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Grieving Soul – Capítulo 3 – Volume 6

Nageki no Bourei wa Intai shitai

Let This Grieving Soul Retire Volume 06

Capítulo 3: Protegendo o Imperador


Então o dia chegou. Sitri, estranhamente animada, me entregou meu equipamento de viagem. Com o controlador em uma mão, Sir Matadinho Versão Alpha e o Tapete me seguiram enquanto eu me arrastava para fora da casa do clã.

Seguimos em direção à Associação dos Exploradores, onde nos encontraríamos com os outros caçadores. O sol estava apenas surgindo no horizonte e a capital imperial ainda estava fria. Caminhar por aquelas ruas me fazia sentir como se estivesse descendo uma escadaria para o inferno.

O primeiro rosto que vi na Associação foi o de Kechachakka Munk. Ele era um homem pequeno e parecia ter as costas curvadas. Todo o seu corpo, exceto o rosto, estava oculto sob um manto negro. Ao seu lado estava o que eu supus ser sua arma: um cajado com um crânio na ponta.

Parei imediatamente, incapaz de processar o que estava vendo. Caçadores eram um grupo individualista, mas esse cara definitivamente parecia suspeito.

— Hee hee hee hee, é você, Mil Truques? — ele disse ao me ver. — Não sei onde você ouviu falar de mim, mas… hee hee hee.

Sua risada me incomodou.

Não, não, não. Isso não vai dar certo. Estamos protegendo o imperador. Esse cara ao menos sabe disso?

Me disseram que eu podia escolher quem quisesse, mas isso era realmente forçar a barra. Como eu poderia explicar isso? Por que esse cara estava na lista que Kaina me deu?

Apontei para sua arma. — Onde você comprou esse cajado? — perguntei, sem ter ideia do que dizer.

— Hee hee hee.

— Belo traje. Perfeito para uma missão de escolta.

— Hee hee hee. Hee hee. Hee hee.

Para o meu terror, minhas tentativas de comunicação falharam. Eu simplesmente não conseguia me imaginar virando amigo desse cara. E que ousadia de roupa para uma missão de escolta! Me arrependi de não ter conhecido esse sujeito antes. Ele era, sem dúvida, a pimenta preta amarga do nosso espaguete na parede. Talvez ele fosse tão suspeito que ninguém sequer o achasse suspeito de verdade?

Seja como for, eu não tinha escolha senão deitar na cama que arrumei para mim. Assim que soltei um suspiro, a porta da Associação se escancarou.

— A audácia de me escolher para esse trabalho e depois me fazer vir até aqui! Senhor! Se vai me pedir um favor, ao menos venha me buscar…

Fiquei grato pela voz cristalina que dissipou a tensão constrangedora. Kris era uma Maga, assim como Kechachakka, mas sua roupa não poderia ser mais diferente da dele. A aparência dos Espíritos Nobres era bem distinta da dos humanos. Seu cajado era feito de madeira retorcida, seus shorts eram apropriados para a vida na floresta, e ela tinha um chamativo cabelo prateado que quase tocava o chão.

Sem dar a mínima para Kechachakka, Kris olhou para mim e sua bochecha começou a tremer.

— Qual o significado dessa roupa?! Senhor! Isso é um trabalho sério, não um lugar para camisas estampadas! Se vai me arrastar junto, ao menos se vista adequadamente. Por associação, você está me fazendo parecer mal. É humilhante!

— Hã? Não, veja bem, isso é uma poderosa Relíquia…

Kris gemeu de vergonha. Olhei para minha camisa-tipo-Relíquia com seu padrão berrante e a comparei com Kechachakka. Talvez eu estivesse mais deslocado do que ele? Mas não havia um código de vestimenta nem nada. Tudo ficaria bem.

Levei minha equipe até o local combinado. Perto dos portões da capital imperial havia uma grande carruagem ostentando o selo do império. Não parecia que o imperador havia chegado ainda.

— Ela é feita de mithril e adamantina. Nenhuma espada, arma de fogo ou feitiço funcionará contra ela — informou Franz com uma voz séria. Parecia que ele seria o responsável por garantir a segurança do imperador.

Ambos os materiais mencionados eram usados em armas e armaduras. O mithril era eficaz contra magia, enquanto a adamantina era impenetrável a qualquer ataque físico. O preço dessa resistência era o peso extremo da adamantina. Somente classes corpo a corpo podiam usá-la com eficiência, e eu definitivamente não esperava que alguém a utilizasse em uma carruagem.

Uma carruagem assim não poderia ser puxada por cavalos comuns, e quando verifiquei a frente, vi quatro mustangs de platina, exatamente como aqueles que Eva tentou me dar para minha viagem de férias. Se a carruagem estava sendo puxada por essas bestas violentas e robustas, nenhum monstro deveria se aproximar. Era exatamente o tipo de defesa inquebrável necessária para manter o imperador seguro.

— Mas, sabe, morreremos se um vulcão entrar em erupção bem debaixo de nós — observei.

Não recebi resposta.

— Também morreremos se formos atingidos por um raio — continuei.

— Para de agourar! — gritou Franz. — Se o pior acontecer, Sua Majestade Imperial está equipado com Anéis de Segurança!

Era exatamente o que se esperaria do governante de um grande império, defesas perfeitas.

Assenti e então falei em um tom sério. — Bom saber. Posso perguntar quantos Anéis de Segurança?

Nenhuma resposta.

— Mas, sabe, ele pode morrer se ficar sem oxigênio.

Ouvi um leve som de irritação.

— Ele também pode morrer se se afogar.

— Silêncio. Isso não é um dos seus cofres do tesouro! Já garantimos a segurança do nosso caminho. Até mesmo reduzimos o número de bandidos!

Eu na verdade nunca fui a esses cofres do tesouro, mas considerando com o que estávamos lidando, tudo era possível. Eu já havia escapado das garras daquele fantasma uma vez, mas não achava que teria sorte duas vezes seguidas.

O Tapete bateu contra mim. Virei na sua direção e o vi fazendo um gesto de ombros. Parecia compartilhar meu cansaço.

Ei, não se mova tanto assim. Vai gastar sua carga.

— E você poderia me explicar essa vestimenta?! — Franz apontou para mim, vermelho de raiva. — Isso não é uma viagem de lazer!

— Isso faz parte do meu estilo de luta—

— Você espera que eu acredite nisso?! Que tipo de estilo de luta poderia ser esse?!

A Relíquia que eu usava era a Perfect Vacation. Como o nome sugeria, ela tornava qualquer férias perfeitas. Havia muitas Relíquias defensivas, mas eu nunca tinha visto uma tão útil quanto essa camisa incrivelmente adaptável. Ela praticamente não oferecia proteção, mas seu usuário podia ficar perfeitamente confortável, estivesse no céu, no oceano, em uma montanha ou no fundo do mar.

Além das cores chamativas e do fato de que não dava para usar nada por cima dela, era absurdamente confortável. Com isso e anéis de segurança suficientes, eu ficava bem. Me perguntava que tipo de era cruel havia criado um item como esse. Segundo rumores, ela fazia parte de uma série que também incluía sandálias e óculos de sol, mas, infelizmente, eu não tinha esses. Eu queria levar essa Relíquia comigo nas férias, mas, na época, ela estava sem mana.

— Certo — disse Franz a contragosto. — Caçadores não precisam se preocupar com etiqueta. Você está aqui apenas como um seguro contra o pior cenário possível. Não preciso lembrá-lo de que, se algo acontecer com Sua Majestade Imperial, as consequências serão sentidas muito além das fronteiras de Zebrudia.

— É claro que eu entendo — respondi. — Mas, se eu fosse o imperador, não teria escolhido alguém com tantos inimigos quanto Krai Andrey para ser minha escolta.

Eu tinha um azar desgraçado e liderava um grupo que metia medo em várias organizações criminosas — era bem possível que eu tivesse mais inimigos do que o próprio imperador. E eu não estava cercado por guardas, então era um alvo muito mais fácil. No entanto, esse trabalho não era de todo ruim. Eu tinha o Tapete Voador, e mal podia esperar para brincar mais um pouco com ele.

Pensando pelo outro lado, atacar-me durante essa missão seria equivalente a cometer traição contra o império. Isso poderia não significar muito para os espectros, mas era o suficiente para desencorajar organizações criminosas. Mesmo que tentassem, eu tinha os melhores cavaleiros do império e o número dois da Maldição Oculta ao meu lado.

Levando em conta a reputação dos cavaleiros, eu bolei uma desculpa de alto nível. — Só para deixar claro, eu confio plenamente em você e nos seus cavaleiros — falei para Franz. — Se tentássemos ajudar na luta, só atrapalharíamos. Não pretendo me envolver mais do que o necessário.

Franz franziu a testa. — Muito bem — disse em um tom arrogante. — Vamos ficar próximos de Sua Majestade Imperial. Além dos cavaleiros, temos Magos e Clérigos entre nós. Fiquem fora da vista de Sua Majestade Imperial e se certifique de dizer isso aos seus camaradas esquisitos.

Que jeito rude de falar, mas o que eu podia fazer? Com certeza havia algo de errado com Kechachakka.

— Beleza, deixando com vocês.

— Preparamos cavalos — disse Franz, apontando para cinco cavalos negros robustos e selvagens. — Seu grupo pode se espalhar e proteger o perímetro externo. E lembrem-se, eu disse para ficarem fora da nossa vista, mas isso não significa que podem negligenciar suas funções. Não me agrada dizer isso, mas Sua Majestade Imperial espera muito de vocês.

As montarias eram mustangs de ferro, uma excelente escolha para cavalos de guerra. Nenhuma despesa estava sendo poupada se até os caçadores da escolta estavam recebendo montarias de tão alto nível. Só havia um problema: não eram cavalos que podiam ser montados sem prática, e ainda tinham o péssimo hábito de não deixarem fracos montá-los. E eu não sabia montar a cavalo.

Justo quando eu estava me perguntando o que fazer, o Tapete veio até mim, como se dissesse para deixar tudo com ele. Que camarada confiável.

— Não preciso de um cavalo, tenho meu Tapete — falei para Franz.

— Faça como quiser, só não atrapalhe. — Ele deu de ombros e encerrou a conversa ali.

No instante em que voltei para o meu grupo, fiquei extremamente preocupado com o que nos esperava.

— Hee hee hee. Hee hee hee…

— Humano fraco! Não me deixe sozinho no meio dessa gente! Senhor!

— Matar, matar.

O único membro do grupo que parecia decente sorriu e seus ombros tremiam de diversão. — Hmm. Essa seleção eclética sugere que seu apelido não é só conversa. Fico feliz de ter a chance de testemunhar o trabalho do mais jovem Nível 8.

Ele era alto, com cabelo grisalho penteado para trás. Seu porte era sereno, mas ainda havia um brilho afiado nos olhos. Não carregava um cajado, mas em ambos os pulsos usava pulseiras adornadas com gemas azul-profundo.

Ilustração Let This Grieving Soul Retire Vol6 10 do capítulo Grieving Soul – Capítulo 3 – Volume 6

Diferente dos corpos, a mana não se deteriora com o tempo, então os Magos tendem a ficar mais fortes à medida que envelhecem. Mesmo com a idade que tinha, Telm Apoclys, o Contra-Cascata, mantinha-se fiel ao seu posto como um Nível 7. O membro mais famoso do renomado clã de Magos da Maldição Oculta não era outro senão o Inferno Abissal, mas Telm ainda era conhecido por seu status como o segundo em comando.

De acordo com rumores, ele já fora rival do Inferno Abissal, e eles haviam brigado pelo posto de mestre do clã. Mas o homem à minha frente parecia muito tranquilo para isso. Se a escolha fosse minha, teria escolhido Telm em vez da velha. Mas acho que escolheria a velha se estivesse indo para a guerra.

—Desculpe chamar você com tão pouca antecedência, mas eu precisava da sua ajuda… — disse eu, tentando bajulá-lo.

Telm simplesmente levantou a mão. — Não me importo nada. Estou aqui por ordem de Rose. Não precisa me pedir desculpas quando você é o líder aqui.

— Hee hee hee.

— Matar? Ma-tar? MAA-TAR?

Eu não achava que importava quem estava no comando; esse grupo parecia uma mistura de pessoas jogadas ali para testar quem fosse maluco o suficiente para tentar.

— Fique de pé direito! Senhor! — gritou Kris. — Você está me fazendo passar vergonha, sua subordinada. Devo assumir o comando por você?!

—Você faria isso por mim?

Com o rosto vermelho, Kris começou a gritar algo para mim, mas eu ignorei e comecei a explicar a todos sobre a missão à nossa frente. Mesmo quando mencionei os mustangs de ferro, ninguém demonstrou surpresa. Parecia que eu era o único sem confiança em montar um cavalo. Mas estava tudo bem, eu tinha algo muito melhor. O Tapete era um sujeito selvagem, mas bom de coração.

Mais pessoas haviam se reunido nos arredores. Fui informado de que iríamos com o mínimo de pessoal, mas mover o imperador exigia mais do que uma ou duas carruagens. Nossa caravana incluía até as pessoas responsáveis pela aparência do imperador e os nobres que o acompanhariam na conferência.

Eventualmente, o próprio imperador apareceu, cercado por guardas. Ele deu uma olhada rápida em minha direção e, em silêncio, subiu na carruagem impenetrável. Sua guarda pessoal era composta por doze cavaleiros. Não que eles servissem de muito, caso houvesse uma erupção vulcânica.

Sem se perturbar com a aparência assustadora do mustang de ferro, Kris acariciou seu pescoço e subiu facilmente em suas costas. —Não é um mal cavalo, para algo usado por humanos, — disse ela, com um tom um pouco alegre. — Isso poderia competir com nossos cavalos de casa! Senhor!

—Então você sabe montar um cavalo?

—Você acha que sou burra?! Senhor! Não há um Espírito Nobre que não saiba. Em casa, eu andava em um lindo unicórnio…

Com uma risada estranha, Kechachakka subiu em um cavalo. Sem que eu precisasse usar o controle remoto, o Sir Killigan também montou um cavalo com facilidade. O mustang de ferro não se mexeu nem um pouco, mesmo quando um homem grande e blindado (provavelmente) subiu em suas costas. Telm era um Nível 7, então qualquer preocupação da minha parte teria sido apenas um insulto.

As carruagens começaram a se mover. Respirei fundo e disse ao Tapete: — Parece que é hora de começarmos a nos mover.

O Tapete se deitou no chão e eu subi rapidamente. Ele disparou. A sensação de ausência de peso era incrível. Assim como ao usar o Caminhante Noturno, a paisagem passando virou um borrão. Se não fosse pela Relíquia Perfeita para Férias, eu teria dificuldade até para respirar.

À medida que avançava, o Tapete fez uma curva e, estranhamente, eu não caí. Parecia que o Tapete foi feito para evitar que o cavaleiro caísse em quase todas as circunstâncias. Eu só queria que tivesse mais recursos de segurança. Havia alguma regra que as Relíquias de voo precisavam ser uma ameaça à vida de quem as usasse?

—Ah, fraco humano—

Num piscar de olhos, ultrapassei meu grupo e, depois, as carruagens, deixando um rastro de gritos e exclamações. A sensação de velocidade era a melhor coisa do mundo. Tenho certeza de que teria sido ainda melhor se eu pudesse controlá-la.

Então, enquanto eu voava, bati nos portões da capital imperial, de cabeça. Antes de nossa jornada começar, eu já havia morrido uma vez.

— Você está brincando comigo! Senhor! — gritou Kris. — Por que você tem que montar no meu cavalo? Você trouxe isso para si mesmo!

Minha manobra de voo me rendeu bastante ira. Acho que era natural; os cavaleiros precisaram confirmar que eu estava bem, o que nos atrasou por duas horas. Honestamente, foi um milagre que não tenha demorado mais. Parecia que o imperador estava realmente determinado a me manter como parte de sua comitiva.

— Não me pegue aí! Não pise no meu cabelo! Tenha respeito. Nenhum humano deveria ser autorizado a tocar em um Espírito Nobre! Mantenha distância o máximo possível!

Depois disso, fui proibido de montar no meu Tapete Voador. Que pena. Eu estava tão empolgado para voar pelo céu. Maldito Tapete travesso.

— N-Não caia! Que Nível 8 cai de um cavalo?! Pra que você tem pernas? Inacreditável. Você está fazendo isso de propósito? Não podemos nos dar ao luxo de atrasar mais. Aqui, você tem permissão para me tocar só desta vez. Segure firme! Aah!

Depois de cair do cavalo duas vezes, gastei mais dois Anéis de Segurança. Ainda assim, continuei a andar com Kris. Já causei caos suficiente nas nossas fileiras, então não queria bagunçar ainda mais as coisas.

Um mustang de ferro podia facilmente carregar duas pessoas magras como nós. Eu me senti patético tendo uma garota no comando do cavalo, mas não tive coragem de andar com um estranho como Telm ou Kechachakka. Andar com o Sir Killigan, que estava no Modo de Ação Autônoma, estava fora de questão. Não muito atrás, o Tapete Voador flutuava alegremente.

Pelo que eu sabia, praticamente todos os Espíritos Nobres tinham cabelos longos para usá-los como catalisador de mana. O cabelo da Kris era bem cuidado e frio ao toque. Os Espíritos Nobres mantinham uma temperatura corporal mais baixa que os humanos e, mesmo através do manto dela, eu sentia o frio irradiando. Mas com o poder do Férias Perfeitas, eu estava perfeitamente confortável. Na verdade, estava até ficando com sono.

— Quando isso acabar, você vai contar pra Lucia o quanto eu fui útil! O quanto eu fui gentil! Um Espírito Nobre normal já teria te matado a essa altura!

— Eu sei. Você está sendo uma grande ajuda. Muito melhor que o Tapete.

— Você continua me tratando como uma idiota!

Eu estava te elogiando. Além disso, espero que consiga carregar meus Anéis de Segurança depois.

Me agarrei com força e bocejei, o que só a deixou mais irritada.

***

Mais de cem homens estavam reunidos perto de uma estrada que cortava as planícies gramadas a oeste da capital imperial. Eles se escondiam nas sombras das árvores altas e usavam equipamentos com padrões de camuflagem. Para qualquer um que passasse por ali sem muita atenção, seria impossível notar tantos homens ocultos entre a vegetação.

Eles eram uma companhia mercenária — e uma das mais infames. Faziam trabalhos sujos para o submundo do crime e não se diferenciavam muito de simples bandidos. Este trabalho não era exceção; não havia nada de correto em atacar carroças que levavam o selo do Império Zerbrudiano.

Era um grande trabalho. Eles não sabiam quem estava pagando, mas a pessoa havia oferecido um pagamento generoso adiantado. Também era um trabalho simples. O trajeto e o horário dos alvos já haviam sido determinados; tudo o que precisavam fazer era executar o ataque.

Os alvos aparentemente eram pessoas importantes e estariam cercados de guardas, mas isso não era problema para os mercenários. Eles estavam bem informados e preparados. E, naquela vasta planície aberta, não haveria para onde os alvos fugirem.

Ainda assim, o líder da companhia não parecia satisfeito. Uma careta se formou em seu rosto, sujo com ervas que mascaravam odores.

— O horário marcado já passou — ele disse ao homem ao seu lado. — Algo pode ter acontecido.

Esses homens eram veteranos no ofício. Mesmo sob o sol escaldante, podiam esperar por horas escondidos na vegetação, mas manter o foco não era tão fácil. Ainda mais preocupante, o batedor deles ainda não havia retornado.

Eles já tinham sido pagos pelo trabalho. Se houvesse alguma mudança nos planos, um sinal deveria ter sido enviado. Mas ninguém tinha visto nada até o momento.

Uma rajada repentina de vento fez a grama balançar.

— Vamos esperar mais uma hora, não mais do que isso. Se eles não aparecerem, pegamos nossas coisas e caímos fora.

Cansado da espera, um mercenário próximo soltou um bocejo. Esse tipo de descuido jamais deveria acontecer durante um trabalho.

O homem percebeu que foi flagrado.

— Desculpe, chefe. Eu estava ficando com sono — ele disse, sem jeito.

— Mais uma hora. Aguente firme.

— Sim, senhor.

Na experiência do chefe dos mercenários, se o alvo não aparecesse depois de tanto atraso, raramente aparecia. O contratante parecia ser um sujeito esperto, mas sempre havia a possibilidade de algo inesperado ter acontecido. Talvez os alvos tivessem mudado de ideia. Os mercenários tinham recebido informações sobre a rota poucas horas antes, mas havia inúmeros motivos para alguém alterar seus planos.

Foi então que ele notou uma sombra distante se aproximando. Não era o alvo, mas também não era o batedor deles. O esconderijo dos mercenários ficava logo ao lado da estrada, então, se alguém estava indo direto para eles, possivelmente era um mensageiro enviado pelo cliente.

A figura parecia ser uma mulher. Ela tinha pele bronzeada e botas afiadas. Sua roupa leve sugeria que era uma Ladina. Com um gesto de mão, o chefe dos mercenários sinalizou para seus homens ficarem em alerta enquanto sacava sua arma e se levantava.

A mulher parou a pouco mais de dez metros deles. Com olhos arregalados, encarou o homem.

— Você é uma mensageira? Mostre o sinal — exigiu o chefe dos mercenários.

Havia mais de cem mercenários escondidos na vegetação. Se alguém estivesse ali para atacá-los, era difícil imaginar que mandariam apenas uma única pessoa.

No entanto, a mulher de cabelos e olhos rosados simplesmente se virou e gritou:

— Siddy! Sua poção do sono não foi suficiente! Você tentou economizar ou algo assim? Foi você quem ficou me apressando! Temos que correr, o Krai Baby e o bando dele vão chegar logo!

— Hm?! Ei!

Ao sinal do chefe, todos os mercenários se levantaram. Parecia que uma floresta inteira havia brotado na planície. Mas a mulher misteriosa não se abalou nem um pouco. Com calma, tirou uma máscara e a colocou no rosto. O chefe dos mercenários deu um passo para trás. Ele conhecia aquele símbolo — a máscara sorridente de caveira representava um grupo temido de caçadores.

Por um tempo, eles antagonizaram qualquer organização criminosa que puderam. Eram um grupo de lunáticos. Apenas seis deles enfrentaram dezenas de organizações. E não havia dúvidas de que aquela mulher diante deles era real, pois ninguém ousaria se passar por um grupo tão infame.

— Grieving Souls?! Você só pode estar brincando. Achei que eles estavam se escondendo — disse o chefe dos mercenários, com a voz trêmula.

— Desculpa, mas estou fazendo uma prova de tempo — respondeu a mulher, casualmente. — Não estou interessada nos seus nomes e nem sei quantos outros desgraçados como vocês eu ainda tenho que limpar.

Um rugido ensurdecedor surgiu atrás dos mercenários. Gritos ecoaram entre a companhia, geralmente destemida. Parado ali, havia um cavaleiro gigantesco, coberto da cabeça aos pés em uma armadura cinza. Ele era várias vezes maior que o chefe dos mercenários. Sobre seu ombro direito, outra mulher de cabelo rosa espiava com um sorriso travesso.

— Lizzy! — ela gritou. — Não temos tempo para lidar com cadáveres, então nada de matar! Precisamos sair sem deixar rastros!

Isso era loucura. Os mercenários estavam sendo tratados como tolos. Se os rumores valessem alguma coisa, então os Grieving Souls haviam acabado de adicionar um novo membro, totalizando sete. Atacar uma brigada mercenária com apenas sete pessoas era absurdo. E, no entanto, o chefe dos mercenários estava profundamente assustado. Aqueles caçadores não demonstravam o menor sinal de hesitação.

Um homem de cabelos vermelhos subiu no ombro esquerdo do cavaleiro.

— Liz! O mais forte é meu, então pode ficar com o resto! — ele gritou.

A mulher chamada Liz o ignorou e gritou para a outra pessoa de cabelo rosa.

— Nenhum desses desgraçados tá dormindo! Você disse que usou uma poção do sono, não disse?! Então o que diabos aconteceu?! Não temos o dia todo! Lucy, sapos!

Eles nem estavam agindo como se estivessem prestes a entrar em uma batalha.

— Lucy, sapos, por favor! — disse a que estava no ombro direito. — Eu vou capturá-los todos e criá-los livres num labirinto!

— Uhh, Lucia, sapos! — disse a do ombro esquerdo.

O cavaleiro resmungou.

Nenhum deles parecia remotamente nervoso.

— Não voltem sempre pros sapos! — disse uma voz alta vinda de cima. — Eu já falei, isso me deixa exausta!

Os mercenários olharam para cima. Lá, quase como uma pegadinha, eles viram uma pipa.

***

Depois de um pouco mais de meio dia de viagem tranquila, chegamos ao nosso primeiro ponto de parada. Isso não era uma aventura, então não haveria acampamento ao ar livre. Segurança era a prioridade número um, o que era um alívio para nós, que estávamos na escolta. Graças ao Perfect Vacation, até a viagem a cavalo foi extremamente confortável. Mas isso não era o que mais me deixava aliviado.

— Incrível. Nada aconteceu — comemorei, cerrando o punho.

— Eu ouvi certo?! — Kris gritou. — Por sua causa, nossa partida foi toda atrapalhada! Senhor! Você tem que comprar um cavalo nesta cidade.

— Eu não tenho dinheiro.

— O quê? O quê?!

Apesar dos gritos dela, eu estava completamente confortável, tudo graças ao Perfect Vacation. Só precisava lembrar de recarregá-lo.

— O que eu quis dizer foi que não apareceram ladinos, nem monstros, nem tesouros amaldiçoados, nem fantasmas — falei, segurando Kris como me foi instruído. — Também não houve desastres naturais. Isso é inédito.

— Hã? Isso é só um trabalho de escolta. É claro que nada disso aconteceu. Senhor.

— Bom, acho que algumas pessoas podem ver as coisas desse jeito.

Nada melhor do que nada acontecer. Que vida feliz ela deve levar.

— Não tente parecer pensativo! Senhor! — ela disse, notando meu olhar tranquilo. — Saiba o seu lugar!

Sem surpresa, a pousada preparada para nós era luxuosa e voltada para nobres. O imperador e a guarda imperial tinham um andar inteiro para eles. Os outros guardas, incluindo meu grupo e eu, ficamos responsáveis pelos andares inferiores.

Quando terminamos os preparativos, Franz se aproximou de mim, com uma expressão carrancuda.

— Passamos pelo primeiro dia sem incidentes. Talvez tenhamos assustado a Raposa.

— Não, não, ainda é cedo para relaxar — eu disse. — Quem sabe o que pode acontecer?

— Até agora, a única fonte de problemas tem sido você! Não banque o sério com essas roupas ridículas! — O Carpete deu um tapinha nos ombros dele.

— Não faça isso! Eu vou te cortar! — ele rugiu para o Carpete.

Ele nunca aprenderia a se dar bem com o Carpete se se incomodasse tanto com essas pequenas coisas.

— Silêncio. Senhor — Kris disse. Ela estava sentada ali perto, com as costas retas, bebendo chá graciosamente. — Não há motivo para ficar tão irritado. Enquanto eu estiver aqui, o sucesso é praticamente garantido. Se aparecer algo que seus cavaleiros não possam lidar, podem deixar comigo! Senhor!

— Também temos Kechachakka, assim como a Contra Cascata — acrescentei.

Além disso, ainda temos Sir Matadinho.

Kechachakka, ainda usando suas vestes suspeitas, soltou sua risada suspeita de sempre. Eu invejava profundamente a capacidade de Telm de se manter calmo no meio desse grupo.

— Você deveria listar seu próprio nome primeiro! Senhor! Seu humano fraco! — Kris gritou para mim.

— Hmph. Dane-se. Mil Truques, por que não compartilha sua avaliação da situação comigo? Ouvi dizer que você tem fama de prever o futuro.

Hã?

Meus olhos se arregalaram. Kris, Kechachakka, Telm, todos me encaravam, como se estivessem esperando algo de mim. Eu não tinha uma avaliação a oferecer. Nunca havia feito uma única previsão correta na minha vida. Em certo sentido, eu poderia até acertar, mas sempre nos piores momentos. Mas eu estava ali para cumprir um trabalho, então não podia simplesmente dizer não. Oferecer uma avaliação era o mínimo que eu podia fazer.

Cruzei as pernas e tentei parecer durão. Para começar, tentei me livrar de qualquer responsabilidade.

— Isso é complicado. Eu não vejo o futuro, sabe? Não posso dizer nada com certeza, mas aprendi algumas coisas ao longo dos anos.

Lancei um olhar para Telm. Esperava que o segundo caçador de nível mais alto ali me ajudasse se fosse necessário. Telm franziu a testa, mas continuei.

— Você está mais vulnerável quando baixa a guarda. Estamos relativamente seguros nesta cidade, mas ainda precisamos ficar atentos.

— O quê? — Franz disse. — Não tínhamos planos de relaxar, mesmo sem seu aviso… Você está tentando dizer que algo pode nos atacar?

— Uhm. Dragões?

— O quê?!

Ah, não. Eu não queria dizer isso.

Já foi dito antes, mas dragões raramente atacam cidades. No entanto, isso não levava em conta o fator “escolta do imperador”.

— Também pode haver, uhm, elementais ou algo assim.

Os olhos de Franz estavam vermelhos de raiva. — Impossível. Isso é um absurdo total. Aqui não é o meio do nada, ainda estamos dentro das fronteiras do império!

Ele não precisava ficar tão irritado. Era só a minha avaliação, afinal. Eu mesmo nem acreditava nisso.

— Bem, teve aquele incidente no Castelo Imperial, e elementais já atacaram cidades antes — falei com um sorriso apaziguador.

— Droga — Franz rosnou.

— Não precisa se preocupar. Se aparecerem dragões, Telm dá conta deles.

O único sinal de surpresa que Telm demonstrou com minha designação absurda foi um leve arregalar dos olhos. Ele devia estar acostumado com isso, sendo o braço direito daquela velha maluca.

Poucas pessoas na capital eram tão habilidosas com magia de água quanto ele. Seu título, “Contra-Cascata”, vinha da sua capacidade de realizar feitos como deter rios, dividir oceanos e parar cachoeiras.

Magias de água frequentemente careciam de poder bruto, mas isso mudava quando se tinha o nível de controle dele, capaz de interromper correntes completamente. A água compõe sessenta por cento do corpo humano e é essencial para toda forma de vida, até mesmo dragões e seres ilusórios. Você poderia dizer que ele era capaz de matar com extrema eficiência. Pelo menos, de acordo com Lucia.

Telm levou a mão ao queixo, contemplativo. Então assentiu. — Muito bem. Se algum dragão aparecer, eu serei seu oponente. No entanto, tenho uma pergunta: por que me escolher? Temos Kechachakka aqui. Kris também. Aquele tal de Sir Matadinho parece bem capaz.

Como esperado de um Nível 7, Telm não se abalou nem um pouco com a ideia de enfrentar dragões. Provavelmente ajudava o fato de que ele, no fundo, não acreditava que realmente enfrentaria um. E quanto ao motivo de eu ter escolhido Telm, era simples — confiava mais nele, um portador de título, do que em qualquer outro do nosso grupo. A força de Kechachakka ainda era desconhecida para mim, e Sir Matadinho era um mistério em vários sentidos. Kris era minha proteção pessoal. Mas eu não queria dizer nada disso na frente deles.

Ouvi a risada estranha de Kechachakka e lancei um olhar para Telm.

— Não consegue perceber? — perguntei.

— Hmm.

Será que ele tinha entendido? Ele não pareceu incomodado com minha pergunta.

— Muito bem — disse, assumindo uma expressão séria. — Ainda não tive a oportunidade de mostrar minhas habilidades. Talvez você possa testemunhar o esplendor da minha magia.

***

— Como é? Carregar? Quem você acha que eu sou? Faça isso você mesmo! Senhor!

Kris Argent era uma boa garota. Falava de maneira rude, mas depois de três anos e pouco, eu já tinha aprendido a lidar com isso. Apenas abaixei a cabeça.

— E-Ei, fique fora do meu quarto! Senhor! Você foi criado num celeiro? Ah, não se ajoelhe. Não tem orgulho nenhum? Isso só piora as coisas para nós dois! Senhor!

A culpa era toda minha, então não tinha do que reclamar. Usando minha técnica especial, abaixei cada vez mais até quase encostar no chão. Notei a expressão confusa de Kris e lembrei do que Eliza uma vez me disse: criaturas orgulhosas como os Espíritos Nobres achavam meu comportamento extremamente estranho.

— B-Bem, anda logo e me mostre as Relíquias! Senhor! Quando voltarmos, você vai ter que contar para a Lucia o quanto eu fui útil. O quê? Quando foi que você usou tantas Relíquias?! Pelo menos finge que está arrependido! Senhor! Esse é o problema com você, fraco humano…

Espíritos Nobres tinham uma alta afinidade com magia. Diziam que suas reservas de mana eram dezenas de vezes maiores que as de um humano. Era como se tivessem sido feitos para carregar Relíquias. Se ao menos eu tivesse nascido um Espírito Nobre…

Fervendo de raiva, Kris recarregou os Anéis de Segurança que entreguei para ela. Carregar vários Anéis de Segurança deveria ser difícil até para um Espírito Nobre, mas o orgulho dela não permitia que reclamasse. As provocações que Sitri fez naquela vez também deviam estar pesando.

Os quartos reservados para nós, caçadores, ficavam um nível — ou melhor, um grau — abaixo do andar do imperador. Eles eram pensados para serem espaços ideais para os guardas ficarem, mas considerando o nível desta hospedaria, até os quartos mais baratos eram luxuosos. Sentei-me em um sofá absurdamente macio e soltei um suspiro.

— Fique fora do meu sofá! Senhor! E sem suspiros! Senhor!

— Não acredito que nada aconteceu hoje — comentei.

— E por que aconteceria algo? Senhor. Esperava o quê?

Bom, ainda era cedo para baixar a guarda. É quando a gente se acomoda que a desgraça aparece. Mas ter Telm por perto era extremamente tranquilizador. Se ele era um Nível 7, significava que a Associação de Exploradores o considerava tão forte quanto alguém como Ark. E Kechachakka… Ele não parecia tão maluco quanto parecia.

Abri cuidadosamente a caixa que trouxe comigo.

— Fraco humano, o que é isso? — Kris perguntou, tentando esconder o cansaço óbvio.

— Não sei, mas deixaram na frente do meu quarto — respondi. — Tem meu nome nela, então deve ser para mim.

Isso alarmou Kris na hora.

Dentro, havia chocolates finamente organizados e um cartão com um coração desenhado. O nome do remetente não estava escrito, mas o jeito como o coração foi desenhado me dizia que só podia ser coisa da Sitri. De alguma forma, ela sabia em qual hospedaria estaríamos e qual era meu quarto. Estranho, não?

Os chocolates pareciam de uma marca chique. Usei uma das minhas Relíquias para verificar se estavam envenenados e mordi um.

— O conceito de “cautela” não existe no seu dicionário?! — Kris perguntou, indignada.

— São perfeitamente seguros — respondi.

Afinal, se alguém quisesse me matar, não precisaria recorrer a veneno. Me dar um soco já seria suficiente. Um soco até meus Anéis de Segurança se esgotarem, pelo menos. E eu conhecia bem a palavra “cautela”. Era exatamente por isso que insistia em ficar perto da Kris.

Os chocolates estavam incríveis. Deixe para a Sitri saber exatamente os meus gostos.

Eu podia sentir meu cansaço desaparecendo. Ah, esse aqui tem mel. Isso faz bem para a saúde, não faz?

Kris me observava com exasperação enquanto um sorriso surgia no meu rosto e eu afundava no sofá.

Foi quando a porta chacoalhou e ouvimos vozes do lado de fora.

— Dragões! Tem um bando de dragões gélidos!

— Protejam Sua Majestade Imperial!

Isso é ridículo. Estamos em uma cidade. Dragões nunca viriam para uma cidade em Zebrudia.

Quando falei que dragões poderiam aparecer, era só um exemplo. Além disso, minhas previsões nunca estavam certas. Isso não deveria ser possível. Minha sorte era ruim, mas não desse jeito. E o que estava acontecendo com todos esses dragões? Dois encontros em sucessão rápida era claramente estranho.

Instintivamente, fui pegar outro chocolate, mas Kris segurou meu pulso. Em sua mão direita, ela já segurava seu cajado.

— Estamos indo! Senhor!

— Não acho que sou realmente necessário aqui.

— Se controle! Senhor! E ainda se chama de irmão da Lucia?!

Droga, eu devia ter ficado com Sir Matadinho.

Não me orgulho de dizer, mas nunca me envolvi de verdade em uma luta. Mas me convenci a não me preocupar. Minha mentira pode ter se tornado realidade, mas eu podia simplesmente deixar o Telm cuidar de tudo. Maaas, tecnicamente, eu fazia parte da equipe de guarda, então achei que deveria pelo menos fingir que estava ajudando.

Kris me arrastou para fora do quarto dela pelo braço. Antes de sair, tomei uma decisão rápida e peguei meus Anéis de Segurança carregados. Me preparei. Não sabia se havia algo que eu realmente pudesse fazer para ajudar, mas já que ganhei aquele maravilhoso Tapete Voador, fazia sentido pelo menos tentar fazer algo.

Correndo ao lado de Kris, segui na direção dos gritos.

— Me diga, fraco humano, você já lutou contra um dragão gélido? — Kris perguntou. — Eu não!

— Ah, sim. Claro que já.

Ela me olhou, atônita. Apenas dei de ombros e esbocei um sorriso sem graça.

Minha má sorte já me colocou em contato com todo tipo de monstro. Ultimamente, eu não tinha saído muito, mas já tinha encontrado praticamente todas as bestas míticas que existiam. Estranhamente, quanto mais raras elas eram, maior a chance de eu cruzar com elas. “Raro” nem parecia a palavra certa.

Nem preciso dizer que, mesmo tendo encontrado várias bestas, nunca de fato lutei contra uma. Meu papel sempre foi agir como um niilista e gastar Anéis de Segurança.

Sem parar, ativei um dos meus braceletes, Forma de Miragem, e invoquei uma imagem de um dragão gélido. Que tal isso para um bom uso de uma Relíquia?

Dragões já eram uma espécie rara de besta mítica, mas dragões gélidos eram ainda mais. Definitivamente não eram do tipo que atacavam cidades. Eu sabia disso muito bem depois do meu primeiro encontro com eles.

Kris pressionou os lábios ao ver a imagem de um dragão azul-claro surgir diante dela. Era do tamanho de um cachorro grande, cerca de metade do tamanho do dragão das águas termais em Suls. Tinha asas grandes, uma cauda longa e todas as características que deixavam claro que era um dragão.

— Dragões gélidos são uma variedade de dragões ultra-pequenos e formam bandos. São exímios voadores, exalam ar frio e podem cuspir gelo. Para padrões de dragão, um só não é grande coisa, mas ainda assim, você precisa ter cuidado com eles.

Dragões gélidos. Quando foi a última vez que encontrei esses?

Para dragões, eles não eram especialmente resistentes ou fortes. No entanto, sua mobilidade aérea, sopro congelante e capacidade de trabalhar em grupo os tornavam extremamente perigosos. Nas condições certas, podiam ser muito mais formidáveis que um dragão comum.

— E? — Kris perguntou, surpresa por me ver sendo útil.

— E o quê?

Kris parou e ficou bem na minha frente. — Não tem mais nenhuma informação?! Senhor! Acha que sou idiota?! Não preciso que me diga algo que já sei!

Parece que mais um dia vai passar sem que eu seja de alguma utilidade. Não tenho mais informações.

— Eles são fracos contra fogo — sugeri. — E, ah, você pode fazer uma geladeira colocando um dentro de uma caixa.

— Diga algo mais no estilo Mil Truques! Senhor! Por que estão atacando um assentamento humano? De onde vieram? Quantos são? Qual a melhor defesa contra eles? Você é, tecnicamente, nosso líder! Senhor!

Desculpa, mas eu realmente não sei mais nada. Se quer saber por que os dragões estão aqui, vai ter que perguntar para eles…

Então me veio um estalo. O presente da Sitri passou pela minha mente. Tive um pressentimento muito ruim. Para repetir: dragões não atacam assentamentos humanos do nada. Geralmente, vivem em terras selvagens ricas em material de mana. Se estavam atacando um local habitado por humanos, não poderia ser sem motivo.

Dragões eram como uma forma de desastre natural. Não importava o quão ruim fosse minha sorte, eu não conseguia acreditar que simplesmente haviam atacado justamente a estalagem onde eu estava. Depois do incidente com o dragão das águas termais, era difícil dizer que esse tipo de coisa era impossível, mas não achava que poderia acontecer duas vezes seguidas. Se isso virasse rotina, meus dias estariam contados. Portanto, esse incidente provavelmente não era coincidência, mas sim fruto da interferência humana.

Nesse caso, o culpado mais provável é…

— Ah, isso? — falei. — Sim, tenho uma ideia ou duas.

Agora Kris parecia realmente surpresa. — Tem?! — disse, uma oitava acima do normal.

— Mas não posso entrar em detalhes — falei, franzindo a testa. — Não devo falar nada quando só tenho especulações a oferecer.

O culpado mais provável não era outro senão minha querida amiga Sitri. Era possível que Liz ou Lucia fossem cúmplices. De qualquer forma, capturar algo como dragões da névoa e soltá-los em uma cidade claramente não era coisa de uma pessoa comum. No mínimo, teria que ser alguém com níveis sobre-humanos de mana, e a teoria da Sitri fazia muito mais sentido do que a de um atacante misterioso.

Eu considerei a possibilidade de aquele coraçãozinho significar “Estou te enviando dragões da névoa!” Algo nisso me fez querer muito voltar para casa. O bom senso dizia que essa ideia era absurda, mas bom senso não se aplicava aqui. Se eu tivesse pedido à Sitri para me mandar dragões da névoa, ela com certeza o faria. O problema é que eu não pedi.

Basicamente, o que quero dizer é que eu tinha quase certeza de que Sitri era a culpada por isso. Pouco depois de eu dizer que dragões poderiam aparecer, eles apareceram. Eu estava bem certo de que ela estava por perto o tempo todo, o que significava que era possível que ela tivesse ouvido minha conversa com Franz. Como aprendemos na Reunião da Lâmina Branca, a atenção dela aos detalhes às vezes fazia com que ela exagerasse.

Eu precisava agir rápido. Se o imperador se machucasse, Sitri seria presa.

Se dissermos que ela não teve intenção maliciosa, talvez escapasse da pena de morte. Ou talvez já fosse tarde demais para isso, considerando o envenenamento e tudo mais.

— Anda, Kris. Vamos logo — eu disse. — Temos que proteger Sua Majestade Imperial!

— O-O que deu em você?! Não precisa me dizer isso! Senhor!

O imperador estava hospedado no andar mais alto, o terceiro. Sem nem suar, Kris atravessou a pousada correndo, enquanto eu ofegava tentando acompanhá-la. Eu queria desesperadamente um anel que me permitisse correr sem me cansar.

Quando chegamos à escadaria, não havia ninguém lá. Deveria haver um guarda, mas provavelmente ele tinha saído para ajudar no combate. Kris começou a tremer, provavelmente por causa do frio dos dragões da névoa. Isso era mais uma coisa que os tornava chatos de lidar. Eu, por outro lado, estava com o Perfeito Descanso, então me sentia perfeitamente confortável.

— Kris, você vai na frente — eu disse enquanto subíamos as escadas correndo. — Eu te dou cobertura.

— Você é idiota?!

— É assim que eu faço as coisas! Não se preocupa, Telm vai cuidar da maior parte!

O terceiro andar estava um caos. A primeira coisa que notei foi uma janela quebrada e os grossos fragmentos de vidro espalhados pelo carpete. Não havia dragões no primeiro nem no segundo andar, mas agora eu podia deduzir que eles haviam entrado pela janela do terceiro andar. Vidro, por mais grosso que fosse, não impediria um dragão de passar.

Um cavaleiro que eu reconhecia de antes soltou um grito estrondoso ao atacar três dragões pairando no ar. Sua lâmina cortava o ar com uma velocidade impressionante, mas não conseguia acertar nenhum deles. Seu golpe não era lento, os dragões é que eram ágeis demais.

Até eu podia perceber que o cavaleiro era um espadachim habilidoso, mas parecia não ter muita experiência lutando contra criaturas rápidas. Isso não era incomum, já que a maioria dos monstros e bestas míticas eram seres enormes.

Eu desfiz a miragem que havia conjurado antes e murmurei:

— Eles são menores do que eu esperava.

Os dragões enfrentando o cavaleiro eram bem menores do que os que eu tinha encontrado muito tempo atrás. Minha miragem era do tamanho de um cachorro grande, mas os que eu via agora não eram maiores que gatos.

Um dos dragões desviou de uma lâmina e começou a brilhar levemente. Esse era um sinal de que ia usar seu sopro congelante.

— O tamanho deles não importa! Senhor! — Kris gritou e pressionou a ponta do cajado contra o chão. — Fogo, é fogo, né? Chama Devoradora!

Num instante, as fagulhas à minha frente se avolumaram e tomaram a forma de um pássaro. Esse era o feitiço que Kris havia conjurado. Sem precisar de nenhuma direção, o pássaro flamejante voou silenciosamente em direção a um dos dragões. A besta gelada interrompeu seu ataque e desviou da andorinha com facilidade.

Ele virou a cabeça em nossa direção, mas no mesmo instante seu corpo azul foi envolvido em chamas. Depois de errar o primeiro ataque, a andorinha deu uma volta e atacou de novo. Esse tipo de feitiço era chamado de “magia rastreadora”. Eu não entendia muito sobre magia, mas lançar um feitiço desses instantaneamente não era coisa que qualquer mago conseguia fazer.

— Mandou bem! Sabia que podia contar com você! — eu comemorei.

— Cala a boca! Não me insulte! Senhor! — Kris gritou, então conjurou outro feitiço sem nem parar para recuperar o fôlego. — Voo da Chama Devoradora!

Página Let This Grieving Soul Retire Vol6 11 do capítulo Grieving Soul – Capítulo 3 – Volume 6

O dragão da névoa havia sobrevivido aos pássaros flamejantes. Suas asas tinham sido chamuscadas, mas ainda eram fortes o suficiente para mantê-lo no ar. Os outros dois dragões da névoa se viraram em nossa direção, prontos para atacar.

Uma chuva de fagulhas apareceu e se transformou em pássaros menores do que o primeiro. Eles mergulharam contra os dragões da névoa, criando uma nuvem de vapor.

Kris se apoiou no cajado para se sustentar.

— Minha mana… — ela arfou.

— Hã? Você já ficou sem mana?! — eu disse sem querer em voz alta.

Eu achava que Espíritos Nobres tinham enormes reservas de mana.

Kris me lançou um olhar afiado.

— E a culpa é sua! Senhor! Eu nunca fui boa com feitiços de fogo!

— Mas tenho certeza de que a Lucia poderia…

— Eu vou te dar um tapa! Senhor! — Kris gritou, com o rosto pálido. — Agora me protege! Você aí, da armadura! Sai da frente para que eu possa usar um feitiço de área!

O cavaleiro rapidamente se moveu para a parede.

Os pássaros flamejantes superavam os dragões em número, mas os dragões da névoa eram assustadoramente resistentes. Mesmo depois de serem atingidos várias vezes, nenhum deles tinha algo pior do que queimaduras leves. Continuavam tão ágeis quanto antes e não davam sinais de cair.

Já é meio tarde para pensar nisso, mas será que fogo não é a fraqueza deles?

— Eles são duros pra caramba. Senhor. Fogo é mesmo a fraqueza deles?

— V-Você consegue! Vai dar certo!

— Cala a boca! Fica quieto! Senhor! Rajada Ardente!

Um vento vermelho brilhante percorreu o corredor. Os dragões ficaram avermelhados e soltaram pequenos gritos. Eles despencaram no chão, mas levaram apenas um momento para se recuperar e voltar ao ar.

— Inacreditável! Eu continuo usando feitiços que são a fraqueza deles. Por que ainda estão tão ágeis?!

O suor escorria da testa de Kris enquanto ela encarava os dragões desafiadoramente. Seus braços e pernas esguios, no entanto, tremiam, e sua respiração estava ofegante. Ela estava perto de esgotar sua mana, sem dúvida por ter gastado tanto carregando minhas Relíquias.

Então o cavaleiro avançou da parede. Ele atravessou o ar abrasador e desceu sua espada sobre um dragão vacilante. A lâmina branca cortou direto o corpo da fera. Não chegou a dividi-la em dois, mas o impacto foi forte o bastante para jogá-la no chão, fazendo-a soltar um grito de agonia.

O cavaleiro nem deu outra olhada. Imediatamente seguiu em frente e, em um movimento fluido, atacou outro dragão. Sua lâmina rasgou o corpo de um deles, enquanto o outro se esquivou para o lado.

— V-Vão logo! — ele gritou enquanto desferia mais um golpe. — Eu cuido disso! Sua Majestade Imperial precisa—

— Certo, vamos, Kris.

O cavaleiro golpeou novamente. A menos que eu estivesse imaginando coisas, parecia que seu próximo ataque tinha muito mais força.

Com os dragões da névoa feridos, eu não achava que ele fosse perder. Pode não significar muito vindo de mim, mas parecia que o melhor para todos era Kris e eu priorizarmos o imperador.

— Hã?! Você tá falando sério? Senhor? — Kris perguntou, surpresa.

Simplesmente soltei a corrente ao redor da minha cintura, ativei-a e a lancei na direção dos dragões. A Corrente Perseguidora pousou sobre as quatro patas e, em seguida, saltou sobre uma das feras míticas. Fechei os olhos e fiz uma prece.

Por favor, não se destrua.

— Isso deve resolver — eu disse. — Agora vamos.

Se não nos apressássemos, alguém poderia morrer. E, quando isso acontecesse, seria difícil descartar o incidente com os dragões como uma simples brincadeira de mau gosto.

Eu precisaria dar uma boa bronca na Sitri depois.

***

Em um pequeno quarto de estalagem, o homem olhava para o teto. Um sorriso discreto surgiu em seus lábios enquanto ouvia os gritos e berros vindos do andar de cima. A maldição havia sido aplicada com sucesso. Ele envolveu cuidadosamente a gema ônix em um tecido de feitiço e a guardou.

A gema era uma Relíquia conhecida como “Revanche do Dragão”. Era baseada em uma joia que, no passado, fora o tesouro mais precioso de um rei dragão. A gema era a prova do roubo cometido contra o dragão, o que concedia à Relíquia o poder de atrair os dragões próximos. Uma vez atraídos, os dragões não parariam até destruir tudo na área.

A visão de um dragão certamente ensinaria à guarda imperial o quão impotentes eles eram. Agora que os dragões que ele desejava haviam sido atraídos, o Mil Truques, sem dúvida, estava em pânico. Aquele garoto não tinha nada a ver com a figura lendária dos rumores. Cada movimento seu parecia desprovido de propósito. Foi graças a ele que a partida do imperador havia sido atrasada. Ele dificilmente parecia alguém digno de cautela.

Mas o homem não pretendia baixar a guarda. As drogas misturadas às bebidas haviam se mostrado inúteis. O caso do ovo de dragão havia sido contornado. E, na estrada, aqueles mercenários caros nem sequer tinham aparecido.

Para seu espanto, veneno havia sido encontrado onde não deveria haver nenhum, e aquele nem sequer tinha sido o único evento inesperado. Mas, por mais que planejasse antecipadamente, proteger alguém ainda era um trabalho difícil. Ainda mais quando o número de agentes disponíveis era limitado. Eles não podiam proteger o imperador de tudo.

E, portanto, a melhor opção para o homem era bem clara—se ele havia falhado uma vez, bastava tentar novamente, quantas vezes fosse necessário. Ele tinha suas dúvidas, mas franziu a testa e afastou os pensamentos. Seu trabalho não era fazer julgamentos, mas executar ordens com lealdade.

***

Dragões da névoa eram uma espécie conhecida por formar ninhadas, sendo raro ver um sozinho. Os Grieving Souls já haviam travado uma batalha intensa contra uma grande ninhada. E, mesmo para alguém acostumada a feras perigosas como Liz Smart, a visão de um céu tomado por dragões da névoa era nada menos que apocalíptica.

Ela observava as feras do segundo andar de uma estalagem. Os dragões gélidos ignoravam completamente as casas e os civis em fuga, indo diretamente para a estalagem onde estavam hospedados o imperador e sua comitiva. Isso claramente não era natural.

— Siddy, isso é dragão demais! — ela gritou. — Você tá tentando matar aquele velho filho da puta? Nem vem dizer que isso não é culpa sua!

— Mas não é culpa minha! — lamentou Sitri. — Meu chamariz deveria ter atraído apenas onze dragões, e no começo eram só esses. Você viu, não viu, Lizzy? E eu nem tinha suprimentos para atrair tantos assim.

Elas haviam encontrado um ninho de dragões gélidos em algumas montanhas próximas e drogado os dragões que encontraram. Krai havia dito que haveria dragões e, como seus melhores amigos, tinham que fazer isso acontecer.

Liz olhou de sua irmã para Luke, que fazia balanços de prática com sua espada.

— Então a culpa é do Luke? — sugeriu.

— Claro! Só me diz quantos cortar! — ele respondeu.

— Não era isso que eu queria dizer. De onde esses vieram? Talvez nem precisássemos pegar aqueles dragões no ninho? — Liz se virou novamente e apoiou os cotovelos no parapeito da janela enquanto observava o caos lá fora.

Ao seu lado, Lucia ergueu o olhar e franziu a testa.

— Talvez eles tenham vindo se vingar por termos roubado parte da ninhada?

— Achei que tínhamos destruído o ninho inteiro — disse Sitri — e tinha a impressão de que buscar retribuição não fazia parte da natureza dos dragões gélidos. Mas não posso ter certeza.

Ela estava bem confusa. Havia uma grande ninhada de dragões gélidos bem diante delas, indo diretamente na direção de Krai. Normalmente, em situações assim, monstros e afins teriam como alvo alguém como Liz. Vê-los passando direto era incrivelmente estranho.

— Tomara que o Krai Baby esteja bem. Devemos derrubar alguns desses dragões? — sugeriu Liz.

Sitri balançou a cabeça.

— Imagino que ele estará bem se Telm e Sir Matadinho estiverem com ele. Sem contar que nosso irmão foi lá dar uma ajuda.

***

Puta merda, o que a Sitri estava pensando?

Corríamos por um espaçoso corredor. Os guardas deviam estar fazendo jus aos seus cargos, pois encontramos vários corpos de dragões pelo caminho. Eles eram considerados a elite por um motivo, mas isso não mudava o fato de que estavam em desvantagem numérica.

Nos confins do terceiro andar, uma batalha feroz acontecia diante do quarto do imperador. Diversos cavaleiros guardavam a porta, mas havia pelo menos catorze dragões gélidos. Os cavaleiros brandiam suas espadas e lançavam golpes com suas lanças, mas os dragões eram ágeis demais. Os movimentos dos cavaleiros eram prejudicados pelo ar gélido emanado dos corpos das feras. Mesmo que usassem os escudos para bloquear o sopro congelante, sua energia ainda era drenada pela temperatura cada vez mais baixa.

Parei e gemi.

— Parece que a sorte do imperador é tão ruim quanto a minha.

— Isso não importa! — Kris gritou para mim.

O Perfeição de Férias não oferecia proteção contra ataques, mas me tornava quase imune a mudanças no ambiente. Claro, eu ainda morreria se fosse esmagado por um bloco de gelo, mas o ar frio não era um problema. Que escolha inteligente eu fizera.

Eu nunca imaginaria que havia outro imã de dragões além de mim. Os dragões gélidos que eu conhecera no passado eram maiores e mais numerosos, mas eu ainda sentia certa afinidade pelo imperador.

— Você demorou demais! — um dos cavaleiros gritou. — Vamos lidar com esses aqui! Tem alguns dentro do quarto!

Infelizmente, eu não achava que podíamos fazer muita coisa. Kris estava exausta e eu não era de grande ajuda em combate. Esses caras pareciam estar se virando bem, então por que não podiam se esforçar um pouco mais?

Ofegante, Kris apontou com seu cajado retorcido. Então, uma sombra vermelha passou por nós como um vendaval.

— Matar, matar, matar!

Eu nem estava usando o controlador, mas mesmo assim Sir Matadinho Versão Alpha avançou contra os atacantes. Os dragões gélidos entraram em pânico quando o intruso subitamente os golpeou com uma espada colossal.

— Olha ele indo, sem precisar de comandos — murmurei para mim mesmo.

O repentino berserker pegou os cavaleiros de surpresa, mas eu permaneci impassível. Não era nada inesperado um amigo da Sitri conseguir massacrar dragões. E eu não achava que ela teria enviado dragões gélidos se achasse que seriam demais para Sir Matadinho Versão Alpha.

O amigo de Sitri estava equipado como um cavaleiro de armadura pesada, mas lutava mais como uma fera selvagem. Observei-o atravessar uma rajada de sopro congelante e atropelar um dragão gélido. Mesmo para um Guerreiro Pesado versátil, isso não era algo que qualquer um conseguiria fazer.

Kris e os cavaleiros estavam todos boquiabertos, e eu apostaria que os dragões gélidos também. As feras mudaram o foco da porta para Sir Matadinho. Pedaços de gelo atingiam sua armadura e uma camada de gelo se formava ao redor de seus pés, mas ele não diminuía a velocidade nem por um instante. Só porque estava blindado não significava que estava imune ao frio cortante, mas o amigo da Sitri agia como se não sentisse dor alguma.

— O-Onde você arranjou esse cara? — Kris me perguntou.

— Hã? Ah, digamos que foi através de um contato — respondi.

Fiz uma nota mental de oferecer um banquete de carne crua para ele depois.

Os cavaleiros se recompuseram e deram suporte a Sir Matadinho. Um a um, exterminaram os dragões com extrema prudência. Não demorou muito para que todos estivessem mortos.

Um dos cavaleiros se aproximou de mim, o único que não estava coberto de cortes e hematomas. Estremeci, temendo que estivesse bravo comigo.

— Eles estão entrando pelas janelas. Mantenham o interior do quarto seguro — ele disse com a voz cansada. — Defenderemos este corredor com nossas vidas.

— Huh, mas achei que estívamos aqui apenas para dar suporte—

— Agora é hora para isso?! — Kris gritou comigo.

Ela agarrou meu braço e entramos. A suíte do imperador era muitas vezes maior que os quartos designados para nós, caçadores. Era elegantemente mobiliada e um lustre brilhante pendia do teto. Parecia algo saído de uma mansão nobre, exceto pelo fato de estar em total desordem.

O imperador estava no quarto, cercado por Franz, cerca de uma dezena de cavaleiros e um campo de corpos de dragões. A janela do terraço havia sido quebrada. Uma cama king-size estava sendo usada como barricada, mas não era o suficiente para cobrir toda a abertura.

— Finalmente aqui — Franz chamou ao nos ver. — O que está acontecendo?!

— Desculpe, desculpe. Havia muitos lá fora do quarto, sabe. Não sei o que está acontecendo, mas da próxima vez devíamos usar uma estalagem com um feitiço de barreira.

O imperador parecia bem, apenas coberto de sangue verde. Atrás dele estava uma garota que eu já tinha visto antes. Era a jovem que me enganou no Encontro da Lâmina Branca.

O imperador notou meu olhar e fez uma careta.

— Derrubei três — ele disse, indicando sua lâmina encharcada de sangue. — Não tenho tido muitas oportunidades de brandir uma espada recentemente, mas parece que ainda não perdi minha destreza.

Derrubou três? O imperador? Três dragões? Ele é mais forte que eu. Ele é um Matador de Dragões. Sério, para que eu estou aqui?

Os Magos da guarda imperial lançavam feitiços um atrás do outro contra os dragões que passavam pela barricada. Suas habilidades faziam jus ao prestígio de seus postos. Observei enquanto um dragão gélido caía ao solo depois de ser queimado por um feitiço de raio. De novo, me perguntei qual era o meu papel ali.

— Quando é que isso vai acabar?! — Franz me perguntou. — Finalmente estão diminuindo, isso significa que acabou? Acho difícil acreditar que um bando de dragões atacaria uma cidade assim!

— Hm. Talvez haja uma maldição ou algo do tipo?

— Que absurdo! Que tipo de maldição faria isso?

Esse incidente foi culpa da Sitri, mas o caso com o dragão carmesim não tinha nada a ver com ela. Duas incursões seguidas de dragões só poderiam ser explicadas por uma maldição. Talvez eu fosse a maldição. De qualquer forma, decidi culpar a Fox.

— Isso também é obra da Fox. Tenho certeza disso.

— Como eles manipulam dragões?! — Franz exigiu. — Magia? E o que aconteceu com a Contra-Cascata?

— Calma. Você disse que estão diminuindo? Isso deve significar que o fim não está longe.

Até mesmo Sitri teria dificuldade para reunir tantos dragões gélidos tão rapidamente. Mas, assim que terminei minha declaração confiante, um grito veio de fora do quarto.

— Oh não! C-Capitão, um monte deles está vindo!

— O quê?!

Corri até a janela e vi um ponto negro se expandindo como uma névoa invasora. Não desceu sobre a cidade, veio direto para nós. Era um bando de dragões gélidos que continha facilmente mais de trezentos. Embora não fossem fortes individualmente, um grupo tão grande poderia demolir esse prédio em um instante.

Sitri, isso é demais.

— N-Não estávamos nos aproximando do fim? — Franz me perguntou.

— V-Você errou feio de novo! — Kris disse. — Mentiroso fraco humano!

— Agora, agora, vamos todos nos acalmar — eu disse.

Eu não tinha como saber quando os dragões iam recuar! Eu deveria ter dito que o fim ainda estava longe?!

Franz não fez mais perguntas e começou a dar ordens.

— Preparem-se para evacuar Sua Majestade Imperial! Deve haver um porão.

— M-Mas senhor! — um dos cavaleiros disse. — Ainda há dragões gélidos—

— E isso ainda é mais seguro do que enfrentá-los! — Franz argumentou. — Mil Truques, vou pedir que cuide disso!

— Claro — eu disse.

Eu não queria enfrentar os dragões; minhas chances de sobrevivência eram muito maiores se ficasse com os outros. Afinal, não havia nada que eu pudesse realmente fazer para ajudar ali. Nem mesmo Sir Matadinho conseguiria lidar com um bando tão grande. Do mesmo modo, Kris estava exausta e não tinha muito a dizer.

O que fazer? O que fazer?

Os dragões gélidos miraram em nós como formigas em direção a um petisco. Estavam perto o suficiente para que eu pudesse distinguir cada um individualmente. Mesmo se tentasse, provavelmente não conseguiria escapar no Tapete Voador. Ele não era muito cooperativo. Comecei a usar meu cérebro pela primeira vez em um bom tempo.

— Suponho que você pode lidar com isso? — Franz me perguntou.

— Hã?

— Vamos esconder Sua Majestade Imperial no porão. Tente atrair o máximo deles para longe de nós. Entendido?!

Uhh.

Não era “Você pode lidar com isso?” e sim “Suponho que você pode lidar com isso?”. Olhando para o meu nível, isso podia parecer uma suposição razoável. Mas era tão audacioso que não pude evitar sorrir, tempo, lugar e ocasião que se danassem. Claro que eu não podia lidar com isso.

— Porque está sorrindo? — Franz me perguntou com um olhar severo.

Eu não tinha nenhum meio de fuga, então me resignei ao meu destino. Mesmo agora, eu me sentia perfeitamente confortável graças à minha camisa. Confortável demais—eu nem sequer conseguia ficar nervoso. Afastei um cavaleiro e olhei pela janela para os dragões. Havia um monte deles, mas não pude evitar lembrar.

— Isso é tudo? — murmurei.

— O que você está dizendo?! Senhor?! — Kris gritou.

Minha memória estava meio nebulosa, mas eu lembrava de ter visto um número maior na minha primeira luta contra essas criaturas.

Mas eu tinha um truque na manga—Aspiração Manifestada. Com isso, eu daria neles um golpe certeiro. Apoiei um joelho no parapeito da janela e estendi uma das mãos. Os dragões gélidos mudaram de curso assim que viram a isca tentadora. Esperei e esperei, atraindo-os o máximo possível para derrubar quantos conseguisse de uma vez.

Então percebi algo.

Eu tinha esquecido como usar Aspiração Manifestada.

Os dragões gélidos avançavam contra nós como flechas de gelo. Kris, pálida, recuou e ergueu seu cajado. Ela começou uma invocação, mas já era tarde demais. Eu não tinha Anéis de Segurança suficientes para isso. A morte, na forma de dragões gélidos, estava bem diante de mim, mas eu continuava estranhamente confortável.

Mas bem quando minha mente estava prestes a apagar—uma parede de luz surgiu, desviando os dragões. Foi como um milagre. Todos, inclusive eu, ficaram pasmos. Uma rajada de sopro congelante foi completamente bloqueada. Mesmo entre os feitiços de barreira, era necessário um de imenso poder para conter o ataque de um dragão.

— Esse é o tipo de barreira usada por classes devotas — alguém disse.

— V-Você é um Santo?! — Kris exclamou.

— Não. Eu não sou — respondi.

A parede de luz segurou os ataques dos dragões. Assim como um Anel de Segurança só conseguia projetar uma barreira por um instante, feitiços de barreira geralmente só se destacavam na duração ou na força, não em ambas. Claro, isso não era obra minha; habilidades de Santo eram um pouco diferentes de magia e, por isso, não podiam ser armazenadas em uma Relíquia.

Havia poucas pessoas capazes de projetar uma barreira tão forte por tanto tempo. Olhei ao redor e finalmente encontrei Mini-Ansem no parapeito da janela. Ele estava com sua armadura habitual, mas tinha apenas cinco centímetros de altura.

A Relíquia que Ansem usava, Fortaleza Flutuante, era capaz de alterar seu tamanho. Ela podia se ajustar para se adaptar a qualquer usuário, independente de idade, gênero ou constituição física. Era a Relíquia perfeita para alguém que usou material de mana para se tornar um gigante e não conseguia mais caber na maioria dos equipamentos. Tenho certeza de que foi por isso que a igreja deu essa relíquia a ele.

E quando Ansem me mostrou essa Relíquia pela primeira vez, eu tive um pensamento: o que aconteceria se ele diminuísse a armadura enquanto ainda estivesse usando-a? O mais óbvio seria supor que ele seria esmagado e morreria. No entanto, Relíquias eram objetos que desafiavam o senso comum.

Os resultados das nossas brincadeiras—digo, pesquisas—mostraram que a Fortaleza Flutuante tinha uma habilidade oculta. Seu poder era ajustar o próprio tamanho, permitindo que qualquer pessoa a equipasse. Se a armadura ficasse grande ou pequena demais, o usuário encolheria ou cresceria para se ajustar a ela. Utilizando esse recurso, ele conseguiu aparecer do nada no Encontro da Lâmina Branca.

Mas, independentemente de como ele tinha feito isso, eu só estava aliviado por Ansem ter nos salvado. Sem olhar para trás, ele ergueu os braços e me mostrou os polegares para cima. Eu retribuí o gesto.

Então o parapeito da janela se desfez, e eu apenas observei em silêncio enquanto ele caía em direção ao chão.

Um dos contras da Fortaleza Flutuante era que, embora alterasse o tamanho de uma pessoa, o peso continuava o mesmo. Ah, Ansem.

Let This Grieving Soul Retire Vol6 12 – Grieving Soul – Capítulo 3 – Volume 6 traduzido

Colocar a barreira tinha sido um movimento inteligente, mas ainda restavam muitos dragões gélidos, então o perigo não tinha passado completamente. Mas se Ansem veio em nosso auxílio, então os outros Grieving Souls também deveriam estar por perto. Fiquei ainda mais tranquilo sabendo que meus amigos estavam ali por perto; então, de repente, ouvi um som.

— O que aconteceu?! — Franz gritou.

Olhei para cima. Os dragões gélidos, que estavam esperando uma chance para atacar, agora estavam estranhamente imóveis. Mandíbulas abertas, asas enormes, olhos brilhando—todos congelados no tempo. Todos prenderam a respiração.

Então os dragões caíram. Mas não atingiram o chão; foram pegos por uma enorme membrana de água.

— Alguém está conjurando um feitiço ofensivo em larga escala! — Kris disse, tremendo.

Hmm. Não acho que isso seja obra da Lucia.

Quanto maior a área de efeito, mais difícil era conjurar um feitiço ofensivo. Algo dessa magnitude, capaz de eliminar dragões gélidos, só poderia ser obra de um certo recruta meu.

— O que eu estou vendo? — Franz disse. Ele empalideceu e murmurou: — Isso foi a Contra-Cascata?

Foi. Essa era a obra do nosso Mago de Nível 7, Telm Apoclys, a Contra-Cascata. Dei um tapinha imaginário nas minhas costas por ter colocado Telm na nossa equipe. Ele nos tirou das garras da morte.

— Demorou, hein? — suspirei, aliviado. — Sério, o que o prendeu?

— Você o deixou de prontidão? — Franz perguntou. — Você tomou precauções com antecedência? Você previu isso?

Eu queria bancar o durão e dizer que tudo tinha ocorrido exatamente como eu havia planejado, mas, infelizmente, eu não esperava nada disso.

— Não, nada disso — respondi. — Eu só acreditei no Telm. Não, eu acreditei em todos.

Foi por pouco. Eu tinha certeza de que essa crise seria meu fim. Mas dizer que eu acreditei em todos foi bem estiloso, né?

— Dá pra parar com isso?! — Kris gritou, com lágrimas nos olhos. — Da próxima vez, avise antes, senhor!

— Ah, aha ha.

A membrana de água se moveu, formando uma esfera que envolvia todos os dragões. Lentamente, a esfera foi se comprimindo. Os dragões se debatiam e gritavam, mas a pressão só aumentava. Sangue verde se misturou à água cristalina, e eu ouvi os sons horríveis de carne sendo esmagada e ossos estalando. Era uma técnica grotesca para alguém com um título como Contra-Cascata.

— O-O que é aquilo?! — gritou um dos cavaleiros que observava os dragões.

— Hm?!

Olhei para onde o cavaleiro apontava. Lá embaixo, numa rua esvaziada com a chegada dos dragões, estavam Telm e Kechachakka. Em frente a eles, havia uma figura usando uma máscara de raposa—igual à que vimos no Encontro.

— É um Raposa! Precisamos ajudar os dois! — Kris gritou, inclinando-se para fora da janela.

Segurei-a antes que pulasse.

— Calma, Kris!

— Myaugh?! O que você está fazendo?!

— Pense bem! Eu também quero ajudar, mas temos pessoas para proteger!

Que pena. Sério, eu queria lutar. Mas eles ficarão bem com o Telm ali.

Raposa-Máscara acenou com a mão e uma grande naginata surgiu em sua empunhadura. Mas Telm não entrou em pânico. Ele moveu as mãos com gestos firmes, como um verdadeiro Mago de Nível 7. Era como se ele estivesse fazendo o próprio mundo lutar ao seu lado.

A bolha d’água cheia de dragões esmagados se moveu como um organismo vivo e avançou contra Raposa-Máscara. Ele desviou do ataque, mas a água continuou a persegui-lo. O chão tremeu e casas foram destruídas como se fossem feitas de papel. Telm realmente estava na mesma classe do Inferno Abissal.

Mas algo me incomodava—Raposa-Máscara não era um fantasma. Sua presença era completamente diferente daquela que eu havia sentido antes.

— É falso? — murmurei, causando confusão entre os cavaleiros.

Minha habilidade de detectar presenças era equivalente à de um civil comum, ou seja, praticamente inexistente. Mas aquele fantasma era tão extraordinário que até eu conseguia senti-lo. O que isso significava? Era só imaginação minha? Afinal, eu estava vendo Raposa-Máscara à distância.

O estrondo cessou e o silêncio retornou. Raposa-Máscara não estava em lugar nenhum. O Mago que tinha acabado de causar tanta destruição virou-se para mim e deu de ombros.

Desci para me reunir com os dois Magos.

— Eu sei que você mencionou a possibilidade de dragões — Telm disse —, mas devo dizer, os Nível 8 são realmente escravistas.

Kechachakka riu.

Apesar da reclamação, Telm nem parecia cansado. Qualquer um de nível inferior jamais ficaria tão calmo depois de conjurar um feitiço desses. Seus movimentos ainda eram ágeis, o que tornava ainda mais difícil acreditar que ele tinha várias vezes a minha idade.

— Bom trabalho, Contra-Cascata — Franz disse. — Você matou a Raposa?

— Apenas cumpri meu dever — Telm respondeu, dando de ombros. — Quanto à Raposa, senti que acertei algo, mas não encontrei corpo. Esse inimigo faz jus ao nome.

Isso foi bem estiloso da parte dele. Claro que foi. Qualquer um com cérebro podia ver que ele deveria ser o líder do nosso grupo.

Que adversário terrível tínhamos, se nem isso foi suficiente para matá-lo. Estava cada vez mais claro que eu teria que me humilhar de novo, como da última vez. Que emocionante.

— Houve alguma baixa? — Telm perguntou.

— Não. Algumas pessoas ficaram gravemente feridas, mas ninguém morreu — Franz respondeu, lançando um olhar severo para mim. — Se o Mil Truques tivesse ativado aquela barreira mais cedo, talvez não tivéssemos feridos.

Ele realmente achava que eu tinha feito aquela parede de luz?

— Isso, uh… — comecei. — Não, deixa pra lá.

— O que foi? Para de falar pela metade!

— Não, é só que… eu não achei que a guarda imperial perderia para dragões.

— O-O quê?!

Desculpa. Sério.

Por pior que eu me sentisse, não podia contar a ele que o resto do meu grupo estava nos seguindo. Afinal, havia um limite de membros. Eu estava claramente quebrando as regras.

— O que você quis dizer quando disse “falso”, senhor? — Kris interveio.

— O que foi isso? — Franz disse.

— Enquanto olhava para aquele sujeito com a máscara de raposa, ele disse que era falso! Senhor!

— Eu disse isso? — perguntei.

Telm, Kechachakka, Franz, o imperador—todos me olharam avaliativamente. Kris não estava enganado, mas eu só estava imaginando coisas quando disse aquilo. Posso afirmar com confiança que minha visão era horrível!

Kris me agarrou pelas roupas e me sacudiu.

— Pare. De. Nos. Enrolar. Senhor! Só para que saiba, minha audição é excelente!

Mas isso não mudava o fato de que eu só estava imaginando coisas.

Telm lançou um olhar ao redor do grupo.

— Bem, não importa. Nosso objetivo agora é proteger Sua Majestade Imperial. Aqueles dragões gélidos claramente estavam sendo manipulados, já que vieram direto para nós. Vamos considerar uma sorte ninguém ter morrido, porque se isso continuar, alguém com certeza vai. Não importa o quão capaz seja o Mil Truques, não podemos vigiar todos os ângulos.

— Nem podemos nos dar ao luxo de perder a conferência — Franz disse, olhando para o imperador. — No entanto, Sua Majestade Imperial, compartilho da mesma opinião da Contra Cascata. E isso sem mencionar o fato de que o criminoso fugiu. Com a sua segurança em jogo, devemos mudar nossa abordagem.

— E-espere! — interrompi.

O imperador me olhou chocado. Franz e Telm também se viraram para mim. A sugestão de Telm era muito razoável, e a proposta de Franz fazia todo sentido para alguém na posição dele. Mas eu sabia de algo que eles não sabiam: Sitri estava por trás desse incidente.

Eu até tinha uma ideia de como ela trouxe os dragões—usando a mesma poção atrativa de monstros que tinha usado durante nossas férias.

Deixando de lado a questão da Máscara de Raposa, se o imperador perdesse a conferência, Sitri seria rotulada como terrorista. Ela era uma boa garota. Só havia errado um pouco dessa vez. Normalmente, ela nunca faria algo assim acontecer. Eu tinha certeza de que ela nunca mais faria isso depois de uma conversa comigo.

Segurei minha mão sobre o estômago dolorido.

— Devemos continuar — disse com uma voz firme. — Recuar agora seria admitir derrota. Aqueles dragões gélidos não passaram de um leve golpe. Como viram, ninguém morreu e temos força suficiente do nosso lado.

— Você está falando sério? — Franz me perguntou. — Deixe-me lembrá-lo de que a Raposa é capaz de manipular dragões.

— Erm, se minha suposição estiver correta, não haverá mais dragões. Tenho certeza disso. Nem um único.

Eu não sabia de onde Sitri estava ouvindo, mas aquelas palavras eram para ela.

Os olhos de Franz se arregalaram.

— O quê?!

— Quanto àquelas Raposas, há um segredo para lidar com elas. Da próxima vez que aparecerem, será a última.

Eu acabaria com elas usando minhas técnicas de bajulação, que agora tinham anos de evolução. Sem falar que desta vez teria Telm comigo.

Com um olhar confiante, dei um sorriso firme e destemido para ele. Telm me encarou com desconfiança.

***

O que estava acontecendo?

O homem de negro estava sozinho na sala, uma sombra caindo sobre seu rosto. Ele refletia sobre o ataque que acabara de ser realizado. A ninhada de dragões invocados havia sido aniquilada pelo poder da Contra Cascata, mas o homem já esperava por isso.

A Relíquia não podia invocar variedades específicas de dragões, deixando espaço para uma ampla gama de criaturas que poderiam aparecer. Se houvesse um grupo contendo um nível 7 e um 8, eles seriam capazes de enfrentar qualquer tipo de dragão, não apenas dragões gélidos.

Portanto, esse resultado era aceitável. O homem ficou surpreso ao ver uma variedade tão rara e em grande quantidade, além de não esperar que os cavaleiros não tivessem uma única baixa entre suas fileiras. No entanto, isso também era aceitável. Na verdade, ele ficou satisfeito por ter vislumbrado os misteriosos poderes do Mil Truques.

Mas o que veio depois, ele não previu. O fato de o Mil Truques ter defendido a continuação da jornada não fazia sentido algum. Eles estavam protegendo o imperador de uma grande nação; qualquer um cancelaria a viagem após um incidente como esse.

Essa, claro, era a opinião de Franz e da Contra Cascata, e o homem concordava com eles. Era difícil imaginar que alguém que tivesse alcançado o nível 8 não entendesse essa linha de pensamento.

E ainda assim, o Mil Truques se opôs à proposta. Sua postura não foi nem um pouco abalada pelo ataque dos dragões. Seria isso excesso de confiança? Ou talvez algo mais?

O homem se lembrou do jeito que o Mil Truques agiu ao repelir os dragões. Foi por um breve momento, um pequeno gesto que ninguém mais notou. Ele viu os dragões, os conteve e, então, deu um joinha para o homem que o observava à distância. Foi quase como se estivesse elogiando um trabalho bem-feito.

Ver através do ardil enquanto lutava contra os dragões era impressionante, mas isso não explicava o gesto. E então ele defendeu a continuidade da missão.

Se fosse o caso, isso poderia até mesmo jogar a favor do homem. Dentro da capital imperial, o imperador era intocável. Mesmo que alguém conseguisse alcançá-lo dentro daquele castelo imponente, Rodrick era formidável com uma lâmina.

Mas se ele estivesse do lado de fora, onde suas defesas estavam enfraquecidas, então as coisas seriam diferentes. Para o homem, que tinha o poder anormal de atrair dragões, matar o imperador estava dentro do reino do possível. Assim, ele não precisava se preocupar. Ele ficaria bem se desgastasse os Zebrudianos lentamente. Mas o homem estava inquieto com o quão bem as coisas estavam indo para ele. Era como se estivesse sendo empurrado diretamente para a garganta do imperador.

O que você está pensando, Mil Truques?

O homem já havia realizado muitas tarefas difíceis antes. Também havia falhado algumas vezes e até escapado da morte por um fio. Mas nunca havia se sentido tão abalado. O Mil Truques havia dito que não haveria mais dragões, mas estava errado.

Era verdade que a Revanche do Dragão exigia grandes quantidades de mana, e o homem não sabia quantas utilizações sucessivas poderia suportar. Mas isso não era motivo para evitar usar a Relíquia. O homem segurou a cabeça e sussurrou para si mesmo em um tom tranquilizador.

Ele só precisava seguir em frente como sempre. Só precisava pensar apenas em seu objetivo e cumprir lealmente seu dever.

***

— O que você está pensando?! Senhor! — exclamou Kris. — Somos membros do mesmo clã! Devíamos conversar sobre essas coisas!

— Agora, agora, acalme-se — eu disse.

— E não só isso — ela resmungou —, por que você está no meu cavalo de novo?! Desça! Senhor!

— Agora, agora — repeti.

Na manhã seguinte ao ataque dos dragões, partimos da cidade. Compartilhando um cavalo com Kris, eu me agarrava às suas costas. Estávamos servindo como retaguarda da caravana. Eles deviam estar em alerta máximo, pois as carroças estavam se movendo a um ritmo mais lento do que no dia anterior.

O clima estava tão bom que era difícil acreditar que havíamos sido atacados por dragões na noite anterior. Até os cavalos pareciam trotar de bom humor. Eu estava perfeitamente confortável.

Sitri, as coisas estão indo bem assim como estão.

Pensar nela me lembrou de algo que Tino havia dito sobre corvos brancos. Talvez ela estivesse certa? Na próxima vez que a visse, daria a Sitri uma boa bronca.

Coloquei Telm na frente da caravana hoje. Eu sabia que ele era forte, mas ele superou minhas expectativas com a magia extraordinária que demonstrou. Ele talvez fosse ainda mais forte que Lucia. Com Telm ao nosso lado, essa missão estava em boas mãos, independentemente do que aparecesse no nosso caminho. Eu teria que agradecer ao Inferno Abissal.

— E você nem estava certo sobre os dragões gélidos! Senhor! — Kris continuou. — A fraqueza deles não era fogo! Isso foi algum tipo de piada?!

— Agora, agora — eu disse de novo.

— Onde está sua motivação?! Por que não pode ser sério, como quando ergueu aquela barreira?! Senhor?! Se fosse, então…

— É, uh-huh.

Soltei um grande bocejo, enquanto Kris me dava um sermão ao fundo. O dia anterior havia sido uma verdadeira montanha-russa, mas eu não deixaria isso me afetar. Nada era mais fácil do que um trabalho de escolta quando se estava cercado por companheiros poderosos. Eu até me sentia um pouco culpado por ter recebido o Tapete Voador sem estar realmente fazendo nada.

Assim como no dia anterior, o Tapete flutuava atrás de nós. Ele era bem tranquilo quando ninguém estava montado nele. Segurando firme em Kris, me virei—e congelei. Meu Tapete. Ele não estava lá. Olhei ao redor, mas não vi nenhum sinal dele.

— K-Kris! — disse, apertando sua cintura. — Pare! Pare o cavalo!

— O quê? O que aconteceu?!

Paramos. Com alguma dificuldade, desmontei e estreitei os olhos. Meu precioso Tapete tinha sumido! Não estava em lugar nenhum! Eu nem sequer tinha tido a chance de dar uma volta decente nele! O Tapete Voador ainda era uma Relíquia. Mesmo os mais temperamentais como ele não simplesmente desapareciam do nada.

As carroças continuaram a se mover, nos deixando para trás. Parecia que não haviam notado que havíamos parado. Eu não tinha poder de fogo para oferecer, e nosso membro mais forte, Telm, ainda estava com as carroças, então achei que tudo bem se eu me afastasse por um momento. Só um momento.

Não perdi tempo para tomar uma decisão.

— Kris, vamos voltar.

— Eu ouvi direito?! E o nosso trabalho?! Senhor?!

Vamos procurar meu Tapete! Meu precioso Tapete! Ele não deve estar muito longe. Tenho certeza de que podemos encontrá-lo. Não se preocupe, não deve demorar muito. E as carroças estão se movendo devagar, então devemos conseguir alcançá-las depois. Se perdermos o Tapete, então eu terei aceitado esse trabalho para nada!

***

— Hmm. Não tenho muita certeza do que está acontecendo, mas não é uma má forma de treinar — disse Luke Sykol. Um sorriso surgiu no rosto do Espadachim ruivo. Com um movimento muito natural, ele sacou a lâmina ao seu lado. — Isso é o que torna a aventura divertida.

— Se divertindo, Luke? — perguntou Liz.

A espada de Luke era uma lâmina reta bem equilibrada. Tinha cerca de um metro de comprimento, uma lâmina larga e pesava muito pouco. No entanto, o aspecto mais distintivo dessa arma era que todas as suas partes eram feitas de madeira. Naturalmente, isso significava que ela não possuía uma borda afiada.

Mas isso não impediu Luke de apontá-la orgulhosamente para os céus sem nuvens acima. A ponta estava direcionada diretamente para uma pequena silhueta no céu. Aquela silhueta pertencia a um dragão verde—uma variedade comum nomeada por suas escamas esverdeadas. Mas uma variedade comum de dragão ainda era um dragão e, portanto, não era um alvo recomendado para ninguém abaixo do Nível 6.

O dragão não demonstrava interesse nos humanos abaixo e voava como se algo o estivesse instigando a seguir em frente.

Lucia observou o dragão com insatisfação e soltou um suspiro.

— Com todos esses dragões que temos visto, estou mais do que disposta a apostar que alguma outra força está agindo aqui.

— A menos que eu esteja enganada, dragões verdes não vivem por aqui — acrescentou Sitri. — Suponho que tenham voado de algum lugar distante.

Fora algumas poucas variedades, todos os dragões eram excepcionalmente hábeis no voo. Esse era um dos motivos pelos quais dominavam as demais criaturas da terra. Em algumas ocasiões, podiam até mesmo ultrapassar a velocidade do som—algo que nenhum mero humano poderia sequer sonhar em acompanhar.

Descansando sobre o ombro do irmão e balançando as pernas, Liz deu de ombros. Ela sempre gostava de um pouco de carnificina, mas até mesmo ela estava ficando cansada.

— Quantos já foram? — perguntou. — Era para ter tantos dragões por aqui? O que está atraindo eles?

— Quem sabe? — Sitri respondeu. — Iscas para monstros não têm muito efeito em dragões. Não consigo pensar em nada que possa fazer isso, a não ser algum tipo de Relíquia.

Eles haviam acabado de avistar um dragão no céu, mas ninguém estava nervoso com isso. Assim como no dia anterior, estavam limpando o caminho para a caravana. Em apenas algumas horas, já haviam encontrado cinco dragões.

— Raposas, talvez? — Liz sussurrou.

Sitri não deu atenção àquilo e, em vez disso, se virou para Luke.

— Krai disse que não haverá mais dragões, então você sabe o que isso significa.

Luke assentiu.

— PROVE DO MEU CORTE! Escola de Luke, técnica de arremesso—Brilho Efêmero!

O dragão acelerou, como se estivesse desafiando-o, e Luke lançou sua espada. Liz fez um comentário sobre a estranheza de um Espadachim arremessar sua própria arma, mas isso não mudou o fato de que a lâmina voou reta e certeira como um cometa. Sem perder sua velocidade inicial, estava prestes a alcançar o dragão verde quando queimou completamente antes do impacto.

— Droga! Queimou de novo! — Luke disse, caindo de joelhos. — O que está me faltando?! Lucia, outra espada!

— Hm. Talvez te falte motivação? — Liz sugeriu.

Ansem grunhiu em concordância.

— Não diga apenas o que lhe vem à cabeça — Lucia o repreendeu, formando em sua mão um pequeno redemoinho com fragmentos de gelo brilhantes. — Tempestade de Granizo!

Em um instante, o redemoinho expandiu-se em um tornado que alcançava os céus. A maioria dos feitiços baseados na natureza possuía efeitos em larga escala, e Lucia se especializava em magia de gelo. A tempestade de gelo se espalhou mais rápido do que o dragão podia voar, devastando a área ao redor no processo. Pouco depois, um estrondo abalou o solo. O dragão havia colidido com o chão, dilacerado pela tormenta.

— Nada de esforço excessivo hoje, pelo visto — Liz deu de ombros.

— Parece que o que quer que esteja chamando esses dragões não consegue chamar dragões muito poderosos — Sitri observou.

— E quanto aos materiais? — Lucia perguntou.

— Hm. Vamos deixar para lá. É um desperdício, mas isso é muito para carregarmos.

— Ainda estou me divertindo, mas é difícil ser grato por tanta presa, mesmo que sejam dragões — Luke disse. — Perdi minha espada, e seria mais fácil se viessem todos de uma vez, em vez de um por vez.

Ansem grunhiu.

Sitri olhou com pesar para a besta mítica. Cada parte de um dragão era um material valioso, mas eles não tinham como carregar tudo aquilo.

— Siddy — Liz chamou do topo do ombro de Ansem —, tem uma horda imensa de monstros vindo em nossa direção. O que fazemos?

— Uma horda? São dragões?

Liz estreitou os olhos. Ela viu bestas míticas e monstros sencientes correndo como se fosse o fim do mundo.

— Mmmm. Acho que vejo alguns dragões terrestres? Quanto à horda de monstros, vejo orcs, goblins e um monte de outras coisas!

Os dragões terrestres eram um dos poucos tipos de dragão que não podiam voar. Suas asas haviam se atrofiado, mas compensavam isso com seus corpos enormes e ataques poderosos. Eles estavam na cola do que parecia ser um bando de monstros terrestres.

A coexistência entre dragões e monstros era impossível. Ocupando o topo de cada ecossistema em que existiam, dragões eram os nêmesees de todas as criaturas, exceto os humanos.

— Vamos lá, tenho certeza de que minha espada vai acertar agora. Chegou a hora. Hora de cortar! — Luke declarou. Empunhando uma espada forjada recentemente por Lucia, arregaçou as mangas.

Sem parar por um instante, a horda de monstros seguiu direto em direção aos Grievers. No entanto, seria mais preciso dizer que estavam indo em direção ao que estava muito atrás deles—o imperador e sua comitiva.

Sitri ponderou a situação por um momento antes de bater as palmas das mãos.

— Luke, por favor, corte apenas os dragões. Gostaria que deixasse os monstros intactos.

— Hm? Como é? Para quê?

— Krai disse que não tem uso para dragões — Sitri respondeu com um sorriso. — Ele não disse nada sobre monstros.

Ele havia mencionado dragões especificamente. Isso provavelmente significava que queria qualquer coisa menos dragões. Sitri o conhecia há muito tempo e sabia interpretar seus pensamentos, mesmo quando ele não os dizia em voz alta.

Luke assentiu, completamente convencido.

— Entendi. Ok, cortar com discrição, é isso? Apenas os dragões. Certo. Eu consigo. Somente os dragões. Eu corto apenas os dragões. Hm. Acho que isso vai ser um bom treino, mal posso esperar.

***

Que confusão. A maldição deveria ter sido lançada com sucesso, mas nenhum dragão aparecia. Viajando em uma carruagem com outros guardas, o homem franziu a testa enquanto ponderava sobre a situação bizarra.

A jornada tinha sido tão tranquila quanto se poderia desejar. O céu estava sem nuvens ou qualquer sinal de dragões se aproximando. Os eventos da noite passada haviam sido fora do comum, mas nenhum dragão aparecer era algo inédito para ele. A Relíquia simplesmente atraía dragões para sua posição, então não se podia esperar resultados imediatos. No entanto, essa demora era longa demais para ser ignorada.

O homem fez questão de não deixar sua preocupação transparecer no rosto. A caravana já estava tensa após o incidente da noite anterior e provavelmente suspeitava que houvesse um traidor entre eles. E não havia sentido em se preocupar quando ele nem mesmo tinha como confirmar se a maldição havia funcionado ou não.

O Mil Truques não estava em lugar nenhum por perto. Ele se ofereceu para ser a retaguarda, o que o colocou longe da carruagem do imperador. Isso não fazia sentido. Se ele deveria proteger o imperador, era natural que permanecesse próximo. Ele não conseguiria chegar muito perto enquanto o imperador estivesse cercado por cavaleiros, mas isso não justificava se voluntariar para ficar atrás.

Nesse estado atual, o imperador estava indefeso. Aqueles cavaleiros incompetentes ainda não haviam percebido que o homem era seu inimigo. Mesmo sem Relíquias, ele sabia lutar. Não faria nada impulsivo, mas acreditava que poderia matar o imperador se estivesse disposto a jogar sua própria vida fora no processo.

Entre os guardas, apenas o Mil Truques e a Contra Cascata eram superiores a ele. Sua única preocupação era com os artifícios sobre-humanos do Mil Truques, cujo comportamento ele achava incrivelmente suspeito.

— Monstros! — gritou um soldado que estava em reconhecimento. — Um enxame de monstros está vindo! É enorme! Todas as unidades, preparem-se para proteger a carruagem!

O quê?!

Impossível. A maldição deveria atrair apenas dragões. Isso não era obra dele. Ele se virou. O caçador designado para a retaguarda não estava em lugar nenhum.

***

— Honestamente! Eu fico sem palavras! — exclamou Kris. — O que você estava pensando?! Pare de dar mais trabalho para a Lucia!

— Desculpa, desculpa — respondi, segurando minha preciosa. Agora que estava sem mana, não passava de um tapete comum.

A culpa por esse desastre era inteiramente minha. Monitorar a carga de mana de uma Relíquia autopropulsada deveria ser algo automático para qualquer usuário de Relíquias. Se Matadinho descobrisse isso, eu certamente levaria uma bronca estrondosa.

— Eu fui com você porque vi o quanto estava preocupado! Senhor! Mas tudo isso foi porque você perdeu seu Tapete! Me sinto uma idiota! Senhor!

— Perdão.

— Só quando você perder esse sorriso! Senhor! E se algo tivesse acontecido com a caravana enquanto estávamos fora?!

Como ela podia me culpar por sorrir? Era uma reação perfeitamente normal ao recuperar meu Tapete. Não me sinto bem em admitir, mas provavelmente faria o mesmo se acontecesse de novo. Não é como se o imperador estivesse mais seguro comigo por perto. Eu já tinha dito a Sitri para não enviar mais dragões, e era improvável que viessem por conta própria. Se continuassem a aparecer, a única conclusão lógica seria que o imperador estava amaldiçoado.

— Não se preocupe — falei para Kris. — Já disse antes, mas nada vai acontecer.

Viajamos em um ritmo acelerado e alcançamos a caravana em apenas dez minutos. E, quando chegamos, encontramos as carruagens cercadas por cadáveres de monstros.

Ao nos notar, Franz nos lançou um olhar demoníaco. Aparentemente, algo realmente tinha acontecido. Dependendo da perspectiva, eu poderia ter tomado a decisão certa… ou errada ao ir buscar meu Tapete.

Eu podia ser um especialista em desculpas, mas tinha cometido o pior pecado possível para um guarda contratado. Sem dizer nada, me separei do meu cliente, e ele foi atacado em minha ausência. Isso poderia prejudicar minha reputação o suficiente para que meu nível fosse rebaixado.

Até Kris ficou imóvel. Eu não havia levado todo o grupo comigo, mas, como líder, não seria fácil inventar uma desculpa para minhas ações. Provavelmente seria morto se contasse a verdade e dissesse que fui buscar meu Tapete.

Telm franziu a testa. A menos que eu estivesse enganado, Kechachakka parecia ter uma expressão nublada.

Calma, Krai Andrey. Agora não é hora de entrar em pânico. Fique calmo. Calmo. Você já sobreviveu a muitas provações até agora, pode sobreviver a esta também.

Dei um leve tapinha nas costas enrijecidas de Kris e desci do cavalo. Mesmo agora, eu me sentia completamente confortável.

— Alguém se feriu? — perguntei.

O sangue subiu à cabeça de Franz.

— Com. Que. Direito. Você. Pergunta?! — E, depois de algumas respirações ofegantes, respondeu: — Nenhum ferido.

Ele era incrivelmente sensato para um nobre. Um nobre comum certamente teria berrado comigo. Mas o mais importante era a notícia de que ninguém havia se ferido. Olhando ao redor, os sinais de batalha sugeriam que tinha sido um massacre unilateral. Nada de surpreendente quando tínhamos um Mago capaz de aniquilar um ninho inteiro de dragões gélidos num instante. Nenhum enxame de monstros seria uma ameaça enquanto ele estivesse por perto.

Este não era o momento para relaxar, mas me senti aliviado. Se ninguém tinha se ferido, talvez ainda houvesse uma chance de ser perdoado? Talvez. Ou talvez eu estivesse apenas sendo iludido.

Não vou fazer isso de novo, então, por favor, me perdoem.

Franz marchou até mim, parando bem na minha frente. Todos me encaravam com olhares críticos.

— Por mais que eu queira resolver isso agora — ele disse, como se cada palavra fosse projetada para instilar medo —, estamos, infelizmente, parados no meio da estrada! Quando chegarmos à cidade, espero uma explicação completa de você!

E agora, o que eu faço?

— O que você vai fazer, fraco humano? — Kris perguntou em voz baixa. Mais uma vez, eu estava montado no cavalo dela. — Não tenho nenhum apego especial a esse trabalho ou às suas hierarquias, mas meu orgulho exige que não sejamos demitidos.

— Hmm.

Para ser sincero, não achei que houvesse nada que pudéssemos fazer. Trazer Telm tinha sido minha decisão, e ele eliminou os dragões gélidos. Eu tinha certeza de que essa decisão me impediria de ser preso, mas isso seria um golpe para minha honra. No entanto, eu não me importava muito com honra (nem ninguém na Grieving Souls, aliás), e uma redução de nível seria até bem-vinda.

Mas havia um pequeno problema—o Tapete. Será que eles iriam querer ele de volta? Me deixariam comprá-lo?

— Aah, e a Lucia ainda me mandou cuidar de você — Kris lamentou. Lágrimas se formaram no canto de seus olhos delicadamente moldados.

— N-Não se preocupe — eu disse a ela. — Você só está aqui porque eu te arrastei. Farei o que puder para te ajudar.

— Apenas cale a boca! Senhor!

— Okay.

Alguns cavaleiros foram desviados da guarda imperial e estavam de olho em nós. Eu não planejava ir a lugar nenhum, mas havia perdido toda a confiança que tinham em mim. Imagino que também não ajudava o fato de que Férias Perfeitas não parecia a Relíquia útil que realmente era. Pensando bem, eles tinham muitos motivos para não confiarem em mim.

Não é como se eu tivesse querido me afastar da caravana, mas isso não significava muito para eles. Render-me parecia a melhor opção naquele momento. Enquanto seguíamos viagem, eu me sentia cada vez mais como um homem a caminho da execução. Mas então a caravana parou abruptamente.

Seria outro ataque?! Talvez o imperador realmente estivesse amaldiçoado, sendo atacado tantas vezes assim.

Eu sabia que deveria ter dito não para isso—não. Não. Eu preciso do Tapete Voador.

— D-Desça! Depressa! Senhor! — Kris latiu.

Eu não ouvia nenhum som de combate, então não devia ser um ataque. Franz deixou o lado do imperador e veio até nós. Seu rosto estava sério, mas não carregava a raiva de antes.

— É um cadáver de dragão — ele disse. — Há marcas evidentes de que não morreu de causas naturais.

— O que há com todos esses dragões? — perguntei. — O império virou território de dragões? Talvez devêssemos mudar a capital de lugar.

— Sua Majestade Imperial solicita sua avaliação da situação.

— Eu não sou especialista nem nada.

— Apenas venha logo!

Fiquei um pouco incomodado com a quantidade de confiança que depositavam em mim para o meu nível. Todo nível 8 recebia esse tipo de deferência?

Franz me arrastou até a frente da caravana, onde um cadáver repousava no meio da estrada. A cor da sua pele indicava que era um dragão verde. O primeiro dragão que a Grieving Souls matou foi um dragão verde, mas isso já fazia muito tempo.

Ele era bem maior do que uma das nossas carruagens especialmente construídas, mas seu corpo estava estraçalhado e suas asas despedaçadas. Telm tocou a superfície do dragão e franziu a testa.

— Se foram caçadores que fizeram isso, então eu me pergunto por que abandonaram o cadáver — Franz disse. — Será que foi obra de outra besta mítica?

— Ele foi morto bem recentemente — Telm nos disse em um tom calmo. — Acredito que foi morto por magia de gelo, e enquanto voava, ainda por cima.

— Não existe magia de gelo capaz de derrubar um dragão tão facilmente — Kris disse, igualmente impassível —, ou pelo menos é o que eu gostaria de dizer. Há traços no ar indicando que um feitiço de grande escala foi lançado recentemente. Isso provavelmente foi obra de um humano. Senhor.

Kechachakka riu para si mesmo.

Fiquei impressionado. Então era assim que os caçadores trabalhavam. Que traços no ar eram esses que Kris mencionou? Será que ela podia vê-los? Tudo o que eu conseguia perceber era que havia um dragão morto na minha frente. Cruzei os braços e balancei a cabeça, impressionado com o trabalho deles.

Franz me lançou um olhar penetrante.

— Se importa em oferecer sua própria avaliação?

— Mmm. Não sei bem como dizer isso, mas acho que não precisamos nos aprofundar nisso.

— O quê?!

Eles não tinham como saber disso, mas mais uma vez eu estava ciente de algo que eles não estavam—Lucia fez isso. Minha irmã mais nova, Lucia Rogier, era uma especialista quando se tratava de feitiços ofensivos de área.

Mesmo na Grieving Souls, cada membro tinha um papel específico a desempenhar. Às vezes, nos encontrávamos cercados por dezenas de monstros. A tarefa de interceptá-los recaía sobre Lucia, a Avatar da Criação.

À medida que suas habilidades evoluíram, o alcance potencial de seus feitiços também aumentou. Ela já havia alcançado alturas incríveis, como vimos quando transformou uma cidade inteira em sapos. Lucia gostava particularmente de magia de gelo, então eu tinha certeza de que isso era obra dela (ouvi dizer que, ultimamente, a tática favorita da Grieving Souls era fazer Lucia desacelerar o alvo com gelo e depois deixar os outros membros avançarem).

Mergulhado na minha inutilidade, coloquei minha melhor expressão de durão (não pergunte).

Hmm. Então eles seguiram na frente. Parece que alguém não consegue evitar se preocupar com o irmão.

Franz se aproximou de mim.

— Isso foi obra sua?!

Claro que não. Que tipo de pessoa ele achava que eu era? Como eu poderia ter ido na frente e matado um dragão se estive com a caravana durante quase toda a viagem? Telm me lançou um olhar suspeito.

Mas então tive uma revelação divina.

Será que eu poderia usar isso como desculpa para minha ausência?

Seria uma mentira, mas tecnicamente eu era o líder da Grieving Souls, então talvez conseguisse me safar dizendo que o poder deles era o meu poder?

— Bem — falei —, não vou dizer que você está errado.

— Isso não é uma resposta!

— O humano andou comigo o tempo todo — Kris interrompeu. Sua fala era rude, mas ela ainda demonstrava diligência ao responder a Franz. — Ele não fez nada. Senhor.

Você está certo. Completamente certo. Mas ainda assim!

Kris era mesmo uma pessoa honesta. Apenas dei um sorriso patético e dei de ombros.

— Seja como for, não há necessidade de perder tempo com algo tão insignificante quanto este cadáver. O que quer que tenha acontecido, o fato é que ele está morto. Vamos logo para a próxima cidade.

No entanto, a estrada estava repleta de dragões mortos. Era como uma galeria de cadáveres. Tudo que pude fazer foi esboçar um sorriso sem graça enquanto observava aquela paisagem anormal.

Havia monstros despedaçados e um dragão cortado perfeitamente ao meio (provavelmente obra do Luke).

Havia um dragão vermelho claramente morto, mas sem ferimentos visíveis (provavelmente obra da Sitri).

Havia um wyvern com a cabeça arrancada e torcida (provavelmente trabalho da Liz e do Ansem).

Até Franz e seus orgulhosos cavaleiros pareciam nauseados com as cenas horrendas. Telm não demonstrava nenhuma reação, mas era óbvio que tinha algo a dizer. Era bem provável que ele já tivesse percebido que alguns dos meus aliados eram os responsáveis por aquilo. Ele não precisava se preocupar, pois esses aliados eram meus amigos de infância.

Olhe só para todos esses dragões mortos. Talvez seja mesmo hora de sair de Zebrudia.

***

Franz Argman congelou ao ouvir o que o imperador tinha a dizer.

— Você quer os caçadores. Ao seu lado? — ele gaguejou.

Esse tinha sido o trabalho de escolta mais anormal que ele já havia experimentado. Houve o ataque da Raposa, a ninhada de dragões, a horda de monstros e agora os dragões inexplicavelmente massacrados. Haviam sobrevivido mais um dia, mas os cavaleiros estavam exaustos.

Rodrick continuava inabalável como sempre, sem demonstrar nenhum sinal de cansaço. Mas isso era apenas porque ele escondia bem. O peso de um grande império sobre seus ombros certamente causava um desgaste muito maior do que aquele sentido por Franz.

Isso era humilhante. A Ordem Zero sempre havia sido encarregada de proteger o imperador e nunca havia cedido essa responsabilidade a ninguém. Mas a justificativa do imperador não era difícil de entender. A guarda imperial era formada por alguns dos melhores guerreiros, mas ainda havia uma diferença evidente entre eles e a Contra Cascata. Aquele caçador de Nível 6, Kechachakka, e Kris eram, sem dúvidas, Magis mais poderosos do que qualquer um da guarda imperial. Sem eles, todos poderiam ter morrido para os dragões gélidos.

— Falas a verdade, Vossa Majestade Imperial — Franz disse. — A Contra Cascata é poderosa e altamente qualificada. No entanto, as ações daquele homem, o Mil Truques, são claramente anormais. Receio que colocá-lo ao seu lado seja uma decisão precipitada.

Franz sentia-se desconfortável com o Mil Truques. O Nível 8. Não era difícil acreditar que seus poderes fossem excepcionais, mas seu comportamento desafiava qualquer compreensão. Franz já havia encontrado muitos caçadores arrogantes, mas aquele era diferente. Para falar a verdade, ele o considerava o tipo de caçador que ninguém gostaria de ter por perto. Sem mencionar os rumores sobre os Desafios que ele gostava de impor aos membros de seu clã.

— Tens razão — o imperador concordou. — Mas a inocência desse homem já foi provada pelas Lágrimas da Verdade.

Se todos esses ataques fossem obra da Raposa, então significava que eles sabiam a rota que a caravana estava seguindo. A explicação mais provável era que havia um traidor entre eles. Se isso fosse verdade, então as únicas duas pessoas cuja inocência estava garantida eram Franz e o Mil Truques. Que ironia, o caçador mais enigmático era justamente o homem em quem Franz poderia confiar mais.

Quando encontraram o cadáver do dragão, o Mil Truques permaneceu calmo e sereno, enquanto até mesmo a Contra Cascata fez uma careta de desconforto. De algum modo, isso trouxe uma sensação estranhamente reconfortante para Franz. Os meios pelos quais ele poderia ter feito aquilo eram um mistério, e ele nunca sequer admitiu tê-lo feito, mas se aquele homem insondável realmente tivesse matado aqueles dragões, Franz não poderia removê-lo da guarda, por mais que quisesse.

Franz era o líder da Ordem Zero, a guarda pessoal do imperador. Ele jamais colocaria seu orgulho acima da segurança do imperador. E, se o Mil Truques estivesse por perto, ele poderia mantê-lo sob vigilância. Partindo dessa lógica, seus subordinados também provavelmente aceitariam essa decisão.

Os olhos de Rodrick Atolm Zebrudia eram claros, e Franz quase sentiu que conseguia enxergar sua alma. A segurança do imperador era a prioridade absoluta. Ele não conseguia impedir que o estresse se refletisse em seu rosto, mas ao menos conseguia controlar suas emoções.

— Como desejar, Vossa Majestade Imperial — ele respondeu.

***

Telm Apoclys estava sentado em seu quarto na estalagem. Ele refletia profundamente sobre a situação até aquele momento e chegou a uma conclusão amarga. Ele já tinha suas suspeitas, mas os últimos acontecimentos lhe deram as provas que precisava.

Ele tinha quase certeza de que o Mil Truques era um membro da Raposa Sombria de Nove Caudas. Mais do que isso, Telm suspeitava que ele ocupava um dos cargos mais altos dentro da organização. A Contra Cascata não sabia como aquele homem havia enganado as Lágrimas da Verdade, mas ele precisava confirmar suas suspeitas.


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