor atenção nelas.
— Ninguém sabe que tipo de criança o seu filho vai ser no futuro. Existem pessoas que não conseguem viver sem trabalhar duro todos os dias, pessoas que navegam contra as ondas em um barco, velhos filósofos que se enterraram em livros milenares, sacerdotes de Badyne pregando sua verdade as fiéis, generais renomados voando pelos céus em aeronaves de pedra de dragão e até mesmo reis, subjugando nações sob os seus pés. O que eles fazem é tão diferente quanto o dia e a noite, seja encharcando suas espadas com sangue, se afogando em livros ou até mesmo invocando o nome de Deus. Nenhum deles vai ser capaz de te dar uma resposta.
— É claro que não. Eles não têm o menor interesse nas nossas condições de vida. Até mesmo o rei, que está rodeado de luxos, os quais eu nunca terei em toda a minha vida, enche a barriga de comida deliciosa todas as noites sem nem se preocupar. Às vezes, ele leva um grande exército em uma campanha ou fica chocado com a traição de seus companheiros, mas todos os dias ele sente que está vivo. Já eu, nem consigo imaginar em ter uma vida assim. Eu nunca serei capaz. Da mesma forma, nem os reis ou nobres conseguiriam imaginar vivendo as nossas. Essas pessoas… Sim, tome esta noite, por exemplo, eles nem mesmo considerariam olhar para a mesma lua que nós, irmão.
— Eu me pergunto sobre isso… Pode ser que, exatamente porque o rei passa todos os dias assim, às vezes, ele sinta vontade de morar longe da cidade. Talvez, para fugir da convivência constrangedora da corte imperial, ele sonhe em ir até um bar fedorento e se afogar em vinho barato, ouvindo histórias ridículas, enojado de que, todos os dias, não consegue relaxar a guarda, nem mesmo para os seus parentes de sangue mais próximos. E ele provavelmente vai pensar “Ahh, como seria bom simplesmente passar a vida suando a camisa em um trabalho ordinário”, sem mais se preocupar em ser alvejado?
— Isso é besteira. Quero dizer, por que ele iria querer uma vida que nem a nossa? Só porque ele não conhece as dificuldades e inseguranças de uma vida assim. Isso não seria um sonho, mas sim, um mero capricho dele.
— Exatamente. Não foi isso que eu te disse? Não existe um ser humano em qualquer lugar do mundo que entenda tudo, saiba o que realmente quer ou saiba quem ele realmente é. Acho que todos anseiam pelo que não sabem, pelo que não experimentaram e também estão procurando onde quer que esteja seu verdadeiro destino. Nesse sentido, eles não são diferentes da gente, são?
— Eu não sei não. Irmão, vocês está querendo me dizer que até o rei, ou mesmo o grande sacerdote, é alguém que não está completamente satisfeito com a vida?
Entretanto, quando o irmão estava prestes a responder…
— Que monte de baboseira difícil é essa que vocês estão dizendo aí?
De repente, Alice apareceu, balançando levemente seu cabelo castanho escuro. Foi então que eles notaram que as vozes cantando da casa vizinha tinham parado completamente. Aparentemente, a garota tinha vindo mandá-los ir dormir.
Ao mesmo tempo, parecia que ela tinha escutado uma parte da conversa, dando um enorme sorriso antes de responder.
— No final, é só perda de tempo. Neste mundo, não importa de onde você seja, em primeiro lugar, Orba, você tem que começar cuidando de sua mãe e trabalhar com afinco, para que possa comer amanhã.
— Você ouviu isso, irmão? Toda vez que uma mulher acha a conversa dos outros muito chata, ela diz que estão falando difícil, que é perda de tempo, e já vão logo achando coisas mais importantes para a gente fazer.
— Ahaha, isso é verdade. — Riu Roan alegremente.
Alice era dois anos mais nova que Roan, mas três anos mais velha que Orba. Quando eles eram mais novos, brincavam de casinha, onde a Alice era a mais velha dos três.
Logo depois, eles começaram a falar sobre as memórias daqueles dias. De quando, por sugestão de Alice, foram pescar no rio e a mesma quase se afogou ao escorregar nas pedras. Ou na vez em que foram dar uma olhada nos cavalos de uma caravana que havia chegado na aldeia e Orba inventou de tentar subir em um deles, fazendo os outros entrarem em um frenesi. Ou quando, porque um menino da outra vila falou que “viu um dragão selvagem”, os três foram para o lugar do rumor e acabaram se perderam completamente no intrincado caminho do cânion. Apesar de terem conseguido voltar para casa no mesmo dia, os três tiveram que ouvir um longo sermão…
— Mas daquela vez, a culpa não foi do Doug que mentiu para a gente? Falando nisso, desde então o relacionamento de vocês dois tem sido bem ruim, né Orba? Até mesmo a sua briga de hoje foi com ele…
— Cala a boca.
Seu irmão tinha acertado bem na mosca, mas Orba apenas virou o rosto. A verdade era que a briga de hoje foi por causa da Alice, mas ele jamais admitiria isso…
No entanto, esse momento de felicidade, relembrando dos tempos em que eles brincavam juntos, foi a última vez em que Orba conseguiu conversar em paz com Roan.
Naquela tempo, a Dinastia Imperial de Mephius e o Reino de Garbera já estavam em guerra. Rumores se espalharam de que a cavalaria Garberan tinha cruzado recentemente a fronteira e, apesar de os dois países terem uma longa história de conflitos no que diz respeito à própria definição dessa fronteira. A Fortaleza de Apta ao sul, que ficava perto da aldeia de Orba, também tinha sofrido inúmeros ataques das tropas montadas de Garbera em várias ocasiões.
Eventualmente, Garbera desistiu temporariamente de captura Apta e fingiu lançar um ataque por outra região.
Com isso, foi criada uma armadilha.
Visando-os quando a maioria das tropas estacionadas em Apta tinham sido realocada de volta para a capital imperial, os soldados Garberans começaram um cerco.
Naturalmente, a fortaleza foi obrigada à uma batalha defensiva desesperada. Para resistir até que reforços viessem da capital, o exército Mephian recrutou à força, homens nas aldeias vizinhas e o irmão mais velho de Orba, Roan, acabou sendo um deles.
Claro, sua mãe gritou, chorando. Se havia apenas uma esperança pela qual sua ela trabalhava duro em sua vida quase sem cor, provavelmente era o seu irmão. Embora tenha se agarrado aos soldados que tentavam tirar Roan deles, o irmão gentilmente colocou a mão no ombro dela e disse:
— Está tudo bem, mãe. A ajuda virá da capital imperial a qualquer momento. Por isso, a senhora tem que ser paciente até lá.
Além disso, o pagamento era muito melhor do que o de um assistente de comerciante, acrescentou ele com uma risada.
Orba, ao lado de Alice, estava se despedindo dele, observando as costas de vários dos jovens da vila cruzando as camadas de rocha.
Se eu fosse um pouco maior — Orba pensou.
Eu poderia ir para a fortaleza no lugar do meu irmão. Aí, mamãe também não teria que ficar tão triste e eu poderia até a vri a me destacar entre os soldados.
Depois que Roan partiu, sua mãe, que sempre foi tão devotada ao trabalho, passou quase todos os dias em oração, como se algo dentro dela tivesse se rompido completamente.
Embora, às vezes, ela se lembrasse de ficar na cozinha e preparar uma refeição, quando se tratava do menu, ela agia como se seu irmão estivesse prestes a retornar da cidade, preparando apenas a comida favorita dele. Mas quando a noite vinha e ele não retornava, ela jogava tudo fora, num acesso de raiva.
Enquanto isso, Orba arava os campos que tinham sido abandonados e também cuidava dos poucos animais por conta própria. Durante a noite, ele subia por uma estrada estreita, esculpida nos penhascos, e sempre olhava na direção da capital imperial, procurando as fileiras de armaduras reluzentes, as vastas nuvens de poeira deixadas pelos dragões militares em suas marchas e as figuras majestosas das aeronaves de guerra… Mas ele nunca teve a visão que esperava.
E, quando cerca de três semanas se passaram desde que seu irmão partiu, os residentes de uma aldeia além do vale, que era mais perto da fortaleza do que a vila deles, começaram a chegar, sem fôlego.
— A FORTALEZA CAIU! — Eles gritavam.
A Fortaleza de Apta havia caído perante as forças Garberans que se aproximavam. Eles disseram que os comandantes e os oficiais do exército fugiram, deixando os soldados para trás. Não houve reforços da capital imperial em Apta, pois eles tinham sido mandados para a cidade naturalmente fortificada de Birac, próxima à ravina mais ao norte. Portanto, parecia que a capital imperial já tinha decidido que aquele seria o coração da linha de defesa da fronteira sul. Apta tinha sido usada apenas para ganhar tempo.
E, em relação às terras no meio do caminho, as forças Garberans que estavam acampadas na fortaleza, começaram a devastar tudo na vizinhança. Houve atos de pilhagem, assalto, estupros – uma invasão completa, por assim dizer.
As pessoas da aldeia recolheram seus poucos pertences e, embora quase não houvesse comida, já que a época da colheita ainda não havia chegado, deixaram a aldeia às pressas. Os que tinham conhecidos nas proximidades correram para lá, enquanto os que não , refugiaram-se temporariamente no vale até que os soldados de Garbera fossem embora.
Obviamente, Orba os seguiu, mas no meio da fuga, percebeu que a mãe não estava por perto. Perplexo, ele voltou para a aldeia.
Além das rochas que se elevavam sobre a área das colinas, ele podia ver o panorama completo de sua aldeia, afundando atrás da névoa noturna.
Ela tinha que estar lá. Ela tinha que esperar por seu irmão. Irmão este que provavelmente nunca mais iria voltar.
— Orba? Orba! Onde é que você está indo!? Orba! — Quando a voz de Alice gritou atrás dele, ele empurrou a multidão de lado e voltou com pressa.
Quando finalmente conseguiu chegar ao seu destino, não restava uma única alma viva em sua vila. Ela ficou em completo silencio, como se estivesse morta. Aquele cenário desolado, passou-lhe uma sensação sinistra, como se tivesse chegado a uma dimensão completamente diferente.
Do outro lado do vale, ele podia ver um grupo de homens e cavalos se aproximando, e por isso, Orba correu para sua casa com tudo o que tinha. Quando abriu a porta dos fundos, sua mãe estava lá, preparando o jantar como de costume.
“Roan?” disse ela, virando-se. Mas quando seus olhos se fixaram na figura suada de Orba, seus ombros se encolheram, como se estivesse decepcionada.
— Você ainda estava brincando lá fora, Orba? Vamos, me ajude, que o seu irmão vai chegar em breve.
Lá fora, ouvia-se a rizada tenebrosa dos soldados perseguindo os animais que ficaram para trás. Com medo da fumaça que ia subindo, ele apressadamente tentou impedir a mãe. Contudo…
— Mas que porra é essa!? Não tem nada aqui!
— Que aldeia miserável. Os caras em Gascon tiveram mais sorte. Eu ouvi dizer que eles conseguiram trepar com todas as mulheres.
— Será que não tem nem uma bebida para a gente refrescar a garganta? Dá uma olhada por aí.
Assim que ele pensou ter ouvido aquelas vozes se aproximando, a porta foi violentamente derrubada.
Três soldados entraram num estrondo, cada um deles equipados com uma cota de malha simples, lança e espada. Suas faces estavam enegrecidos pela poeira, deixando apenas os olhos refletindo a luz.
— Ei, gente! Achei uma mulher!
— Ah, mas ela já não é velha? Alguém achou alguma coisa para a gente beber?
Depois de olhar para sua mãe, que segurava protetoramente Orba nas mãos, eles começaram a vandalizar a casa, fazendo o que bem entendiam. Orba estava completamente agachado, prendendo a respiração como um animalzinho tentando não atrair a atenção dos predadores.
Quando os soldados Garberans quebraram a porta, os olhos dele avistaram a espada de madeira, rolando pelo chão. Mas no final, não era nada mais do que um brinquedo de criança. Ele odiava, mais do que ninguém, ouvir esse tipo de coisa e estaria disposto a dar um olhar fulminante em qualquer um que o dissesse, mas agora, precisou lidar com a dura realidade.
Então, enquanto os soldados vasculhavam as prateleiras, eles pegaram os rudimentares talheres de cerâmica de dentro da gaveta e os jogaram, fazendo um som alto, espalhando os pedacinhos quebrados pelo chão. Isso pegou Orba de surpresa, já que eram as coisas que seu irmão Roan usava, e sua mãe, que tinha sido submissa até agora, levantou-se com tanta violência que o jogou para o lado. A partir daí, ela começou a se agarrar às costas de um dos soldados.
— Ei, o que é que você quer, hein?
— Heheh, parece que ela quer se divertir comigo.
Um soldado de rosto vermelho rasgou o vestido de sua mãe, virou-a e tentou violá-la ali mesmo. Ele tapou a boca dela com a mão, quando ela tentou dar um grito e então tirou uma faca pontiaguda de dentro de sua cota de malha coma outra, colocando-a bem na frente dos olhos dela.
— Pare com isso. Tem muita mulher mais bonita e mais jovem, por aí, te implorando para serem levadas para cama, não tem?
— Sim, o gosto de mulheres jovens é excelente, mas as velhas até que não são ruins.
Enquanto ele falava, seu rosto vermelho mostrou um sorriso vulgar. Foi então que o fio de cabelo que impedia que o sangue ruim de Orba explodisse, finalmente se rompeu.
Soltando um grito estridente, ele avançou para cima do soldado em um golpe de desespero. No entanto, ele foi facilmente jogado para trás por um único braço.
Batendo com a nuca nas prateleiras, embora atordoado por um momento, Orba rangeu os dentes e se virou para frente outra vez. E, do topo da prateleira, havia algo que caiu com um estrondo. Algo longo e estreito, embrulhado em um pacote e, com a parte da frente rasgada, emitia um brilho prateado diante dos seus olhos.
Isto é…
Escondendo-o por reflexo, Orba rapidamente rasgou o pacote.
Como esperava, era uma espada curta, de cerca de sessenta centímetros de comprimento. O punho redondo tinha características Mephian. Combinando com sua lâmina delgada, o cabo também era um pouco fino, cabendo perfeitamente na mão de uma criança.
Quando ele a segurou, várias letras estavam gravadas na lâmina.
O, R, B, A…
Foi apenas por um instante – com os gritos de sua mãe, o som do soldado de rosto vermelho removendo desordenadamente sua cota de malha e o barulho dos soldados destruindo a casa. Apesar da onda tenebrosa do sangue ruim fervendo em suas veias, ele afastou esses sentimentos na sua cabeça e, naquele instante, teve uma revelação.
A lâmina foi gravada apenas com “Orba”. Claro, ele não sabia que tal coisa estava em sua casa e também não achava que sua mãe ou seus outros conhecidos teriam preparado algo assim especialmente para ele. Por tudo o que sabia, isso não poderia ser outra coisa além de um presente de seu irmão, Roan?
Mas Roan tinha dado todo o dinheiro em troca dos serviços militares para a mãe. Além disso, uma lâmina como essa não era vendida em uma cidade tão pequena como Apta. Provavelmente, depois de ir para a fortaleza, ele recebeu o armamento de soldado e pediu ao ferreiro que trabalhava no forte para gravar o seu nome.
E então, deixou com a caravana que circulava da fortaleza para os vilarejos. Mas aí, quando chegou em sua casa, a mãe deve ter recebi. No entanto, depois de pensar nisso, ela escondeu a espada para longe do alcance da vista de seu filho. Ela provavelmente achou que seria muito perigoso entregá-la para Orba, ou talvez tivesse ficado com medo de que se tivesse uma espada em mãos, ele fosse embora como Roan.
De qualquer forma…
— Ei, o que é que você está escondendo? — Gritou um dos soldados quando viu Obra agachado.
— Parece que você está segurando algo valioso. Ei, por que não me mostra?
— Isso é meu!
— Não cabe a você, decidir! Vamos, me dê logo isso!
O soldado colocou a mão em seu ombro tentando tirá-lo do caminho com força.
Isso foi mais do que suficiente.
Vamos, venha! — Ele gritou internamente para si.
— Ei, eu disse para me mos- ARRRRRRRRGHHHHHH!!!
Virando-se, Orba balançou sua espada para baixo. Com sangue jorrando do ombro do homem, ele escorregou sob o braço do soldado e correu na direção do outro que estava violentando a sua mãe.
O homem de rosto vermelho desviou os olhos da mãe, saltou para trás e, pegando rapidamente um machado de mão, recebeu o golpe. Orba manteve-se firme e tentou fazer sua lâmina atingir o alvo, mas ainda assim, como a espada era curta e a força de uma criança jamais poderia empurrar um adulto armado. No entanto, em vez de ser facilmente superado, Orba escorregou para o lado.
— PIRRALHO DESGRAÇADO!
Ele desferiu outro golpe com intenção assassina. Orba rolou para o lado e depois de dar um giro, a ponta do machado fincou bem na frente de seus olhos. Naquele mesmo instante, seu sangue gelou.
— NÃO!
Sua mãe agarrou-se aos pés do homem. Enfurecido, ele chutou as mãos dela, virou-se e ergueu o machado ainda mais alto. Quando Orba viu aquilo, a tensão do seu sangue ruim – a ansiedade, irritação, raiva e outras várias emoções que estavam fervendo no corpo do menino por tanto tempo – estava prestes a ser liberada de um único ponto, como se tivesse só agora tomado sua forma final.
Ele levantou-se. Segurando a espada com as duas mãos, forçou-a sob o braço lançou-se com todo o peso do corpo, nas costas indefesas do soldado.
Sem a cota de malha para protegê-lo, a espada entrou sem muita dificuldade. Até que então, ele sentiu algo firme o barrando, mas, foi só forçar um pouquinho com seus braços, que não demorou para a ponta da lâmina emergir no peito do soldado.
O homem cambaleou, arrastando também Orba que, imediatamente soltou a espada. Batendo as cotas contra a parede, ele se virou para ver o rosto triunfante do menino. Depois, abriu e fechou a boca, provavelmente tentando dizer algum tipo de rancor, antes de vomitar uma grande quantidade de sangue. Com a língua vermelha colocada para fora, ele nunca mais se moveu.
— FILHO DA PUTA!
O segundo soldado, o qual teve o ombro cortado, gritou furioso, fazendo uma careta de dor.
— VOCÊ MATOU O DOUGA, PIRRALHO IMUNDO!
O outro soldado então correu para cima de Orba que, agora sem a espada, tudo o que ele podia fazer era receber o golpe do homem, caindo no chão e tendo o seu estômago chutado.
— Mãe e filho, vou pendurar a cabeça dos dois em cima do muro!
Orba ainda tentou rastejar para longe, mas o soldado ficou a ponta de uma espada bem ao lado do seu pescoço. Sua mãe também foi levantada, tendo a mão torcida e colocada na mesma posição ao lado dele. Não importa o quanto tentasse lutar, ele não conseguia se livrar do peso do homem pisando em suas costas.
— ME DEIXA EM PAZ!
— AH, É PRA JÁ! VOU FAZER VOCÊ DESCANÇAR EM PAZ DE UMA VEZ POR TODAS!
Orba deu um grito bestial de desespero em meio aquela situação de vida ou morte. No momento em que ouviu o som da lâmina rasgando contra o vento, vindo de trás, ele gritou o nome do irmão.
— ROAAAAAAAAAAAAAAAAANNNNNN!!!
— O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI!?
De repente, o som cortante do vento parou.
Embora a sua cabeça ainda estivesse confusa com tudo aquilo, ele sabia que não poderia ser o irmão.
Aquele que acabara de entrar na casa era um soldado Garberan, afinal. No entanto, ao contrário dos soldados que invadiram, o homem usava uma armadura completa, com marcas de batalha por toda ela, no entanto, o seu brilho prateado ainda lhe dava um ar digno, junto com a face jovem sob o elmo.
Por um instante, ele viu os dois soldados recuando de medo por causa do novo intruso, mas, logo em seguida…
— Senhor Cavaleiro Aprendiz, é exatamente como está vendo.
— Nós estamos aqui para tomar a nossa merecida recompensa, depois de dar duto na batalha. Só porque você foi reconhecido e é agora um “aprendiz” de cavaleiro, não vai tentar tirar da gente o que é nosso, vai?
Os dois responderam de volta, fingindo agirem de forma cortês, mas havia uma clara atmosfera de desdém vindo deles.
— Além disso veja, nosso camarada foi morto. Não há a menor possibilidade de deixar passar batido a morte de um de nossos valorosos guerreiros, há?
O soldado que pisou em Orba e preparou a espada cortar fora sua cabeça. O que os seus olhos viram quando olhou para o teto, foi a ponta da espada que tiraria sua vida. Mas, de repente, um rastro de luz passou por entre eles.
— O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO!
— Que pena. Vingança, não é? Você acha que há algum orgulho em matar uma criança?
O jovem com armadura havia desembainhado sua espada. Parecia que o homem tinha abatido aquele soldado, pois Orba percebeu que a espada que deveria ter perfurado seu coração caiu sem vida para o lado. O outro rugiu algo com uma voz rouca, o que parecia ser o nome do homem de armadura, mas ele não entendeu o que foi dito na hora.
— U-UM DOS NOSSOS…! COMO VOCÊ TEVE A CORAGEM DE MATAR UM DOS NOSSOS CAMARADAS!
— Camaradas…? Por favor, não me coloque no mesmo nível de lixo como vocês.
O soldado deu passo para trás enquanto o homem limpava o sangue de sua espada.
— Lixo, você disse? Mesmo você sendo igualzinho a gente… Não vá se achando só porque teve a sorte de conseguir um feito distinto! Sempre repetindo, cavaleiro, cavaleiro, cavaleiro, como se fosse sua palavra favorita, mas quem foi que te deu esse título!? Você não tem um pingo de sangue da família real! Nunca vai passar de um simples “Aprendiz” de cavaleiro! Saiba o seu lugar!
Então, soldado que parecia estar recuando, rapidamente puxou algo de trás de suas costas e o trouxe para frente dele. Era uma besta, fixada em um pedestal longo e fino, e ele soltou o gatilho.
Naquele instante, o jovem virou-se agilmente para o lado. Dando um único giro, como se estivesse dançando, ele evitou por pouco a flecha e decapitou a cabeça do soldado. Não houve a menor hesitação. A cabeça decapitada girou no ar, atingiu a parede da casa e rolou no chão.
— Garbera é um país de cavaleiros. Em vez de contaminar ainda mais seu nome, receba a honra de morrer em batalha.
Sua bela aparência, seu jeito de lutar e aquelas palavras que ele murmurava – era como se um herói tivesse emergido dos livros que Orba lia o tempo todo.
— Comandante, o que é esta comoção toda!?
A voz de alguém veio do lado de fora, mas o jovem simplesmente respondeu com “Não é nada”, enquanto limpava a espada.
— Você é uma criança de Mephius?
Orba não soube na hora, qual era a melhor resposta para dar, pois o nome do país onde vivia, Mephius, não foi algo fortemente atado ao seu cotidiano. Para as pessoas vivendo em sua aldeia, o mundo deles só tinha um raio de dez quilômetros ao redor das casas, por isso elas não estavam muito interessadas nas questões do país ou nas disputas territoriais.
O homem deu a Orba um pequeno sorriso quando ele não respondeu e olhou para o corpo do soldado mergulhado em uma poça de sangue. Orba congelou completamente enquanto segurava com força os ombros da mãe. Ele começou a procurar se havia alguma arma ao alcance, quando…
— Fuja daqui o mais rápido que puder. — Disse o jovem.
— Você fez isso para proteger sua mãe, certo? Em seu corpo, habita a alma de um verdadeiro cavaleiro. Ao menos, bem mais do que o povo de Garbera, que parece ter esquecido completamente do caminho do “cavaleirismo”. Vamos, fuja. Eu vou tentar impedir os saques o máximo possível, mas não tenho como segurar a todos por muito tempo.
Por algum motivo, os olhos deles o lembravam de Roan. Apoiando o ombro da mãe, que soluçava, Orba lentamente olhou para a porta dos fundos, então, puxou a mão da mãe e fugiu a toda velocidade.
O vento gélido do inverno que se aproximava, sobrou nas ruas desérticas de sua vila e tocou suas bochechas. Puxando a mãe, que ficava o tempo todo repetindo “Roan, Roan” e, às vezes, até gritando com ela, eles finalmente chegaram até Alice e o pessoal da aldeia estavam, após uma hora.
Depois disso, eles seguiram o pai de Alice e se dirigiram para uma aldeia que ficava quinze quilômetros ao norte, rio acima.
Orba não sabia se o jovem de armadura tinha cumprido ou não com sua promessa, mas pelo menos a partir dali, mais nenhum saque ocorreu no entorno de Apta, que mais tarde se tornou território de Garbera.
No entanto, as chamas da guerra ainda assim os alcançaram.
Não houve qualquer sinal. De repente, “eles” atacaram com força total e imediatamente começaram a saquear. Homens vestidos de preto tomaram à força, roupas, provisões, bens, dinheiro, todas as coisas que poderiam ser arrancadas. E claro, pessoas também não eram exceção.
Assim que chegaram à aldeia, pegaram as mulheres e qualquer homem que tentasse resistir seriam empalados por lanceiros a cavalo, ou decapitados com espadas ou mesmo levados ao fuzilamento.
Em meio a toda a confusão, Orba perdeu de vista sua mãe. Assim que correu com angústia e medo atrás dela, ele avistou…
— ALICE!
Alice estava tendo as mãos amarradas atrás das costas. Mesmo sendo prestes a ser levada, ela ainda gritou para ele fugir.
Perdendo completamente o controle, Orba saltou para frente. A sensação de matar uma pessoa ainda permanecia em suas mãos e agora ele decidiu fazer a mesma coisa de novo. Ele estendeu a mão para a espada que o soldado carregava…
Mas, no momento em que segurou a alça, um golpe forte o atingiu na nuca. O mundo ao redor começou a girar diante dos seus olhos e, quando a sua consciência estava prestes a desvanecer, ele teve a sensação de ter ouvido a voz de Alice o chamando.
Quando acordou, Orba estava deitado de costas, com os braços abertos, no chão. Sua cabeça latejava dolorosamente e sua consciência ainda estava um pouco turva, o fazendo questionar se tudo aquilo era um sonho ou não.
— General Oubary, o que o senhor pretende fazer?
Ele não sabia quanto tempo tinha se passado quando ouviu aquela voz. Entre os gritos de homens, mulheres e disparos ao redor, Orba secretamente espiou com os olhos entreabertos para o homem que tinha sido chamado de Oubary.

Em cima de um cavalo, uma pessoa tomava sem pressa uma garrava de licor, provavelmente saqueada de algum lugar. Ele era homem careca, vestindo uma armadura leve e elegante, com uma atmosfera majestosa ao seu redor. Apesar de sua figura selvagem e coerciva, ainda podia-se notar uma fina camada de batom violeta sobre os lábios do homem, dando a ele uma aparência ainda mais estranha e assustadora em meio aquele cenário infernal.
— Se já pegaram tudo o que tinha de valor, queimem o resto. Não deixem um único grão de trigo para aqueles bastardos de Garbera.
Dizendo isso, o general jogou a garrafa de suas mãos que caiu, se espatifando no rosto de Orba.
— A partir de agora, essa vila foi saqueada por soldados Garberans. Deixem que nossos homens se divirtam com as mulheres, mas não se esqueça de ordenar quem matem todas quando estiverem satisfeitos. Nem mesmo pense em vender uma única como escrava, fui claro? Vou deixar isso sob a sua supervisão.
Em pouco tempo, os disparos e os gritos cessaram. O ar quente queimou a sua pele e um fedor pútrido encheu os seus pulmões. Quando Orba finalmente conseguiu se levantar, tudo o que ele viu foi um mar de chamas.
Não restava uma única alma viva, mas, mesmo assim, Orba continuou a se arrastar pela vila, chamando o nome de Alice e de sua mãe, enquanto apagava com as mãos nuas, as fagulhas das chamas que o vento trazia. No entanto, não importava o quanto gritasse tudo que vinha do cenário eram corpos de velhos, mulheres e crianças.
Oubary…
Com o lugar todo ardendo em brasa, o corpo de Orba ficou vermelho e sujo com a fuligem que caia de cima.
Oubary… da Fortaleza de Apta…
Ele se lembrou de já ter ouvido aquele nome. Quando a fortaleza estava recrutando soldados com urgência, os militares que apareceram na aldeia tinham dito que a segurança da fortaleza tinha sido confiada a um general veterano de guerra.
Então, isso significava que quem atacou a vila foi o exército Mephian. Depois que a fortaleza caiu, as tropas, incluindo Oubary, fugiram para o norte, à frente das tropas perseguidoras de Garbera, e incendiaram a vila para onde Orba e os outros tinham escapado. Assim, eles tomaram de volta para a capital, tudo que era de valor, impedindo que caísse nas mãos de Garbera.
Eu vou matá-los. — Jurou Orba.
Reunindo forças de onde já não mais existiam, ele continuou caminhando, sendo alimentado apenas pelo desejo de vingança.
Embora ele não tinha uma resposta clara se quem ele queria matar fosse Oubary, os soldados Garberans ou o Imperador Mephius, ou mesmo como atingiria esses objetivos, por enquanto, Orba continuou apenas caminhando.
Tradução feita por fãs.
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