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Grieving Soul – Capítulo 6 – Volume 6

Nageki no Bourei wa Intai shitai

Let This Grieving Soul Retire Volume 06

Capítulo 6: Deixe Esse Grieving Soul se Aposentar, Parte 6


E assim chegamos em segurança ao país desértico de Toweyezant. Não tivemos fatalidades (mas muitos feridos) e ainda tínhamos tempo de sobra antes da conferência. Um trabalho perfeito. Tudo está bem quando termina bem.

— Vou te dar um soco assim que recuperar minhas forças — disse Kris da cama. Lançar feitiços defensivos sobre todos no momento da queda havia drenado até a última gota de sua mana.

Depois daquele desastre, minha reputação começou a despencar, mas a de Kris disparou. Como ela era um Espírito Nobre, todos na caravana mantinham uma distância respeitosa, mas agora pareciam muito mais à vontade ao seu redor. Alguns até declararam abertamente que deviam suas vidas a ela.

No fundo, Kris era uma boa pessoa, então merecia esse reconhecimento desde o começo. Eu teria que agradecer formalmente à Lapis por me emprestar um de seus companheiros de grupo, mas ainda assim, não entregaria a Lucia.

Agora que estávamos em Toweyezant, nosso trabalho como guardas havia terminado. A partir daqui, os funcionários públicos assumiriam. Tivemos nossa cota de problemas nessa jornada. Traidores inesperados e até um encontro com um Cofre do Tesouro. Mas pense bem, antes de partir, eu tinha dito para minha vice-mestre de clã:

— Não. Pode haver ladrões, pode haver monstros, um cofre do tesouro pode surgir, pode acontecer um desastre natural. Eva, eu posso estar em sério perigo.

E olha só o que aconteceu: não encontramos nenhum desses problemas. Sim, tivemos traidores, mas nenhum ladrão nos atacou. Havia dragões, mas eu não tive que lidar com eles. Houve um cofre do tesouro, mas um que eu já conhecia. Houve uma tempestade, mas eu não sei se chamaria isso de desastre natural. Nada do que eu mencionei realmente aconteceu. O que isso poderia significar?

— Espera? Será que a sorte esteve do meu lado dessa vez?

— Hã!?

— Não, não. Não vamos nos precipitar. É quando relaxamos que estamos mais vulneráveis. Algo ainda pode acontecer.

— Dá pra parar com essas piadas ruins, senhor?

Kris estendeu a mão fracamente para mim, seu braço branco e esguio completamente exposto. Por um momento, não entendi o que ela queria fazer, mas então percebi. Me inclinei para frente e deixei que ela me acertasse na cabeça.

Se Kris foi a heroína do dia, então os espectros de lençol foram os heróis não reconhecidos.

Fui até a hospedaria designada por Sitri. Entrei em um quarto espaçoso e vi a Lucia-espectro desabada na cama, me encarando com um olhar fulminante. Ela estava vestida confortavelmente, sem seu casaco habitual. No entanto, sua expressão não estava das melhores.

— Seu idiota… — murmurou.

— Parece que manter uma nave daquele tamanho no ar por trezentos metros não é uma tarefa fácil — disse Sitri, agora sem seu lençol, enquanto trazia uma bebida gelada. — Você estava tão fora da rota que não podíamos simplesmente deixar você pousar no meio do deserto.

Então Lucia tinha mantido a nave no ar por trezentos metros enquanto a guiava. Eu nem tinha percebido. Estava ocupado demais tentando sobreviver à turbulência.

— É, aham — falei. — Eu sempre posso contar com a Lucia! Eu sabia que você daria um jeito!

Foi por isso que pousamos tão perto do destino. Deve ter sido um esforço gigantesco, mas graças à minha irmã, não tivemos nenhuma fatalidade. Se ela não tivesse se esforçado tanto, alguns dos nossos feridos provavelmente não teriam sobrevivido.

Sentei-me na cama e, casualmente, estendi a mão para acariciar as orelhas brancas que brotavam de sua cabeça. E levei um tapa por isso.

Imagem Let This Grieving Soul Retire Vol6 16 em Grieving Soul – Capítulo 6 – Volume 6

— Pare com isso — protestou ela com a voz vacilante. Pelo que parecia, se eu tocasse na cauda dela, ela faria algo muito pior do que simplesmente me bater.

— Nenhuma quantidade de poções de mana pode ajudar Lucy a se recuperar depois que ela absorve a cauda — disse Sitri com um sorriso torto. — E ela não pode removê-la até que sua mana se recupere. Existem impulsionadores temporários, mas eles têm desvantagens severas.

A cauda e as orelhas que sobressaíam de Lucia eram efeitos colaterais da Última Cauda do Deus Raposa. Depois do primeiro encontro na Pousada Peregrine, Sitri investigou a cauda e a entregou para Lucia. Com algum treinamento, ela descobriu como extrair uma parte do poder da cauda com sucesso.

Normalmente, ela a mantinha presa a uma haste, que usava como vassoura, mas se alguma vez ficasse sem mana, a cauda poderia fornecer um grande suprimento. (Eu não sabia como ela prendia a cauda em si mesma e perguntar apenas resultava em socos voando. Mas parecia que ela não precisava tirar a roupa para usá-la.)

Consciente de suas orelhas felpudas, Lucia as escondeu debaixo das cobertas.

— Cuide dela — eu disse para Sitri. — Parece que as coisas se acalmaram por enquanto.

A proteção durante a conferência aparentemente seria cuidada por outro grupo. E, independentemente do que acontecesse, eu faria o que pudesse para evitar pedir mais alguma coisa a Lucia. E isso estava bem. Mesmo sem ela, ainda havia o espadachim espectral muito enérgico. Ele estava brincando por aí em algum lugar, mas eu sabia que viria se eu chamasse. Éramos um grupo; meus amigos estariam lá quando eu precisasse deles.

— Pode contar comigo — disse o espectro da alquimia com um sorriso. Eu me perguntei se isso também valia para o Matadinho esquelético ali perto. — Essa jornada também foi muito benéfica para nós. Deixar Matadinho aos seus cuidados o tornou mais esperto e forte.

Eu ainda não tinha me recuperado do choque de ver um Matadinho cadavérico emergir da armadura de Sir Matadinho.

— Ah, acabei de lembrar — eu disse. — Tenho um presente para você, Lucia.

O espectro mágico se remexeu sob o cobertor, suas orelhas tremendo.

— Aqui está, agora você terá duas caudas.

Assenti para mim mesmo e puxei a nova cauda da bolsa que eu havia trazido.

***

— E-Espere! Me escuta! — gritei.

O Tapete avançou e me acertou em cheio. Enquanto eu estava deitado de costas, ela me socava repetidamente, mas ser esmurrado por um tecido era algo indolor. Se algo, até que era divertido. Ser montado por um Tapete era uma experiência muito mais insana do que o contrário.

— Eu disse que sinto muito! Não havia nada mais que eu pudesse ter feito! Não gosto disso mais do que você!

Parecia que o Tapete Delinquente guardava ressentimento pela minha decisão de dar sua namorada (ou namorado?) para a raposa. Mas eu não tinha outras opções. Qualquer um faria o mesmo no meu lugar.

— Eu tinha o dever de proteger o imperador — continuei. — E o que você fez, além de se esconder lá atrás!

Minhas reclamações caíram em ouvidos surdos. Eu nem sabia onde ficavam os ouvidos de um Tapete. Ela me acertou na bochecha. Que trágico que isso tivesse que acontecer justo quando começávamos a nos dar bem. Mas a culpa era minha, então deixei o Tapete fazer o que queria.

Enquanto eu estava deitado de lado, sendo espancado por uma Relíquia, a porta se abriu e Kris entrou. Ela não estava com sua robe de sempre, mas sim com um pijama fino. Levantei os braços para me defender do Tapete. Kris ficou brevemente chocada antes de assumir uma expressão severa.

— H-Humano fraco! O que está fazendo? Senhor!

— Você está se sentindo melhor? Ah, que bom.

— Eu fiz uma pergunta. Senhor.

— Acho que você devia perguntar para o Tapete.

As bordas franzidas do Tapete batiam contra meu rosto. Eu não conhecia nenhuma criatura que atacasse com as orelhas, então imaginei que as dela deviam estar em outro lugar.

Acho que não há mais nada que eu possa fazer. A diversão acabou.

— Certo, certo, eu desisto — disse. — Vou comprar um novo tapete para você. Um que seja bem bonito.

O Tapete parou de me atacar, mas continuou em cima de mim. Suspirei.

— Tudo bem. Certo, seu tecido carente. Para mostrar como estou arrependido, vou comprar dois, não, três tapetes para você. Que tal? Você me perdoa?

O Tapete deu uns tapinhas na minha cabeça e saiu de cima. Parecia que seu humor havia melhorado. Honestamente, ela podia ser muito exigente para alguém do tamanho de um carpete.

— Por favor. Pare de brincar. Senhor.

— Eu sei como parece, mas não estou brincando.

Kris franziu a testa e suspirou, deixando de lado sua expressão sombria anterior. Notei seus braços pálidos saindo do pijama. Pensei sobre como ser uma Nobre da Floresta dava a ela uma pele clara, mas no deserto, havia Nobres Espirituais com pele bronzeada (afinal, eu conhecia uma: Eliza). Se Kris passasse tempo suficiente no deserto, ela se bronzearia?

— Me escute, humano fraco — Kris me repreendeu, cortando meu devaneio. — Não sou sua aliada, mas tenho minhas ordens de Lapis. Qualquer coisa que manche seu nome também prejudicará nossa honra. Senhor.

— Muito diligente da sua parte, Kris.

Se todos os Nobres Espirituais fossem como ela, talvez fosse inevitável que olhassem para os humanos de cima.

— Tivemos um incidente grave. Senhor. Acho que precisamos discutir isso. Concorda? Senhor?

— Hmm. Não acho que foi tão grave. Chegamos aqui inteiros.

— Foi grave! Você trouxe dois traidores para o nosso grupo! Senhor!

— Aah. Isso foi, uh, um descuido.

— Vou te bater, Senhor! Se tiver uma ideia boa para evitar esse tipo de coisa, adoraria ouvir. Agora, tem? Senhor?

— Não. Sabe, agora que mencionou, esqueci completamente de Telm e Kechachakka.

Eles não estavam na aeronave depois que partimos. A possibilidade mais provável era que ainda estivessem dentro do cofre do tesouro. Pisquei e inclinei a cabeça. Esfregando as têmporas, Kris suspirou com uma expressão que me lembrava muito a de Lucia.

***

— Onde estamos?

— Hee hee hee…

Telm tinha uma longa história como caçador de tesouros. Assim que se tornou um Magus, imediatamente seguiu esse caminho e nunca mais olhou para trás. Depois disso, ele se tornou um Raposa, o que expandiu ainda mais sua experiência. Mas algo tão inquietante quanto isso era uma novidade para ele.

Ele tinha certeza de que haviam saltado da aeronave. A intenção era recuar para se reagrupar. Mas quando saíram pela porta, viram algo inesperado. A densa presença de mana material tornou imediatamente claro para Telm que estavam em um cofre de tesouros. E não só isso: esse cofre superava qualquer um dos cofres de nível 8 em que ele já havia entrado.

Ele sabia que não era uma ilusão. Mesmo alguém tão enigmático quanto o Mil Truques precisaria de tempo para criar uma ilusão capaz de enganar Telm. Isso também explicava por que seus feitiços não estavam funcionando. Ao entrarem no cofre de tesouros, estavam sujeitos a novas leis. O lugar era perigoso, mas ficar parado não era uma opção. Felizmente, os feitiços de fortalecimento de Telm ainda estavam ativos.

Com extrema cautela, os dois começaram a investigar o prédio. O espaço era amplo, com um teto alto. Algo nisso os deixava inquietos. O local era claramente projetado para humanoides, mas não havia sinais de vida.

— Fique atento — disse Telm. — Deve haver uma saída em algum lugar.

Kechachakka riu baixinho em resposta.

O corredor parecia infinito e era certamente mais largo do que a aeronave de onde tinham acabado de sair. O espaço ao redor provavelmente estava sendo distorcido, algo comum entre cofres de tesouro de alto nível.

Algo estranho chamou a atenção de Telm: um quadro. Uma pintura abstrata decorava a parede. Ele se aproximou devagar e a observou atentamente. A princípio, não entendeu o que eram aqueles traços amarelos entrecruzados.

Ele estreitou os olhos. — Uma raposa? — murmurou.

— Heh heh!

Ouvindo o aviso de Kechachakka, Telm virou-se e se afastou da pintura. Mais adiante no corredor, ele avistou uma pequena silhueta humana. Era uma criança vestida com um quimono branco. Um fantasma. Seu rosto estava escondido por uma máscara branca polida, modelada no formato de uma raposa, e a mana material emanando de seu corpo era extraordinária.

Quando Telm percebeu o que estava vendo, um calafrio indescritível percorreu sua espinha. — Impossível. Isso pode realmente ser…

“Nove Caudas Sombria.” O nome da organização secreta à qual Telm pertencia vinha de um cofre de tesouro. Diziam que esse cofre abrigava um deus raposa. O fundador da organização encontrara essa entidade divina por pura desgraça. Ele sobreviveu ao encontro e, impressionado pelo poder e imponência da criatura, nomeou sua organização em sua homenagem. As máscaras de raposa tornaram-se o símbolo do grupo. A máscara que o fundador trouxe de volta do cofre ainda era usada para identificar o líder da organização.

Kechachakka parecia nervoso, o que sugeria que ele tinha chegado à mesma conclusão que Telm. Não parecia possível que estivessem aqui. A localização desse cofre não era apenas incerta, sua própria existência era debatida. Telm ouvira que o fundador nunca conseguiu encontrar novamente o domínio do deus raposa. Apenas sorte não bastava para trazer alguém até aqui; era necessário um toque do destino. Esse encontro era um desígnio do destino.

Telm não desviou o olhar nem por um momento, mas, ainda assim, a criança raposa desapareceu sem que ele percebesse. Então, uma voz surgiu atrás dele.

— Bem-vindos, visitantes.

— O quê!?

— Não precisam ficar tão tensos. Estamos cientes de suas circunstâncias, Telm Apoclys, Kechachakka Munk. Vocês, pobres humanos, abandonados pelo Sr. Cauteloso.

Ele não tinha presença alguma. Um jovem usando uma máscara de raposa estava parado atrás deles, como se sempre tivesse estado ali. Um único olhar foi suficiente para que os dois caçadores percebessem que não poderiam vencer aqui. Aquele ser estava em um nível muito além deles. Os instintos de Telm gritavam para que ele recuasse, e ele mal conseguiu resistir a esse impulso.

Ainda era cedo para perder a esperança. Um conselho deixado pelo fundador sobre como lidar com esse cofre de tesouro era nunca desistir. Se houve pessoas que sobreviveram e trouxeram uma máscara como prova, então não havia razão para que Telm, o Contra Cascata, não pudesse fazer o mesmo.

— Você é… um deus? — perguntou ele, tentando distrair o fantasma.

Ele podia tocá-lo. Muitos fantasmas que pareciam humanos também se assemelhavam a humanos por dentro. Se esse fosse o caso aqui, haveria água dentro desse fantasma. Se Telm conseguisse tocar essa água diretamente, ele poderia manipulá-lo. Para alguém que dominava o controle da água, isso estava bem dentro do seu alcance. Não havia mais nada que ele pudesse fazer.

— Fiquem tranquilos — disse o fantasma. — Somos justos aqui. Garantirei sua segurança, mas quero algo em troca.

— Em troca?

— Pegarei o que vocês mais valorizam. Não temam, esta é uma troca justa. Já fiz um acordo semelhante com o Sr. Cauteloso.

Telm via brechas, dezenas delas, por onde poderia atacar. Esse fantasma não parecia estar atento a possíveis ofensivas.

O jovem viu que seus dois convidados ainda estavam na defensiva. Ele assentiu e então abriu a boca lentamente.

— Pegarei a Graça do Deus das Águas e a Revanche do Dragão.

O suor frio escorreu pelo rosto de Telm. O fantasma estava lendo suas mentes! Essas Relíquias eram centrais para as operações de Telm e Kechachakka, e não havia substitutos conhecidos para nenhuma delas. Se fossem tomadas, eles perderiam qualquer chance de enfrentar esses fantasmas.

— O que vão decidir? — perguntou o fantasma com um sorriso.

— E se eu recusar?

***

Telm podia alcançar a água interna do fantasma. Se ele conseguisse fazer isso, poderia controlar o fantasma, e isso resolveria tudo. Tudo o que precisava era de um dedo.

A pergunta provocativa de Telm arrancou uma risada simples do fantasma.

— De fato, você certamente tem razão. Afinal, somos muito justos.

***

Recebi permissão para vasculhar o local da queda da aeronave em busca de Telm e Kechachakka. A onipotente Sombra Sitri e Matadinho Smart, agora com metade do seu tamanho original, me acompanharam.

Com a conferência se aproximando, Toweyezant estava ficando agitada. Eu via cada vez mais cavaleiros e magos que pareciam vir de outros países. Havia uma tensão subjacente por trás de toda aquela animação.

Toweyezant era um país vasto, mas não muito próspero. Eu não sabia muito sobre sua história, mas havia ouvido que essa terra já fora um campo de conflito incessante. Um verdadeiro pedaço do inferno. A maior parte do território tinha um clima desértico com pouquíssima chuva. O pouco alimento que era produzido era motivo de disputa, e monstros poderosos, únicos dessa região, estavam por toda parte.

Esses tempos de caos chegaram ao fim com a era dourada da caça ao tesouro. Toweyezant não era um local ideal para a habitação humana, mas seu clima propiciou a formação de cofres de tesouro únicos. Além disso, o mana material que fluía pelas linhas de energia fornecia uma fonte de energia praticamente ilimitada, garantindo recursos quase infinitos, desde que houvesse alguém para extraí-los.

Na busca por cofres de tesouro inexplorados, caçadores se aglomeraram nesse país outrora miserável, e várias cidades surgiram para recebê-los. O povo da região parou de lutar e se uniu. Foi assim que esse país nasceu.

— Mas parece que apenas algumas cidades estão realmente crescendo — observou Sombra Sitri. — Como eu imaginava, a produção de alimentos ainda faz toda a diferença. Comida é rara nos cofres de tesouro, e a importação é difícil por causa dos monstros.

— Parece complicado — comentei.

— Estão tentando plantar árvores e outras vegetações, mas os resultados têm sido abaixo do esperado — explicou Sombra Sitri com um sorriso. Ela supostamente era tão nova nesse lugar quanto eu, mas parecia estar incrivelmente bem informada.

Saímos da cidade. O Black Star não podia ser movido nem reparado rapidamente, então permaneceu no local onde pousou. Ao ver a nave pela primeira vez em dias, percebi que o balão no topo estava um pouco murcho, e toda a sua imponência havia desaparecido por completo.

O casco, cravado no solo em um ângulo, havia sido escavado, mas ainda parecia longe de ser consertado. Guardas estavam posicionados ao redor, mas como já tínhamos permissão para entrar, seguimos em frente e entramos por uma janela quebrada.

A nave estava do mesmo jeito de quando caiu. Antes de partir, eu havia feito uma busca no interior e não encontrei sinais de Telm ou Kechachakka. No entanto, minha visão não era das melhores, então imaginei que algo poderia aparecer se trouxesse Sitri até aqui. Também queríamos recuperar os suprimentos a bordo. Se deixados ali, o calor os estragaria, e eles já não eram mais necessários, pois o Black Star não levaria mais o imperador para casa. Da mesma forma, já havíamos recebido permissão para recolher esses suprimentos.

— Muito obrigada! — exclamou Sitri. — Esse país está sempre com falta de comida e poções.

— Bem, esses suprimentos já eram seus. Acha que conseguirá cobrir suas perdas?

— Com certeza! Tudo graças a você, Krai!

O sorriso de Sitri se estendeu até as extremidades do rosto. Ela realmente tinha um espírito empreendedor. Nós dois (mais Matadinho) examinamos cuidadosamente o interior da nave. Os olhos de Sitri brilharam ao ver uma aeronave por dentro pela primeira vez.

— Pensando bem — comentei —, estou surpreso que vocês não tenham sido puxados para o cofre do tesouro.

— Bem, tentamos ser puxados, mas não conseguimos ganhar velocidade suficiente.

— Hã?

— Estávamos perdendo velocidade, sabe. Quando chegamos perto, Luke tentou cortar um buraco pelo lado de fora, mas nada do que ele fez teve efeito no cofre. Por isso, não conseguimos nos conectar a vocês.

— Aham…

— Parece que os limites do Peregrine Lodge não são definidos por barreiras físicas. Se tomarmos essa experiência como referência, a espada de Luke não afeta oponentes que podem distorcer o espaço. Ele disse que vai treinar mais.

— É, isso acontece às vezes.

Assenti, aliviado por não ter me encontrado com eles. Se isso tivesse ocorrido, o que eu mais valorizava não teria sido um tapete, mas sim meus amigos. Eu nunca poderia tê-los entregado, o que teria nos deixado sem escolha a não ser enfrentar o fantasma de frente.

Espera, então o motivo de eu ter encontrado apenas Lucia e Sitri é porque todo mundo está fora treinando? Eles têm músculos no lugar do cérebro?

— Suponho que o Peregrine Lodge ainda seja um pouco demais para nós — comentei, completamente tranquilo.

— Mas deixe-me dizer uma coisa, Krai! — protestou Sitri com a voz trêmula. — Minhas preparações foram impecáveis! Eu até considerei a possibilidade de um encontro com o Peregrine Lodge!

— Você é incrível, Sitri — respondi após um momento.

Se ela achava que era uma possibilidade, deveria ter dito algo. Talvez eu não tivesse passado por tudo aquilo. Sitri parecia achar que tinha cometido um erro, então dei um tapinha nas costas dela. Qualquer erro que ela tivesse cometido não era nada comparado aos meus.

A expressão de Sombra Sitri suavizou um pouco. Ela me olhou com olhos levemente suplicantes e perguntou, hesitante:

— Então, Krai, o tofu frito que eu embalei foi útil?

Hã? Tofu frito? Havia algo assim a bordo? Eu não fazia ideia.

Ela não parecia estar brincando, e seu jeito inquieto indicava que esperava um elogio. É, eu deveria ter lido a lista de suprimentos, mas quem poderia esperar que tofu frito estivesse entre eles?

Decidi evitar o assunto. Afaguei a cabeça dela, deixando seus cabelos macios escorrerem pelos meus dedos. Seus olhos sonolentos ficaram um pouco menos ansiosos.

— Sim, você me salvou naquela hora — eu disse. — Sério, de verdade. Se não fosse por aquele tofu frito, uh, eu teria me metido em uma encrenca séria.

— Você usou isso para escapar do Peregrine Lodge da última vez, então tive certeza de que poderia ser útil. Ah, estou tão feliz. Tofu não é exatamente um prato comum em Zebrudia, então deu um pouco de trabalho conseguir.

Eu não podia deixar ela perceber que eu nem tinha notado o tofu. Não podia fazer nada que pudesse apagar aquele sorriso.

Sitri é o que eu mais valorizo. Isso mesmo, é a Sitri. Eu pisei na bola. Tudo isso é culpa minha.

— Ah, a propósito, para referência futura — ela disse, radiante por ter sido útil —, cinco caixas foram suficientes?

— Cinco!? Ah, mmm, difícil dizer…?

Cinco caixas eram realmente necessárias? Ela estava planejando dar uma festa ou algo assim?

Enquanto ouvia a Sitri conversar animadamente, olhamos ao redor do dirigível. Não vi Telm, Kechachakka, nem qualquer sinal do que poderia ter acontecido com eles. Minha previsão inicial de que eles tinham ficado no cofre parecia cada vez mais provável. Mas, se eles estavam no cofre, eu não tinha como saber com certeza.

Então, meus ouvidos insensíveis captaram um ruído fraco. Veio do porão de carga. Normalmente, essa seção era usada para bagagens, mas a maior parte do espaço acabou sendo usada para armazenar a comida que eu tinha trazido. Definitivamente, não era um bom esconderijo.

Sitri lentamente sacou sua Relíquia, uma pistola d’água, e Matadinho levantou seus braços finos em posição de combate. Eu tinha os Anéis de Segurança, então tomei a dianteira. Abri a porta e espiei lá dentro. O porão de carga não tinha mudado muito desde a última vez que o vi. Ao contrário da bagagem nos outros cômodos, as caixas aqui estavam bem presas para evitar que caíssem. As montanhas de engradados eram sólidas e não desmoronariam facilmente.

Dei alguns passos cautelosos. Olhei ao redor, mas não vi nada fora do comum. Talvez o barulho tivesse vindo de fora.

— Está tudo certo — eu disse para Sitri. — Parece que foi só imaginação nossa—

Sem fazer um som, a tampa de um grande engradado à minha frente deslizou para o lado. A primeira coisa que vi foi um triângulo branco. Quando a tampa foi completamente removida, uma pequena figura se levantou. Diante de mim estava uma garota vestindo um quimono branco e uma máscara de raposa. Em suas mãos havia um grande pedaço de tofu frito. Pisquei, confuso.

Use alguns hashis. Comer com as mãos é falta de educação.

O fantasma olhou para mim e mastigou calmamente seu tofu. Sorrindo, aproximei-me da caixa, pressionei a cabeça dela para baixo e recoloquei a tampa do engradado. Respirando fundo, ergui a caixa. Engradados de madeira são pesados, mas foi só isso que senti — nenhum peso adicional de conteúdo. Isso porque ela estava vazia. Não havia absolutamente nada dentro daquela caixa.

Virei-me para Sitri e sorri.

— Tudo limpo. Devemos levar essas caixas para fora? Talvez cinco não tenham sido suficientes.

Talvez tenha sido só uma miragem causada pelo calor. Ou talvez fosse o estresse. Isso pedia uma bebida gelada e um tempinho brincando com o Tapete. Só queria pegar nossos suprimentos e cair fora logo.

— U-Um cativo? — Sitri disse. — Krai, você nunca deixa de me surpreender. Eu jamais conseguiria realizar um feito desses.

Opa, Sitri tá viajando. E o que eu faço com isso? Por que a irmã está aqui!?

— Embora eu estivesse esperando uma raposa capturada, queria dizer um criminoso, não um fantasma… — Sitri disse.

Pois é, mas não fui eu que trouxe esse fantasma para fora do cofre.

Senti um barulho vindo de dentro da caixa. Parecia que a Pequena Irmã Raposa (não sabia o nome dela, então a chamei assim por conveniência) estava devorando seu tofu frito. Sitri quase sempre sorria, mas até ela parecia preocupada agora.

E eu ainda não fazia ideia do que deveria fazer com essa raposinha. Os fantasmas do Peregrine Lodge não eram algo que se pudesse ignorar. A maioria dos fantasmas não saía de seus cofres porque não conseguia sobreviver do lado de fora, mas aparentemente esse tipo de senso comum não se aplicava à garota raposa.

— Talvez, se a Lucia usar o rabo, ela consiga fazer alguma coisa? — sugeri. — Tipo, se ela tivesse orelhas de raposa, esse fantasma poderia achá-la uma parente ou algo assim.

— Acho que você só estaria pedindo para levar um soco — Sitri disse. — Hmm. Se for só uma, talvez possamos derrotá-la se trabalharmos juntos.

O sol batia forte sobre nós. Ondas de calor distorciam a paisagem ao redor. A caixa estava estranhamente tranquila, considerando que estávamos falando em matar o fantasma dentro dela.

É… não tenho certeza se consigo matar algo que não fez nada de errado.

— Estou sem ideias — eu disse.

— De fato. Eu poderia tentar jogá-la no liquidificador, mas acho que só quebraria o aparelho.

— Hã? O que é um liquidificador?

— Estou conduzindo experimentos para transformar fantasmas em material de mana líquida. Normalmente, eles se dissipam no ar—

— Ah, desculpa. Acho que já entendi.

Das duas irmãs, a Inteligente era de longe a mais perigosa.

Do jeito que vi, a solução mais rápida era fazer o Peregrine Lodge levá-la de volta. Entramos em um beco discreto, onde coloquei a caixa no chão. Respirei fundo e lentamente abri o engradado. Rezei para que o conteúdo tivesse sumido, mas dentro estava um fantasma, abraçando os joelhos em silêncio.

Ela não tinha orelhas ou rabo de fera. À primeira vista, parecia apenas uma pessoa mascarada, mas sua presença não tinha nada de humano.

Respirei fundo e perguntei:

— Ei, você consegue entrar em contato com o Peregrine Lodge?

E por que você está aqui, afinal? Isso não faz sentido nenhum. Pegue seu tofu e volte para casa!

A Pequena Irmã Raposa não disse nada, mas depois de um momento, enfiou a mão no bolso e puxou uma pequena placa verde, do tamanho de um caderno pequeno. Era lisa e os números apareciam quando ela tocava na superfície preta. Parecia estar exibindo a hora. Meus olhos se arregalaram. Eu reconhecia essa coisa. Eu sabia o que era!

— Isso é um Smartphone. Uma Relíquia telefônica.

— Um telefone? — Sitri disse. — Tipo aqueles que você usa para falar? Não parece nada com isso.

Os telefones eram dispositivos de comunicação usados em países tecnologicamente avançados. Ainda estavam na fase experimental e havia vários obstáculos impedindo que se tornassem comuns no império, mas eram como uma Pedra Sonora que podia ser usada para entrar em contato com múltiplos locais. E o Smartphone era um item da Era das Armas Físicas com funções similares!

— Bem, é uma Relíquia, afinal — lembrei Sitri. — Com esses aparelhos, cada terminal tem seu próprio número. Você digita o número do terminal desejado e pode falar com ele a longas distâncias.

— Mas você só pode entrar em contato com pessoas que possuem a mesma Relíquia, e também precisa saber o número delas?

— Certo, então é menos prático que uma Pedra Sonora. E ainda assim, essas coisas são vendidas por um preço alto entre os entusiastas dedicados.

Além disso, eram um tipo estranho de Relíquia, com diversos defeitos. Por exemplo, não podiam ser usadas longe das cidades (apareceria “sem serviço”) e quebravam se caíssem ou fossem submersas em água. Embora eu quisesse um Smartphone, não havia motivo para comprar um, pois nenhum dos meus amigos tinha. Eu não sabia por que a Pequena Irmã Raposa tinha um, mas talvez a origem do Peregrine Lodge estivesse na Era das Armas Físicas.

— Você sabe bastante sobre isso, Krai — Sitri disse. Ela estava me olhando com admiração, mas eu realmente não sabia muito sobre essas coisas. Ainda assim, aquele olhar adorador não era nada mal, então eu não consegui evitar de me exibir um pouco.

— Acho que este é um modelo novo — eu disse. — Essas versões mais recentes têm câmeras. É pequeno, mas vem com várias funções.

— Entendo. Que tipo de funções?

Eram apenas rumores, mas eu tinha ouvido que existiam vários modelos de Smartphones que não faziam exatamente as mesmas coisas. Mas tinham diversas funcionalidades, como um cajado mágico.

— As câmeras podem disparar feixes mágicos que destroem monstros e, ah, também podem manter comida fria. As pessoas da Era das Armas Físicas usavam seus Smartphones para se proteger, tornando-os muito útis em suas vidas diárias. Realmente são uma Relíquia versátil.

— Eles fazem de tudo? E quanto a algo como… casamento?

— Sim, provavelmente.

A Pequena Irmã Raposa se moveu de repente, arrancando a Relíquia das minhas mãos. Ela tocou silenciosamente na tela e depois a entregou de volta para mim. “Chamando”, dizia na tela. Seus movimentos haviam sido tão eficientes que eram quase belos. Era impressionante.

— Uau. Você é uma especialista em Smartphones ou algo assim? Me superou aqui — eu disse para a fantasma. — Vou ter que conseguir um para mim logo.

A Pequena Irmã Raposa falou pela primeira vez.

— Caipira. Que vergonha — disse. Sua voz era neutra, mas seu pescoço estava corado e seu corpo tremia.

— Droga — eu disse. — Parece que ele não vem te buscar.

Quando contei para a Pequena Irmã Raposa o resultado da minha conversa com o Irmão Raposa, ela não pareceu nem um pouco incomodada. Parecia que o Irmão Raposa estava muito ocupado no momento. Quando ouviu minha voz, ele disse “Urgh”. Urgh.

Ele parecia incrivelmente animado ao me contar que finalmente tinha alguns invasores de verdade. Esses “invasores” eram Telm e Kechachakka. Pelo que parecia, os dois não estavam indo muito bem. Menos uma coisa para eu me preocupar.

— Acho que ele prefere uma abordagem indireta. Talvez fantasmas e humanos tenham sensibilidades diferentes.

Ele nem sequer me pediu para cuidar da irmã dele. Disse que o assunto do tapete era um prejuízo dele, mas não parecia irritado com isso. Sim, eu tinha quase certeza de que fantasmas viam o mundo de forma diferente da nossa.

Enquanto eu me preocupava com tudo isso, a pequena fantasma abriu casualmente uma bolsa e tirou um pouco de tofu frito. O interior da caixa estava cheio de embalagens descartadas. Ela dançava ao som de sua própria melodia incompreensível e sobrenatural.

— Oh, tofu frito é comum no império? — perguntei.

— Não — Sitri respondeu imediatamente.

A Pequena Irmã Raposa congelou, um pedaço de tofu meio comido caindo de suas mãos. É claro que não era comum. Sitri pareceu ter conseguido encontrar algum, mas eu não conseguia pensar em muitos países onde fosse um prato comum. Comecei a me perguntar o que aconteceria com essa fantasma quando ela ficasse sem tofu.

E por que você simplesmente não vai para casa? Você pode voar, não pode? Se não puder, então, hmmm, já sei. Lucia não queria o novo rabo, então talvez você possa voar se usá-lo. Seriam dois coelhos com uma cajadada só.

Eu estava cansado e me sentia um idiota por me preocupar com isso. Quando estava prestes a fazer as malas e ir para casa, senti um puxão na minha camisa. Me virei e vi a Pequena Irmã Raposa segurando em mim. Ela não disse nada, mas seu estado lamentável era evidente. Não que isso me tornasse mais adequado para cuidar de uma fantasma.

Que tipo de fantasma tem fraqueza por tofu frito? Vai procurar o reino do tofu frito ou algo assim.

Ela enfiou a mão no bolso. Quando a retirou, estava segurando uma placa de prata — outro Smartphone. Ela era uma duelista de Smartphones!? Enquanto eu estava ali, impressionado, ela ergueu a segunda Relíquia para mim.

— Pegue — disse.

Senti uma vergonha tão imensa quanto as montanhas e mais profunda que o oceano.

Lembre-se, Krai Andrey, você é um caçador. Salvar os fracos é parte do seu trabalho.

Ela era uma fantasma, mas não uma ruim. Senti pena dela, agora que tinha tropeçado no mundo humano. Pensei muito em uma maneira de deixar todos felizes. Eu tinha certeza de que havia uma. Agora era o momento de despertar meus poderes adormecidos.

Coloquei o Smartphone no bolso, resistindo à vontade de mexer nele.

Imagem Let This Grieving Soul Retire Vol6 17 em Grieving Soul – Capítulo 6 – Volume 6

— Bem, seria irresponsável te abandonar agora que você veio até aqui — eu disse, cerrando os punhos. — Tenho uma ideia de como garantir que todos fiquem felizes.

***

O brilho intenso do sol cozinhava a paisagem desolada do deserto de Toweyezant. Homens trabalhavam ao ar livre, usando casacos para proteger a pele do calor opressivo. Mas agora, estavam parados, seus rostos bronzeados voltados para o céu sem nuvens, os olhos semicerrados.

Este já foi um território de conflitos intermináveis. Embora a chegada de caçadores de tesouros tenha unido o povo de Toweyezant, o fato era que a maior parte da terra continuava inabitável, principalmente pela falta de água. Você podia contar nos dedos quantas vezes chovia no ano, e as mudanças bruscas de temperatura ao anoitecer tornavam tudo ainda mais difícil.

Tempestades de areia devastavam viajantes, monstros perigosos adaptados ao clima hostil vagavam por toda parte, e até mesmo a construção de estradas era inviável. A única riqueza de Toweyezant estava nas poucas cidades erguidas ao redor dos grandes oásis. O resto da nação desértica mal tinha comida suficiente para sobreviver.

Os homens que trabalhavam ali faziam parte de uma organização que tentava salvar esse país.

— Merda. Este aqui também não está indo bem — um deles resmungou.

Mais um dia difícil. Esses homens estavam a cerca de dez quilômetros da capital, em uma vila construída ao longo das linhas de ley. Eles estavam empenhados em um sonho há muito desejado no deserto: o reflorestamento. No solo avermelhado, árvores magricelas foram plantadas em intervalos regulares. No entanto, não pareciam nada saudáveis. Suas folhas estavam marrons e murchas, e os galhos eram finos como o dedo mínimo de uma pessoa.

Os moradores tinham expressões sombrias. O clima de Toweyezant não era nada amigável para a vegetação. A água era preciosa, o solo pobre em nutrientes. As únicas plantas que conseguiam sobreviver ali eram os cactos carnívoros.

Mesmo Magos experientes tinham dificuldades em fazer chover nessas terras. A única esperança de trazer vegetação era através do uso de material de mana, capaz de fortalecer a vida. Seus efeitos iam além de humanos e monstros. Ao plantar árvores ao longo das linhas de ley, os canais por onde o material de mana fluía fortaleceriam as plantas, aumentando suas chances de crescimento. Era a última alternativa para Toweyezant.

As chances nunca estiveram a seu favor. A nação desértica carecia de água, recursos e até mesmo tecnologia. Magos talentosos foram recrutados para ajudar, mas seus sucessos nunca passaram de temporários. Ainda que tudo fosse em vão, ainda que aqueles diretamente envolvidos no reflorestamento já tivessem perdido a esperança, não havia outra opção além de se agarrar a esse último fio de possibilidade. O desejo por verde era forte demais no deserto.

Na capital de Toweyezant, havia certa empolgação com uma conferência, mas isso não tinha nada a ver com os homens ali. Eles apenas forçavam seus corpos exaustos a continuar lutando contra a terra escaldante.

Então, aquele homem chegou. Ele usava uma camisa espalhafatosa que deixava os braços à mostra. Sua pele era incrivelmente pálida—prova de que não era do deserto. Ele não carregava armas e não parecia nem um pouco preparado para atravessar um ambiente tão hostil. Comparado aos moradores, que passavam os dias absorvendo material de mana, e muito menos aos caçadores, sua presença parecia fraca e deslocada no deserto.

Esta era uma vila monótona, estabelecida para fins de reflorestamento, e não um lugar que costumava receber visitantes. Mas quando aquele homem, seguido por uma criança e uma bela mulher, foi levado ao líder da organização, ele se apresentou como um caçador de nível 8.

— Vamos preparar um pequeno santuário e emprestar a vocês um deus — ele disse com um sorriso resignado, mas tranquilo. — Tenho certeza de que isso transformará esta terra em uma próspera.

Que absurdo. No entanto, a designação de nível 8 tinha peso, e aquele homem possuía documentos para provar sua legitimidade. Ele estava no mesmo nível do caçador mais forte de Toweyezant. O sujeito não parecia grande coisa, mas suas credenciais eram difíceis de ignorar.

— Dê a ela uma porção de tofu frito por dia, e ela trabalhará para vocês — disse o caçador, que atendia pelo nome de Krai Andrey, para os moradores atônitos.

— Três porções — corrigiu a garota de máscara de raposa, puxando sua manga.

— Três porções — Krai corrigiu-se imediatamente. — Ah, e também gostaria que enterrassem isso. Enterrem bem fundo e apertem a terra com força, ok?

Os olhos da mulher de cabelos rosados se arregalaram.

— Ah, Krai, que desperdício — ela lamentou.

Dentro da caixa oferecida pelo campeão havia uma misteriosa cauda branca.

*** 

Com a satisfação de um trabalho bem feito, olhei para o céu. Sentindo os raios brilhantes se espalhando pelo azul infinito, eu estava perfeitamente confortável.

— Tudo resolvido — eu disse.

A Pequena Raposa e sua responsabilidade com o tofu frito haviam sido passadas para pessoas que realmente precisavam de seus poderes. Eu também consegui me livrar da cauda. Enterrada bem fundo na terra, tinha certeza de que eventualmente voltaria para a natureza.

E, para completar, consegui um smartphone. Eu estava pegando fogo, mais do que nunca.

— Às vezes, não consigo entender sua lógica — Sitri disse. — Poderíamos ter usado aquela cauda.

A Pequena Raposa era um dos fantasmas mais básicos do seu cofre, mas seus poderes ainda eram divinos aos olhos de um mero humano. Eu não sabia exatamente do que ela era capaz, mas fazer chover parecia uma possibilidade. E se não fosse, ela ainda poderia proteger a vila de seu ambiente hostil. Para um fantasma, ela era bem esperta.

Ah, é bom fazer algo legal.

— Não que tenhamos algo pelo que pedir desculpas, mas acho que deveríamos dar àquelas pessoas os suprimentos extras da aeronave — eu disse.

Eu tinha ouvido falar que cultivar árvores no deserto era um trabalho brutal, e aqueles aldeões estavam terrivelmente magros. A maioria dos suprimentos eram rações de longa duração, mas ainda assim eram melhores do que nada. Talvez houvesse ainda algum tofu frito em uma daquelas caixas.

— Como desejar — respondeu minha querida amiga Sitri em um tom emburrado, algo raro para ela.

— Esse rabo é perigoso demais para experimentação.

— E mesmo assim você o deu para os aldeões?

— Isso não vem ao caso.

Eu não o dei, eu o descartei. Peguei o rabo, e toda a responsabilidade que vinha com ele, e o joguei num buraco. É isso que se faz com coisas que você não sabe como lidar — você as enterra bem fundo no chão. Tudo que me restava fazer era inventar uma boa desculpa para isso, e estaria tudo certo.

Então, meu recém-adquirido smartphone emitiu um som. Puxei-o rapidamente e toquei na tela. Eu estava recebendo uma chamada do Raposa Ancião. Ele havia sido adicionado automaticamente aos meus contatos. O que será que ele queria? Toquei no botão hesitante, e a tela começou a brilhar intensamente.

***

Era quase meia-noite e eu estava no meu quarto quando recebi uma ligação de Franz e levei Kris comigo. Essa era a primeira vez que isso acontecia nos últimos dias, mas eu já tinha me acostumado às suas convocações. E parecia que Franz também já tinha se acostumado a me ver no Perfect Vacation.

— Que bom que pôde vir, Mil Truques — ele disse e então olhou para seus homens. — Deixem-nos a sós.

Seguindo suas ordens, todos os membros da guarda imperial, exceto Franz, saíram da sala. Como de costume, as únicas pessoas que permaneceram foram ele, o imperador e a tímida princesa imperial. Eu tinha algumas ideias do porquê de ter sido chamado. No entanto, Franz não parecia nem um pouco irritado, então presumi que ainda não tinham descoberto sobre a Raposa Irmãzinha e toda aquela confusão.

— Falta pouco para a conferência — continuou Franz. — Primeiro, permita-me expressar meus agradecimentos por manter Sua Majestade Imperial a salvo. Chamamos você para discutir esse trabalho e o futuro.

O futuro, hein? Faz sentido. Pensando bem, isso explicaria por que Kris estava tão preocupada.

O rosto de Franz ficou sombrio.

— Porque você trouxe membros da infame Raposa Sombria de Nove Caudas para essa missão, a Estrela Negra, um dos bens mais valiosos do império, caiu. De acordo com a lei imperial, esses fracassos acarretam punições severas. Não importa qual tenha sido seu propósito, usar Sua Majestade Imperial como isca para atrair um inimigo é imperdoável, e nos guiar até um cofre do tesouro foi algo sem precedentes.

A maioria dos nobres era imponente e não se importava muito com pessoas comuns. A lei imperial era rígida, mas eu já tinha ouvido muitas histórias de comportamento violento de nobres que levavam plebeus às lágrimas. No entanto, o que ele estava dizendo fazia bastante sentido.

— Entendo — eu disse.

Mas, se me permitem dizer, eu não usei o imperador como isca, nem nos levei até um cofre do tesouro. Eu não achava que acreditariam em mim, mas se eu fosse culpado de algo, seria de incompetência.

— Espera! Senhor! Certo, o fraco humano foi longe demais, mas no fim chegamos ao nosso destino com segurança. Ele trouxe as Raposas para atraí-las. Em vista disso, acho que ele merece uma sentença mais leve…

— Não. Eu simplesmente não fazia ideia de que eles eram Raposas.

— Hã!?

Me desculpe por ser ruim no meu trabalho. Mas acho que era bem razoável supor que a famosa Maldição Oculta não tivesse um terrorista escondido em suas fileiras. E Kechachakka era muito suspeito. Quem pensaria que alguém tão sombrio na verdade era um vilão? E algo não estava errado com Franz, já que ele e seus homens simplesmente aceitaram minha equipe sem questionar nada?

Enquanto eu jogava a culpa de um lado para o outro na minha cabeça, o imperador me fez uma pergunta.

— Hm. Diga-me, Mil Truques, qual você acha que foi nosso maior fracasso?

O olhar dele era sério. Eu conseguia pensar em vários erros graves, mas precisava tomar cuidado com o que diria aqui. Após uma breve consideração, fiquei com a impressão de que eles ficariam irritados com qualquer coisa que eu dissesse.

Sem opções melhores, suspirei e respondi:

— Tivemos muitas falhas, mas a maior delas foi que tivemos muito azar.

— Hã!? O que diabos isso quer dizer!?

Bem, uh, o que mais poderia significar? Não estou errado, embora admita que isso não significa que foi a resposta certa.

Minha tentativa desesperada de resposta fez o imperador franzir a testa. Após um breve silêncio, vi-o acenar com a cabeça.

— O azar, de fato, é algo que não podemos evitar — ele disse.

— É como diz — Franz concordou.

— O quê!? — Kris gritou.

Eu estava tão surpreso quanto ela. O imperador era uma coisa, mas aceitar essa resposta não parecia nada com algo que Franz faria.

— Sua Majestade Imperial está graciosamente disposto a perdoar seus erros — disse Franz em um tom firme. — Normalmente, isso seria impensável.

— Isso é impensável — concordei.

— Apenas fique quieto e escute.

Eu tinha um mau pressentimento sobre isso. Simplesmente não conseguia aceitar que eles seriam tão indulgentes. Mesmo que nossos problemas tivessem sido causados por descuidos, mesmo que tudo tivesse sido resolvido sem grandes complicações (o que não aconteceu), eu simplesmente não acreditava que sairiam me deixando impune. Eu não era totalmente alheio às minhas falhas aqui. Tinha que haver um preço; isso estava bom demais para ser verdade.

— A segurança da conferência é à prova de falhas — continuou Franz. — Mesmo um ataque da Contra Cascata não será um problema. No entanto, somos convidados desta nação e não queremos causar alvoroço. Você me entende, Krai Andrey?

— Hmm. Ah, é verdade. Acho que eles não vão mais atrás de você.

Eu tinha minhas dúvidas, mas não via outra alternativa. Sobre a mesa, coloquei duas Relíquias enviadas para mim pelo recurso de anexos dos Smartphones. Havia uma gema negra como a noite e as pulseiras que Telm estava usando. Franz ficou imóvel, e Kris parecia atônito.

— Estas são as Relíquias que Telm e Kechachakka estavam usando. Sem elas, seus poderes foram reduzidos pela metade.

— O-O quê!? Onde, como, não—quando você fez isso!?

Por mais confuso que Franz estivesse, não achei que poderia contar que recebi os itens de um fantasma. Não sabia os detalhes, mas parecia que eles haviam pagado um preço depois de perder uma batalha de inteligência.

— Isso é um segredo profissional — respondi. — As pulseiras vão para a Lucia, mas estou disposto a me desfazer da gema. Parece que ela é capaz de invocar dragões—

— O quê!?

Eu não tinha necessidade de algo tão perigoso. Suponho que entregaria as pulseiras também se eles as exigissem.

O ambiente ficou em silêncio. O olhar chocado de Kris fez minha culpa pesar ainda mais, mas ainda assim, não podia explicar como consegui essas Relíquias.

O olhar do imperador se aguçou. Depois de um momento, ele pareceu tomar uma decisão e disse:

— Mil Truques, depois de testemunhar seus talentos, decidi que quero que você proteja e oriente Murina.

Aquilo não fazia o menor sentido. Parecia desconexo, sem relação com a conversa.

— O quê? — acabei dizendo.

Olhei para a princesa imperial, que se encolheu atrás do imperador. Se ela precisava de proteção, havia a guarda imperial. Na verdade, Franz estava protegendo-a da Contra-Cascata. E onde ficava toda aquela conversa sobre a conferência ter segurança impecável e não querer causar alarde? Ela não estava indo para a conferência?

Eu não acompanhava política, mas enquanto ainda ouvia falar do imperador de vez em quando, não sabia nada sobre a princesa imperial. Ela não era conhecida por grandes feitos ou por uma beleza lendária ou algo assim. Pode ser rude da minha parte, mas ela era realmente fácil de esquecer. Eu nem sabia o nome dela até pouco tempo atrás.

Espera aí.

Justo quando um pensamento passou pela minha cabeça, Kris falou:

— Agora que mencionou ela, preciso perguntar por que a trouxe em primeiro lugar. Ela não estaria muito mais segura no Castelo Imperial, senhor?

Exatamente. Eu não achava que a princesa imperial estivesse envolvida em política nem que herdaria o trono. Não via motivo para o imperador trazê-la junto.

Ao ouvir a pergunta de Kris, a expressão de Franz mudou. Ele não parecia zangado, mas uma sombra caiu sobre seu rosto. Por um breve momento, um lampejo de hesitação atravessou a postura normalmente digna do imperador. Senti como se estivesse olhando para uma bomba prestes a explodir.

Então, como se estivesse revelando um segredo de Estado, o imperador sussurrou:

— Mil Truques, você não deve contar isso a ninguém. A verdade é que Murina é incrivelmente azarada.


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