Grieving Soul – Capítulo 4 – Volume 7

 

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Let This Grieving Soul Retire

Light Novel Online – Volume 07 – Capítulo 04:
[O Verdadeiro ChefĂŁo]


— Hmmm. NĂŁo era bem o que eu estava esperando — disse Luke, mexendo distraidamente na Chave da Terra. — A princesa pode atĂ© estar de boa com isso, mas de que adianta um criminoso se eu nĂŁo posso cortĂĄ-lo?

— Pois Ă©. Tipo, tĂŽ empolgada, mas acho que nĂŁo vai ser nada desafiador pra gente.

—O-O que vocĂȘs planejam me mandar fazer?

Luke estava entediado, Liz com dor de estĂŽmago, e a Princesa Murina era a mesma de sempre. Cada um reagindo de um jeito Ășnico, mas ninguĂ©m parecia exatamente animado.

— Ah. É, nĂ© — comentei.

Olhando o jornal, parecia que os crimes em Kreat estavam diminuindo. Eu acreditava que tudo estava bem quando terminava bem, mas ainda assim me perguntava por que estavam ocorrendo menos incidentes, mesmo sem meus amigos terem feito nada. Meu plano era que isso servisse tanto como alívio de estresse quanto como ataque preventivo pra assustar qualquer fora da lei. Estaria alguma força estranha envolvida?

Meus pensamentos foram interrompidos por Sitri, que entrou com uma bandeja carregando um conjunto de chĂĄ.

— Krai, trouxe um bolinho delicioso!

Diferente dos outros trĂȘs, Sitri estava anormalmente animada. Era normal ela sorrir, mas o brilho nos olhos dela estava diferente. Como amiga de infĂąncia, eu percebia fĂĄcil que ela estava sentindo algo forte demais pra esconder.

— Aconteceu algo bom? — perguntei.

— Ah, imagina só—toma, deixa eu te servir um chá.

Minha querida amiga se apressou em me servir uma xĂ­cara. Tinha alguma coisa rolando, com certeza. Ela sempre foi gentil, mas nĂŁo era comum ela me trazer bolo. Na real, ela sĂł recorria a isso quando havia algo de errado. Era tipo um sinal.

Ela rapidamente arrumou o conjunto de chå, esqueceu de abrir a caixa do bolo e deu a volta, parando atrås de mim. Suas mãos frias roçaram a base do meu pescoço e eu percebi que ela não estava usando seu robe habitual.

— Deixa eu massagear seus ombros — disse ela.

Mas em vez disso, ela passou os braços ao meu redor e se encostou em mim. Com o corpo pressionado nas minhas costas, eu sentia as batidas do coração dela.

— Krai, quer que eu te empreste um dinheirinho? — ela sussurrou no meu ouvido.

Eu congelei.

— Na verdade — continuou ela, indo direto ao ponto — eu quero isso. VocĂȘ vai me dar, nĂŁo vai? Eu confio em vocĂȘ.

Eu estava disposto a dar qualquer coisa pra ela, mas fiquei com medo. Medo porque eu nĂŁo fazia ideia do que ela estava falando. Sitri acariciava meu corpo com leveza e encostou os lĂĄbios na parte de trĂĄs da minha orelha. Um arrepio de prazer e terror percorreu meu corpo.

— Quando vocĂȘ conseguiu isso? Como conseguiu? Foi pra mim, nĂ©?

— Do que vocĂȘ tĂĄ falando?

— Aquilo. Eu vou cuidar direitinho, prometo. Então, por favor. Anda, Krai — disse ela, soltando um pigarro.

Lå no fundo, Sitri era uma pessoa tímida, então eu fiquei sem palavras com o quanto ela estava se esforçando. E fiquei apavorado porque eu realmente não sabia do que ela estava falando. O que eu tinha conseguido recentemente? O que eu poderia ter que nem mesmo a Sitri, com toda sua grana, podia conseguir?

— Larga ele, Yuttri! Tempo! — gritou uma voz aguda.

Liz então arremessou um vaso de flores, acertando a cabeça da irmã em cheio. Enquanto ela recuava, Ansem, que tinha se aproximado por trås, a ergueu pela nuca.

AliĂĄs, quem Ă© Yuttri? Alguma coisa a ver com a ĂĄrvore si e a ĂĄrvore ku?

— Nãããão, me solta! — ela se debatia, gritando. — Eu vou me casar com o Krai!

Ela regrediu pra uma criança. TĂĄ bom, eu te dou. O que vocĂȘ quiser, sĂł fica calma, por favor.

— Se a Lucy estivesse aqui, a gente podia transformar ela em pedra — suspirou Liz.

Ansem resmungou em concordĂąncia.

— Anssy, joga ela fora. Como se fosse um lixo. Ela vai surtar se não esfriar a cabeça.

Resmungando, Ansem abriu a janela e jogou a irmĂŁ mais nova pra fora. Os gritos dela foram se afastando conforme ela caĂ­a.

Eles sabem que a gente tå no quarto andar, né? Bom, acho que não é nada pra um caçador. Mas o que deu na Sitri?

— Não dá, Krai! Eu continuo tentando, mas não consigo carregar isso! — gritou Luke, frustrado.

O sol jå tinha se posto fazia tempo. Sitri tinha recuperado um pouco da sanidade (apesar de ainda me lançar olhares carentes). Finalmente eu tinha conseguido um momento de paz, mas não conseguia parar de pensar em como meus amigos eram bagunceiros.

Luke segurava diante de mim a Chave da Terra, a RelĂ­quia que eu tinha emprestado pra ele. Luke era um Espadachim puro, mas isso nĂŁo significava que ele nĂŁo tinha mana. Ele jĂĄ tinha testado praticamente toda RelĂ­quia em forma de espada da minha coleção. Diferente de mim, ele nĂŁo contava com a LĂșcia pra carregar as RelĂ­quias, entĂŁo tinha mana o suficiente pra encher a maioria das espadas. E se nĂŁo tivesse, treinava atĂ© conseguir. Esse era o Luke Sykol.

NĂŁo era comum esse fanĂĄtico por espadas desistir tĂŁo fĂĄcil. A RelĂ­quia devia exigir uma quantidade absurda se nem assim tinha dado sinal de estar cheia. Peguei a espada das mĂŁos dele e a puxei parcialmente da bainha.

— Chave da Terra. Chave da Terra
? — murmurei.

A lùmina enigmåtica era reta como uma régua e cheia de padrÔes. Que tipo de poder ela teria pra exigir tanta mana a ponto do Luke desistir? O jornal não dizia nada sobre suas habilidades, mas os nomes podiam dizer muita coisa.

Com um grunhido, Luke fechou o punho e proclamou em voz alta:

— Se eu nĂŁo consigo usar essa espada direito, entĂŁo eu preciso de mais treino! Mas eu nĂŁo tenho ninguĂ©m pra cortar!

LĂĄ vai ele, falando besteira de novo.

— VocĂȘ nĂŁo consegue usar porque isso nĂŁo Ă© uma espada — falei, tentando parecer descolado. — É uma chave.

Endireitei a postura e encarei Luke nos olhos. Me fiz de sério e mandei uma baita lorota.

— Luke, sabe o que toda chave precisa? A resposta Ă© mais simples do que parece.

Como um espadachim de altíssimo nível, Luke me superava em praticamente tudo
 menos em bom senso. Mas num ponto eu ainda tinha vantagem: conhecimento sobre Relíquias.

Luke pensou por um instante e respondeu, hesitante:

— Então a gente precisa de uma fechadura?

Eu tava torcendo pra ele deixar eu dizer isso
 Tentando esconder meu desapontamento, suspirei e disse:

— Exatamente. Em outras palavras, isso Ă© uma chave. Uma chave para o futuro! Coisas ruins vĂŁo acontecer se as garras do mal botarem as mĂŁos nisso.

— O-O quĂȘ?! Garras do mal?! Quais garras do mal?!

— Isso é  tipo, sabe? Certo, sĂŁo os inimigos do mundo.

—Os inimigos do mundo?! Onde eles estão? Posso cortá-los?!

Por que vocĂȘ tĂĄ tĂŁo empolgado? Eu sĂł tĂŽ inventando coisa. Coisas que achei que vocĂȘ ia curtir.

Lucia levantou os olhos do livro, parecendo completamente de saco cheio.

Eu tinha exagerado nas histĂłrias, e o Luke tava acreditando em tudo. NĂŁo sabia nem como responder Ă  pergunta dele.

—É tipo, sabe — falei depois de uma pausa —, desastres naturais e tal.

—Desastres. Naturais. — repetiu Luke, desconfiado.

—Mas atĂ© isso pode ser cortado pelos melhores Espadachins! — exclamei.

Luke ficou oscilando entre choque e decepção, claramente ocupado com seus próprios sentimentos.

Eu tinha conseguido a RelĂ­quia por causa de um mal-entendido, entĂŁo o certo seria devolvĂȘ-la antes de voltar pra casa. Mas jĂĄ que eu estava com ela, seria um desperdĂ­cio nĂŁo testĂĄ-la pelo menos uma vez antes de devolver. Eu nĂŁo tinha mais nada pra fazer atĂ© o Festival do Guerreiro Supremo começar. Soltei um bocejo e coloquei a Chave da Terra na frente da Lucia.

As Raposas Brancas. As chefonas. Desde que conseguia se lembrar, Sora havia sido ensinada sobre essas figuras infernais. Nas aulas, nas oraçÔes diĂĄrias, atĂ© nas cançÔes de ninar que ouvia quando era criança, ela aprendeu sobre a sabedoria, sorte, carisma e prudĂȘncia das Raposas Brancas. AlĂ©m dessas qualidades nobres, tambĂ©m lhe ensinaram que as Raposas Brancas eram tĂŁo cruĂ©is quanto os prĂłprios deuses.

Nascida da antiga agĂȘncia de inteligĂȘncia de uma nação extinta, a organização cresceu geração apĂłs geração graças Ă s habilidades diversas das chefes. Elas lutaram, conquistaram, firmaram alianças e lentamente fincaram os dentes em todas as naçÔes possĂ­veis.

As måscaras de raposa eram apenas símbolos. As Donzelas, que adoravam os deuses raposas, reverenciavam a primeira måscara conquistada pela chefona. Um símbolo unificador era necessårio para consolidar a fundação da organização, e agora que tinham um, a Raposa Sombria de Nove Caudas estava completamente formada.

A mĂĄscara branca era prova do status de chefia. A herdeira da mĂĄscara era escolhida pela força, nĂŁo por linhagem, garantindo competição constante e acirrada. Assim, quem estivesse no topo era, sem dĂșvida, a mais forte da organização. Com os recursos, influĂȘncia e tecnologia da Raposa, nem mesmo um caçador de alto nĂ­vel podia se opor Ă  chefona.

E essa mesma criatura agora estava ordenando que Sora fizesse tofu frito.

—Rápido. Faça mais.

—S-Sim, chefona


Sora nĂŁo entendia por que estava fazendo aquilo. “ConfusĂŁo” jĂĄ nĂŁo era suficiente pra descrever o estado mental dela. Era uma surpresa atrĂĄs da outra. Se ela jĂĄ tinha ficado surpresa ao descobrir que a chefona falsa e a verdadeira se conheciam, tambĂ©m ficou surpresa ao saber que ambas queriam a mesma coisa dela.

Quem era amigo? Quem era inimigo? O que era certo? O que Sora deveria fazer?

A chefona tinha aparĂȘncia de uma garotinha. Por algum tipo de providĂȘncia, ela emanava uma aura calorosa enquanto observava Sora na frigideira. Sora focou no trabalho, colocando mais uma fatia de tofu no Ăłleo. O coração dela batia tĂŁo forte que parecia que ia explodir. Tinha certeza de que, se parasse de mexer as mĂŁos, seria morta. NĂŁo fazia sentido nenhum, mas era isso que o olhar intenso da chefona dizia.

Pensando bem, a Raposa Falsa era bem mais tranquila. Ele dava ordens, mas nunca forçava ou ameaçava. A raposa verdadeira era bem diferente. Um após o outro, os blocos de tofu frito sumiam na boca da verdadeira chefona. Sora não aguentava mais.

A Raposa Branca lambeu o prato com delicadeza antes de fuzilar Sora com o olhar e dizer:

—Desse jeito não vamos conseguir dominar o mundo. Mais um.

Oh, Raposa Falsa, por favor volte!

As duas raposas davam exatamente a mesma ordem, mas essa Raposa Branca era inegavelmente a verdadeira.

—C-C-Com licença, mas como tofu frito vai permitir que a gente—

—O Sr. Cautela já devia ter te explicado. Vamos fazer bentîs de inarizushi.

—V-VocĂȘs tĂŁo brincando, nĂ©?

—Rápido. Mais tofu. Se não fizer, pode acabar sendo frita.

A voz dela deixava claro que nĂŁo estava brincando.

Era impossível. Sora não aguentaria muito mais. Não sabia nem a quem culpar. Além disso, conquistar o mundo com marmitas era impossível! E essas marmitas nunca iam ficar prontas se essa garota continuasse comendo cada pedaço pronto!

Do nada, a Raposa Branca conjurou um sofå e se jogou nele, balançando as pernas enquanto mexia no smartphone. Não parecia nem um pouco motivada.

—Rápido — disse a Raposa Branca. — Não olhe. Trabalhe.

—Hm. Chefona, a senhora não veio pra Kreat ajudar na operação?

Sora nĂŁo sabia muito sobre a operação atual, mas se alguĂ©m tĂŁo ocupada estava vindo atĂ© ali, devia ser algo excepcional. NĂŁo devia ter tempo pra vender
 quer dizer, fazer tofu frito.

—Isso não importa — respondeu a chefona. — Agora, cozinhe.

—O resultado dessa operação pode mudar os rumos da nossa organização! — protestou Sora.

—Hmm. Esse bloco aĂ­. Oitenta e trĂȘs pontos.

Sora estava perdida. Essa aqui era ainda mais obtusa que a Raposa Falsa. Sora até admitia que a Raposa Branca era uma pessoa impressionante. Mas como ela tinha levado a Raposa a tamanha grandiosidade? Qual era o propósito do tofu frito? Por que uma sacerdotisa tinha que cozinhar? Era algum tipo de punição? Ela ia passar o resto da vida na frigideira porque foi enganada a fazer tofu frito?

O inferno existia e Sora estava nele. Se iam executá-la, era melhor fazer isso logo de uma vez. Enquanto esses pensamentos passavam pela mente dela, a porta se escancarou, e entrou a fonte de todos os seus problemas. Ele não estava usando a máscara, então nem dava pra chamá-lo de raposa
 mas isso já não importava.

—Oh, Raposa Falsa, esperei tanto pelo seu retorno!

—SĂ©rio?! O que foi?

Ela jå não ligava mais. Estava tudo bem com a Raposa Falsa. Não queria mais nada com aquela maníaca do tofu frito. Que tipo de Donzela podia se orgulhar de si mesma cheirando a óleo? Ela correu até a Raposa Falsa, que a olhou, meio abobalhado.

Pela primeira vez, Sora sentiu um fio de respeito pela Raposa Falsa. Num duelo verbal entre a verdadeira Raposa de gelar a alma e a Raposa Falsa de cabeça vazia, a verdadeira foi derrotada com uma Ășnica resposta:

—Sr. Cautela, vocĂȘ deve nĂŁo ter senso nenhum de cautela se ousa me enfrentar — disse a Raposa Verdadeira.

—VocĂȘ nĂŁo tem dĂł de fazer a Sora trabalhar tanto assim?! — rebateu a Raposa Falsa. — Se quer tanto tofu frito, faça vocĂȘ mesma!

FOI VOCÊ quem me fez fritar tofu no começo!

A Raposa Branca se encolheu. Então bateu palmas e empurrou Sora pra fora do caminho pra pegar os ingredientes. Agarrou um pedaço de tofu e começou a fritar.

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Sora não tinha notado antes, mas havia uma cauda fina saindo da parte inferior das costas da Raposa Branca. Ela não se lembrava de ter visto aquilo antes — seria mais uma prova de que essa era a verdadeira Raposa Branca? Ao observar aquela cauda balançando de um lado para o outro, ela sentiu um cansaço absurdo.

A Raposa Falsa entrou na cozinha, enxugou a testa e disse com aquele sorrisinho desajeitado de sempre:

— Pronto, problema resolvido. Muito bem.

— Quem Ă© vocĂȘ, afinal? — perguntou Sora.

— Ela ficava me mandando pensamentos sobre o tofu como se fosse alguma crítica gastronîmica, acredita?

EntĂŁo era por isso que a Raposa Branca ficava pegando o celular toda hora? Ela estava se comunicando com a Raposa Falsa?!

Eles sĂŁo amigos mesmo?! Como isso aconteceu?!

— EntĂŁo, quando Ă© que vocĂȘ vai voltar pra casa? — perguntou a Raposa Falsa.

— Quando eu me entediar — ela respondeu.

Não é quando a operação terminar?!

Sora nĂŁo fazia ideia de como ia explicar isso pro Galf. No instante seguinte, a Pedra de Comunicação no seu bolso começou a vibrar. Era uma linha de emergĂȘncia exclusiva para as Donzelas Sagradas da Raposa, e o uso dela foi uma das coisas que ela aprendeu no templo principal. AlguĂ©m devia estar preocupado com ela.

Ela tinha esquecido completamente que estava carregando aquela pedra. Nada no treinamento preparou ela pra uma bagunça como essa. Mas ela não ia falhar de novo — dessa vez, colocaria suas habilidades em prática. Olhou para a Raposa Branca. A verdadeira e a falsa estavam lado a lado, fritando tofu juntas.

— EntĂŁo quando Ă© que vocĂȘ virou a chefe delas? — perguntou a Raposa Falsa, dando de ombros.

— Isso aqui tá ruim — foi tudo o que a Raposa Branca disse enquanto limpava o prato.

Sora se esgueirou até um canto e ativou a Pedra de Comunicação. Ia relatar a situação para o templo principal. Normalmente, compartilhar esse tipo de informação seria contra o protocolo, mas as Donzelas podiam falar livremente entre si.

— Hm? Mais uma vez? De novo, a falsa chefe, que eu tinha certeza que era a verdadeira por causa da mĂĄscara legĂ­tima, parece ser amiga da verdadeira chefe, que eu achava que podia ser a falsa, e pra piorar, elas planejam vender bentĂŽs de inarizushi pelo paĂ­s inteiro! Isso faz sentido pra vocĂȘ? Pois pra mim nĂŁo! Pergunta pra chefe entĂŁo! CĂ©us!

Sora parecia Ă  beira de um colapso, entĂŁo suas instrutoras tentaram acalmĂĄ-la.

— Sora, mantenha a calma. A Raposa Branca deve estar a caminho da sua posição.

— Eu disse que ela já chegou! Apareceu do nada e começou a mandar eu fritar—

— A vontade da Raposa Branca Ă s vezes pode estar alĂ©m da compreensĂŁo de pessoas comuns, mas nĂŁo consigo imaginar que ela diria algo tĂŁo absurdo. O objetivo das Raposas Brancas Ă© a destruição! Destruir o mundo para que ele renasça! Isso nunca mudou desde a nossa fundação!

Sora concordaria. Ou melhor, teria concordado. Mas agora
 agora não mais. As coisas tinham mudado. Ela se virou e olhou para a Raposa Branca, que encarava intensamente a frigideira.

— Ó Raposa Branca, o que tem mais importĂąncia pra vocĂȘ: tofu frito ou o renascimento do mundo? — perguntou Sora.

A resposta foi breve. A Raposa Branca olhou para a jovem sacerdotisa e disse:

— Hã?

— V-VocĂȘs ouviram isso?! — Sora disse na Pedra de Comunicação. — Como eu suspeitava, o tofu frito Ă© prioridade. Por sua culpa, o humor da Raposa Branca foi por ĂĄgua abaixo!

— Calma, Sora. Respira fundo. A Raposa Branca nunca agiria assim!

— NĂŁo posso fazer isso. Essa Ă© a vontade dos deuses. A Raposa Branca decretou que devemos unificar o mundo atravĂ©s do tofu frito!

A voz de Sora estava falhando. Por que a antiga instrutora nĂŁo conseguia entender?

— Acalme-se, Sora — insistiu ela. — Deixe-me falar com a Raposa Branca. Eu a conheço.

— Eu não posso


Sora não tinha coragem de pedir pra aquela figura aterradora falar na Pedra de Comunicação. A Raposa Branca olhava pra ela como se estivesse encarando lixo. Sora acreditava de verdade que, se baixasse a guarda, ia acabar sendo frita.

— O que foi? — perguntou a Raposa Falsa, percebendo que ela estava aflita.

Pelo visto, a falsa era mais simpĂĄtica que a verdadeira. Sora reafirmou seu compromisso com a Raposa Falsa. A verdadeira era demais pra ela.

— Meu superior quer falar com a chefe — ela disse.

— Oh, isso Ă© uma Pedra de Comunicação. Esses negĂłcios sĂŁo bem Ășteis. Mas eu tenho algo melhor — um Smartphone!

A Raposa Falsa pegou a Pedra da Sora com a maior boa vontade. Aí foi até a Raposa Branca e puxou a orelha dela. O coração de Sora quase parou ao ver alguém tratando a Raposa Branca daquele jeito.

— O que foi? — disse a Raposa Branca, lançando um olhar mortal pra Raposa Falsa. Por um momento, uma aura assassina tão intensa envolveu o ambiente que Sora quase desmaiou. Mas a Raposa Falsa continuou sorrindo. Sora já suspeitava, mas agora tinha certeza: esse homem era incapaz de sentir medo.

— Uma das suas quer falar com vocĂȘ — ele disse pra Raposa Branca.

Ela nĂŁo respondeu.

— Vai lá, eu cuido da frigideira.

Claramente irritada, a Raposa Branca aceitou a Pedra de Comunicação.

A instrutora foi direto ao ponto.

— Ó Raposa Branca, faz tempo que nĂŁo tenho o privilĂ©gio de falar com vocĂȘ — disse a antiga instrutora de Sora. — Pelo que ouvi, minha aluna tola tem se portado de forma nada cordial. E tambĂ©m tem dito umas coisas estranhas
 algo sobre redimir o mundo com tofu frito.

A Raposa Branca se sentou no balcĂŁo e cruzou as pernas. A cauda dela brilhou levemente. Limpou a garganta e disse:

— HĂĄ quanto tempo, velha raposa. VocĂȘ ouviu direito. AtravĂ©s do tofu frito, pretendemos provocar a morte e o renascimento do mundo. Essa Ă© a vontade dos deuses raposa.

A voz dela não era nada parecida com aquela de antes, acomodada e displicente. Era a voz de um jovem. Baixa, mas poderosa — e estranhamente carismática. A Raposa Falsa olhou para ela de olhos arregalados. O olhar dele não estava nem perto da frigideira.

—Como Ă© que Ă©?! Ó Raposa Branca, isso estĂĄ totalmente fora da linha que vĂ­nhamos seguin—

—Nem mais uma palavra. Vamos reorganizar nossa organização para que ela se torne ideal na produção de tofu frito. Quem se opuser será apagado.

—Mas as outras Raposas Brancas—ah, deixa pra lá. E-Então, o que deseja que façamos?!

A Raposa Branca olhou para a frigideira e pulou do balcão. —Frite tofu —respondeu. Ela falou com a voz normal, mas Sora não tinha certeza se sua instrutora atînita sequer tinha notado.

A Raposa Branca jogou a Pedra Sonora de volta para Sora e, com pesar, retirou uma fatia de tofu frito que havia passado do ponto.

Era isso. A organização tinha acabado. Talvez, ao menos agora, sua instrutora entendesse que Sora não era a culpada.

No fim, a Raposa Branca sĂł parou de fritar tofu quando os ingredientes preparados pela Raposa Falsa acabaram. Vale mencionar que ela comeu cada pedacinho assim que ficava pronto, entĂŁo nĂŁo sobrou nada.

Enquanto Sora desejava nunca mais sentir cheiro de Ăłleo na vida, a Raposa Branca parecia decepcionada. Ela tinha comido o suficiente para mais de uma dĂșzia de adultos, mas ainda nĂŁo estava satisfeita. Ficava falando em conquistar o mundo com tofu frito, mas claramente sĂł queria comer.

Incapaz de suportar o silĂȘncio, Sora comentou: —Ó Raposa Branca, parece que vocĂȘ gosta bastante de tofu frito.

—Nem tanto —respondeu, incomodada.

Mas ela tinha se empanturrado daquele tofu frito todo. Aquilo devia ter mais massa que o corpo inteiro dela, mas sua barriga continuava tĂŁo chapada quanto antes. A Raposa Branca nĂŁo disse mais nada. Sora nĂŁo sabia o que falar, mas entĂŁo nĂŁo precisou.

—Se vocĂȘ nĂŁo fritar mais tofu pra mim em dez segundos, eu vou—

—Com licença —disse Sora, interrompendo. —Como vocĂȘ e a Raposa Falsa—digo, o Mil Truques—se conhecem?

A Raposa Branca nĂŁo respondeu de imediato.

Sora sentiu como se tivesse desviado de uma bala. Sabia que os chefes eram pessoas com quem se devia ter cuidado, mas essa aqui parecia considerar “moderação” um conceito alienígena. Enquanto tentava acalmar seu coração acelerado, a Raposa Branca abriu a boca lentamente, um brilho suave emanando de sua cauda.

—Senhor Cautela —disse ela— Ă© um consultor. NĂłs o contratamos para que nossa organização possa fazer a transição para produtora de tofu frito.

Aquilo era absurdo. Para começo de conversa, não havia motivo para uma organização secreta produzir tofu frito. Serå que as outras Raposas Brancas sabiam disso? E quem era esse tal de Senhor Cautela?

—Claro que os outros portadores de mĂĄscara sabem disso. ‘Senhor Cautela’ Ă© um apelido do Mil Truques. É assim que nos referimos a ele.

Sora ficou surpresa. Era quase como se a Raposa Branca estivesse lendo sua mente.

Só a ideia de que os outros chefes sabiam desse plano jå a deixava apavorada. O que estava acontecendo com essa organização? O que tinha acontecido com ela? A chefe ficava falando sobre dominar o mundo com tofu frito, mas isso não era algo que grupos como o deles faziam. Mesmo em uma estrutura de comando que exigia lealdade absoluta aos superiores, Sora não conseguia imaginar os outros membros mostrando qualquer entusiasmo por isso.

Os de cima decidiam as regras, mas talvez a chefe estivesse tentando dizer que a Fox nunca decolaria se continuasse sendo uma sociedade subterrùnea? Sora talvez nem tivesse o direito de saber, mas o que diabos significava essa história de morte e renascimento do mundo via tofu frito? Essas e outras perguntas sem resposta giravam em sua cabeça.

—Sou eu quem decide as regras —disse a Raposa Branca enquanto balançava a cauda luminosa. —Hoje em dia, sociedades subterrĂąneas nĂŁo tĂȘm mais futuro. VocĂȘ nĂŁo tem permissĂŁo para saber sobre a morte e o renascimento.

—E-Entendo.

Sora não sentia que podia argumentar com aquilo. Serå que essa aparente capacidade de ler sua mente era mais uma prova da grandeza da chefe? Sora começou a tremer, o que pareceu deixar a Raposa Branca estranhamente satisfeita.

—Mas devo dizer, Ăł Raposa Branca, podemos atĂ© estar planejando refazer o mundo com tofu frito, mas a sede ainda nĂŁo emitiu ordens oficiais. Isso nĂŁo vai causar confusĂŁo entre nossos membros?

Era uma coisa Sora não saber disso, mas até alguém com o posto de Galf também desconhecia essa mudança de curso. Mesmo com toda a dedicação ao sigilo, isso parecia sem precedentes.

EntĂŁo, pela primeira vez, a Raposa Branca fez uma pergunta para Sora.

—O que vocĂȘ acha, Sora?

Bem, ela achava que deviam usar as redes de comunicação da organização para garantir que todos soubessem do novo plano. Mesmo sendo uma mudança repentina, a situação atual estava muito fora do padrão da Fox.

Coordenação era uma das suas forças. Se as ordens para fritar tofu viessem pela cadeia de comando normal, os outros membros achariam estranho, mas ainda assim seguiriam. Mas não havia chance da Raposa Branca ignorar isso.

A cauda da Raposa Branca parou de se mover. Ela falou em voz baixa:

—Posso perguntar, sĂł pra ter certeza, Sora
 vocĂȘ estĂĄ familiarizada com essa cadeia de comando?

—N-NĂŁo, nĂŁo estou. Isso nĂŁo Ă© algo que uma mera sacerdotisa saberia.

O que a Raposa Branca queria dizer com isso? NĂŁo havia motivo para Sora conhecer a cadeia de comando dos chefes!

—Entendo


A Raposa Branca mergulhou num silĂȘncio pensativo. EntĂŁo ouviram uma batida na porta.

—Chefe, está aí?

Era a voz de Galf.

—S-Só um momento, por favor! —gritou Sora.

Seria o primeiro encontro de Galf com essa Raposa Branca, sem contar que ele ainda não tinha percebido que a Raposa Falsa era uma impostora. O mal-entendido sobre a identidade de Sora já havia sido resolvido
 exceto que Galf ainda não sabia disso.

—Ó Raposa Branca, esse Ă© o responsĂĄvel pela operação atual. O que devo fazer?

—Deixe-o entrar.

Com isso, Sora nĂŁo teve escolha a nĂŁo ser destrancar a porta. EntĂŁo se virou e ficou boquiaberta.

Quem estava ali era alguĂ©m que havia saĂ­do mais cedo—a Raposa Falsa. NĂŁo havia sinal da Raposa Branca que conversava com Sora momentos atrĂĄs. A altura e aparĂȘncia da Raposa Falsa eram as mesmas, mas seu porte agora era mais digno, sua presença mais imponente.

Galf empalideceu ao ver essa nova figura. —O-Opa. Voltei —anunciou.

Com um aceno rĂ©gio, a Falsa Raposa sentou-se no balcĂŁo e cruzou as pernas. — Bem-vindo de volta, Galf. NĂŁo precisa me contar nada. Eu vejo no seu rosto. VocĂȘ fez o que te ordenei.

—Ah — gaguejou Galf, ajoelhando-se sobre um dos joelhos. — Estou honrado—

—VocĂȘ acha que eu mudei, nĂŁo Ă©? — O chefe sorriu. — Aquilo tudo nĂŁo passou de uma encenação. Ao me retratar como um completo fracasso, eu estava testando vocĂȘ. E vocĂȘ provou bem a sua lealdade.

Galf ficou pasmo com a mudança completa. E foi então que Sora notou. Saindo da parte de trås da Falsa Raposa, havia um rabo. Ela teve um péssimo pressentimento.

—Agora, nĂŁo precisa se humilhar. Eu cumpro minhas promessas. Vou confiar a vocĂȘ essa mĂĄscara — e nosso objetivo atual.

—Objetivo?

Então a falsa Falsa Raposa — que na verdade era a Raposa Branca — falou com uma confiança que a verdadeira Falsa Raposa jamais conseguiria. — O Plano A em andamento — o plano de aniquilação que seria executado durante o Festival do Guerreiro Supremo — está cancelado. Dediquem todos os recursos disponíveis à produção de tofu frito. Com sua estrutura de comando, transmita isso aos seus subordinados.

Fantasmas eram recriaçÔes de memórias passadas. Não eram criaturas vivas, então eram guiados por instintos diferentes. Seu comportamento vinha das histórias que os criaram. As raposas espectrais incrivelmente poderosas do Peregrine Lodge não eram exceção.

A Raposinha nĂŁo podia ignorar esse impulso. Ela nĂŁo precisava comer, nem se considerava aliada do Sr. Cautela. Mas os impulsos gravados em seu espĂ­rito a faziam arder de desejo por aquilo que os humanos chamavam de tofu frito.

E para a Raposinha, travar batalhas de astĂșcia e pregar peças nos humanos era sua razĂŁo de existir.

—O-O Raposa Branca, vocĂȘ tem certeza disso? — perguntou a jovem de manto branco.

—Está tudo certo — respondeu friamente a Raposinha. Ela já tinha respondido a essa pergunta tantas vezes que havia perdido a conta. — Tudo foi calculado com precisão. Está tudo resolvido.

—E-Entendido. Estou seguindo suas ordens. Suas ordens


A Raposinha não tinha interesse nos assuntos dos humanos. Ela era um fantasma nascido de um deus. Em outras palavras, ela própria era uma deusa. E os deuses podiam ser coléricos. Meros mortais não significavam nada para eles. Ela só obedecia ao Sr. Cautela porque tinham feito um acordo.

Milhares de pessoas poderiam morrer, organizaçÔes poderiam ser destruídas, mas a Raposinha ainda era apenas uma raposa. Se havia alguém culpado, era quem deixava que lhe passassem a perna depois de uns truques ou uma leve leitura mental. Essas pessoas deveriam ter seguido o exemplo do Sr. Cautela. Aquele humano tinha tão poucos pensamentos produtivos que chegava a ser desconcertante. Era como se ele deixasse, de propósito, que as raposas o influenciassem. Agora ela entendia como sua mãe tinha perdido.

Pode parecer estranho, mas pessoas como ele eram os oponentes mais difĂ­ceis em batalhas de astĂșcia. Nem mesmo a Raposinha sabia o que fazer com ele. Ainda assim, quando estava trancada no cofre do tesouro, as oportunidades de enganar humanos eram rarĂ­ssimas. Seu rabo começou a balançar rapidamente.

Foi então que a Pedra Sonora que a sacerdotisa havia lhe dado começou a vibrar. Ela atendeu, mas não ouviu nada. Inclinou a cabeça, analisando por um momento, quando uma voz surgiu de repente.

—Identifique-se.

Ela não disse nada. Estava preparada para aceitar um possível fracasso. Mesmo seus poderes tinham limites. Ela não podia fazer tudo, e algumas coisas fazia melhor que outras. Enganar pessoas à distùncia era algo com o qual tinha dificuldades. Essa pessoa em específico seria especialmente complicada, pois parecia ter uma mente bem protegida. Ela conseguia vislumbrar alguns pensamentos. A voz era poderosa, a ponto de abalar até mesmo um grande fantasma.

Agora, de quem tomaria a forma? Sora? Galf? A antiga instrutora de Sora? A Raposinha não se importava com os assuntos deles, mas também não era ignorante. Esfregou o rabo e pensou. Então teve uma ideia genial.

Hoje eu tĂŽ impossĂ­vel.

Ela mudou a voz para imitar a do Sr. Cautela e disse: — Prazer em conhecĂȘ-lo, chefe. Embora talvez seja estranho dizer isso. Afinal, eu venho observando vocĂȘ hĂĄ um bom tempo. Alguns me chamam de Mil Truques. Eu nĂŁo conheço a cautela e diria que sou seu adversĂĄrio.

Passei o dia de boa na estalagem. Nem sei bem por quĂȘ, mas dessa vez as coisas estavam indo a meu favor. Depois de ser atacado por Trogloditas nas fĂ©rias e encontrar o Peregrine Lodge durante o serviço de escolta, as coisas finalmente pareciam melhorar.

Enquanto pegava mais um pedacinho de chocolate, Sitri se aproximou silenciosamente e sussurrou:

—Então, Krai, falta muito?

—Falta muito pra quĂȘ?

Ela jĂĄ tinha se acalmado um pouco depois de ser jogada pela janela, mas ainda estava com o astral lĂĄ em cima. O que serĂĄ que tinha acontecido com ela?

Com as bochechas coradas, ela segurou minha mĂŁo e disse:

—Ai, Krai, vocĂȘ e suas piadas. TĂŽ falando das Raposas. Raposas. Se vocĂȘ me der elas, tem muita coisa que eu gostaria de fazer.

—Ah, isso.

Aquilo não me dizia nada, mas mesmo assim balancei a cabeça. Ultimamente andava aparecendo raposa por tudo quanto é canto, mas parecia que ela estava falando daqueles fanåticos por måscaras.

Agora que pensei
 Eu nem sei o nome oficial deles. É, tanto faz.

Coloquei um chocolate na boca e disse:

—Não vou te entregar elas.

—HĂŁ?! U-um, vocĂȘ tĂĄ brincando, nĂ©?

—Elas nem são minhas pra eu entregar.

Ela arfou:

—Isso foi uma mentira? Krai, vocĂȘ mentiu pra mim?!

NĂŁo lembro de ter dito que ia dar as Raposas pra ela.

—Bom, eu já fiz bastante disso


Contei nos dedos. Tinha empurrado a princesa imperial pros outros Grieving Souls, Galf e Touka pros outros Grieving Souls, a Raposinha pra Sora e ainda fiz a Sora cozinhar tofu frito. Tava sĂł deixando as coisas fluĂ­rem, mas talvez eu devesse ter pensado um pouco mais. Eu sĂł queria que dar a mĂĄscara fosse o suficiente pra me perdoarem.

Mas como foi que eu vim parar aqui mesmo? Estranho.

— Sim, eu tambĂ©m queria fazer isso!

Sitri se apertou contra mim e sacudiu meus ombros. Levei um pedaço de chocolate até seus låbios, mas ela balançou a cabeça. Mais um comportamento infantil vindo dela.

Eu também queria fazer isso. Mas eu não planejava fazer isso. E o que seria isso, afinal?

— NĂŁo acredito em vocĂȘ, Krai! Mesmo depois de todo o dinheiro que te emprestei! Depois de ter comprado uma cozinha pra vocĂȘ fritar tofu!

— Ha ha ha. VocĂȘ Ă© muito gentil, Sitri.

— O que tem de engraçado em me fazer chorar?!

— VocĂȘ sempre teve um dom pras lĂĄgrimas de crocodilo.

Eu estava falando sĂ©rio. Desde que Ă©ramos crianças, ela vivia me enganando com lĂĄgrimas falsas. Talvez por ser a caçula de trĂȘs irmĂŁos, Sitri era Ăłtima em conseguir o que queria e fazer com que os outros a mimassem.

Ela estava encostada em mim, mas nĂŁo pesava nada, tinha um corpo bonito e nĂŁo pressionava demais, entĂŁo nĂŁo me incomodava. Na verdade, pensei que ela poderia cobrar por isso.

Enquanto brincĂĄvamos, uma sombra se projetou sobre nĂłs. Antes mesmo que eu pensasse em perguntar o motivo, uma espada curta foi enfiada na minha frente. A sombra era da Lucia. Alguma coisa tinha acontecido; ela estava pĂĄlida como um fantasma.

— Irmão! — ela arfou. — Eu consegui, mesmo com o preço que paguei!

— O-o que foi? — perguntei. — VocĂȘ tĂĄ pĂ©ssima.

— Lucy! Eu tî no meio de uma negociação com o Krai, então cai fora! — disse Sitri, com os olhos marejados.

Eu nem sabia que estĂĄvamos negociando.

Lucia a ignorou e disse com uma voz cansada:

— De algum jeito
 eu consegui carregar com sucesso a Chave da Terra. Essa foi a maior quantidade de mana que jĂĄ coloquei em uma RelĂ­quia. Nem dez anos seriam suficientes pro Luke carregar isso. Que tipo de RelĂ­quia Ă© essa?

— Oh. Oh! Valeu! Isso Ă© Ăłtimo.

Só então percebi que a espada enfiada na minha frente era uma Relíquia. Pra ser sincero, achei que iam me matar. Me soltei do abraço da Sitri e peguei a Relíquia. Anos carregando Relíquias tinham dado a ela uma reserva de mana maior que a de Espíritos Nobres. Eu não esperava que essa espada fosse uma provação até mesmo pra ela, que conseguia carregar todos os meus Anéis de Segurança com facilidade.

— Hmmm. Bem, se o poder dela for proporcional Ă  carga necessĂĄria — disse ela, com uma careta e a voz começando a tremer —, provavelmente Ă© comparĂĄvel Ă  Fortaleza Flutuante.

— VocĂȘ sĂł pode estar brincando. Isso Ă© uma RelĂ­quia do tipo espada!

A RelĂ­quia mencionada por Lucia exigia mais mana do que qualquer outra no mundo. Ela deve ter se esforçado muito pra carregar essa espada. Eu mal conseguia lembrar da Ășltima vez que a vi tĂŁo pĂĄlida. O Festival do Guerreiro Supremo estava chegando, e mesmo assim ela se forçou a fazer algo tĂŁo extremo.

Por ora, deslizei a espada no cinto e disse:

— VocĂȘ devia descansar um pouco. Vem, eu te levo.

Estendi o braço e envolvi os ombros dela. Eu nĂŁo era mais forte que uma pessoa comum, mas isso nĂŁo importava quando o corpo miĂșdo da Lucia era tĂŁo leve.

— Yah! — ela gritou. — N-não precisa! Eu consigo ir sozinha!

Ela parou de gritar quando percebeu que eu nĂŁo ia ceder. Agir no improviso era meu modo padrĂŁo de vida, mas nem eu aceitava sobrecarregar minha irmĂŁzinha. Ela nĂŁo disse nada quando a coloquei na cama, provavelmente de vergonha por estar sendo ajudada pelo irmĂŁo inĂștil.

— Pode se inspirar na Lusha e depender do seu irmĂŁo — falei. — Diferente daquelas duas, a gente Ă© irmĂŁo de verdade.

— Tá pedindo pra apanhar?!

Ok, nĂŁo tĂŽ pedindo tanto contato assim.

Lucia se enfiou debaixo das cobertas e entĂŁo disse, falando super rĂĄpido:

— VocĂȘ nĂŁo tem nada melhor pra fazer do que ficar me dizendo bobagens? Eu tĂŽ bem. Na verdade, ficar sem mana ajuda no meu crescimento. Obrigada. Agora vai, vocĂȘ nĂŁo tem coisas pra resolver?

— Na real, tî bem livre agora.

Houve um momento de silĂȘncio prolongado antes que ela dissesse:

— Eu preciso me trocar, então sai!

Achei que finalmente tinha conseguido agir como um bom irmĂŁo, mas pelo visto nĂŁo era tĂŁo simples assim.

E agora, como eu faço a Sitri mudar de ideia?

Infelizmente, Liz e Ansem estavam fora. Na verdade, essa falta de predadores naturais devia ser exatamente o motivo pelo qual a Sitri escolheu esse momento pra atacar. Ela sabia muito bem como virar o jogo a favor dela.

Voltei pra sala e encontrei Sitri sem as lĂĄgrimas falsas, mas com um sorriso muito suspeito.

— A Lucy tá bem? — ela perguntou.

— Tá, foi aquilo de sempre. Vai ficar bem depois de descansar um pouco, foi só exaustão de mana.

Eu tinha minhas dĂșvidas, mas se fosse preciso, podia pedir uma poção de mana pra Sitri.

— Ah, que ótimo! — disse ela. — Eeeentão, acabei de lembrar que tenho algo muito especial pra te mostrar!

— Hm?

— Eu diria que Ă© comparĂĄvel Ă  Chave da Terra! Se isso nĂŁo te convencer a me entregar a Raposa, nada mais vai!

Cobrindo a boca com a mĂŁo e rindo, Sitri parecia extremamente confiante. SĂł que, nĂŁo importava o que ela mostrasse, o Clube de FĂŁs da MĂĄscara de Raposa nĂŁo era meu pra entregar.

Mantive minhas expectativas bem baixas enquanto observava Sitri bater palmas duas vezes. A porta se abriu e o parceiro da Sitri, Matadinho, entrou correndo. Ele estava esquelético depois de passar fome na missão de escolta e usava sua habitual sunguinha e sacola de papel. Mas nas costas, carregava uma bolsa grande o bastante pra caber uma criança. O macho cinzento arfava, algo que eu acho que nunca tinha visto antes.

Acho que ele Ă© uma criatura viva, afinal.

— Pedi pra ele vir o mais rápido que pudesse — explicou Sitri. — Mas não era exatamente uma distñncia curta que ele tinha que percorrer.

— NĂŁo força ele. Mas pera
 vocĂȘ trouxe ele? Ele nĂŁo tava com a carruagem, achei que tinha ficado pra tomar conta das coisas.

— Eu tive que trazer a Drink e a Akasha, já que planejo usar elas no Festival do Guerreiro Supremo, então tive que fazer sacrifícios. Pedi ajuda pra Talia, mas acabou sendo demais pra ela.

Ela vai levar o Drink e aquele golem com ela? Mas que diabos Ă© esse torneio?

— Agora, veja! Este Ă© o resultado da minha mais recente pesquisa e vai atender perfeitamente Ă s suas exigĂȘncias! Depois de ver isso, vocĂȘ ainda vai insistir que nĂŁo pode ceder a Raposa para mim?

Matadinho virou a sacola de cabeça para baixo, e o conteĂșdo caiu sobre o carpete. Meu cĂ©rebro travou quando vi o que estava dentro da sacola. Era uma criança. Ela tinha cabelos azul-celeste e estava completamente nua. NĂŁo fez nenhum barulho, apesar de ter sido jogada no chĂŁo sem o menor cuidado. Lentamente, ela levantou os olhos para mim.

Quando vi seu rosto, meu coração quase parou — era o rosto da Princesa Murina. Não havia como confundir. Cabelos sedosos e bem cuidados, olhos inteligentes e uma aura geral de fragilidade. Não era uma sósia, podia muito bem ser a própria princesa imperial.

Minha primeira reação foi pensar que isso talvez fizesse parte de algum tipo de treinamento, mas então me contive. Não havia motivo para deixar a princesa imperial perambulando sem roupas! Em algum nível insano, até dava pra justificar colocå-la em treinamentos infernais e até deixå-la ser carregada em uma sacola por um bombado esquelético de sunga de banana, mas deixå-la pelada? Aí não då. O Franz vai me matar.

E por que ela não dizia nada? Ela tava de boa com isso? Era pra ser algum tipo de presente? O que eu faria se alguém visse isso?

Espero virar uma pedra na prĂłxima vida.

— Então, o que achou do meu tour de force, o Matadinho Mk.2? — perguntou Sitri.

VocĂȘ fez isso sĂł pra eu ser “matadinhado”?

— VocĂȘ gostou? Ela Ă© idĂȘntica Ă  Sua Alteza Imperial!

— N-NĂŁo. Essa aĂ­ Ă© a Princesa Murina, nĂŁo Ă©?

— Exato! Eu a fiz com o sangue que coletei. Mesmo no meio das pesquisas, dei o meu mĂĄximo. Com a falta de tempo e os deveres de treinar a verdadeira, atĂ© sacrifiquei meu sono. Investi atĂ© parte dos meus fundos nesse projeto! Mas como vocĂȘ disse que Sua Alteza Imperial precisava estar em um nĂ­vel para competir no Festival do Guerreiro Supremo, nĂŁo vi outra saĂ­da


— VOCÊ fez isso?!

Cuspi meu chocolate sem querer. Meu coração disparou de medo.

Quanto mais eu olhava, mais percebia o quão profunda era a semelhança entre o Matadinho Mk.2 e a Princesa Murina. No entanto, ela era um pouco mais alta e, mais importante, eu duvidava que a verdadeira princesa imperial permaneceria tão obediente nessa situação. Mas o que mais me incomodava era o jeito como a Sitri agia como se tudo fosse culpa minha.

Talvez essa árvore nem seja a mais inteligente da floresta


SerĂĄ que isso era mesmo melhor do que ter a verdadeira princesa imperial diante de mim? NĂŁo sei dizer.

— Preparar Sua Alteza para o Festival do Guerreiro Supremo se mostrou alĂ©m das nossas capacidades — disse Sitri. — Mas eu antecipei essa possibilidade. NĂŁo haverĂĄ problemas se usarmos o Matadinho Mk.2! O que acha?! Sua querida Sitri criou uma nova criatura mĂĄgica para atender perfeitamente aos pedidos absurdos de seu amado Krai! E ainda assim, vai continuar insistindo em nĂŁo me dar a Raposa?!

— Sitri, vocĂȘ tĂĄ me ameaçando?!

Sitri arregalou os olhos. — Hã?

Eu tambĂ©m fiz a mesma cara pra ela. — HĂŁ?

Matadinho Mk.2 piscou algumas vezes e me encarou. Abriu os lábios delicados e disse com uma voz suave como um sino: — Matar, matar


NĂŁo havia a menor chance de que mandar uma impostora pro torneio fosse acabar bem. Sem contar que com certeza haveria gente que se oporia ao uso de sangue imperial para criar um clone. SerĂĄ que a Sitri vivia sĂł de curiosidade? Quando vi aquele frasco de sangue, sĂł gemi e olhei pro outro lado. Como eu ia imaginar que ela faria algo assim?! Onde ela conseguiu essa tecnologia?!

Enquanto uma objeção atrĂĄs da outra pipocava na minha cabeça, a princesa imperial se aproximou de mim e ficou parada, como se aguardasse ordens. Assim como o Matadinho Mk.1, ela tinha um forte senso de lealdade. O cĂŽmodo ficou em silĂȘncio. Nem o Matadinho nem a Princesa Matadinha se mexeram.

Pensa, Krai Andrey, o artĂ­fice super-humano! VocĂȘ consegue! Como vai sair dessa? Isso pode ser demais pra
 nĂŁo, mesmo sendo um artĂ­fice super-humano, nĂŁo teria solução pra isso. Nem o Krahi daria conta!

Meu cĂ©rebro nĂŁo tava funcionando. Forcei minha boca a se abrir e disse: — VocĂȘ resolveu pegar outra depois de ganhar na loteria ou algo assim?

— Krai, hum, meu experimento foi um sucesso. Por favor, me elogie.

— VocĂȘ Ă© incrĂ­vel, Sitri.

Ela aproximou a cabeça de mim e eu a elogiei como se tivesse sido programado pra isso. A cabeça dela era macia. Passei a mão em seus cabelos suaves e, ao perceber que agora não era hora disso, dei um tapinha nela. Sitri soltou um gritinho de alegria.

Eu Ă© que devia estar gritando, sua ĂĄrvore estĂșpida!

— Ah, a propĂłsito, houve trĂȘs tentativas fracassadas antes de eu conseguir uma bem-sucedida — ela acrescentou.

Fingi que nĂŁo ouvi nada e continuei pensando.

Espera. Um corpo duplo. Será que dá pra usá-la como corpo duplo? Mas o Matadinho Mk.2 — não, a Matadinha — só fala “matar, matar.” Será que dá pra dizer que isso faz parte do treinamento? Não dá!

— Eu terminei a tempo pro torneio — disse Sitri. — Ah, mal posso esperar pra exibir ela!

NĂŁo, vocĂȘ nĂŁo pode exibir ela! Seu coração Ă© feito de aço, Ă©?

NĂŁo dava pra contar com a normalmente confiĂĄvel Sitri. Eu tinha que pensar por conta prĂłpria. Tinha que arrumar um jeito de sair dessa.

Depois de ler o jornal e saber das novidades com suas amigas do comércio, Eva soltou um suspiro bem profundo.

— Parece que estão aprontando alguma coisa.

Tudo estava tranquilo em Kreat, o que era incomum pra essa época do ano. No entanto, a causa dessa calmaria lhe escapava. Ataques aos participantes eram praticamente garantidos quando o Festival do Guerreiro Supremo se aproximava. As autoridades locais tentaram evitar que a panela de agressÔes transbordasse, mas ainda não tinham encontrado uma solução eficaz. E, mesmo assim, esse ano a paz parecia ter chegado por conta própria.

Algumas pessoas estavam apenas agradecidas pela tranquilidade, enquanto outras tinham certeza de que aquilo era a calmaria antes da tempestade. Eva não sabia ao certo se aquilo era obra do Krai — e, se fosse, como ele teria conseguido conter os ataques, sendo que os responsáveis e seus motivos eram tão diversos? Mesmo assim, ela tinha a impressão de que, mais uma vez, não haveria muito o que ela pudesse fazer para ajudar.

Considerando o total desinteresse de Krai por glĂłria, ela havia ficado desconfiada quando ele disse que participaria do Festival do Guerreiro Supremo. SerĂĄ que ele realmente tinha se interessado pelo torneio? Mesmo revendo todas as experiĂȘncias que teve no passado, ela nĂŁo conseguia ter certeza. NĂŁo importava quantos anos estivesse ao lado dele, ele ainda era o Mil Truques.

Ela se forçou a se acalmar e parar de se preocupar. Se ele precisasse da ajuda dela, viria procurå-la. Colocou o jornal de lado e respirou fundo, quando ouviu uma batida repentina na porta.

— Eva, me ajuda!

— E-Eu bem que disse pra mim mesma que isso podia acontecer! Mas não tão rápido assim!

Ela jå imaginava que algo poderia acontecer, mas não tinha tido tempo suficiente pra se preparar psicologicamente. Destrancou a porta, e entrou o mestre do clã, com sua expressão desleixada de sempre. Carregando uma mochila enorme, Sitri veio logo atrås. Krai olhou ao redor para se certificar de que não havia mais ninguém no cÎmodo e soltou um suspiro.

— EntĂŁo, qual Ă© o problema? — perguntou Eva. — NĂŁo posso fazer nada sem informação.

NĂŁo era a primeira vez que Krai recorria a Eva em busca de ajuda. Na maioria das vezes, ele sĂł precisava que ela negociasse ou resolvesse alguma confusĂŁo — o que nĂŁo era difĂ­cil, mas cansativo. Esse homem conseguia resolver todo tipo de crise, mas havia algumas coisas com as quais atĂ© ele tinha dificuldade. Eva se preparou para mais uma dessas.

— Vai me ajudar? — ele perguntou, como se quisesse ter certeza. Apesar de ser extremamente capaz, ele sempre parecia inseguro.

— Claro, se for algo que eu possa


Mais uma vez, ele suspirou, dessa vez aliviado. Apontou para a mochila e disse num tom baixo:

— Primeiro, quero que veja isso.

Sitri abriu a mochila e despejou o conteĂșdo no chĂŁo. O cĂ©rebro de Eva travou. No chĂŁo estava a princesa imperial, Murina Atolm Zebrudia, vestindo um casaco uns bons nĂșmeros maior do que ela. Tinha uma expressĂŁo estoica, mas era inconfundivelmente ela. A Ășltima coisa que Eva tinha ouvido era que Krai deveria estar atuando como mentor dela.

— O quĂȘ?! Por que ela estava dentro da mochila? E por que estĂĄ vestida assim?

— EntĂŁo
 na verdade, essa aqui Ă© falsa. A princesa imperial de verdade estĂĄ nas aulas agora. Mais cedo, ela nĂŁo estava vestindo nada, entĂŁo emprestei umas roupas minhas.

Eva ficou atĂŽnita. A princesa imperial, no entanto, apenas a encarava, sem mover um mĂșsculo, alĂ©m de algumas piscadas lentas. O cĂ©rebro de Eva começou lentamente a funcionar de novo. Em todos os aspectos, a garota diante dela parecia ser a princesa imperial. Sua capacidade de formular uma resposta para aquela situação absurda vinha da sua experiĂȘncia prĂ©via com situaçÔes igualmente absurdas.

Temendo começar a hiperventilar, ela se acalmou e respondeu num sussurro:

— Pode
 explicar melhor?

— Ela Ă© um ser fabricado. É uma loucura.

— Ser
 fabricado.

Eva deixou aquelas palavras se assentarem na mente. Realmente era uma loucura. O mestre do clã muitas vezes entrava em pùnico por besteira, mas dessa vez a coisa era séria.

Ela deu outra olhada na princesa imperial falsa. Cor do cabelo, dos olhos, estrutura corporal — era idĂȘntica Ă  princesa Murina. A Ășnica diferença estava na expressĂŁo. A princesa imperial que Eva conhecia vivia com um ar desconfortĂĄvel, como se estivesse sempre prestes a chorar. Mas essa aqui estava tĂŁo serena que era impossĂ­vel saber no que estava pensando.

NĂŁo podia ser uma sĂłsia, nem alguĂ©m disfarçado. Nem mesmo uma irmĂŁ gĂȘmea. Eva se orgulhava de sua capacidade de memorizar rostos e enxergar atravĂ©s de fachadas, mas nem ela conseguia distinguir essa garota da princesa verdadeira.

Devagar, seu cérebro voltou a funcionar. Pensa, pensa, pensa, dizia para si mesma. Qual seria o propósito disso? Por que fizeram isso? Uma substituta? Não, isso era desumano demais. E, se fosse só isso, Krai não estaria tão nervoso. E quem teria criado esse ser? O império, muito menos o imperador, jamais teria dado permissão para algo assim. Tanto do ponto de vista tecnológico quanto ético, isso não poderia ter sido feito por um laboratório comum.

Eva sentiu um arrepio e o cheiro de conspiração no ar. Se alguém tinha capacidade de produzir uma cópia da princesa imperial, só podia ser uma organização criminosa de alto nível. Serå que foi a Torre Akåshica, que causou tanto caos recentemente?

Ou talvez os inimigos que Krai enfrentou quando protegeu o imperador? Pronto. As peças se encaixaram. Krai era um Nível 8 conhecido por sua calma constante — não havia muitas entidades capazes de deixá-lo nervoso.

— SerĂĄ que foi a Raposa Sombria de Nove Caudas? — perguntou ela, com enorme apreensĂŁo. — Isso Ă© obra da Fox?

Os olhos de Krai se arregalaram. Estaria ele surpreso por Eva ter acertado com tão poucas pistas? Seus anos como braço direito dele não tinham sido à toa. Mas não era hora de se vangloriar.

— Acho que entendi agora — disse ela. — VocĂȘ resgatou ela da Fox, nĂŁo foi?

Houve um longo silĂȘncio entre eles.

— É — ele respondeu, por fim.

Então Eva estava certa. Ela tinha ouvido que a Fox havia tentado — e falhado — assassinar o imperador. Mas era uma organização grande, com reputação a manter. Depois de fracassar, não era estranho que tentassem de novo, dessa vez indo atrás da filha. Krai devia ter descoberto que a Fox criou uma princesa imperial falsa e a resgatou. Será que era por isso que ele tinha aceitado o pedido para ser mentor da princesa Murina?

O suor escorria pelo rosto dele. Claramente, até ele estava tendo dificuldade para manter a calma diante daquela situação. Eva teve vontade de tapar os ouvidos, mas uma vice-mestra de clã precisava manter a compostura quando o mestre estava em perigo.

— Mantenha a calma — disse ela. — Existe só uma cópia?

— H-houveram trĂȘs falhas — Krai hesitou. Ele devia ter presenciado uma verdadeira tragĂ©dia. — Ela foi a Ășnica que deu certo. Certo, Sitri?

— Oh. Sim, isso mesmo — disse ela. — Maldito seja, Fox.

Eva sentiu sua determinação se renovar ao ver seu chefe titubeante. Olhou nos olhos dele e disse:

— Sua Majestade Imperial estará entre os espectadores do Festival do Guerreiro Supremo. Devemos contatá-lo.

— Hã?!

Eu sabia que ele tentaria resolver isso sozinho.

— Krai, isso nĂŁo Ă© algo que possamos resolver sem ajuda — disse ela. — E mesmo que pudĂ©ssemos, a existĂȘncia dessa impostora sugere que Sua Alteza Imperial estĂĄ em perigo. Eu entendo suas capacidades, mas ainda assim acho que devemos contatĂĄ-los.

— Hmm. VocĂȘ tem razĂŁo. Isso tudo Ă© culpa do Fox. Eu sempre posso contar com vocĂȘ, Eva.

NĂŁo havia tempo a perder. Uma princesa imperial falsa era um trunfo com um potencial imenso. Cada segundo contava, jĂĄ que Fox sem dĂșvida viria recuperar aquilo que haviam criado. Ter essa princesa falsa tĂŁo prĂłxima de um dos maiores inimigos de Fox era arriscado demais. No entanto, este alojamento estava cheio de caçadores da Primeira Etapa, o que o tornava relativamente seguro.

— Eu vou contatar o impĂ©rio — disse Eva. — Por enquanto, deixe ela comigo. Sven estĂĄ aqui, posso pedir a ele que a proteja. Krai, sua luta contra o Fox—

— Ah. Verdade.

Eva nĂŁo sabia como essa luta estava se desenrolando, mas precisava fazer tudo ao seu alcance para ajudar.

— Eu tenho que lutar contra o Fox — murmurou ele. — O Fox do mal.

— Oh? Existe um Fox do bem?

Haveria colaboradores dentro da organização Fox, logo ela?

Krai lhe lançou aquele olhar incerto de sempre.

— Só alguns — disse ele.

Depois de conversar com Eva, o trabalho da Sitri acabou sendo atribuído a uma organização do submundo. Isso tava tudo errado. Eva pegou a princesa imperial falsa e saiu rapidamente do nosso quarto. O olhar grave em seu rosto não era algo que um mero mestre de clã como eu pudesse sequer pensar em contrariar.

A porta se fechou com um clique e Sitri fez bico pra mim.

— Todo o meu trabalho, minha grande revelação, tudo jogado fora. Eu planejava usĂĄ-la pra barganhar com o impĂ©rio.

Meu Deus. Nem um pingo de arrependimento. E o que exatamente ela esperava conseguir com essa barganha?

Lembrei do que Liz me dissera uma vez: Sitri sabia fazer de tudo, mas de tempos em tempos, tinha que fazer uma besteira. Ela usou a suspeita de envolvimento da Sitri na fuga em massa da prisão como exemplo. Na época, achei que fosse exagero
 mas agora acho que a Liz podia ter razão.

E agora? O que eu faço?

Sitri me olhava com aquele ar de reprovação, mas então pareceu mudar de ideia.

— Bem, isso pode não ser algo tão ruim assim. O Fox não está exatamente em posição de protestar!

Agradeci pela atitude positiva dela, mas também achei que ela mudou de opinião råpido demais. Claro, um bando de criminosos não era do tipo que ia protestar contra acusaçÔes, mas se a verdade viesse à tona, estaríamos acabados. Isso tudo me fez pensar o que aconteceu com a Sitri inteligente, fofa e confiåvel que eu conhecia.

Minha salvadora habitual bateu palmas com aquele brilho nos olhos, do jeitinho de sempre.

— Certo! Vamos fazer mais algumas exigĂȘncias pra eles. E se nĂŁo cumprirem, podem morrer!

— Ei! Preciso te lembrar de quem Ă© a culpa disso tudo?!

Segurei Sitri pelos ombros, o que deve ter pego ela de surpresa, jĂĄ que ela cambaleou e caiu.

— Eee! — ela gritou.

Coincidentemente, ela caiu bem embaixo de mim. Um frasco com um líquido de cor chamativa rolou pela minha visão periférica.

— Ah


Ouvi o som de vidro se quebrando. No instante seguinte, tudo virou um caos, como se tivéssemos sido arremessados dentro de uma tempestade. Atrås de mim, houve um estrondo acompanhado por um impacto escaldante, tudo desviado pelos meus Anéis de Segurança. Caí no chão e abracei Sitri, meu mundo virando de cabeça pra baixo logo em seguida. Caímos, outro anel se ativando assim que atingimos o chão. Bater a cabeça ou os pés dava no mesmo com um Anel de Segurança.

Levantamos rapidamente e vimos um buraco enorme no teto. Serå que fomos atacados? Ou foi algum desastre natural? A sensação indicava algum tipo de explosivo, mas não havia sinais de queimadura.

Sitri soltou um gemido baixo.

— O quĂȘ?! O que foi isso, pelo amor?! HĂŁ?! — gritei.

— Calma, Krai. Foi só uma poção explosiva aprimorada que escapou. Só isso.

Isso era
 uma poção?! A-ah


Por sorte, o quarto abaixo estava vazio. Mas o de cima tinha sido parcialmente destruído. Isso não era bom. Se não fossem os meus Anéis de Segurança, eu com certeza teria morrido naquela explosão. Que coisa perigosa de se carregar por aí.

— VocĂȘ estĂĄ bem? — perguntei.

— Claro. Eu tinha vocĂȘ pra me proteger. TĂŽ ilesa!

Se eu não tivesse estado ali, o quarto nem teria sido destruído em primeiro lugar. Meu coração ainda parecia prestes a explodir dentro do peito. Os Anéis de Segurança me protegeram, mas ainda assim era difícil não ficar abalado depois de uma dessas. Eu estava prestes a vomitar.

Acho que não posso mais reclamar dela por fazer princesas falsas quando eu tÎ causando explosÔes.

Ouvi passos no andar de cima e, em seguida, o som de uma porta se abrindo. Eva olhou pra baixo através do buraco no teto.

— Oh! O que aconteceu aí embaixo?!

— Uhm


Tendo acabado de empurrar uma grande responsabilidade pra Eva, eu nĂŁo sabia bem o que dizer.

Senti os låbios da Sitri roçarem a nuca antes dela se levantar e dizer:

— Não se preocupe, estamos bem, Eva. Fomos apenas atacados. Pelo Fox.

SerĂĄ possĂ­vel? Sou eu o Fox?!

Eva engoliu seco, perdendo a cor. Sitri pegou minha mão e me ajudou a levantar. Cambaleei um pouco, mas logo recuperei as forças. Para o bem ou para o mal, jå estava acostumado com acidentes.

— Não há mais problemas — continuou Sitri. — Eles atacaram à distñncia. O capanga por trás disso já fugiu com medo do Krai. Hmm. Isso exige um plano de ação. Contate Sua Majestade Imperial imediatamente!

Que resistĂȘncia mental insana ela tinha. Parecia atĂ© que estava acostumada com isso.

Sven enfiou a cabeça pelo buraco. Ele devia ter ouvido o barulho tambĂ©m. — Oooh. Eles te pegaram mesmo.

Recolhi os pedaços do meu coração despedaçado e tentei parecer durão. — Saímos ilesos. Mas não posso dizer o mesmo do piso e dos móveis.

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Numa mansĂŁo situada perto do centro de Kreat, encontrei Franz pela primeira vez em um bom tempo. A oportunidade de conversar com o imperador e seu pessoal surgiu surpreendentemente fĂĄcil — tudo graças ao talento excepcional da Eva. Ela jĂĄ tinha atĂ© explicado a situação pra eles, entĂŁo eu nĂŁo precisei. Teria sido ainda melhor se aquele relatĂłrio nĂŁo estivesse lotado de informaçÔes falsas nossas.

— Hmmm. Essa era a Ășltima coisa que eu queria ver — disse Franz. Ele estava pĂĄlido como um fantasma; nem ele conseguiu manter a compostura numa hora dessas. — Eu jĂĄ imaginava que havia mais do que nossas investigaçÔes revelaram, mas nĂŁo achei que a Fox fosse capaz de algo assim. Quando vocĂȘ disse do nada que ia tirar Sua Alteza Imperial da capital, eu quis te estraçalhar


— Eu tambĂ©m nĂŁo esperava por isso. Me pegou de surpresa.

Por que o Franz tĂĄ usando palavras tĂŁo agressivas? Ele nĂŁo parece nem um pouco com um daqueles nobres lendĂĄrios de Zebrudia.

Por que a Sitri tinha que continuar com esses experimentos perigosos? Ela jĂĄ tinha feito tanta coisa, achei que podia dar uma pausa. Ou serĂĄ que ela era de primeira linha justamente porque nunca parava?

A falsa Murina ficou parada em frente ao Franz sem mover um mĂșsculo. Tinha algo na postura dela que me lembrava o Matadinho. Mas essa era a Ășnica semelhança entre o Mk.1 e o Mk.2.

Sitri cruzou os braços. — Nossa, que organização horrĂ­vel Ă© a Fox — disse, como se isso nĂŁo fosse obra dela.

Eu jĂĄ nĂŁo sabia se dava pra confiar nela de novo. Lidar com os caçadores e mercadores astutos da capital imperial deixou ela cascuda
 mas serĂĄ que ela tambĂ©m perdeu a consciĂȘncia?

— Isso não pode ser só um disfarce — disse Franz. — Precisamos reportar ao Seu Majestade Imperial—

— NĂŁo Ă© sĂł isso — interrompeu Sitri. — Eles estĂŁo fazendo experimentos onde colocam fantasmas num liquidificador e extraem o material de mana deles! Eu vi com meus prĂłprios olhos! Os fantasmas gritavam de raiva enquanto eram brutalmente picotados e o lĂ­quido de mana era sugado!

— O-O que foi que ela disse?! — exclamou Eva, olhando pra mim. Por algum motivo, nĂŁo era sĂł ela e o Franz — a Sitri tambĂ©m olhou na minha direção. Mas se alguĂ©m ali estava desnorteado, esse alguĂ©m era eu.

Com os olhos cheios de lágrimas, Sitri apertou os punhos e continuou, com a voz ainda mais aguda que antes: — E não só isso! Eles tentaram criar uma criatura mágica costurando as melhores partes de criminosos diferentes! Maldita seja, Fox!

Chega! VocĂȘ tĂĄ me assustando, e eu nem sei do que tĂĄ falando!

Coloquei a mão na cabeça da Sitri, interrompendo por ali. — Bom, isso não vale a pena se preocupar.

— NĂŁo vale a pena se preocupar?! — exclamou Franz. — Extrair material de mana e criar criaturas mĂĄgicas perigosas sĂŁo prĂĄticas terminantemente proibidas! VocĂȘ tĂĄ calmo demais pra alguĂ©m que acabou de sobreviver a uma tentativa de vingança! Qualquer um mais fraco teria morrido!

Ah. É mesmo. Aquela poção foi feita pra matar fantasmas de alto nível.

Teria sido tudo muito mais fĂĄcil se eu nĂŁo soubesse tanto quanto sei.

— É, mas já tî acostumado a ser atacado — falei.

Sem falar que também tÎ acostumado a fazer besteira. A vontade de me jogar no chão e pedir desculpa jå tava vindo com força.

Franz cruzou os braços e ficou analisando a falsa princesa imperial. Depois de alguns momentos nisso, ele veio até mim, olhando nos meus olhos. O rosto dele tava sério, cheio de rugas de preocupação na testa.

— O laboratório foi destruído — Sitri avisou. — Não acredito que eles vão conseguir produzir mais impostoras.

— Hmph. EntĂŁo vocĂȘ tĂĄ dizendo que evitamos o pior cenĂĄrio? Mesmo que consigam fazer outra, agora que conhecemos o plano deles, podemos bolar um contra-ataque. Agora me diga, essa impostora aĂ­ nĂŁo fala?

— Imagino que tenham medo de que ela diga algo errado.

— Nem confiam na própria criação. Bah, vermes miseráveis.

Sitri apenas sorriu.

Para com isso, Franz! VocĂȘ tĂĄ insultando a Sitri! Ela Ă© meio esquisita, mas nĂŁo Ă© mĂĄ pessoa!

— Provavelmente ela ainda nĂŁo foi programada — explicou ela. — No estado atual, diria que Ă© inofensiva.

Franz olhou pra ela. — VocĂȘ tĂĄ bem informada.

Sitri retribuiu o olhar. — Eu sou uma Alquimista. Tenho certa familiaridade com criaturas mágicas como essa.

Fiquei impressionado com a facilidade que ela tinha pra mentir.

— Muito bem — suspirou Franz. — Vamos levar a falsa princesa imperial. Depois, quero que me conte sobre esse laboratório destruído. Quero investigar assim que puder, mas no momento não temos pessoal suficiente. Por mais que eu não goste de admitir, não temos recursos pra mais do que a operação atual em Kreat. Não podemos trazer muitos cavaleiros pra uma terra estrangeira sem arriscar um incidente diplomático.

Parecia que o Franz tava atolado de trabalho. Dava pra ver o cansaço no rosto dele. Jå era responsåvel pela segurança do imperador, agora tinha que lidar com isso também. Não devia estar sendo fåcil.

— Oh, uma operação em Kreat? Tem algo acontecendo? — perguntei.

— Hm? — Franz franziu a testa e me encarou desconfiado. — A Associação nĂŁo falou com vocĂȘ sobre isso? É sobre a Chave da Terra.

Tinham dito que a Fox tava tramando algo, mas nĂŁo entrei nos detalhes.

Pera. Chave da Terra?

— Agora que mencionou, vocĂȘ Ă© um colecionador de RelĂ­quias, nĂ©? Sabe de alguma coisa?

Em resposta, saquei a Chave da Terra da bainha. Deixei a luz refletir na lĂąmina ornamentada. Talvez ela nĂŁo fosse feita pra combate, mas era muito bonita de se ver.

— Mmm, nem eu sei muito sobre ela. Tem uma num museu, talvez vocĂȘ possa perguntar lĂĄ?

Franz me olhava em silĂȘncio, totalmente atĂŽnito. Fiquei feliz que ele tenha reconhecido que eu era um colecionador, mas o mundo das RelĂ­quias era profundo demais. Mesmo com ela nas mĂŁos, eu nĂŁo conseguia dizer muito alĂ©m do Ăłbvio: era algo especial.

Foi entĂŁo que percebi que os olhos de Franz estavam quase saltando das Ăłrbitas. Movi a RelĂ­quia, e o olhar dele a seguiu.

Guardei a espada e sorri para ele. Pensei em mencionar o museu de novo.
— Essa aqui estĂĄ alĂ©m atĂ© do meu conhecimento. Tem uma no museu—

—P-POR QUE VOCÊ TEM ISSO?! — ele berrou.

Uma organização que havia crescido lentamente nas sombras foi, pela primeira vez desde sua fundação, lançada ao caos.

A dedicação deles ao sigilo fazia com que seus membros estivessem quase sempre no escuro. A Fox operava com um sistema onde agentes de diversas regiÔes reportavam à sede; a sede investigava cuidadosamente e então disseminava informaçÔes apenas quando necessårio. A maior parte da comunicação era feita por Pedras Sonoras, e os agentes não sabiam onde a sede ficava.

Esse sigilo rigoroso era uma das razÔes pelas quais a Fox havia conseguido permanecer tão elusiva. Mas agora, esse mesmo traço estava se voltando contra eles.

As forças-tarefa da Fox tinham certa autonomia, jĂĄ que contatar a sede era um processo complicado e a organização preferia manter a comunicação ao mĂ­nimo, a menos que fosse uma emergĂȘncia.

—Produzindo tofu frito? Que tipo de operação Ă© essa?

—Recebemos um relatório de Galf dizendo que está tudo correndo como o esperado.

—Descobrimos que estĂŁo em contato com outras organizaçÔes, atĂ© mesmo com antigos inimigos.

—Deve fazer parte do plano dele. Aquele homem Ă© cauteloso. Embora eu ache que estĂĄ indo longe demais.

Na base operacional responsåvel pela capital imperial e åreas vizinhas, os especialistas estavam tendo dificuldade para organizar o fluxo de informaçÔes vindas dos colaboradores.

—Recebemos informaçÔes de que houve um atentado Ă  hospedaria que abrigava o Primeiros Passos. Qual equipe fez isso?!

—Uma falsa princesa imperial apareceu?

Qualquer informação relevante exigia tempo para ser processada, mas aquilo estava demais. Enquanto nenhum relatório vinha da equipe em campo, presumiam que estava tudo sob controle. Mas aquela era a maior trama da Fox até então. Se desse errado, todas as outras operaçÔes seriam impactadas.

O atentado Ă  hospedaria jĂĄ era um problema, mas a princesa imperial falsa? Tofu frito? Isso nĂŁo podia ser ignorado.

—Enviem uma equipe — disse uma voz carregada de tensão. — Algo pode estar acontecendo. E descubram qual idiota de pesquisador criou uma cópia da princesa imperial! Já fomos pegos de surpresa pelos vazamentos durante o fracasso da Contra Cascata, não podemos permitir outro!

Alguém se levantou e disse:
—Comunicação de emergĂȘncia do chefe. Acredita-se que a equipe Kreat foi infiltrada!

Todos empalideceram ao ouvir essas palavras malditas. Por um instante, ninguém quis acreditar.

—Como Ă© que Ă©?

A Fox era extremamente criteriosa com seus membros. Galf era experiente, forte, carismåtico e um bom líder. Difícil pedir mais. Apesar de um pouco ambicioso demais, era meticuloso e conhecido por quase nunca ter que sair de seus planos, e por isso havia sido escolhido para liderar uma missão tão importante. Ele tinha até permissão para ter uma Donzela Sagrada da Raposa em sua equipe.

—Ele nĂŁo Ă© do tipo traidor. SerĂĄ que alguĂ©m enganou ele e conseguiu se infiltrar no time?

ImpossĂ­vel. Galf nĂŁo confiava em estranhos. SĂł confiava em membros da prĂłpria organização. No entanto, pensando bem, havia algo estranho no caso da Contra Cascata. Aquele homem era um assassino habilidoso demais para ser parado por alguĂ©m que nĂŁo soubesse dos seus planos com antecedĂȘncia, sem contar que ele havia escondido seus verdadeiros poderes atĂ© dos prĂłprios companheiros de clĂŁ. Isso levava a uma Ășnica conclusĂŁo:

—SerĂĄ possĂ­vel? SerĂĄ que alguĂ©m de dentro da organização nos traiu?!

A sala caiu em silĂȘncio na hora.

Um dos resultados do sigilo da Fox era que poucos membros sabiam que não havia apenas um chefe. Existiam vårios comandantes com aquelas måscaras especiais. Cada um deles supervisionava uma grande årea e se comunicavam regularmente entre si para definir os rumos da organização.

Galf era o mais cauteloso possível, e Telm tinha sido um caçador de Nível 7, mas ambos haviam sido superados. Um caso isolado até podia ser ignorado, mas duas vezes? Tinha que haver um motivo. Os dois desconfiavam de estranhos; se foram derrotados, só podia ter sido pelas mãos de um traidor. E o pior: havia pouquíssimos membros da Fox com autoridade suficiente para dar ordens a membros de alto escalão sem levantar suspeitas.

Essa operação podia decidir o futuro da organização e ampliar consideravelmente a influĂȘncia do chefe na regiĂŁo imperial. Conflitos internos existiam em qualquer organização, nĂŁo importava quando ou onde. AtĂ© agora, a Fox tinha conseguido evitĂĄ-los.

—O que vamos fazer?

—Isso estĂĄ alĂ©m das nossas capacidades. O chefe jĂĄ deve ter percebido.

Se o operador estivesse certo, a culpa nĂŁo era de Galf. A identidade dos chefes era mantida em segredo e sua autoridade era absoluta e incontestĂĄvel. Foi assim que chegaram onde chegaram.

—O chefe disse que temos que recuperar a Chave da Terra a qualquer custo.

—Hm?! Droga. Entrem em contato com Galf imediatamente. Mas não deixem ele saber a verdade, não podemos correr o risco do traidor descobrir que estamos no rastro dele. Ainda dá pra consertar isso!

Sem a Chave da Terra, essa operação não podia seguir. Se ela não fosse recuperada, a missão estava condenada. Se estourasse um conflito interno, a organização ficaria paralisada e as perdas seriam grandes. Mas jå era tarde demais para parar o que estava vindo.

Os operadores se recuperaram do choque e começaram a agir. O ar na sala havia mudado. Um conflito brutal estava diante deles — e se aproximando.

Fazia tempo desde o meu Ășltimo encontro com o grande potentado.

— A Chave da Terra foi recuperada, entĂŁo? — ele disse apĂłs ouvir o relatĂłrio de Franz. Notei sua sobrancelha se contraindo ao se virar para mim. — Os rumores nĂŁo fazem jus a vocĂȘ. Mas com isso e a cĂłpia da Murina, nĂŁo consigo entender como tudo se encaixa.

— Eu consideraria uma coincidĂȘncia, Vossa Majestade Imperial — respondi.

Franz me lançou um olhar dizendo claramente para eu guardar esse pensamento para mim, mas eu estava sendo honesto.

— Agradeço a vocĂȘ, por isso e por orientar minha filha. Farei questĂŁo de preparar outro presente como sinal de gratidĂŁo, embora isso tenha que esperar atĂ© que a situação esteja resolvida.

— E-Eu não fiz nada de mais.

De fato, nĂŁo fiz mesmo. O Ășnico destaque aqui era a trapaça da Sitri.

Sitri, vocĂȘ Ă© incrĂ­vel! NinguĂ©m mais jamais foi agradecido por espremer o sangue da princesa imperial e fazer uma cĂłpia dela!

Enquanto eu lutava com minha culpa, Sitri deu um passo à frente e disse com total confiança:

— Foi em Zebrudia que nos tornamos caçadores. É natural que façamos o que pudermos pelo impĂ©rio que nos formou.

Eu queria arrancar a lĂ­ngua dela. Essa Sitri era o tipo de Sitri em quem nĂŁo dava pra confiar nem pra pegar um copo de ĂĄgua.

Depois de ouvir suas platitudes, o imperador disse:

— Entendo. VocĂȘ Ă© Sitri Smart, nĂŁo Ă©? Ouvi dizer que Ă© uma grande Alquimista.

— Estou profundamente honrada, Vossa Majestade Imperial. Mas, comparadas às habilidades de Krai, as minhas parecem ínfimas e insignificantes.

Para com isso.

Talvez ela estivesse fazendo isso por minha causa, mas eu jå estava farto dessas exaltaçÔes sem sentido.

— Hmm. A propĂłsito, posso perguntar qual Ă© o seu relacionamento com o Mil Truques?

— Sou esposa dele.

Sem nem pensar, dei um tapa na parte de trås da cabeça dela. Franz e o imperador ficaram boquiabertos.

Ah, agora eu fiz besteira. Mas pera aí. Tudo que ela falou até agora foi mentira!

Tentei parecer o mais imponente possĂ­vel e joguei tudo pra debaixo do tapete.

— Chega de piadas por hoje. Vamos ao que interessa.

— Ah. De fato. Franz.

Franz deu um passo à frente. Sitri ficou séria, como se eu não tivesse acabado de dar um tapa nela.

— Vamos começar do começo — disse Franz. — Em certos cĂ­rculos, a Chave da Terra Ă© classificada como uma arma de classe um. Quando foi descoberta, suas capacidades eram incertas e ela foi doada a um museu. No entanto, a verdadeira natureza da RelĂ­quia foi revelada apĂłs o achado de alguns registros literĂĄrios sobre ela.

Uma arma de classe um. Eu tinha quase certeza de que isso era coisa séria. Existia uma quantidade imensa de Relíquias, mas armas de classe um eram praticamente inexistentes. Isso significava que a Chave da Terra estava na mesma categoria que a Fortaleza Flutuante. Coisas assim eram o motivo de eu achar Relíquias tão fascinantes. Devido ao seu potencial destrutivo, informaçÔes sobre Relíquias como essa eram mantidas em sigilo. Exceto no caso da Fortaleza Flutuante, que era tão grande que era impossível esconder.

O que diabos uma RelĂ­quia dessas tĂĄ fazendo num museu?

— O motivo da Chave da Terra ter permanecido no museu foi a imensa quantidade de mana que ela exige — disse Franz. — NinguĂ©m Ă© capaz de carregĂĄ-la. Caso outro exemplar apareça, Ă© prĂĄtica comum tratar RelĂ­quias assim como se fossem itens inofensivos. O que nos leva Ă  pergunta: como aqueles desgraçados conseguiram essa informação?

— HĂŁ? NinguĂ©m consegue carregar?

— Correto. Segundo os registros descobertos, na Ă©poca da Chave da Terra original, existia uma ferramenta feita especificamente para armazenar energia, e ela guardava mais energia do que um ser humano seria capaz de gerar.

Isso estava começando a soar como um daqueles casos em que uma Relíquia precisa de vårias partes pra atingir seu verdadeiro potencial, mas só uma delas havia se manifestado. Acontecia de vez em quando, mas sinceramente, eu não sabia pra que serviria guardar tanta energia assim.

RelĂ­quias nĂŁo eram necessariamente idĂȘnticas Ă s ferramentas histĂłricas em que se baseavam. Eu tinha ouvido que muitas dessas ferramentas originais nem usavam mana. E se a ferramenta de carregamento exigisse tanta energia quanto a Chave da Terra, seria como colocar a carroça na frente dos bois. Essas consideraçÔes provavelmente foram o motivo de a RelĂ­quia ter permanecido no museu.

— Entendo — disse, com um aceno de cabeça. Agora fazia sentido o Luke não ter conseguido carregar a espada.

Ah. NĂŁo. Quem carregou foi a Lucia.

— A Lucy usou o rabo e minhas poçÔes — sussurrou Sitri, animada. — Ela estava determinada a carregĂĄ-la.

Agora nĂŁo era a hora de me contar isso.

— N-NĂŁo me diga — disse Franz, com uma voz que parecia ter saĂ­do dos abismos do inferno. Ele deve ter percebido. — Foi vocĂȘ que carregou?

— Eu nunca disse isso!

— Tá suando feito uma cachoeira! Acha que eu nasci ontem?! Acha mesmo?!

A voz estrondosa dele fez meus ouvidos zumbirem, mas eu simplesmente nĂŁo sabia o que dizer. Em meio Ă  sua fĂșria, ele tentou me agarrar, mas foi impedido por uma mĂŁo pequena e pĂĄlida. Os olhos de Franz se arregalaram. A mĂŁo era da princesa imperial falsa. As criaçÔes da Sitri sempre eram leais, mas esse nĂŁo era um bom momento pra mostrar isso!

— Calma — falei. — Tá bom, eu carreguei. Mas já foi, não tem como voltar atrás.

— E-EntĂŁo vocĂȘ carregou mesmo?! Como?!

— Se vocĂȘ tem uma RelĂ­quia, Ă© normal tentar carregar, uĂ©. Arnold, Ark, o Inferno Abissal, todos fariam o mesmo! Qualquer caçador de tesouros faria!

Franz estava vermelho como um tomate.

— Não tenta mudar de assunto!

Eu nĂŁo fiz nada de errado. Se tem algo errado aqui, Ă©, é  a natureza dos caçadores de tesouro!

— NĂŁo tem nada de ilegal em carregar uma RelĂ­quia — falei, desesperado pra provar minha inocĂȘncia.

— VocĂȘ tĂĄ tentando matar a gente, por acaso?!

— Eu não sabia que era tão perigoso assim.

—NĂŁo minta pra mim! O Mil Truques, artĂ­fice super-humano! ClarividĂȘncia que beira a precognição e uma rede de informaçÔes que cobre todo o impĂ©rio! NĂŁo tem como vocĂȘ nĂŁo saber! VocĂȘ devia ter percebido sĂł pela quantidade de mana que isso exigiu! Se continuar fingindo, eu te jogo na cadeia!

NĂŁo consegui evitar e falei o que pensei. —Nossa, vocĂȘ tem uma opiniĂŁo bem alta sobre mim.

—Aaaagh! —ele gritou.

Nada de bom podia sair de nobres imperiais acreditando nesses boatos absurdos. Eu era um cara com menos sorte que a princesa imperial.

Sem saber o que fazer com Franz naquele estado, o imperador voltou seu olhar desconfiado pra mim. —VocĂȘ diz que carregou isso, mas, pelo que sei, nem cem Magos do EspĂ­rito Nobre juntos conseguiriam. Como foi que—oh, por acaso vocĂȘ conseguiu a RelĂ­quia usada pra carregar isso?

—Hm?

Vendo minha expressĂŁo surpresa, ele franziu a testa e apertou a ponte do nariz. —VocĂȘ estĂĄ me dizendo que um humano carregou isso? Isso Ă© possĂ­vel? CĂ©us


—E-Este homem Ă© especial, Vossa Majestade Imperial! —Franz se apressou em completar.

Hmm. Entendi.

O imperador era um guerreiro renomado, mas até ele parecia perdido. Essa Relíquia não era brincadeira. Sinceramente, como o Clube de Fãs da Måscara de Raposa (nome provisório) conseguiu algo tão perigoso assim? Vou ter que perguntar pro Galf quando o vir de novo.

Eu adorava Relíquias. Gostava de usar, gostava de colecionar e até aceitava ficar em dívida com a Sitri em nome das Relíquias. Mas eu gostava de achar que ainda tinha um mínimo de bom senso.

Mantendo-a na bainha genĂ©rica, tirei a espada do cinto e a entreguei para o Franz. —Agora entendi. Pegue. Vou deixar com vocĂȘ.

—Hm?!

No instante em que viram a Chave da Terra, o imperador deu um passo pra trĂĄs e Franz se colocou na frente dele. Sitri olhou para ela horrorizada, e tenho quase certeza de que ouvi a princesa imperial falsa dizer “Mata, mata.” Eu era o Ășnico que estava tranquilo.

—V-VocĂȘ estĂĄ diante de Sua Majestade Imperial, nĂŁo vĂĄ só


—Eu jĂĄ disse, tĂŽ entregando pra vocĂȘ.

—Não aponte isso pra mim, seu cretino! Por favor, Vossa Majestade Imperial, saia da sala por segurança!

Me chamou de cretino?!

Durante essa troca rĂĄpida, cavaleiros invadiram a sala.

—Não toquem na chave! Se ela for ativada, essa terra será devastada! Prendam ele!

Ahhh, que droga, o que eu devia fazer?

Realmente, não havia nada melhor que o mundo humano. Ela nunca tinha saído do cofre de tesouros antes, mas sabia que seu instinto estava certo. Para a Raposinha e os outros fantasmas da Peregrine Lodge, os humanos eram seres inferiores, mas também idiotas adoråveis. Naturalmente, essa visão só se aplicava aos humanos que eles conseguiam enganar, mas os que eram fortes (ou burros) o bastante pra não cair nas armadilhas da Raposinha eram poucos e raros. Lå em Toweyezant e agora nesta cozinha, ela estava cercada de oportunidades.

Sob ordem de Galf—mais uma vĂ­tima da fantasma—um monte de adultos fortĂ”es cozinhavam em frigideiras, com os olhos totalmente sem vida. A garota de manto branco olhava incerta para a Raposinha. Essa menina era aparentemente uma humana que adorava a MĂŁe Raposa como uma deusa.

A pequena fantasma não sabia que existiam adoradores antes, mas o que esses tolos faziam não era problema dela. Esses humanos eram supostamente parte de alguma organização secreta com uma grande missão, mas nada disso importava pra Raposinha. Comer tofu frito conseguido na base da enganação era o bastante pra satisfazer seu paladar e seus instintos. Isso era a suprema felicidade.

Bateram à porta e ela se abriu. Raposinha estava assumindo a forma do Senhor Cautela, o homem venerado por Galf. As raposas espectrais tinham mais de uma habilidade, mas assumir a forma de outras pessoas era sua especialidade. E ela não virava qualquer Senhor Cautela, não—ela se transformava naquele homem todo-poderoso que Galf acreditava que ele fosse.

Ela brincava com um pedaço de tofu frito moldado como uma mĂĄscara de raposa e olhava para Galf com total complacĂȘncia. —Aconteceu algo?

—Nosso trabalho tá indo bem, chefe —ele respondeu. —Mas recebemos uma mensagem estranha da sede


Como descendente de uma deusa, a Raposinha tinha um QI muito acima de qualquer humano. Ela nĂŁo tinha dificuldade alguma pra entender esses seres inferiores e conseguia usar seus idiomas com facilidade. Com uma inteligĂȘncia dessas, enganar humanos era fĂĄcil demais.

—NĂŁo importa —disse ela com firmeza. —Seu chefe Ă© o Senhor Cautela. Suas ordens nĂŁo vĂȘm da sede, vĂȘm de mim.

—Senhor Cautela?

—Mas eu sei o que eles querem. E se eles querem, podem ficar. Isso aqui era só uma peça reserva mesmo.

A Raposinha pegou um pedaço de tofu frito fumegante de um prato atrás dela. Em um piscar de olhos, transformou o tofu naquilo que o Galf queria—uma Chave da Terra, ainda quente. Ele pegou e se atrapalhou um pouco, soltando um gemido.

—Tá quente! O que houve—

—Foi só esquentado demais, só isso. Agora pega. Isso deve satisfazer a sede.

Galf pareceu desconfiado por um instante, mas agradeceu e saiu da sala. Os humanos eram mesmo tolos. Galf até que era competente, pro padrão humano, mas não sabia diferenciar tofu frito de uma Relíquia.

Os disfarces da Raposinha eram bons o suficiente pra enganar o mundo inteiro se usados direito, mas ao mesmo tempo, podiam ser percebidos por qualquer um com um pouco de habilidade. Com o tempo, eles iam perceber que tinha algo errado, mas um truque sĂł terminava de verdade quando a vĂ­tima percebia que foi enganada.

Satisfeita com a tolice das raças inferiores e com a qualidade do próprio disfarce, a Raposinha riu sozinha. Flutuando de costas, tirou seu Smartphone, quando algo lhe ocorreu. O Senhor Cautela vinha usando um pedacinho de tofu frito disfarçado de Smartphone como se fosse um de verdade. Quanto tempo serå que ia levar até ele perceber o truque?

O que essas pessoas querem de mim, afinal?

Arrastei meu corpo cansado pelas ruas de Kreat. Eu nĂŁo estava nem um pouco satisfeito com o resultado da minha audiĂȘncia com o imperador — tinham enfiado a Chave da Terra em minhas mĂŁos. Eu nĂŁo conseguia entender o propĂłsito de me fazer carregar algo tĂŁo mortal. Nada de bom vinha com um nĂ­vel alto.

Apesar da minha carranca, Sitri estava de Ăłtimo humor.

— Acho que dar a RelĂ­quia para vocĂȘ foi uma decisĂŁo muito perspicaz! — disse ela. — Fico tĂŁo feliz que aceitaram os Experimentos nÂș 1, 2 e 3. SĂł espero que minha pesquisa seja Ăștil pra vocĂȘ.

Que idiota sem noção disse pra ela virar Alquimista?

NĂŁo havia nem um pingo de malĂ­cia nos olhos dela, e algo em sua expressĂŁo fazia com que parecesse alguns anos mais jovem do que o normal. Era um rosto que enganaria quase qualquer um. Eu queria dar um soco nela, mas aquele bom humor dela tornava isso difĂ­cil.

— É
 — foi tudo o que consegui dizer.

— Se tiver algo te preocupando, posso te ouvir.

Eu tinha tantas preocupaçÔes que dava pra fazer uma liquidação de preocupaçÔes, e uma delas estava bem na minha frente. Mas a que mais me incomodava era a Chave da Terra, que alguma organização secreta queria pÎr as mãos. Aparentemente, o ataque ao museu tinha a ver com isso. Felizmente, o museu estava bem; poucas pessoas sabiam que eu tinha uma segunda chave. Mas mesmo que fosse só enquanto eu estivesse em Kreat, não tinha certeza se conseguiria manter essa coisa segura.

Sitri levou um dedo pensativo aos lĂĄbios e disse:

— Sabe, uma espada que atrai calamidades parece ter vĂĄrias aplicaçÔes interessantes.

O jornal não havia listado do que a Chave da Terra era capaz, mas Franz e sua galera descobriram. Resumindo, era uma Relíquia que descarregava energia. Enquanto a espada Historia do Ark conseguia reunir energia e liberå-la com uma força aterrorizante, a Chave da Terra era mais voltada para dano em årea.

Essa não era uma habilidade incomum em Relíquias do tipo espada, mas segundo escritos antigos, a Chave da Terra podia rasgar o chão, romper o céu e submergir ilhas. Era quase inacreditåvel.

— Quer que eu fique com ela? — ofereceu Sitri com um sorriso.

A tutela da Sitri estava fora de cogitação, assim como a dos meus outros companheiros. Se eu entregasse pra Liz ou alguĂ©m assim, iam sair brandindo a espada e dizendo algo como: “Ah, Ă© perigosa assim? Como se usa? Assim?”

Soltei um suspiro, e no meio da multidĂŁo, vi um homem familiar. Era o Galf. Devia nĂŁo estar no clima da mĂĄscara, porque nĂŁo estava usando uma dessa vez. Tenho certeza de que trocamos olhares, mas ele desviou o olhar logo em seguida.

— Eeeei, Galf! — chamei, acenando com a mão. — Aqui!

Galf se contraiu, mas continuei acenando. Eventualmente, ele veio até nós, com uma expressão de quem estava sofrendo.

— Chefe — sussurrou ele —, melhor a gente não


— Justo o cara que eu queria ver. Tenho essa chave aqui, sabe


— Por que vocĂȘ tĂĄ com ISSO?! Achei que tivesse devolvido!

Como ele sabe que eu tentei devolver? Ah, tanto faz.

— NĂŁo entendi direito, mas acabou voltando pra mim. Me mandaram guardar, mas serĂĄ que posso deixar com vocĂȘ?

Galf ficou atordoado por um momento, depois me lançou um olhar desconfiado.

— Voltou pra vocĂȘ?! B-Bem, eu acho
 Claro, posso ficar com ela


EntĂŁo bati o punho na palma da mĂŁo. Tirei a mĂĄscara de raposa.

— Ah, Ă© mesmo. Ótima hora. Aqui, como prometido.

O rosto de Galf congelou. Ele claramente nĂŁo esperava por isso. A mĂĄscara era, no fim das contas, sĂł um drop de dungeon. Talvez fosse algo especial, mas o valor disso passava direto por mim. Tinha certeza de que ela estaria mais feliz com o Galf. SĂł que o cara ficou branco que nem papel. Ele parecia durĂŁo, mas talvez fosse meio mole por dentro?

— E-Essa máscara. Mas ainda não terminei o trabalho. Ainda não sou digno


Ele falava de forma desconexa, como se estivesse confuso.

— NĂŁo, vocĂȘ jĂĄ Ă© mais do que digno! — falei com minha voz de durĂŁo, mesmo que estivesse sĂł inventando. — VocĂȘ jĂĄ me mostrou que tem o que Ă© preciso pra ser o dono dessa mĂĄscara!

Galf ficou de boca aberta. Me ocorreu que essa måscara foi o motivo de eu ter conhecido essa galera. Eu nunca devia ter me envolvido com o Clube da Måscara de Raposa. Se não tivesse, nunca teria conseguido a Chave da Terra, a Sitri não teria criado uma princesa imperial falsa, e o Luke não teria desenvolvido essa mania de cortar pessoas aleatórias, eu não teria virado caçador mesmo sem talento nenhum, e a Tino não teria sofrido nas mãos da Liz. Tenho certeza disso.

— Quero que continue fazendo o que faz pelo Clube da MĂĄscara de Raposa! — falei pra ele. — É melhor essa mĂĄscara estar com alguĂ©m que saiba apreciĂĄ-la. Pode ter sido coincidĂȘncia eu ter conseguido ela, mas como seu predecessor, espero que vocĂȘ a use bem!

— M-Mas os nossos objetivos e a iniciação—

— Objetivos? Iniciação? A partir de agora, Ă© vocĂȘ quem define os objetivos!

Os olhos de Galf se arregalaram o mĂĄximo que podiam.

Eu só queria me livrar disso. Menos uma dor de cabeça, mesmo que pequena.

O que foi que eu fiz mesmo? Hã? Meu erro foi não ter feito nada? Ha ha ha


— Agora, se tiver algum problema, por que não conversa com a Sora sobre isso?

Achei que ela devia assumir alguma responsabilidade por ter dito que eu era o verdadeiro chefe quando sabia que nĂŁo era. Embora eu nĂŁo tivesse tanta certeza, achava que o Galf merecia mais o cargo do que um cara que mal entendia o grupo.

No fim das contas, nunca descobri o que o Clube da MĂĄscara de Raposa realmente faz.

Galf me olhou em silĂȘncio, mas por fim assentiu.

— Seria uma honra, chefe.

Estava decidido. Agora sĂł faltava pedir para meus amigos ajudarem a proteger a Chave da Terra, e depois devolvĂȘ-la quando o impĂ©rio estivesse pronto para recebĂȘ-la de volta. Tinha certeza de que a mulher piromanĂ­aca daria conta dos raposas do mal.

— E agora, o que vai fazer, chefe?

— Hmm. Ainda tenho um trabalho pra terminar, mas acho que vou relaxar um pouco e assistir às batalhas.

Eu nĂŁo sabia quĂŁo forte a princesa imperial tinha se tornado no fim das contas, mas fizemos tudo o que podĂ­amos por ela. Estava ansioso para ver como Luke, Krahi, Touka e o resto se sairiam no torneio. Podia me sentar com uma pipoquinha e curtir as lutas com a Tino.

Galf assentiu com a cabeça, então olhou para a Sitri, que estava ao meu lado.

— AliĂĄs, se nĂŁo for incĂŽmodo perguntar
 qual Ă© a sua relação com a senhorita aĂ­ do lado?

Percebi que, embora ela tivesse ajudado na busca pelos bandidos, os dois ainda nĂŁo tinham sido devidamente apresentados. Eu nĂŁo sabia bem o que dizer, mas a Sitri respondeu por mim.

Sorrindo, ela juntou as palmas das mĂŁos e disse:

— Sou a esposa dele.

A essa altura, ela tava sĂł pedindo pra apanhar.

Uma voz exasperada e carregada de desdĂ©m encheu a sala fracamente iluminada. “Nunca imaginei que o Galf fosse um idiota. Primeiro a Cascata Reversa, agora isso. Nunca considerei possibilidades como essa.”

Em algum lugar de Kreat, havia um esconderijo conhecido apenas por alguns poucos membros da Fox. Dentro dele, um punhado de figuras sombrias se reuniu, todas usando måscaras de raposa. Sentado ao centro, estava um jovem com uma måscara branca de raposa e um manto que se fundia com as sombras ao redor. Sua postura era relaxada, mas sem nenhuma brecha. Seu físico não era impressionante, mas ele tinha um carisma natural que podia impedir uma briga antes mesmo de começar. Como sua posição no centro sugeria, ele era um dos membros mais altos da Fox.

— Chefe, aquele homem pode ser competente, mas no fim das contas ainda era sĂł o lĂ­der de um bando de ladrĂ”es. Pode ser que alguĂ©m esteja explorando algum ponto fraco dele. NĂŁo acho que ele seria burro o suficiente pra te trair sem um bom motivo.

— Que vergonha. Essa operação vai decidir o futuro da nossa organização, e agora pode fracassar. Ou será que o inimigo jogou melhor do que a gente?

Nenhum dos outros da Fox respondeu às palavras frias. Enganar alguém tão cauteloso quanto o Galf e interferir nos relatórios exigia informaçÔes que não deveriam vazar e uma låbia de prata refinada. Algo claramente estava errado.

Alguém do nível do Galf não confiaria em um estranho sem um sinal muito convincente. Eles ainda não sabiam o que era esse sinal, mas teriam que interrogå-lo a fundo assim que tudo terminasse.

— Eles se desviaram do plano vĂĄrias vezes e os subordinados do Galf estĂŁo todos fazendo tofu frito, aparentemente por ordem de alguĂ©m. A sede estĂĄ em caos, e tem gente atĂ© suspeitando de interferĂȘncia de outro dos Raposas Brancas. Que bagunça ridĂ­cula.

As palavras do chefe sugeriam que ele confiava em seus aliados, mas seu tom era congelante.

— A Ășnica coisa boa que vejo nisso tudo Ă© que a Chave da Terra foi devolvida ao Galf — continuou ele. — Hmph. É o mĂ­nimo que poderiam fazer, suponho.

— Então não dá pra contar com reforços da equipe do Galf — acrescentou um dos Fox.

— Vamos mudar o plano. Não podemos simplesmente recuar agora que fomos feitos de idiotas.

Fazer tofu frito. Quem teve essa ideia? Isso ia alĂ©m de deboche. O chefe nĂŁo sabia como o Galf foi convencido a aceitar aquelas ordens, mas isso pouco importava — ele jĂĄ nĂŁo era mais necessĂĄrio.

— Nosso inimigo ficou confiante demais. Vamos partir para o ataque. ReĂșnam todas as equipes da ĂĄrea e prendam o Galf e o pessoal dele. Se resistirem, matem. NĂŁo preciso de imbecis nas minhas fileiras.

A Fox limitava seus membros aos melhores dos melhores. Eliminar uma equipe inteira era como arrancar um braço. Era uma ordem sem precedentes, mas nenhum dos outros Fox sequer pestanejou. As ordens do chefe eram absolutas. Os outros podiam até ter opiniÔes, mas jamais desobedeceriam.

Olhando para a caixa que continha a Chave da Terra, o chefe disse em voz baixa:

— Eu cuido do Festival do Guerreiro Supremo. Não preciso de suporte. Todos os outros devem se dedicar à nossa vingança contra Zebrudia. Não sei o que o Mil Truques está tramando, mas vamos ensinar a ele o que significa ficar no nosso caminho.

Como ele enganou o Galf? Aquele sujeito irreverente da Pedra Sonora era mesmo o caçador infame que dizia ser? As duas perguntas ainda não tinham resposta. Mas todos estavam certos de que o Mil Truques era o responsåvel pelo fracasso da Cascata Reversa e do Chamador de DragÔes.

Mil Truques, NĂ­vel 8. Se ele nĂŁo fosse impedido agora, provavelmente continuaria atrapalhando os planos da organização. O chefe planejava esmagĂĄ-lo com as prĂłprias mĂŁos, diante de vĂĄrias testemunhas. Assim que sua vingança se completasse, a reputação do impĂ©rio seria abalada e sua influĂȘncia, reduzida.

— Finalmente, nossos sonhos vão se tornar realidade. O nome Fox será gravado nas almas de todos os que nos resistiram
 e dos que ainda nem ouviram falar de nós. Vão, meus companheiros de confiança! Vamos deixar nossa marca no Festival do Guerreiro Supremo.

A primeira coisa que notei ao entrar no cĂŽmodo foi uma atmosfera pegajosa e gordurosa, mas ao mesmo tempo perfumada. A cozinha que a Sitri tinha conseguido agora estava totalmente convertida numa fĂĄbrica de tofu frito. Pensar que chegamos a esse ponto. Eu sei que pedi uma cozinha, mas isso ainda estava bem longe do que eu imaginava.

Caixas de madeira estavam empilhadas por todo o lugar. A Sitri tinha preparado os ingredientes iniciais, mas claramente tinham conseguido mais. Olhei pra ela, que balançou a cabeça. Em tão pouco tempo, a Sora e sua turma devem ter arrumado um fornecedor.

Ao notar nossa chegada, Sora levantou os olhos da frigideira. NĂŁo havia nem um pingo de vida no olhar dela.

— Por ordens do Galf, expandimos a operação. Os subordinados dele estão na segunda e terceira cozinhas.

P-Passamos do ponto sem volta. Isso tudo começou numa brincadeira. O que aconteceu? VocĂȘs nĂŁo tĂȘm freios?

TambĂ©m havia uma pessoa que era idĂȘntica a mim, mas usando uma mĂĄscara e flutuando no ar. Eu nem sabia o que dizer sobre aquilo. Um sorriso estava colado no rosto da Sitri. Sora seguiu meu olhar e seus olhos quase saltaram das Ăłrbitas.

O outro eu me notou e tirou a mĂĄscara, revelando um sorriso niilista muito mais estiloso do que qualquer coisa que o eu verdadeiro conseguiria fazer. — Ora, ora. NĂŁo vou perguntar quem Ă© vocĂȘ, meu falso. Parece que se divertiu bastante usando meu rosto.

O quĂȘ?

Olhei para minhas palmas abertas. — Eu sou
 o falso?

— Esse aqui Ă© o verdadeiro! — guinchou a Sitri, enroscando os braços ao meu redor.

O eu descolado nos observou brevemente com um olhar levemente divertido, então abraçou os joelhos com petulùncia. Eu não entendi nada.

Tudo parecia mais confuso do que valia a pena, então me virei para a Sora e fui direto ao ponto. — Sora, eu dei a máscara pro Galf.

— HĂŁ?! QuĂȘ? Eh. Por quĂȘ?!

Sora estava atÎnita. O jeito como olhava de mim para o eu que abraçava os joelhos mostrava que ela não conseguia entender o que estava vendo. Tudo bem; eu também não conseguia.

— Parecia que ele queria, e eu nĂŁo precisava — falei. — Achei que vocĂȘ devia saber. Espero que consiga continuar daqui.

— Hã?!

Achei que todos continuariam se dando bem com a Touka e o grupo dela, entĂŁo nĂŁo me preocupei com isso. MissĂŁo cumprida!

T-TĂŽ brincando. Vou ficar de olho no Luke e na Liz, entĂŁo para de me olhar com esses olhos cheios de lĂĄgrimas.

— Tî indo pra casa — disse o eu verdadeiro, ainda abraçado aos joelhos.

Num piscar de olhos, o eu verdadeiro virou a Raposinha.

— Hã?! — gritou a Sora.

Ahh, entendi.

Sendo raposas aberrantes, não me surpreendia que fossem capazes de assumir outras formas. Mas por que ela assumiu a minha era um mistério total.

— O quĂȘ? S-SĂł um momento! — choramingou Sora, com as bochechas tremendo. — P-Por quĂȘ?!

— Tî entediada.

— Entediada? VocĂȘ tĂĄ entediada?! E-Eu devo fazer o quĂȘ agora?!

A Raposinha só suspirou, indiferente aos apelos da Sora. — Não seja tão obtusa. Isso aqui já não me anima mais. Acabou. Vou fazer turismo e depois pra casa. Valeu pelo tofu frito.

Que garota irresponsĂĄvel. Mas, embora fosse fĂĄcil esquecer, ela era sĂł uma fantasma.

Enquanto Sora permanecia parada, em choque, a Raposinha desapareceu. Anotei mentalmente de ter uma conversa com o irmĂŁo dela depois.

— O que foi que acabou de acontecer?! — gritou Sora.

— Ela Ă© egoĂ­sta — falei. — Mas Ă© uma fantasma, entĂŁo fazer o quĂȘ?

— Hm?

Por que eu?

Sora estava no limite. Nada fazia sentido. Ela precisava de mais tempo pra processar aquilo tudo.

Hmm, então se ele tiver razão, aquilo era uma fantasma? Hm? Isso significa que a Raposa Branca também era uma farsa? Um mau pressentimento acelerou o coração dela, e arrepios subiram pela sua nuca. Não, não, não, não.

Quantas mĂĄscaras brancas autĂȘnticas existiam?! NinguĂ©m tinha dito que isso podia acontecer. Onde foi que tudo desandou? Quando o Mil Truques conseguiu uma mĂĄscara? Quando ela o reconheceu como chefe sĂł por causa da mĂĄscara? Ou foi por nĂŁo ter admitido o erro?

Havia sĂł uma resposta. Em uma sala agora vazia, ela gritou em voz trĂȘmula, para ninguĂ©m alĂ©m de si mesma.

— E-Eu nĂŁo cometi erro nenhum! Digo isso com convicção! Nosso chefe, a Raposa Branca, deu a ordem de fazer tofu frito, entĂŁo eu fiz! Se o chefe disser que vamos conquistar o mundo com marmitas, Ă© dever da sacerdotisa obedecer! O chefe nĂŁo deve ser desafiado! Questionar Ă© proibido! Fiz o que estava ao meu alcance, portanto nĂŁo errei em nada!

A Raposa Falsa disse que aquela garota era uma fantasma. Isso só podia significar uma coisa: aquela garota não tinha apenas conseguido uma máscara, ela era uma cria da raposa sagrada. Se fosse verdadeira, isso explicaria o rabo e a aura inumana. Normalmente, encontrar um descendente do divino seria motivo de alegria
 mas não nesse caso.

E agora, o que Sora devia fazer? Tendo herdado uma måscara de uma impostora, Galf agora era um dos chefes? Ou não? Pensando de forma convencional, ele não era. Se aquela garota fosse uma das chefes da organização, até dava pra argumentar que o Galf herdou o título, mas ela era só uma fantasma.

Tentando não surtar, Sora concluiu que as coisas dificilmente podiam piorar. Ela estava especialmente irritada pelo fato da raposa fantasma ter entrado em contato com a organização através da Pedra de Som! Isso jå tinha passado do ponto de recuperação.

Ela sentia que a organização estava passando por uma grande mudança, e ela não passava de mais uma vítima arrastada pela correnteza. Mas o dado estava lançado, e ela tinha o dever de ser uma figura mística e infalível. Não havia espaço para uma Donzela que cometia enganos, então Sora não admitiria erros nem pediria desculpas.

Fugir não era opção. Ela não tinha dinheiro, não conhecia o mundo, e não havia como escapar da organização. Tudo que podia fazer agora era cumprir a vontade do deus. Com dedicação sincera, continuou a fazer tofu frito. O deus havia dito para conquistar o mundo desse jeito. O que viesse depois não importava. Ela era uma sacerdotisa leal, não uma líder.

Ouviu passos do lado de fora da porta. Pareciam de alguĂ©m andando com confiança. Sora bufou. Provavelmente era o Galf. Que pena que ele tinha recebido uma mĂĄscara autĂȘntica de um chefe falso. Em certo sentido, ele era uma vĂ­tima ainda maior que Sora, jĂĄ que nem sabia que aquele jovem era um impostor. Pelo que ela sabia, Galf era tĂŁo ignorante quanto ela — talvez atĂ© mais.

Mas agora que ele tinha uma mĂĄscara autĂȘntica, ele era um dos chefes e tinha todas as responsabilidades que vinham com isso. Era assim que essa organização funcionava. NĂŁo havia espaço pra dĂșvida.

A porta se abriu e Galf entrou, usando a mĂĄscara. Sora respirou fundo e retomou seu dever original, algo que nĂŁo fazia fazia tempo.

— Ó Raposa Branca — disse com austeridade —, conforme ordenado, estamos nos transformando em uma produtora de tofu frito. Deseja que continuemos nesse rumo?

Sora manteve a cabeça baixa. Diante do objeto de sua adoração, ela nĂŁo podia erguer a cabeça sem permissĂŁo. A Raposa Branca, que um dia foi rei entre os ladrĂ”es, permaneceu em silĂȘncio por alguns segundos.

A Donzela da Raposa Sagrada ajoelhou-se diante de Galf. Mas suas palavras o pegaram completamente de surpresa.

— A-Ah, sim — gaguejou ele.

Ele finalmente havia ascendido a uma posição importante dentro da organização, mas nunca se sentiu tão perdido em relação ao que estava acontecendo. O chefe tinha dito para ele perguntar os detalhes à Sora, mas ela não parecia estar mais informada do que ele.

Era um segredo aberto entre os membros de alto escalĂŁo que havia vĂĄrias Raposas Brancas. Isso significava que, mesmo com o tĂ­tulo de “chefe”, ninguĂ©m podia descansar sobre os louros. Se Galf nĂŁo garantisse seu territĂłrio rapidamente, as outras Raposas Brancas poderiam começar a se intrometer em seus assuntos. Ele ficou surpreso por receber a mĂĄscara sem nenhum tipo de iniciação, mas talvez esse fosse o teste. Se nĂŁo conseguisse lidar com isso, entĂŁo nĂŁo era digno do tĂ­tulo.

O olhar de Sora estava fixo nele. Galf supĂŽs que, como Donzela, ela havia crescido isolada, mas ao seu modo, estava determinada a cumprir seu dever. Nesse caso, Galf deveria fazer o mesmo.

Vamos começar avaliando o—

Antes que pudesse terminar o pensamento, a Pedra Sonora de emergĂȘncia em seu bolso começou a vibrar. Aquilo seria a iniciação? Agarrando-se Ă quele Ășltimo fio de esperança, levou a pedra ao ouvido.

— Galf Shenfelder da SĂ©tima Cauda. VocĂȘ Ă© suspeito de ter caĂ­do em um plano inimigo e colocado a organização em desvantagem. A partir de agora, vocĂȘ e seus subordinados estĂŁo dispensados de suas funçÔes. Um mensageiro estĂĄ a caminho. É melhor que obedeça.

Foi um raio em céu limpo. Antes que Galf pudesse responder, a conexão foi cortada. Ele olhou para Sora. Visivelmente tensa, ela evitava contato visual.

— Essa mĂĄscara Ă© inegavelmente autĂȘntica! — ela insistiu. — Os olhos de uma Donzela nĂŁo se enganam. VocĂȘ Ă© uma Raposa Branca!

Do que ela está falando?! Isso não pode estar acontecendo! “Plano inimigo”, foi isso que disseram?!

Galf era um membro leal da Fox, e foi justamente por isso que sempre obedeceu Ă s ordens, por mais estranhas que fossem. Ele nĂŁo tinha o mesmo fervor religioso das Donzelas, mas ser da Fox era muito mais lucrativo do que liderar um bando de Ladinos, e ele sabia muito bem o quĂŁo aterrorizantes os chefes podiam ser. Nunca havia cometido um erro grave em missĂŁo.

Suor frio escorria. Ele queria explicar o que tinha acontecido, mas sabia que isso não funcionaria. Se o que aquela pessoa na Pedra Sonora disse era verdade, então o que ele fez ia além de um simples erro. A Fox não era uma organização conhecida por perdoar. Mesmo que Galf não tivesse intençÔes traidoras ou cometido erro algum, poderia ser silenciado por causa disso. A falha de Telm parecia insignificante em comparação, e o timing só tornava tudo pior, jå que vieram logo após a tentativa fracassada de assassinato.

Galf forçou sua mente a pensar, mesmo em meio à confusão. Precisava encontrar o melhor caminho. Considerou a posição do chefe, da organização, de Sora e dele mesmo. Analisou as cartas que tinha em mãos para ver como poderia uså-las a seu favor. Galf não cairia sem lutar.

Havia apenas uma opção, e ele se comprometeu com ela. A organização poderia agir a qualquer momento, então precisava se mexer råpido.

— A sede deve estar confusa se estĂĄ suspeitando de alguĂ©m que possui uma mĂĄscara — disse ele para Sora.

— Acredito que esteja certo — respondeu ela, após uma pausa.

— Parece que um dos nossos se voltou contra a gente. NĂŁo sei quem Ă©, mas teremos que arrancĂĄ-lo pela raiz.

— Acredito que esteja certo — repetiu Sora, após uma pausa ainda mais longa.

EntĂŁo ela jĂĄ tinha percebido, em parte. Droga.

A intuição de Galf dizia que o contato da sede era legítimo e que o chefe é que era falso. Isso explicava por que tudo parecia tão esquisito. Deveria ter substituído Sora por uma Donzela mais experiente.

Mas agora era tarde para arrependimentos. O trunfo de Galf era que a mĂĄscara era genuĂ­na. Se a notĂ­cia ainda nĂŁo tivesse se espalhado, ele ainda teria alguma influĂȘncia na cidade onde passou tanto tempo se estabelecendo. Faria com que todos subissem a bordo do seu navio antes que percebessem que ele estava afundando. Suas chances de vitĂłria eram mĂ­nimas, mas era tudo o que restava.

— Eu determino nosso curso! ReĂșna quantos membros conseguir por perto e prepare-os para o combate!

Sora olhou para ele com os olhos arregalados. — Como desejar!

Galf queria dar um tapa nela, mas sabia que não podia fazer isso. Enquanto ela mantivesse o status de Donzela, ele e Sora estavam fadados ao mesmo destino, para o bem ou para o mal. Tinham algumas organizaçÔes criminosas do lado deles, entre outras vantagens. Iria tirar o måximo proveito antes que percebessem o que realmente tinha acontecido!

***

Era o Ășltimo dia antes do Festival do Guerreiro Supremo e a cidade estava mais fervorosa do que nunca. Abafei um bocejo e continuei minha rotina de checar o jornal, quando de repente meu sono foi embora num piscar de olhos.

— Hm? Hã. Hoje promete ser agitado.

A matéria descrevia brevemente um incidente em Kreat na noite passada. Pra minha sorte, a cidade estava perfeitamente tranquila desde a minha chegada, mas agora eu começava a ver que as coisas realmente podiam sair do controle nessa época do ano. Não achava que havia necessidade de compensar o caos perdido, mas quase parecia que estavam esperando o início do festival pra isso.

— A Princesa Murina estava envolvida nisso. Ou Ă© o que eu acredito — disse Lucia. Ela jĂĄ estava totalmente recuperada e carregava minhas RelĂ­quias. — Luke e os outros ficaram empolgadĂ­ssimos.

— O quĂȘ? Por quĂȘ?

A matĂ©ria dizia que o incidente provavelmente foi um conflito entre duas organizaçÔes criminosas. Luke adorava uma boa briga e andava com saudade de um pouco de pancadaria, entĂŁo nĂŁo duvidava nada que ele tivesse se metido num conflito que nĂŁo tinha nada a ver com ele. Mas a Princesa Murina? SerĂĄ que meus amigos tinham sido uma mĂĄ influĂȘncia pra ela? Ou talvez ela tivesse uma sede de sangue ainda maior que a da Princesa Matadinho?

— Estão bem ocupados, mesmo com o torneio sendo amanhã — comentei. — Será que já estão todos prontos?

Parecia mais uma batalha de verdade do que um aquecimento.

Lucia soltou um suspiro exasperado e me entregou um panfleto todo enfeitado.

— Isso Ă© o que eu gostaria de dizer pra vocĂȘ. VocĂȘ sabe que vai ser o primeiro a lutar, nĂ©?

Olhei pro panfleto e vi a chave do torneio. Piscando, li em voz alta o que Lucia estava apontando.

— Krahi Andrihee versus Krai Andrey?

Quantos caras com o mesmo nome que o meu existem por aĂ­?

— Krahi, vocĂȘ realmente devia tomar cuidado lĂĄ fora — disse Kule Saicool, o cĂ©rebro do grupo e o mais paranoico de todos.

Krahi assentiu.

— Sim, eu sei.

Os outros membros do grupo o observavam com preocupação.

Kutri Smyat, a IgnorĂĄvel, a Alquimista mal-humorada do grupo, estava jogada numa cadeira, pernas cruzadas e cigarro na boca.

— NĂŁo tem nada de errado em correr, sabia? — disse ela, num tom simpĂĄtico, o que era raro vindo dela. — SĂł de ter se classificado pro Festival do Guerreiro Supremo jĂĄ Ă© coisa grande. NĂŁo acho que vocĂȘ vĂĄ apanhar feio nem nada, mas tambĂ©m nĂŁo quero te ver saindo quebrado. Se vocĂȘ for mesmo participar, entĂŁo meu dinheiro vai no outro cara.

Let This Grieving Soul Retire Nageki No Bourei Wa Intai Shitai Animexnovel Vol 7 Illustrations 9 – Grieving Soul – Capítulo 4 – Volume 7 traduzido

—Hã?! Meu irmão nunca perderia! — gritou Lusha. — E eu achava que havia regras contra membros do grupo apostarem em qualquer um que não fosse o líder—

—Sempre existem alternativas, e vocĂȘ nĂŁo precisaria que eu te explicasse isso se nĂŁo fosse tĂŁo ingĂȘnua. Agora, e se o Krahi vencer? Ele pode estar cutucando um ninho de vespas! Pode atĂ© ser que o Krahi seja mais forte que o oponente
 Mas Lusha, vocĂȘ com certeza nĂŁo Ă©.

Lusha ficou sem palavras diante da franqueza de Kutri.
—Isso nĂŁo Ă© verdade! AlĂ©m disso, vocĂȘ nĂŁo Ă© melhor que a Sitri!

—E nĂŁo tem nada de errado nisso. Conhecimento Ă© o que faz um bom Alquimista — Kutri exibiu um sorriso sombrio. — E eu sou fĂĄcil de ignorar.

Krahi nĂŁo entendia muito bem sobre o que elas estavam falando, mas jĂĄ tinha percebido que seus companheiros de grupo tinham um tipo Ășnico de camaradagem que ele nĂŁo compreendia totalmente. NĂŁo comentou nada sobre isso, apenas ficou feliz que se davam bem. Mas havia uma coisa que ele precisava deixar bem clara.

—Kutri, eu nĂŁo vou fugir. Eu sei que avançar no torneio nĂŁo vai ser fĂĄcil, mas caçar tesouros nĂŁo Ă© sobre seguir o caminho fĂĄcil. Eu nĂŁo poderia me chamar de caçador se fugisse diante do desconhecido.

Krahi tinha seu orgulho; jamais cogitaria fugir ou manipular uma luta. Mesmo que morresse, nĂŁo se arrependeria dessa decisĂŁo.

Kutri estalou a lĂ­ngua.
—Sabia que vocĂȘ ia dizer isso. Faça o que quiser. Mas se perder, quero permissĂŁo pra me retirar.

—Ele continua tĂŁo sĂ©rio como sempre — disse Izabee com um suspiro cansado. — Enquanto isso, a gente aqui se chamando de ‘Smyat’.

—Heh. JĂĄ Ă© tarde demais pra começar com isso agora que estamos procurando por um irmĂŁo, minha querida irmĂŁzinha.

—Isso porque a sua imitação Ă© rasa demais.

Krahi seria o Ășnico a subir no palco, mas todos pareciam nervosos. Avançar no Festival do Guerreiro Supremo lhes renderia reconhecimento, mas uma derrota humilhante faria deles motivo de chacota. Krahi interpretava esse desconforto como sinal de que ainda nĂŁo havia conquistado totalmente a confiança do grupo.

—Não se preocupem — disse ele. — A luta de ontem foi o melhor aquecimento que eu podia ter. Estou mais forte do que nunca.

Mas que luta foi aquela, afinal? Krahi nĂŁo fazia a menor ideia. Nunca tinha sido convocado de forma tĂŁo repentina sĂł pra ser jogado no meio de um caos sangrento. Tinha muitos aliados ao seu lado, mas o mesmo valia pros caras do outro lado. Foi a primeira vez que participou de uma batalha em larga escala, e teve vĂĄrios momentos por um triz, mas agora estava mais forte por ter saĂ­do vivo daquilo.

A confiança de Krahi vacilou ao olhar a tabela do torneio.
—Nunca imaginei te ver no torneio, Krai. E pensar que vocĂȘ manteve isso em segredo. Que duplicidade.

A primeira luta seria entre dois caras com nomes quase idĂȘnticos. Krahi nĂŁo conseguia evitar a sensação de que o destino tinha metido o bedelho nisso. Os participantes eram escolhidos pelos organizadores do torneio. Aceitando que Krai entrou no torneio
 quais as chances de colocarem ele logo contra o Krahi na primeira rodada?

Que sujeito misterioso. Apesar de parecer tĂŁo fraco, ele tinha uma porção de conexĂ”es e a amizade de gente muito capaz. Dava pra dizer que ele era o oposto exato de Krahi. Segundo Kule e os outros, Krai tinha um tĂ­tulo. E nĂŁo apenas isso — era um bem parecido com o dele.

—“Andrey”. Que nome engraçado — ele riu. — “Mil Truques” Ă© uma referĂȘncia a mim?

—Ei, Kule, esse cara tá bem da cabeça?

—Krahi Ă© um guerreiro. Raramente se interessa pelos outros.

Krahi mal lembrava da Ășltima vez em que alguĂ©m o intrigou tanto. Com a completa ausĂȘncia de material de mana em Krai, Krahi nem conseguia estimar o quĂŁo forte aquele homem era. Mas, mesmo que fossem conhecidos, mesmo que Krai fosse um fĂŁ seu, Krahi nĂŁo pegaria leve. Acreditava que dar tudo de si seria o mĂ­nimo de respeito.

E ao pensar nisso, Krahi percebeu que tinha começado a sorrir. Era um sorriso que ia de orelha a orelha.

Pelo amor de tudo, os assentamentos humanos eram lugares barulhentos demais. A vila no deserto e o cofre de tesouros onde ela cresceu até eram barulhentos, mas nada comparado a essa cidade agora que o festival estava chegando.

As ruas estavam lotadas, mas ninguém olhava para certa silhueta. Ela estava lå, isso era um fato, mas simplesmente passava despercebida por todos. As raposas fantasmas do Peregrine Lodge praticamente se definiam pela habilidade de enganar humanos. Mas agora, a Raposinha havia terminado de brincar com essa cidade. Jå tinha enganado algumas pessoas pra fazerem tofu frito e manipulado uma organização estranha. Ia sentir falta das porçÔes generosas de tofu frito, mas podia repetir o truque se quisesse mais depois.

Essa descendente divina era volĂșvel; sĂł se envolvia com humanos quando dava na telha.

E agora, o que faria? Voltaria pro Peregrine Lodge? Ou talvez praquela vila no deserto? Estava cantarolando sozinha enquanto andava pela rua quando de repente se deparou com um pedaço de papel no chão. Era a tabela do Festival do Guerreiro Supremo.

A Raposinha nĂŁo sabia muito sobre o mundo humano, mas jĂĄ tinha captado a essĂȘncia daquele torneio lendĂĄrio por conversas que ouviu por aĂ­. Era uma competição de luta. Achava tolice esses seres inferiores disputarem pra ver quem era o mais forte quando obviamente nenhum deles chegava aos pĂ©s da MĂŁe Raposa.

Folheando a tabela, a Raposinha viu um nome conhecido.
—Krai Andrey contra Krahi Andrihee?

Krai Andrey. Nomes humanos nĂŁo significavam nada pra ela, mas esse ela jamais esqueceria. Mais do que isso — ele era o inimigo natural do Peregrine Lodge. Derrotou um dos fantasmas do cofre numa batalha de inteligĂȘncia e fugiu com algumas das partes mais valiosas — duas das caudas. AtĂ© a Raposinha foi afetada quando ele a forçou a aceitar um armistĂ­cio.

Aquele homem nĂŁo tinha o menor respeito por ela. Sua linhagem divina nĂŁo permitia aceitar a derrota tĂŁo facilmente, mas ele era perigoso demais pra ela enfrentar sozinha.

—Interessante — sussurrou ela após alguns instantes encarando o quadro. Sua mente rápida já começava a formular um plano. Embora estivesse prestes a voltar pra casa, agora via uma chance de se vingar do Senhor Cautela.

Ela nĂŁo podia atacĂĄ-lo diretamente, mas havia vĂĄrias formas de fazer um humano dançar conforme sua mĂșsica. Desta vez, ele conheceria o inferno, saberia o que era ser enganado. Ela o faria se arrastar, e depois o forçaria a escovar sua cauda. Sua fama como caçador seria manchada.


Tradução: Carpeado
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