Grieving Soul – Capítulo 2 – Volume 6
Nageki no Bourei wa Intai shitai
Let This Grieving Soul Retire Volume 06
Capítulo 2: O Espaguete na Parede do Artífice Pré-Humano
Eu me sentia encurralado. Às vezes, eu agia de forma impulsiva ou despreocupada, mas nunca com malícia. Ainda assim, lá estava eu. Já havia passado uma noite desde o Encontro. Eu estava no meu lugar de sempre no escritório do mestre do clã, largado sobre a mesa. Sitri tinha envenenado as bebidas, e o Inferno Abissal quase destruiu o salão do banquete.
A invasão dos meus amigos de alguma forma passou despercebida, mas o veneno foi longe demais. Só de levar algo assim para o Encontro já era pedir confusão. Não havia desculpa que eu pudesse dar, e rastejar aos pés deles não seria o suficiente para me livrar dessa. Sitri ainda não tinha sido descoberta, mas Zebrudia tinha investigadores excelentes. Eventualmente, eles descobririam a verdade. Afinal, o império possuía uma Relíquia que detectava mentiras.
— Aqui está o jornal, Krai — disse Eva, me entregando-o.
Normalmente, eu só dava uma olhada por cima, mas dessa vez li com atenção. Parecia que um sigilo havia sido imposto, porque não havia uma única palavra sobre um intruso no Encontro. Em vez disso, outro assunto dominava a primeira página.
— Um ataque de dragão em Zebrudia? — murmurei.
— Tenho certeza de que você já sabe, mas foi logo depois de partirmos.
Eva tinha olheiras profundas e um olhar cansado. E não, eu não fazia ideia desse ataque de dragão.
— É… não existe azar demais, né? — resmunguei.
— Hm? Azar?
Os dragões eram considerados as mais poderosas de todas as bestas míticas. Seus formatos variavam de uma espécie para outra, mas todos tinham corpos incrivelmente resistentes e enormes reservas de mana. Diziam que dragões solitários eram capazes de aniquilar países inteiros. O título de Matador de Dragão sempre foi uma prova de grandeza.
No entanto, dragões raramente atacavam assentamentos humanos. Pode parecer difícil de acreditar, considerando meu encontro com o dragão das águas termais em Suls, mas, na minha carreira de caçador, eu só vi dragões atacando cidades em três ocasiões.
— Felizmente, havia vários caçadores de alto nível por perto, então o dragão foi exterminado — disse Eva.
— Hmm.
Olhei o jornal. Aparentemente, Ark e os outros haviam salvado a capital imperial. A Casa Rodin tinha fortes laços com a nobreza, então normalmente era seu dever lidar com ameaças assim. Mas Luke e muitos dos caçadores presentes no Encontro também ficaram para proteger o castelo naquela noite. Esse era um dos pontos positivos da natureza destemida dos caçadores — eles tinham força para enfrentar dragões.
Recentemente, um elemental atacou uma cidade, depois vieram os Homens das Cavernas, então o dragão das águas termais… Zebrudia estava tendo meses bem difíceis. Será que o envenenamento da Sitri tinha algo a ver com isso?
E então me ocorreu algo. Cruzei os braços, cruzei as pernas e olhei para o teto.
Peraí. A Liz disse que aquelas bebidas não estavam envenenadas, mas sim drogadas. Então existem dois culpados? Afinal, houve um intruso no evento…
— Esse caso está bem complicado — murmurei. — Será que os investigadores do império vão conseguir lidar com isso?
— Hm?
Se fosse deixado de lado, talvez nem fosse um grande problema, mas Sitri tinha complicado tudo. E como aquela mulher pirômana queimou quase tudo até virar cinzas, era bem possível que nem descobrissem como o intruso entrou. Mesmo os brilhantes investigadores do império dificilmente suspeitariam que a droga e o veneno foram obra de pessoas diferentes.
Não havia nem mesmo prova de que a droga realmente estava nas bebidas. Talvez houvesse algumas que eu não tinha dado para Liz, mas essas também foram destruídas pela pirômana. Soltei um gemido enquanto fechava os olhos, tentando juntar as peças.
— Descobriu alguma coisa? — perguntou Eva, hesitante.
— Se eu estiver certo, há dois culpados envolvidos nisso.
— Hã?! Como assim?!
Tinha a Sitri e tinha quem quer que tenha colocado a droga. Era natural presumir que o responsável pela droga estivesse ligado ao intruso. Mas eu não ia sair espalhando minhas suspeitas por aí. Se fizesse isso, Sitri poderia ser marcada como criminosa.
Cometer crimes não era algo bom, mas, como princípio, eu sempre ficaria ao lado da Sitri. Eu fugiria do império antes de entregá-la às autoridades. Falando com o benefício da retrospectiva, ninguém havia se ferido por causa do veneno dela, e isso era o mais importante para mim.
Podíamos simplesmente jogar a culpa do envenenamento no verdadeiro criminoso. Afinal, essa pessoa já estava destinada à forca por ter invadido o Encontro. Hã? Como é? A Tino e a maior parte do meu grupo também invadiram? Ha ha ha.
— Ainda assim, aquela velha pirômana realmente bagunçou tudo pra gente…
Se o Inferno Abissal não tivesse incinerado tudo, talvez já tivéssemos encontrado alguma evidência e capturado o culpado. E, pensando bem, o próprio imperador poderia ter se queimado ali. Como diabos aquela velha ainda não tinha sido presa? Era porque, se tentassem, ela botaria fogo em tudo de novo?
De qualquer forma, tudo o que eu podia fazer era rezar para que o verdadeiro culpado fosse preso e me preparar para cobrir a Sitri caso ela se tornasse suspeita. Não havia muito o que eu pudesse fazer quanto à primeira parte, mas para a segunda, eu estava disposto a tudo.
Não consegui fazer muito por ela quando foi suspeita de estar envolvida na fuga da prisão, mas, ao longo dos anos, eu amadureci. Ok, foi basicamente só meu Nível que cresceu, mas isso se traduzia diretamente em confiança. Se um Nível 8 dizia algo, geralmente acreditavam nele.
O único problema era que, desta vez, Sitri não era exatamente inocente.
— Você sabe quem é o culpado? — perguntou Eva.
— O culpado é o invasor.
— Hã, mas a identidade dele? E você disse que eram dois, então eles tinham um cúmplice?!
— Agora, agora, calma, Eva. Não é tão simples assim.
Os olhos de Eva se arregalaram por um momento antes de ela baixar o olhar.
— Desculpa, eu não consegui evitar — disse ela.
Talvez não fosse um problema se Eva soubesse a verdade.
Já tinha contado com ela várias vezes e confiava completamente nela. Mas, acima de tudo, ela era muito mais competente do que eu e talvez realmente conseguisse encontrar uma solução para tudo isso.
— A propósito — falei para ela —, Sitri e Tino foram quem plantaram o veneno detectado depois do ataque.
Os olhos de Eva se arregalaram o máximo possível.
— O quê?! — disse ela, sua voz exausta e cansada. Uma reação bem compreensível, considerando tudo. Ela piscou algumas vezes e me olhou, incrédula.
— Hã? Hã? Hããã?!
— Relaxa. Isso não é o que me preocupa.
— C-C-Como você espera que eu relaxe?!
Eva parecia estar entrando em pânico, o que não era algo que acontecia com frequência. Comecei a pensar que talvez tivesse falado demais, mas já não dava para voltar atrás.
Está tudo bem, está tudo bem. Vai dar tudo certo. Ninguém morreu ainda, então ainda dá tempo de consertar isso!
Foi então que a porta se abriu com tudo. O corpo inteiro de Eva tremeu.
— Ei, Krai! Deixa eu te mostrar uma coisa!
Era Luke, meu amigo que deveria estar protegendo o Castelo Imperial. Ele percebeu o olhar de terror de Eva, mas não demonstrou nenhuma reação em particular.
O problema estava no que ele estava carregando. Era quase do tamanho dele e exalava um cheiro forte de sangue. Esse era um cheiro com o qual a maioria dos caçadores de tesouros estava acostumada, mas eu realmente gostaria que ele levasse aquilo para outro lugar.
— Pulei no ar e derrubei com um corte — Luke se gabou, largando o que carregava com um baque surdo. — Ark quase conseguiu antes de mim, mas eu saí vitorioso!
Você é um gato, trazendo sua caça pra casa? Ei, não abre isso.
— Aqueles caras do governo imperial pegaram metade. Acho que tudo bem, isso nem caberia na porta de qualquer jeito.
Andar por aí com algo que cheirava tão mal era praticamente terrorismo. Com certeza estaria pingando sangue por toda parte se alguém não tivesse embrulhado aquilo para evitar o pior. De certo modo, Luke era o mais determinado de nós a viver no próprio ritmo. Comparado a ele, Liz parecia bem sensata.
— Ah, certo, Krai. Aqueles caras do governo imperial querem falar com você. Estão esperando na Associação dos Exploradores.
— Eu não quero falar com eles.
— É mesmo? Quer que eu corte eles?
— De repente, fiquei com muita vontade de falar com eles.
Mas não tinha coragem de ir sozinho. Quando me levantei a contragosto, percebi que Eva me olhava com lágrimas nos olhos. Isso era algo que raramente acontecia. Imagino que os últimos minutos tenham sido bem chocantes para ela.
— Eva, vem comigo. Luke, você não precisa vir. Isso só complicaria as coisas.
Se uma civil estivesse presente, até mesmo aqueles do governo imperial mostrariam alguma contenção. Eles podiam ser assustadores, mas não eram como as crianças selvagens do nosso grupo.
— Espera, Krai. O que eu faço com isso? — Luke perguntou com um olhar estranho, apontando para o embrulho de cheiro sanguinolento.
Eu não tinha a menor ideia do que fazer com aquilo.
— Faz o que quiser, só não suja nada — disse com um suspiro profundo.
Honestamente, por que sempre vinham a mim pedindo ajuda? Havia muitos outros caçadores competentes na capital imperial. Eu não conseguia entender. Meu corpo implorava para não ir, mas me recompus e segui para a sala de reuniões da Associação.
Juntos, Eva e eu entramos e encontramos uma sala já preenchida por rostos notáveis. Estavam lá o gerente da filial, Gark, e Kaina; Franz, o cavaleiro que brilhantemente me isentou da patrulha junto com alguns de seus companheiros; e a Inferno Abissal, agindo como se fosse dona do lugar. Não pude evitar fazer uma careta ao vê-la.
— Hmph. Tem algo a dizer? — ela perguntou. Me encarou com um olhar intenso que não deveria ser possível para alguém da idade dela.
— Não. Nada, na verdade… — respondi, desviando o olhar.
Olhei em volta, mas não fiquei surpreso ao ver que o imperador não estava presente. Sentei-me, e Franz fez uma breve saudação antes de dar início à conversa.
— Fico feliz que todos puderam vir — ele começou. — Reuni todos aqui para confirmarmos os detalhes sobre o ataque do dragão na noite passada. Imagino que já tenham ouvido o que aconteceu?
— Antes disso, posso fazer uma pergunta? — perguntei.
— O que foi?
A bochecha de Gark se contraiu e Eva pareceu preocupada. Eles estavam se preocupando à toa, eu não ia dizer nada estranho.
— Já identificaram o culpado pelo envenenamento da noite passada?
— Ainda não.
Seguro, pensei, soltando um suspiro de alívio antes de conseguir evitar. Ouvi Franz ranger os dentes.
— Há algo que gostaria de dizer, Krai Andrey?
— Não, nada não. Pode continuar.
O fato de ainda não terem encontrado o culpado era, na verdade, uma boa notícia. Se ainda não tinham identificado ninguém, isso provavelmente acabaria se tornando um caso sem solução. Sitri deve ter feito um bom trabalho.
Franz respirou fundo várias vezes antes de falar com uma voz tensa.— Na noite passada, um dragão carmesim atacou o Castelo Imperial. Aconteceu no meio da noite, por volta das três da manhã. Bem na hora em que você foi para casa, Krai Andrey. Felizmente, o castelo contava com a proteção de vários caçadores de alto nível.
— Ah, sim, um dos nossos, Ark, estava lá. Li sobre isso no jornal. Pobre dragão — comentei.
Dragões eram seres poderosos, mas praticamente todo caçador de alto nível também era um Matador de Dragões. Se minha memória estava correta, Ansem também estava lá. Mesmo um dragão teria dificuldades contra oponentes como ele e Ark. Um ataque de dragão era um problema, mas pelo menos foi resolvido com facilidade.
Mas por que estavam me chamando para falar sobre isso? Não via como isso tinha algo a ver comigo.
— O dragão veio direto para o Castelo Imperial — disse Franz, lançando um olhar afiado para mim. — Conferi os registros para ter certeza, e essa foi a primeira vez que isso aconteceu desde que a capital foi transferida para cá.
— Bem, sempre há uma primeira vez para tudo. Tenho experiências inéditas o tempo todo.
— Krai, para de enrolar! — gritou Gark, embora eu não estivesse enrolando. Isso era muito injusto da parte dele. Desde que cheguei à capital imperial, todo grande incidente aqui tinha sido uma novidade para o lugar. Talvez eu estivesse amaldiçoado.
— Dragões não atacam assentamentos humanos sem motivo. Estamos todos da opinião de que o dragão estava atrás de algo dentro do Castelo Imperial.
— Entendi. Isso é um baita problema — comentei. — Espera, peraí. Se o dragão estava atrás de algo no castelo, então ele não teria atacado há muito tempo?
Alguns dragões tinham o hábito de acumular tesouros. Dizia-se que, se alguém roubasse seu tesouro, eles enlouqueceriam de raiva e perseguiriam a pessoa até onde fosse necessário para recuperar o que sentiam ser deles. As feras míticas possuíam força e inteligência extraordinárias, mas de forma alguma eram tolerantes. Para eles, humanos não passavam de um lanche insatisfatório.
Então, o que quer que o dragão estivesse procurando provavelmente havia sido trazido recentemente para o Castelo Imperial. Deduções brilhantes da minha parte.
— Para de fingir que não sabe de nada! — gritou Franz, batendo a mão na mesa. — Pelo que entendemos, aquele dragão foi atraído até aqui pelo ovo de dragão que você deu para Sua Alteza!
— Hã?
Isso era algo que eu não esperava ouvir. Dragões realmente botavam ovos, mas apenas um por vez. Roubar um deles enfureceria o dragão, e ele viria recuperar seu ovo assim que possível.
No entanto, aquela lembrança não era um ovo de dragão. Como eu havia dito para Eva, “ovo de dragão termal” era apenas um nome de produto. Era um ovo de galinha, um dos muitos vendidos em Suls. Sobre o que esse cara estava falando?
— Sinto muito, mas aquilo era só um ovo termal — expliquei hesitante.
— Exatamente! Exatamente isso! — Franz gritou, batendo na mesa de novo. — Então, tomamos a iniciativa e inspecionamos o presente. E, como uma piada de mau gosto, descobrimos que era um simples e comum ovo termal! Nada mais! Até confirmamos que eles são vendidos em Suls! Sabe o que isso significa?
Franz se inclinou para mim, o rosto vermelho e respirando pesado. Pensei seriamente no assunto.
— Dragões carmesim têm um gosto especial por ovos termais?
Franz se levantou, os lábios tremendo.
— Significa que alguém está tentando incriminar Krai, ou melhor, o Mil Truques — disse Eva. Eu sempre podia contar com ela.
Franz cerrou os punhos e respirou fundo.
— Exato. Isso mesmo. Se o seu presente tivesse sido um ovo de dragão genuíno, mesmo que não fosse um ovo de dragão carmesim, você seria o principal suspeito e teria poucas chances de provar sua inocência.
Ah, então esse era o truque. Agora entendi.
— Mas você escapou dessa — continuou Franz. — E reduziu a lista de suspeitos. O responsável tem que ser alguém que sabia que você entregou aquele ovo para Sua Alteza.
Que desvio milagroso foi esse. O que eu tinha feito para merecer tanta sorte? Provavelmente ajudava o fato de eu não levar uma vida que envolvesse roubar ovos de dragão.
Depois de ficar em silêncio pela primeira vez na vida, a Inferno Abissal bufou e deu sua opinião.
— Armou uma armadilha, foi, garoto? Isso é bem típico de você.
— Hã?
Armadilha? Do que ela estava falando? Eu já tinha caído em armadilhas, mas nunca fui quem as armava. Além disso, toda essa conversa de armar uma armadilha com um ovo de dragão parecia insana. Não pude evitar rir um pouco.
— De qualquer forma — disse Franz depois de limpar a garganta —, há pouquíssimas pessoas capazes de manipular dragões. Tudo o que será discutido daqui em diante deve ser mantido em sigilo.
Ele levantou as mãos e os cavaleiros atrás dele deixaram a sala, seguidos por alguns funcionários da Associação dos Exploradores. As únicas pessoas restantes eram eu, Eva, Gark, Kaina, Franz e a Inferno Abissal. Eu queria sair também, mas isso pareceria um pouco indelicado.
Franz respirou fundo e colocou um grande objeto embrulhado em tecido sobre a mesa. Um sinal de tensão cruzou seu rosto.
— Estamos em uma situação crítica. Vou tomar as medidas que julgo necessárias — disse ele.
— Isso é… Você só pode estar brincando! — exclamou a Inferno Abissal, sua voz trêmula.
Gark, Kaina e Eva ficaram igualmente surpresos.
Franz desfez o tecido, revelando uma Relíquia completamente transparente. Era possível ver através dela como se fosse um mar calmo, e seu brilho superava o de qualquer gema. Era a Lágrima da Verdade, uma Relíquia em forma de esfera de cristal capaz de expor qualquer mentira. Era um dos tesouros mais valiosos do império e desempenhou um papel na fundação de Zebrudia. Um artefato nacional que não era usado sem um motivo extremamente forte.
— Isso é um absurdo! — gritou Gark, o rosto vermelho. — O uso dessa Relíquia é altamente restrito! Não tem como terem dado permissão para um caso desses.
— Ele estava completamente certo. As Lágrimas da Verdade expunham qualquer mentira dita por quem colocasse a mão nelas. Elas ignoravam lavagem cerebral, apagamento de memória e qualquer outra forma de alteração neural. Ninguém ainda havia encontrado um jeito de enganá-las.
No entanto, as Lágrimas da Verdade não eram meramente uma conveniência. Uma Relíquia capaz de discernir a verdade tinha o potencial de iniciar guerras. Por isso, uma série de requisições, aprovações e, acima de tudo, provas eram necessárias antes de poderem ser usadas. Nem mesmo o imperador, a mais alta autoridade do império, podia utilizá-las à vontade.
As Lágrimas da Verdade eram poderosas demais. Ninguém leva uma vida de perfeita inocência; todos temos nossos segredos. Ninguém gostaria de viver em um império onde algo como as Lágrimas da Verdade fosse usado regularmente. E se todos fossem embora, Zebrudia simplesmente deixaria de existir.
Geralmente, as Lágrimas da Verdade só eram permitidas para aqueles que já haviam sido condenados por um dos dez crimes capitais (os crimes mais severos do império). Por mais suspeito que alguém fosse, a mera suspeita não era suficiente. O império não poderia continuar de outra forma.
Mas elas já haviam sido usadas em mim diversas vezes. Provavelmente, eu era a única pessoa no mundo que havia sido julgado pelas Lágrimas da Verdade várias vezes e nunca havia sido preso.
A tensão na sala era palpável, então resolvi falar em nome de todos.
— Você conseguiu a permissão do imperador?
— Claro que não! Sua Majestade Imperial se mantém nos mais altos padrões!
— Hm. Então você trouxe isso por conta própria.
Mesmo que Franz fosse um nobre poderoso—na verdade, exatamente por ele ter autoridade suficiente para andar por aí carregando um tesouro nacional, isso era inadmissível. O uso indevido das Lágrimas da Verdade era um crime gravíssimo; se isso vazasse, certamente o aguardaria uma punição terrível.
— Prove sua inocência, se puder! — Franz disse, olhando apenas para mim.
— Claro. Isso me cai bem.
— Hm?!
Eu não tinha crimes dos quais pudesse ser considerado culpado. Na verdade, fiquei até feliz por ter mais uma chance de olhar para as Lágrimas da Verdade de perto. Não importava quantas vezes eu visse a Relíquia, sua beleza nunca se desgastava. Vi meu reflexo na sua superfície cristalina. Com um bocejo, coloquei minha mão sobre a esfera de cristal.
— Eu, Krai Andrey, nunca agi como um inimigo de Zebrudia.
Minha consciência foi puxada para a Relíquia, e minha mente ficou em branco por um momento. Então, a esfera de cristal emitiu uma luz azul—prova de que eu havia dito a verdade. A boca de Franz ficou aberta. Honestamente, realmente não existia ninguém tão inofensivo e incompetente quanto eu.
Os olhos de Gark se arregalaram. Quando as Lágrimas da Verdade foram usadas em mim pela primeira vez, ele ficou furioso ao saber. Disse que era papel da Associação dos Exploradores proteger a honra dos caçadores.
— Agora, agora, relaxe, Franz. Não precisa ficar tão na defensiva. Eu não me importo, mas não recomendaria sair usando as Lágrimas da Verdade de repente em um caçador. Você pode acabar se queimando.
Especialmente quando há uma velha de pavio curto por perto, pensei, lançando um olhar para a Inferno Abissal.
— Tsk. Se é necessário — disse ela com um sorriso torto. — Aqui: ‘Eu nunca agi como inimiga de Zebrudia.’
A Relíquia brilhou azul-claro, e a Inferno Abissal fez uma careta. Ela provavelmente não estava acostumada a usar as Lágrimas da Verdade.
— Hã? Você nunca agiu…? Ah— — Parei tarde demais.
— Nenhum pingo de respeito em você, garoto.
A Inferno Abissal—Rosemary Purapos me lançou um olhar furioso, como se eu fosse lenha para a fogueira.
— Agradeço sua cooperação — Franz disse, inclinando-se profundamente. — Agora, vamos ao assunto principal.
Ele não ia testar o Gark e os outros? Pelo visto, só eu e a Inferno Abissal não éramos dignos da confiança dele.
Franz envolveu a Relíquia de volta no pano e pigarreou.
— Mil Truques, Inferno Abissal, imagino que ambos já ouviram falar da Raposa?
Raposa? Agora que penso nisso, aquele cara agarrado no teto estava usando uma máscara de raposa.
— Entendo! — disse a Inferno Abissal, com um brilho perspicaz nos olhos. — Então era isso que aquela máscara significava. Muito direto da parte deles.
Podem parar de assumir que eu sei dessas coisas?
Pensei um pouco, então bati palmas.
— Raposa? Claro que conheço. Mas só para ter certeza, você não está falando do animal, certo?
— De fato. O que estou falando não é nem um animal nem um monstro.
Então eu estava certo. Se não era um animal ou um monstro, só podia ser uma coisa.
Não estou tentando me gabar, mas uma das minhas desventuras me levou a encontrar uma raposa de treze caudas.
Um acúmulo de material de mana transformou um local em movimento em um cofre do tesouro. Dentro dele havia um extraordinário fantasma de raposa. Inteligente, experiente e poderoso. Como um deus; sequer conseguir arranhar aquilo estava além das nossas capacidades. Esse fantasma provavelmente merecia uma designação de Nível 10, o mais alto possível.
O encontro foi puro acaso. Era um cofre do tesouro que normalmente permanecia escondido, mesmo para quem o procurava. Depois de várias reviravoltas, conseguimos sair vivos, mas eu tinha certeza de que aquela raposa aberrante e seu cofre do tesouro ainda estavam vagando pelo mundo.
Outra coisa sobre aquele cofre do tesouro: os mobs de baixa categoria eram humanos usando máscaras de raposa (mas que não eram realmente humanos). Então a máscara de raposa deveria me ser familiar. O design era bem diferente do que eu me lembrava. Talvez tivessem reformado o cofre do tesouro ou algo assim.
— Na noite passada, nosso país foi atacado. Acreditamos que vários desses ataques foram obra da Raposa — Franz disse.
— Entendo… Entendo?
A raposa que eu conhecia tinha uma força próxima à de um deus, mas não era inimiga da humanidade. Na verdade, era completamente indiferente aos humanos. A raposa fantasma possuía um poder que superava em muito seus semelhantes. Até mesmo a regra comum de que fantasmas não podiam existir fora de seus cofres de tesouro não significava nada para essa criatura. O que Zebrudia poderia ter feito para irritar tanto um ser como esse?
— Zebrudia ficou grande demais — disse Franz, irritado. — Expandimos valorizando nossos caçadores de tesouros, mas nem todo mundo acha isso uma coisa boa. Isso foi, muito provavelmente, uma tentativa de azedar as relações entre o império e os caçadores. Mas devo dizer, o envenenamento foi uma tentativa bem lamentável.
— Ah, isso foi definitivamente obra da ‘Raposa’. Que grupo insano eles devem ser se querem me incriminar! — Ignorei as perguntas que surgiam na minha mente e aproveitei a oportunidade que vi na minha frente. Eu já estava planejando jogar a culpa do envenenamento no invasor, e seria ainda melhor se fosse um fantasma.
— É por causa da Raposa que Luke corta as pessoas — continuei. — É por causa da Raposa que Liz invadiu a Reunião. E também é por causa da Raposa que Sitri e Tino colocaram aquele veneno! Que grupo sem escrúpulos!
— Hã? A Raposa mal pode ser culpada por… O que você acabou de dizer?!
— Então esse desgraçado da Raposa é só mais uma fera, hein? Sempre tive vontade de acabar com eles!
Eles voltaram, mesmo depois de eu ter me humilhado e oferecido tofu frito. Não tinha ouvido um pio deles desde nosso encontro, então baixei a guarda. Não que isso fizesse qualquer diferença, mesmo que eu tivesse ficado alerta.
A Inferno Abissal me lançou um olhar de lado e deu de ombros.
— Vamos parar de perder tempo e ir direto ao assunto. Imagino que você tenha um bom motivo para usar ilegalmente as Lágrimas da Verdade?
Sempre acreditei que ela era do tipo que olhava antes de pular, mas naquele dia ela estava bem tranquila.
Franz pigarreou e assumiu uma expressão séria.
— O que quero dizer é que Zebrudia não pode se dar ao luxo de demonstrar qualquer sinal de intimidação diante desses canalhas. Imagino que todos estejam cientes de que Sua Majestade Imperial pretende viajar para o exterior em breve?
— Entendi. Então é isso.
Não entendi nada, mas, aparentemente, era isso. O Inferno Abissal acenou com a cabeça, Gark se inclinou para frente e Eva tinha um olhar sério nos olhos. Parecia que eu era o único que não fazia ideia do que estava acontecendo. Mas já estava acostumado a ficar de fora do círculo, então apenas coloquei meu melhor sorriso durão.
— E por isso temos uma missão para você, Mil Truques.
— Desculpe, mas não aceito qualquer missão.
Nem esperei ouvir do que se tratava, só recusei, pura questão de instinto. Não era só as quase impossíveis, eu recusava praticamente todas as missões que pareciam remotamente difíceis. Não podia deixar que pensassem que eu aceitava qualquer coisa. No máximo, poderia emprestar o Ark. E por que eu? Na mesma sala havia uma velha que era dez milhões de vezes mais poderosa do que eu.
— A Raposa tentou te incriminar. Eles têm medo de você. E com as Lágrimas da Verdade, sabemos que você é inocente — disse Franz.
— Talvez a Relíquia esteja quebrada.
— As Lágrimas são um pilar do império. E Relíquias não quebram!
Gark me olhou como se estivesse segurando a vontade de me estrangular. Comecei a bolar mais uma daquelas jogadas engenhosas, tipo talvez empurrar essa para o Ark ou alguém?
Então Franz colocou um grande baú na minha frente. Esse era meu pagamento? Nunca se está preparado o bastante, mas ele realmente achava que dinheiro era o suficiente para me convencer? Eu não gostava da ideia de ser facilmente comprado. Era um cara que saía para comprar Relíquias, mesmo quando estava atolado em dívidas.
— Você é um colecionador de Relíquias, certo? Sua Majestade Imperial me deu permissão para tirar seu pagamento do cofre do castelo.
Me preparei, determinado a deixar minha recusa bem clara. Então Franz abriu o baú. Dentro, embalado cuidadosamente, havia um tecido em tons suaves de vermelho, verde e dourado. Não era uma peça de roupa. Era bem grosso e bastante ornamentado. Meus olhos se arregalaram. Estendi a mão trêmula e toquei sua superfície lisa.
É menor do que eu esperava, mas será que é isso mesmo? Uma Relíquia lendária que aparece nos contos de fadas, mas raramente no mercado. Isso é um Tapete Voador?
Olhei para cima, minha expressão tensa. Pela primeira vez naquela noite, Franz sorriu para mim.
***
Todo bom caçador de tesouros incluía treinamento na sua rotina diária.
Sven estava no quinto nível do porão da casa da guilda Primeiros Passos. Ele tinha descido para se exercitar um pouco e se surpreendeu ao ver um grupo de caçadores reunidos na porta da maior das arenas subterrâneas de treinamento.
— O que vocês estão fazendo todos reunidos aqui? — perguntou.
— Ah. Parece que o quinto andar foi reservado para o dia inteiro — respondeu alguém.
Sven franziu a testa.
— Reservado para o dia inteiro? Isso não deveria ser possível. Liz tá agindo como se mandasse na guilda de novo?
— Não — disse o outro caçador, com um leve tremor na voz. — O CM está treinando.
O que aquele cara poderia estar aprontando? Sem dizer nada, Sven olhou para a porta. Do outro lado, ouvia-se repetidamente um som pesado de impactos. O Mil Truques treinava muito raramente, tão raramente que seu alto nível era quase inacreditável. Mas às vezes ele abria exceções e usava o campo de treinamento que ele mesmo criou.
O Mil Truques também era conhecido por ser um colecionador de Relíquias. Quando conseguia uma nova, levava-a para um campo de treinamento para testá-la. E não só isso, ele nunca hesitava em ativar uma Relíquia, mesmo quando era uma daquelas que a maioria dos caçadores normais teria receio de usar.
Ele provavelmente sabia o que uma Relíquia faria (afinal, as pessoas geralmente não ativam Relíquias com as quais não estão familiarizadas). Ainda assim, seus testes eram um incômodo para todos os outros no clã, que não faziam a menor ideia do que poderia acontecer.
— Parece que hoje está especialmente ruim lá dentro. Sendo assim, vou beber — disse o outro caçador.
Os outros campos de treinamento ainda estavam disponíveis, mas o Mil Truques não tinha o menor senso de moderação. Era perfeitamente possível que ele abrisse um buraco no teto e danificasse os outros andares. Hoje, ele parecia especialmente empolgado com o que estava fazendo, e ninguém queria estar por perto.
Com um encolher de ombros coletivo, Sven e os outros caçadores se viraram. Eles já estavam acostumados com isso.
***
Meu mundo acelerou em um instante. Fui tomado por uma sensação indescritível de êxtase e onipotência.
Incrível! Eu não acredito nisso! É como se eu fosse o próprio vento!
E então, com um baque surdo ecoando ao redor, tanto o Tapete quanto eu nos chocamos de cabeça contra a parede, e meu corpo desabou no chão. Ainda bem que um Anel de Segurança me impediu de sofrer danos.
Lucia, a Carregadora de Relíquias, estava encostada na parede com os braços cruzados.
— Líder, por acaso te passaram a perna? — perguntou ela, franzindo a testa.
— Não, ele voa muito bem — respondi.
— Sim, mas parece que ele não quer passageiros.
Assim que Lucia terminou de carregá-lo, o Tapete ergueu suas pontas. Como Lucia havia sugerido, ele ficou a uma curta distância, quase como se estivesse desconfiado de mim.
Relíquias que conseguiam se mover sozinhas, como esse Tapete e a Corrente Farejadora, eram chamadas de “autopropelidas”. Ativar essas Relíquias era simples o suficiente, mas controlá-las era outra história. Por exemplo, havia inúmeras correntes baseadas em animais, cada uma com sua própria variedade; mesmo as do mesmo tipo tinham personalidades diferentes. Tudo isso tornava difícil usá-las na prática.
Esse meu novo Tapete tinha uma personalidade bem complicada.
— Você não é um Tapete Voador — disse com um sorriso. — Você é um Tapete Delinquente… AARGH!
Num piscar de olhos, o Tapete me atingiu em cheio. Sendo um tapete, o golpe foi leve, mas justamente por isso os Anéis de Segurança não ativaram automaticamente. Tossindo, passei a manga da roupa na boca.
Nada mal. Acho que é por isso que você estava dormindo no cofre do Castelo Imperial.

— Eu vou considerar você meu rival — disse, ofegante.
— O Tapete? — perguntou Lucia.
O poder de ataque dele era tão baixo quanto o meu, mas ele me superava quando se tratava de defesas. Saltei para o Tapete, que estava fazendo sombra-boxe, e agarrei seu corpo. De repente, senti-me sendo erguido do chão. Foi tudo o que consegui fazer, apenas me segurar enquanto o mundo girava e o Tapete fazia ziguezagues pelo ar.
Apesar do peso que adicionei a ele, o Tapete voava a uma velocidade impressionante. Mesmo entre as Relíquias, algumas eram mais capazes que outras. Esse Tapete tinha uma aceleração extraordinária e uma velocidade máxima alta, o que significava que ele poderia ser um excelente meio de transporte. Também tinha uma manobrabilidade tremenda e podia até fazer loopings. Teria custado uma fortuna se fosse capaz de demonstrar qualquer consideração pelos seus passageiros.
Mais uma vez, colidi espetacularmente contra a parede. O Tapete era feito de tecido, então não se machucou, mas eu gastei outro Anel de Segurança.
Os Tapetes Voadores eram Relíquias famosas que eram vendidas por quantias enormes. A única outra Relíquia voadora que eu possuía era o Andarilho Noturno, que não era nem de perto tão famoso quanto os Tapetes Voadores. Esse Tapete era do tamanho de um tapete de boas-vindas, mas a maioria era grande o suficiente para acomodar várias pessoas e até carregar bagagens. Com isso e sua facilidade de uso, não era de se surpreender que fossem populares.
Eu nunca tinha ouvido falar de um Tapete Voador que não quisesse ser montado, mas isso provavelmente tinha algo a ver com o fato de o imperador estar disposto a se desfazer desse bronco.
Lucia suspirou pela enésima vez enquanto me via se aproximar do Tapete.
— Talvez você devesse devolvê-lo? — disse ela.
— Voar pelos céus é o sonho de toda a humanidade. Você não entende isso?
— Sim, eu já sei voar sozinha. Além disso, você não tem o Andarilho Noturno?
— Esse é defeituoso, e só posso usá-lo à noite.
E um Tapete Voador era algo que eu queria há muito tempo. Não podia deixar esse escapar, mesmo que tivesse uma personalidade difícil.
O Tapete Voador deslizou atrás de mim com facilidade e puxou minha perna. Eu caí de bunda no chão e, antes que pudesse me recompor, o Tapete inclinou um de seus cantos para frente e me deu um tapinha na cabeça. Ele estava zombando de mim.
— Huh, você é um verdadeiro amor — disse, com um sorriso desdenhoso. — Acho que preciso te dar um nome. Hmm. Vou te chamar de Carpy!
O Tapete deslizou até meus pés, me colocou em cima dele e me ergueu suavemente cinco metros, quase chegando ao teto. Eu estava começando a achar que finalmente havia sido reconhecido como seu mestre, mas então ele se virou de cabeça para baixo e me jogou no chão. Com um estrondo tremendo, bati com a cabeça no chão de metal. Mais um Anel de Segurança foi gasto. Não acho que alguém tenha esgotado tantos Anéis de Segurança em um só dia.
— Não estou convencida de que o Andarilho não seja a opção mais prática — disse Lucia.
— Não, eu me estrello com o Andarilho com a mesma frequência, e eu já estou mais acostumado com ele.
Lucia soltou um longo suspiro, quase como se sua alma estivesse escapando, e recarregou meus Anéis de Segurança.
— Por favor, tente ver isso da minha perspectiva — disse ela.
— Não se preocupe, eu te dou uma carona assim que eu dominar isso.
— Esqueça. Quantas vezes eu preciso te lembrar que eu posso voar sozinha?
Lucia conseguia voar numa vassoura. Não uma vassoura de Relíquia, uma vassoura comum. Era esse tipo de magia que ela conseguia usar. Foi um dos feitiços que eu havia pensado. Quando eu criei o feitiço, não percebi que também existia uma Relíquia voadora famosa chamada Vassoura da Bruxa. Minha irmã provavelmente era a única pessoa que voava pelo ar em cima de uma vassoura de loja comum.
Lucia, aliás, dizia que era mais fácil para ela voar sem a vassoura. Ah, tá.
Até agora, eu havia sido jogado para fora do Tapete, lançado contra paredes e mais, mas não ia desistir tão facilmente. Eu era mais forte que isso. Eu estava perdendo a forma, então até estava dando boas-vindas a essa chance de me exercitar. O Tapete Delinquente me jogou fora repetidamente, mas não voou para longe de mim. Em outras palavras, seus instintos estavam dizendo para ele me deixar montar.
O Tapete desceu suavemente e me empurrou. Ele era só tecido, então sua força era limitada, mas em velocidades altas, ainda assim conseguia causar um impacto considerável. Eu rolei algumas vezes pelo chão antes de parar, com os membros espalhados. O Tapete flutuou suavemente sobre mim.
Talvez ele só tenha uma personalidade ruim.
Mas tudo bem. Eu era um adulto; não ia deixar umas zombarias de um Tapete Voador me afetarem.
— Acabei de lembrar, Líder — disse Lucia, enquanto eu me levantava. — Você não deveria estar se preparando para a missão?
— Hã? Missão? — perguntei, com os olhos arregalados. Eu não estava pensando nisso de forma alguma.
Lucia fez uma cara séria. O Tapete ficou parado, quase como se soubesse o que estava acontecendo.
— Eu ouvi falar disso pela Eva. Esse Tapete é um adiantamento, não é?
Eu não disse nada.
Opa. A missão havia escapado completamente da minha mente. Eu me tornei uma máquina de assentir quando o Tapete foi colocado na minha frente. Nada mais importava para mim quando eu vi algo que eu queria há tanto tempo. Eu tinha uma sensação de que fui contratado para fazer algo, mas o que seria? Eu não estava empolgado com a ideia de trabalhar, mas também não queria devolver o Tapete.
— Você tem o resumo da missão? — perguntei, com medo, para minha irmãzinha.
Ela me olhou com raiva, com o rosto vermelho.
— Tenho. A Eva me deu. Não consigo nem te dizer o quanto isso foi vergonhoso.
Eu realmente sinto muito por tudo que te fiz passar.
Ela me entregou um envelope com o selo de Zebrudia, que abri com as mãos trêmulas. O Tapete espiou por cima do meu ombro. Li rapidamente o conteúdo do resumo. Então, eu morri.
É uma missão para proteger o imperador. Entendi.
Isso é, hum, uma grande responsabilidade. Eles devem estar malucos se estão me pedindo para fazer isso. Talvez tenham emitido essa missão pensando no Ark?
Eu não era, de muitas maneiras, adequado para as tarefas de um caçador, mas as tarefas que eu menos me adaptava eram as de escolta. A razão para isso era muito simples: eu tinha uma sorte terrível. Desde o começo da minha carreira, não conseguia lembrar de uma única missão de escolta que tivesse corrido bem.
Contratar um caçador para fazer escolta era basicamente uma forma de seguro. Ninguém contrata proteção se não pretende ir para um lugar perigoso, mas a maioria das missões acabava sem incidentes notáveis. Ou era o que me diziam.
Eu sempre me metia em algum tipo de problema durante praticamente toda missão de escolta que fazia. Às vezes eram fantasmas, outras vezes monstros. Já me encontrei até com bandidos, organizações criminosas e desastres naturais. Para ser justo, também me meti em problemas enquanto estava de férias e por aí vai, mas a taxa de incidentes aumentava bastante durante as missões de escolta.
Eu sabia das minhas fraquezas, e por isso não tinha vontade de aceitar missões de escolta e sempre fazia questão de nunca aceitá-las. Claro, eu estava acostumado a encontros quase fatais, mas a maioria das pessoas não podia dizer o mesmo. Então, para ser claro: era para o bem do cliente que eu recusava esse tipo de missão.
Dessa vez, no entanto, eu estava sendo feito de refém pelo Tapete Voador. Minha única rota de fuga tinha sido cortada e eu tinha uma missão de escolta pela frente. Depois de pensar um pouco, decidi reunir meus amigos. Sempre discutimos as coisas entre nós à medida que íamos avançando. Eu não pude conversar com eles enquanto estavam naquele cofre de tesouro, então essa foi a primeira vez em muito tempo que pude consultá-los.
Então nos reunimos na sala de reuniões da casa do clã. Todos nós nos sentamos em cadeiras ao redor de uma mesa no centro da sala.
Tínhamos um homem que era um dos maiores Espadachins da capital imperial e aprendiz do Santo da Espada — Luke Sykol, a Espada Proteana.
A Ladina que se movia mais rápido que sua própria sombra — Liz Smart, a Sombra Sufocada.
Nossa prodigiosa Alquimista, que era tanto a mente do nosso grupo quanto responsável pelos nossos recursos — Sitri Smart.
A tábua de salvação do grupo, o renomado Paladino que nos protegia e curava — Ansem Smart.
A garota que podia usar todo tipo de magia e carregava minhas Relíquias para mim. Essa era a Lucia.
E nossos convidados (que por algum motivo estavam conosco), Tino e Eva.
Eu bati as palmas e disse, —Então, é hora de começar a trigésima quinta Conferência dos Grieving Souls!
Luke e Liz explodiram em aplausos excessivos.
—WOOO! YEAAAH!
—WOO WOO! KRAI BABY É O MELHOR!
—Uh, Mestre é um deus! — Tino acrescentou freneticamente.
—Eliza mais uma vez sumiu,— Luke comentou.
—Mmm, eu a vi ontem, mas a Ellie é um espírito livre,— Liz disse, inclinando a cabeça e cruzando as pernas.
Nada estranho nisso. Uma das condições de Eliza para entrar nos Grieving Souls era que respeitássemos sua liberdade. Já tinha dado os souvenirs que comprei para ela e parecia estar tudo bem, então não me preocupava.
Sitri então assumiu o papel de anfitriã, como sempre fazia.
—A reunião de hoje está sendo realizada para discutir a missão, ‘Defesa de Sua Majestade Imperial’, que foi emitida após o recente Encontro da Lâmina Branca. Como todos sabem, uma vez por ano, o imperador do Império Zebrudiano se encontra com os líderes de outros países vizinhos. Essa tarefa já foi confiada à Ordem Zero, mas este ano pediram a ajuda dos Mil Truques.
Tino levantou uma mão tímida. Havia círculos escuros sob seus olhos, quase como se ela não tivesse dormido muito na noite passada.
—Hã? Hum, por que ele foi escolhido? Afinal, o veneno—
Eu não entendi o que estava acontecendo, mas Eva fez uma tosse e explicou.
—Esse assunto será deixado de lado. Provavelmente será interpretado como parte da armadilha de Krai.
Tino parecia chocada, então começou a murmurar como um brinquedo quebrado, —Mestre é um deus, Mestre é um deus…
Quando foi que o envenenamento passou a ser relacionado a mim?
Respirei fundo e me acalmei. —O ponto é, essa missão é algo que precisamos realizar.”
—Ooh, Krai está pronto!— Luke disse. —Proteger o imperador, hein? Mal posso esperar! Ouvi dizer que ele é um Espadachim!
—Bem, estamos lidando com aquele Raposo, afinal,— Lucia respondeu.
—Hã?! Isso é grande,— Liz disse. —Hm, faz sentido. Aquele cara no Encontro estava com uma máscara de raposo. Isso torna tudo muito mais simples. Sempre quis me enfrentar com eles.
Ansem grunhiu em concordância.
—Mestre está pronto para ir…— Tino murmurou.
Pelas reações, eles (sem incluir Tino) não estavam tão preocupados em lidar com o pior fantasma que existia. Era reconfortante, mas eu só esperava que não estivessem forçando a barra. Eu não estava muito entusiasmado com a missão de escolta, mas confiava nos meus amigos. Se eles estivessem por perto, o imperador estaria bem. E se eu conseguisse sair de cena, tudo ia sair perfeito.
Mas eu conseguiria sair disso?
—Ah,— Sitri disse, olhando para o briefing da missão. — Há um limite de quantos de nós podem ir. Não podemos formar um time maior que cinco pessoas.
Liz ficou em silêncio. Luke começou a contar.
—Hmm, entendi,— eu disse, acenando com a cabeça. —Então eles querem todos, exceto Eliza e eu. Uma jogada inteligente.
—Krai, por favor, pare de brincar!— Eva disse.
Mas eu não estava brincando.
—Hmm, então alguém vai ter que ficar de fora.— Liz cruzou novamente as pernas e olhou para mim. —Krai Baby, por que você não decide quem vai junto?”
—Eu concordo. Vou respeitar sua decisão, não importa o que!— Luke disse.
Uma resposta estranhamente madura desses dois.
— Isso parece a melhor maneira de garantir que tudo corra bem — concordou Sitri calmamente. — Afinal, meu trabalho é aquisição de materiais.
Hmm, quem escolher?
Para começar, Luke e Liz eram perigosos demais, então estavam fora. Se Liz estava fora, então eu não poderia trazer Sitri sem criar uma confusão. Que dilema. Pensei nisso por um minuto antes de assentir para mim mesmo.
— Certo. Será Ark, Eva, Lucia e eu.
Eva me olhou com os olhos arregalados.
— Hã?! Krai, eu não sou uma caçadora!
Ela não tinha com o que se preocupar; enquanto tivéssemos Ark, estaríamos bem. Lucia estaria ali apenas para carregar minhas Relíquias.
— Krai querido, ainda tem mais uma vaga — disse Liz com uma voz doce.
— Ah, bom, então acho que Tino serve.
— Hã?! — Tino parecia completamente perplexa.
— Eu não posso aceitar isso, Krai! — Luke gritou, levantando-se. — Os escoltas deveriam ser escolhidos por mérito!
— Concordo! — disse Liz. — Krai querido está tentando ser bonzinho escolhendo os mais fracos!
— Bem, então talvez devêssemos realizar um torneio, não, um battle royale para decidir! — declarou Sitri.
Ansem grunhiu em concordância. Todos estavam prontos para entrar em ação.
Lucia suspirou pesadamente e interveio.
— Acalmem-se, pessoal. Essa é uma decisão do nosso líder. Vocês não deviam fazer escândalo só porque não foram…
— Você só está de boa porque foi escolhida, Srta. Complexo de Irmão! — rebateu Sitri. — Krai, só para você saber, Lucia ficou rodopiando na frente do espelho com seu vestido de avental! Eu a ouvi se perguntando se você a elogiaria!
— H-Haaah?! Eu nunca fiz isso!
Luke desembainhou sua espada e começou a brandi-la, Liz chutou a mesa, Sitri começou a jogar poções, e Lucia avançou contra Sitri. O sangue sumiu do rosto de Eva e ouvi Tino gritar. Me escondendo atrás de Ansem, peguei as duas comigo e fugi da sala.
Eu devia saber que isso era uma péssima ideia. Pensando bem, eu deveria ter percebido isso antes de decidir fazer uma reunião. Todos no nosso grupo se davam bem, mas ao mesmo tempo, eram muito competitivos. Algo assim era inevitável. Provavelmente eu poderia escapar sem escolher ninguém, mas se escolhesse um, teria que levar todos, quase como se fossem crianças.
De qualquer forma, embora o limite de membros fosse um incômodo, trazer os membros menos cooperativos seria brincar com fogo. Os outros talvez estivessem bem, mas eu não achava que conseguiria manter nossos bárbaros residentes, Liz e Luke, sob controle. Eliza, por outro lado, era livre demais. Provavelmente pegaria um lagarto ou algo assim e o ofereceria ao imperador.
— Imagino que o limite de membros seja para manter uma proporção adequada entre ladinos, nobres e a guarda imperial — disse Eva. — O império e a guarda imperial precisam manter suas aparências. Na verdade, você e seu grupo provavelmente serão secundários à guarda imperial.
— Mestre, isso é, hum, demais para mim. Você estava brincando, certo?
Não se preocupe, isso foi uma brincadeira. Uma pegadinha até. Se eu levasse você e deixasse Liz para trás, seus dias estariam contados.
Mas Eva tinha razão. Seríamos secundários à guarda imperial, nada mais. Fazia todo sentido. Comecei a pensar que estava deixando meus nervos tomarem conta de mim. E então tive uma revelação. Um sorriso se formou no meu rosto antes mesmo que eu percebesse.
Primeiros Passos era um clã gigantesco e tinha muitos contatos. Eu podia ser um covarde, mas era o de nível mais alto da minha idade e o líder de um grupo famoso. Eu tinha conexões especialmente boas entre os ladinos; podia simplesmente reunir cinco que fossem fortes, de nível alto e confiáveis. Ladinos geralmente eram orgulhosos demais para recusar uma missão do imperador. E na improvável—extremamente improvável—eventualidade de o imperador ser assassinado, a culpa seria dividida entre todos nós.
Eu montaria o time dos sonhos; chamaria de “Operação Mil Estrelas Parede Espaguete.” Naturalmente, Ark estaria incluído.
Cara, estou pegando fogo hoje, pensei, começando a realmente me divertir.
— O-O que você está sorrindo aí? — perguntou Eva.
Eu também colocaria Gark no time. Ele já tinha sido um ladino e eu tinha certeza de que ainda era forte e confiável. Ele sempre empurrava missões para mim, mas agora eu tinha a chance de devolver o favor. Se eu não conseguisse sair dessa encrenca, então levaria ele e Ark comigo. Eu mostraria a eles a astúcia preter-humana que todo mundo adorava espalhar boatos sobre.
***
Os ombros de Gark estremeceram e ele fez sua cara mais assustadora até agora ao bater a mão na mesa.
— Krai, você está escoltando o imperador! Pense de verdade em quem vai levar com você! Ouça, falhar não é uma opção aqui. O trabalho que fizer aqui afetará diretamente o futuro da caça ao tesouro em Zebrudia.
— Sim, senhor.
— Eu já me aposentei da caça e não tenho mais material de mana! Talvez você esteja tentando ser legal, mas pense seriamente nisso. Você realmente acha que eu sirvo para esse trabalho?
Eu não estava tentando ser legal, só queria transformar isso no problema dele também. Mas ele não estava caindo nessa. Mas, se ele não servia para esse trabalho, então como eu poderia servir?
Cruzei os braços e fingi pensar, mas não consegui me acalmar com Gark respirando tão pesadamente. Minha única salvação foi o sorriso acolhedor de Kaina.
— É isso. — Estalei os dedos. — Kaina, você está dentro! Por favor, ajude-nos a proteger o imperador!
— Hã?!
Que ideia brilhante. Um curandeiro era essencial para uma missão de escolta, e eu sempre achei que Kaina era extraordinária nesse trabalho.
— Pare de brincar! — Gark gritou com uma voz trovejante. — Isso envolve o imperador! Você não tem noção de limites?!
Ele então me expulsou do escritório, se você pode acreditar nisso. Ele sempre jogava trabalho em cima de mim (não que eu sempre fosse o único a fazê-los), mas recusou na hora quando pedi ajuda. Parece que eu estava completamente errado sobre esse homem.
Kaina, com um sorriso meio sem jeito, me acompanhou para fora do escritório e me entregou uma lista.
— Sinto muito, Krai, ele não tem nada contra você. Esta é uma lista de todos os caçadores de alto nível registrados na filial da capital imperial da Associação dos Exploradores. Talvez isso seja útil para você.
— Ah, valeu mesmo. Para falar a verdade, eu estava falando sério quando o convidei.
Me senti um pouco melhor e admiti para mim mesmo que talvez trazer Kaina não tenha sido a melhor ideia. Mas agora o lugar do Gark no time estava vago e eu precisava preencher essa vaga. Olhei a lista e vi vários nomes conhecidos, incluindo todo o pessoal dos Grieving Souls.
Tem muitos caçadores de alto nível na capital imperial…
Então, um nome chamou minha atenção. Era um caçador de nível 6 com um nome bem peculiar. Não era um conhecido meu e eu não o reconhecia. Com quatro vagas ainda abertas, achei que esse sujeito poderia preencher a primeira. Em momentos como esse, o que importava era manter o ritmo.
— Kaina, você pode entrar em contato com esse tal de Kechachakka?
— Ah, claro.
Kaina parecia surpresa. Acho que não esperava que eu tomasse uma decisão tão rápido.
Durante missões de escolta, era importante que o grupo tivesse poder de fogo em área o suficiente para lidar com grandes hordas de inimigos. A possibilidade de ser cercado por monstros tornava os Magos indispensáveis nesses trabalhos. Eu não estava muito empolgado com meu próximo destino, mas não havia muitos outros lugares onde eu poderia encontrar um Magus poderoso que não fosse a Lucia.
Minha próxima parada era a sede do clã de Magos, Maldição Oculta. Afinal, a Inferno Abissal era cúmplice dessa confusão. Se eu não a convidasse, isso poderia causar problemas depois.
Diferente da casa-clã da Primeiros Passos, a Maldição Oculta ficava em uma mansão antiga. O prédio histórico abrigava o clã desde sua fundação. Ele tinha sido reformado várias vezes ao longo dos anos, combinando aparência e funcionalidade.
Eu estava prestes a dar meu primeiro e corajoso passo para dentro quando um jovem familiar, de olhos frios, saiu.
— Ah, Krai. O que te traz aqui? — perguntou ele.
— E aí, Arty! Como tem passado? — respondi.
Tentei ser amigável, mas ele apenas recuou envergonhado.
— Err, esse é um apelido que só a Mary usa. Pode me chamar de Art?
Achei que Arty era um nome legal. Se eu tivesse uma vaga sobrando, teria feito dele parte do macarrão de parede.
— Estou aqui para ver a Inferno Abissal — disse. — Ela está por aí? Se não, gostaria de deixar um recado para ela…
Aquela mulher costumava estar bem ocupada. Deus, eu torcia para que ela estivesse fora. Se ao menos tentasse entrar em contato com ela, ela não me incineraria por ser rude e não perguntar pessoalmente. Mas minhas preces foram em vão—Arty abriu a porta para mim na mesma hora.
— Perfeito, — disse ele. — Eu estava falando com ela agora há pouco. Pode entrar.
O escritório da mestre do clã Maldição Oculta parecia uma sala de recepção que você encontraria na mansão de um nobre. Havia um tapete grosso e uma luminária antiga. As paredes eram cobertas por estantes abarrotadas de livros e retratos dos mestres do clã anteriores. A atual mestre, por outro lado, ainda parecia uma bruxa saída de um conto de fadas. Uma bruxa má, no caso. Ela podia ser magricela, mas sua altura a tornava intimidadora.
Estendi meu convite para Rosemary Purapos, a Inferno Abissal, e ela sorriu para mim.
— Hee hee hee. Fico honrada que me considere digna de tamanha gentileza, Mil Truques.
Eu não sabia muito bem o que responder.
— Mas, como deve saber — continuou ela — o império colocou um grilhão no meu tornozelo; não posso sair da capital imperial. Além disso, ainda preciso limpar a bagunça que sobrou da nossa batalha contra a Torre Akáshica, e disseram que sou necessária para proteger a capital.
— E-eu entendo. Não fazia ideia.
Mas fazia sentido. Não dava para encobrir os danos que ela causou ao Castelo Imperial e, mesmo que fosse uma emergência, não tinha como aquilo passar sem punição. Isso provavelmente explicava por que a missão de escolta não tinha sido dada a ela.
— Isso me lembra. Nunca tive a oportunidade de agradecer — disse ela. — Queria ter dito no Encontro, mas a oportunidade escapou.
— Agradecer pelo quê? — perguntei.
— Não se faça de desentendido. Foi você que esgotou meu elemental de fogo, não foi? E o elemental de raio deles também?
Eu realmente não entendia onde ela queria chegar.
— Não sei como soube onde encontrá-los — continuou ela, os olhos brilhando — mas a capital teria sofrido bem mais se não fosse pela sua interferência.
— Ah, certo.
Ouvi dizer que, durante nossas férias, um elemental de fogo e um de raio haviam lutado na capital imperial, mas o que isso tinha a ver comigo recebendo agradecimentos? Eu nem sequer tinha encontrado o elemental de raio.
Percebi que a Inferno Abissal estava me olhando como se pudesse me carbonizar a qualquer momento, então esfreguei meus Anéis de Segurança e respirei fundo. Eles me protegeriam contra ataques mágicos, mas feitiços de fogo tinham muitos efeitos colaterais. Se o oxigênio do ambiente acabasse, eu poderia morrer, então tinha um Anel de Oxigênio. Também poderia morrer pelo calor, então usava um Anel de Resfriamento. Mas, dito isso, as barreiras dos meus Anéis de Segurança não extinguiam chamas, então, se algum incêndio durasse mais que a proteção deles, eu ainda poderia virar churrasco.
Mas, mais importante que isso, agora eu tinha mais uma vaga livre no meu grupo.
— Se me permite, CM — disse Arty —, a Maldição Oculta é um clã com mais de alguns Magos adequados para essa tarefa tão honrada.
— Hmph, bem, isso cabe ao Mil Truques decidir. Hmm, por que você não vai, Artbaran? Já que tocou no assunto. Se Mary for junto, tenho certeza de que ficará tudo bem.
Mary. Mary, hein?
Essa era a garota que estava com Arty no café. Os dois pareciam bem jovens, mas eu não ia duvidar da opinião do Inferno Abissal.
Arty foi completamente pego de surpresa com a sugestão.
— Tenho confiança de que, juntos, Mary e eu poderíamos lidar com praticamente qualquer situação. No entanto, se o convite foi para você, isso não significa que há apenas uma vaga disponível?
— É mesmo? — perguntou o Inferno Abissal, olhando para mim.
Eu vim aqui com a intenção de preencher uma vaga, mas não ia recuar diante da ideia de preencher duas. Assenti e decidi tentar colocá-los em dívida comigo.
— Ah, eu dou um jeito — disse eu. — Se os dois formam uma boa dupla, encaixo Arty e Mary em uma só vaga. O que acha?
O Inferno Abissal mergulhou em silêncio. Arty me olhava de olhos arregalados. Eu conseguiria fazer isso funcionar? Talvez não? Mas, no fim das contas, não importava muito, já que todas as vagas ainda não tinham sido preenchidas.
De repente, o Inferno Abissal caiu na gargalhada. Os móveis no cômodo tremeram, e eu também.
— Muito bem dito, Mil Truques! Então você acha que nossa Mary e Artbaran juntos valem meio guerreiro cada?
— Não, não é isso—
— Mas você tem um ponto, e não dá para negar. Vamos esquecer a ideia de enviar Artbaran.
A conversa seguia sem o meu controle. Arty parecia um cara legal, e eu não teria problema em trazê-lo, mas era impossível argumentar com alguém como o Inferno Abissal.
— Estamos bem ocupados aqui — ela trovejou, batendo seu cajado no chão. — Vou enviar o vice-mestre do clã, Telm Apoclys. Você o conhece, não? Ele é um Mago de Nível 7. Alguma objeção?
Eu conhecia o nome, mas nunca o tinha encontrado. Não conseguiria apontá-lo em uma multidão. Mas, claramente, não estava em posição de discutir, então apenas assenti como um fantoche.
Depois das minhas experiências de quase morte com Gark e o Inferno Abissal, voltei para a sede do clã. Tudo o que restava era recrutar Ark. Entrei no salão e comecei a falar com o primeiro rosto familiar que vi.
— Hã? Ark não está aqui? — perguntei.
— Você não sabia? — Lyle respondeu. — Ele tem uma missão importante para cuidar e não vai voltar tão cedo.
Aquele almofadinha inútil. Parece que ele faz questão de sumir quando eu mais preciso dele.
Se eu ia estar cercado por rostos desconhecidos como Telm e Kechachakka, então precisava de um aliado forte como Ark para evitar que a missão virasse um pesadelo completo. Mas se ele estava inacessível, não havia nada que eu pudesse fazer. Ninguém podia substituir Ark. Muitos poderiam igualar sua força, mas ninguém era uma presença tão confiável quanto ele.
Afundei em uma cadeira próxima e cruzei os braços, tamborilando os dedos enquanto quebrava a cabeça. Eu tinha encontrado duas pessoas, restando ainda três vagas para preencher. Três. Que número bonito.
— Talvez reunir o velho time do espaguete na parede? — murmurei. — Mas isso deixaria Tino de fora.
— O-O que você está pensando, CM? — Lyle perguntou.
Eu estava cansado. Visitar aqueles dois lugares tinha me esgotado. Comecei a ficar apático. Afinal, éramos apenas um seguro extra, e havia a possibilidade de que nossa viagem fosse milagrosamente tranquila. Mesmo que algo acontecesse, a guarda imperial provavelmente daria conta do recado.
— Por que você não vem, Lyle? Estamos protegendo o imperador.
Lyle quase engasgou com sua bebida.
— I-Inferno que não! E não me jogue isso como se fosse um passeio qualquer!
Talvez proteger o imperador não fosse tão prestigioso assim? Olhei ao redor do salão, e todos balançaram a cabeça para mim. Será que esses membros do clã não tinham nenhuma fé no CM deles?
Que enrascada. Eu estaria em sérios apuros se não conseguisse montar um time. Já nem me importava mais com quem, só precisava preencher as vagas. Mas então, meus pensamentos foram interrompidos por uma voz aguda.
— Ah, franguinho humano!
O Primeiro Passo tinha duas equipes problemáticas. Uma era a minha — Grieving Souls. A outra era a Starlight, uma equipe composta exclusivamente por Espíritos Nobres, uma raça naturalmente inclinada a menosprezar humanos. Eles nos causavam problemas sempre que podiam.
A dona da voz era uma de suas integrantes, Kris Argent. Atrás dela estava o líder da equipe, Lapis Fulgor.
— Os rumores chegaram até mim. Hmph. Parece que você está se saindo bem — disse Lapis.
— Você cutucou outro vespeiro! Senhor! A vida é muito injusta se alguém como você ainda está respirando! — Kris disse.
Com poucas exceções, os Espíritos Nobres eram, em geral, Magos excepcionais. A Starlight era uma das equipes de Magos de elite da capital imperial. Suas personalidades eram como eram, mas eles não eram más pessoas, e, como eu não tinha orgulho, interagir com eles era fácil. Sem falar que os Espíritos Nobres respeitavam humanos que se destacavam na magia, e, por ser irmão da Lucia, eles pegavam leve comigo.
Agora, eu realmente não achava que um Espírito Nobre se comportaria diante do imperador, mas talvez tudo ficasse bem. Talvez o imperador apenas desse de ombros e dissesse: “Bem, eles são assim mesmo.” Além disso, Espíritos Nobres chamavam atenção; se eu levasse um junto, ele atrairia todo o aggro.
Vendo que aqueles dois raramente vinham ao salão, só me restava interpretar isso como um sinal dos deuses.
Os ingredientes escolhidos para este prato de espaguete na parede estavam se juntando. Voltei para o meu quarto, forçando-me a ficar animado com isso.
Primeiro, o recomendado pela Associação dos Exploradores e cujo nome esquisito me agradou — Kechachakka Munk! Classe: desconhecida!
Em seguida, tínhamos o vice-líder do clã Maldição Oculta, o assassino enviado pelo Inferno Abissal — Telm Apoclys!
Em terceiro lugar, a favorita da líder da Starlight, Lapis Fulgor… — Kris Argent! Lapis sempre dizia para ela não usar linguagem grosseira! E ela só estava aqui por ordem de Lapis!
Eu precisava de um grupo de cinco, então ainda restavam duas vagas. Dei a essa minha grande responsabilidade um pensamento sério. Kechachakka era “amargor”, Telm era “picância” e Kris era “doçura”. Assim que eu tivesse minha “acidez” e “salgado” (não pergunte), teria os cinco sabores básicos e estaria pronto. Talvez Kris pudesse ser a acidez e alguém mais ficasse com a doçura. O que eu mais precisava era de alguém que pudesse liderar bem o grupo.
A escolha óbvia entre as equipes da Primeiros Passos era a Obsidian Cross, mas Sven era um homem ocupado. Se eu não o encontrasse treinando ou no lounge, havia uma boa chance de que não o encontraria de jeito nenhum.
Essa era difícil. Eu precisava de mais duas pessoas. Talvez eu pudesse preencher uma vaga com Carpet?
Enquanto eu quebrava a cabeça com essa questão, Sitri entrou no lounge com um ar animado.
— Krai, como vai a seleção? — perguntou ela.
— Já tenho três pessoas. Estou pensando, pensando, mas não consigo encontrar mais opções. Você está bem depois daquela reunião?
— Ah, sim. Depois que você saiu, discutimos e decidimos que nenhum de nós participaria dessa missão! Não seria justo só um de nós se divertir!
— Se divertir?
Fomos criados na mesma cidade e tivemos criações parecidas, então como acabamos tão diferentes?
Sitri deu a volta e me abraçou por trás.
— Po-rém, achei que você poderia precisar de uma ajudinha. Então trouxe um possível membro para sua equipe.
— Hm?
Sitri chamou alegremente em direção à porta. Ela se abriu, e uma figura de dois metros de altura, completamente coberta de armadura, entrou. Vertical e horizontalmente, tinha a silhueta de um Guerreiro Pesado. Seu rosto estava oculto pela viseira do capacete, e a armadura era de um incomum marrom queimado.
Ele marchou até mim e ficou parado, braços ao lado do corpo. Eu realmente não sabia o que deveria dizer.
— Este é Sir Matadinho Versão Alpha, meu novo amigo — disse Sitri, ainda abraçada a mim.
— Esse é mesmo o nome dele?
Gostaria de conhecer os pais dele.
Sitri apenas riu e disse:
— Aqui está o controle.
Ela me entregou uma caixa com um joystick, quatro botões grandes e um pequeno. Movi o joystick para frente, e Sir Matadinho avançou. Continuou movendo as pernas mesmo depois de esbarrar na mesa.
Deveria me preocupar?
Sitri percebeu minha hesitação e explicou o que cada botão fazia.
— Este botão ordena que ele ataque, este para defender, este é para correr e este aqui é para dançar. O joystick controla o movimento.
Reconheci a expressão no rosto dela, aquela que surgia sempre que conseguia um novo brinquedo. Toda vez que Sitri aprendia algo novo ou conseguia um item inusitado, ela sempre vinha me mostrar.
Eu queria dizer muita coisa, mas me limitei a perguntar sobre os controles.
— Não deveria ter mais botões?
— Achei que eram botões demais. Por isso tem um dedicado à dança. Ah, e esse botão pequeno ativa o Modo de Ação Autônoma.
Se isso existia, então por que eu precisava do controle?
— Sir Matadinho não vai te decepcionar, então, por favor, inclua-o no seu time! Eu não vou me importar nem se você o sacrificar! — A voz de Sitri transbordava paixão e confiança.
Então isso definitivamente não era um humano. Era um golem, certo? Como sempre, nossa Alquimista local era extraordinária.
Se Sitri estava tão confiante, então ele provavelmente seria um bom recurso. Eu não sabia se um golem realmente contava como membro da equipe, mas decidi que isso preenchia mais uma vaga. Meu macarrão na parede cinco-estrelas estava um passo mais perto de ser completo.
— Certo — disse eu. — Obrigado, isso ajuda muito. Agora, só falta mais uma vaga…
— Hã, essa vaga não seria a sua?
— Hm?!
Meus olhos se arregalaram enquanto eu contava nos dedos. Kechachakka, Telm, Kris e Sir Matadinho somavam quatro. Se me incluíssem, seriam cinco. Eu tinha esquecido completamente da minha própria existência. Mas agora tive uma ideia brilhante: poderia fingir que escolhi cinco pessoas por engano e acabar ficando de fora. Franzi a testa e pensei seriamente nisso.
O quinto pode ser… acho que podemos ir com Tino. Não, pera, ela já foi arrastada para confusão demais ultimamente.
Nenhum dos meus escolhidos iniciais tinha acabado no time. Se Ark estivesse dentro, eu poderia ter trazido Tino, mas, enfim. Que outros conhecidos eu tinha? Talvez eu pudesse tentar visitar Arnold. Claro, ainda não estávamos nos melhores termos, mas um trabalho prestigiado como proteger o imperador deveria ser irresistível para um caçador de alto nível. Talvez isso não só resolvesse nossas diferenças como ainda o colocasse em dívida comigo?
Hee hee hee. Não só eu teria um problema a menos, como ele me devia um favor. Talvez eu seja mesmo um artífice preter-humano?
Enquanto eu contava meus ovos antes de chocarem, Sitri me soltou e bateu palmas.
— Ah, lembrei! Sir Matadinho é onívoro, então qualquer comida serve. Ele pode ficar um tempo sem comer, mas eu apreciaria se você pudesse alimentá-lo com carne crua. Só lembre-se de que ele foi treinado para comer onde ninguém possa ver.
— Hã?
E assim, o dia do destino chegou.
Eu estava sentado em uma sala na Associação dos Exploradores. Franz entrou, fez uma saudação breve e conferiu minha lista de membros da equipe.
— O que é isso? — ele perguntou, franzindo a testa. — Não vejo ninguém do seu grupo.
— É… aham.
— Telm da Contra Cascata e o Magus de Starlight são conhecidos o suficiente, mas nunca ouvi falar do nome Kechachakka Munk. E quem é esse tal de Sir Matadinho Versão Alpha?
Mais um “o quê” do que um “quem”. Queria poder te contar.
Mas olhe só para esse maravilhoso espaguete de parede. O nível médio aqui é muito mais alto do que o pessoal da Toca do Lobo Branco, então podemos chamá-lo com segurança de espaguete de parede cinco estrelas. Supliquei aos céus para que alguém me salvasse. Em algum momento, fiquei estranhamente empolgado com tudo isso (Arnold, aliás, recusou o convite).
— Calma — eu disse, levantando as mãos e esboçando um sorriso torto. — Essas pessoas são as melhores das melhores.
— Você tem três Magos, isso está terrivelmente desequilibrado. Deveria pelo menos ter trazido o Imutável! Eu entendo que a seleção de pessoal ficou a seu critério, mas eu não esperava uma bagunça dessas…
Meus ouvidos estavam doendo. Franz tinha razão sobre o nosso equilíbrio, mas eu não sabia que Kechachakka era um Magus. Ok, talvez eu não devesse ter convidado um total desconhecido para ajudar a proteger o imperador, mas eu não tinha opções melhores!
— Se foi você quem os escolheu, posso presumir que não são Raposas?
— Sem dúvidas quanto a isso. Eles são seguros.
O fantasma que eu conhecia era extraordinário demais para ser ignorado, mesmo por alguém tão cego quanto eu. Eu jamais o identificaria errado.
— Pare com essa ladainha! Senhor! — Kris, minha proteção pessoal, gritou com uma voz firme. — Enquanto eu estiver aqui, nada pode dar errado! Considere seu trabalho como concluído!
Sendo capitão da guarda imperial, Franz sem dúvida era um nobre de alta patente, mas Kris falava com ele sem o menor resquício de formalidade. Os Espíritos Nobres nasciam com proficiência mágica natural, boa aparência e já foram emissários dos deuses. Talvez fosse natural que não se importassem com as hierarquias dos humanos.
Kris bateu a mão na mesa como uma criança, mas sua beleza tornava a cena estranhamente adorável. Os bonitos realmente têm vida fácil, pensei enquanto observava em silêncio. Até Franz parecia incapaz de repreendê-la.
— Não se engane! Senhor! Esse homem pode até ser o imperador, mas isso não significa nada para os Espíritos Nobres! Eu estou ajudando porque não posso recusar um pedido da Lapis! Senhor!
Caso esteja se perguntando, a fala estranha da Kris era porque ela não estava acostumada a falar educadamente. Mesmo quando nos conhecemos, ela não teve medo de dizer o que pensava, e geralmente era uma tempestade de insultos. Como eu era tecnicamente o mestre do clã, Lapis vivia gritando com ela para falar direito, e isso levou ao seu padrão de fala atual. Parecia que ela achava que adicionar “Senhor” aqui e ali era o suficiente para soar educada.
— Ela é a Cavalgadora de Tapetes — disse eu, sorrindo.
— Não se ache, humano fraco! Só estou aqui porque a Lucia pediu! Senhor!
— É… aham.
— Nós só estamos no seu clã porque você disse que entregaria a Lucia para nós! Senhor! Pare de nos enrolar! Por quanto tempo acha que pode continuar com isso?!
— É… aham.
Tão animada como sempre. Era um mistério como ela gritava tanto sem ficar rouca.
É claro que nunca prometemos entregar a Lucia. Quando estávamos negociando com Starlight, Sitri cedeu a eles o direito de recrutar a Lucia. No entanto, os membros dos Grieving Souls têm total liberdade para entrar e sair. Ou seja, para ser bem claro: Starlight foi enganada. Mas eles jamais admitiriam isso.
— Estou oferecendo minha ajuda e isso já é mais do que suficiente! Senhor! Sua fraqueza nunca deixa de me surpreender, então apenas fique fora do meu caminho!
— Eu não preciso ir? Sério? É o meu dia de sorte! — eu disse, surpreso.
— Não me provoque! Senhor! — Kris bateu a mão na mesa, levantou-se e apontou o dedo para mim. — Você pretende me fazer trabalhar enquanto fica aí de braços cruzados? Me dá um tempo! Ao menos finja que merece seu nível 8! Senhor!
— Calma, calma. Sua garganta deve estar seca. Aqui, pode pegar meu chá.
Eu estendi minha xícara de chá, e ela a arrancou da minha mão, ainda bufando de raiva.
Kris era nível 3. Não lhe faltava talento, mas seu hábito de discutir com os clientes das missões a impedia de avançar. Para lidar bem com Espíritos Nobres era necessário um coração generoso (como o Ark) ou uma completa falta de orgulho (como eu). No entanto, pensando bem, escolher a Kris talvez tivesse sido um pouco ousado demais.
Percebi que Franz estava completamente sem palavras.
— Ela é a escolha perfeita — eu disse, tentando desesperadamente parecer no controle. — Tenho certeza de que Sua Majestade Imperial não terá do que reclamar. E se alguém do meu grupo não for do seu agrado, pode encontrar outra pessoa para fazer esse trabalho.
E assim consegui escapar com a minha seleção de equipe.
Que tipo de trabalho eles achavam que era esse? É… aham. Ainda assim, de alguma forma, a culpa era toda minha. A única coisa que me restava agora era tirar o melhor proveito da situação.
— Krai, aqui está o arquivo que você pediu — disse Eva. — Com o tempo que tive, reuni as informações que já tínhamos arquivadas.
— Ah, valeu. Te devo uma.
Enquanto eu resistia à vontade de vomitar, Eva trabalhava como sempre. O que ela fez foi uma lista de todos os Ladinos notáveis entre aqui e nosso destino.
A conferência estava sendo realizada no país de Toweyezant—uma nação situada no centro de um vasto deserto. Comparado a Zebrudia, era incrivelmente rústico; grande parte da nossa viagem nem sequer seria em estradas de verdade.
Todo ano, o papel de sediar a conferência rodava entre os países participantes. A localização deste ano proporcionava uma excelente oportunidade para aqueles que tinham planos contra o imperador. Eu realmente não achava que as defesas do império significariam algo diante daquela raposa, mas quem sabia o que se passava na mente dos espectros?
Meus olhos se arregalaram como pires — a lista era muito mais curta do que eu havia antecipado. Mas eu não ia me deixar levar pela complacência.
— Acho que você não tem muito com o que se preocupar — disse Eva. — Considerando sua agenda e o fato de que é com o imperador que você vai viajar, provavelmente seguirão pelo ar em parte do caminho. O imperador e sua comitiva já usaram aeronaves em viagens longas antes.
— Pode haver piratas do céu.
— Não. Não vai! Do que você está falando? ‘Piratas do céu’?
Era bem sensato que o imperador não quisesse atravessar o deserto a pé, mas voar em um veículo? O homem tinha um desejo de morte? Terra e mar estavam repletos de perigos, e o céu não era exceção. Humanos não podiam voar por conta própria, mas vários monstros podiam.
Meus Anéis de Segurança me protegeriam caso caíssemos, mas ainda assim achei que poderia ser esperto tentar fazer amizade com o Tapete Delinquente (como eu gostava de chamá-lo). Talvez o imperador tenha me dado o Tapete exatamente por esse motivo? A Ordem Zero conseguiria lutar no céu? E quanto a mim? Eu não conseguia lutar em terra, mar ou ar.
Apenas para garantir, comecei a andar de um lado para o outro, segurando a cabeça e resmungando. — Não. Pode haver bandidos, pode haver monstros, pode surgir uma câmara do tesouro, pode acontecer um desastre natural. Eva, eu posso estar em sério perigo.
— De onde está vindo isso?! Você sempre está tão relaxado.
— Eu só pensei que, se eu disser agora, talvez não aconteça de verdade.
— Ah, foi mesmo?
Não me orgulho disso, mas nunca fiz uma previsão correta em toda a minha vida. Essas previsões sombrias eram minha forma de rezar por boa sorte. Dessa forma, mesmo que nos deparássemos com algo, não seriam bandidos, monstros ou uma câmara do tesouro. Eu poderia aceitar isso.
Deixei a maioria dos preparativos para Sitri. A única coisa que restava para eu fazer era escolher cuidadosamente quais Relíquias levar para estar preparado para qualquer coisa. O combate poderia ser deixado para os cavaleiros e meus caçadores. Meu trabalho era apenas ficar de olho nos companheiros que trouxe comigo, mas todos eram veteranos de alto nível, então não estava particularmente preocupado.
***
— Vamos começar a trigésima quinta e meia Conferência Grieving Souls! Nosso próximo campo de operações será o céu e o deserto!
Todos os membros de Grieving Souls estavam reunidos em uma das salas de reunião da casa do clã, exceto Krai e Eliza. Diante de um quadro-negro coberto de documentos, estava a facilitadora de sempre, Sitri.
— Pode vir! O céu! O deserto! Dragões de areia! — gritou Luke, seus olhos brilhando.
— Krai Baby é um verdadeiro ocupado — disse Liz, jogando os pés sobre a mesa. — Ele precisa tirar um descanso. Não está se dando tempo nenhum para treinar. Eu quero sair para um encontro, mesmo que seja no céu, no deserto, ou onde for!
Ansem resmungou.
— Nosso objetivo é dar suporte ao Krai durante sua próxima missão de proteger o imperador! — continuou Sitri. — Se tudo correr bem, ele pode até subir de nível. Vamos não cometer erros!
— Honestamente — murmurou Lucia —, só porque você não foi escolhida…
— Lucy, somos todos um time! Ninguém fica para trás! — Sitri a interrompeu com um sorriso. — Toweyezant fica extremamente quente durante o dia, mas isso não é problema. Aquele vulcão nos deu muitas oportunidades de reforçar nossa resistência ao calor. A temperatura da noite não será problema também, então nossa principal preocupação é o céu. Veja bem, normalmente não há aeronaves indo para Toweyezant. Em outras palavras, não é o tipo de lugar que tem tráfego aéreo regular.
— O céu! Nem eu nunca cortei um monstro do céu!
— Acalme-se, Luke — disse Liz a ele. — Lucy deve conseguir lidar com o céu. Vamos nos infiltrar na aeronave?
— Ao contrário da Reunião da Lâmina Branca, infiltrar-se na aeronave não será possível. Sem dúvida, não deixarão ninguém entrar sem a devida identificação — disse Lucia pensativa. Lucia era uma Maga poderosa, mas a magia não era onipotente, e todos os Magos tinham pontos fortes e fracos.
Ela puxou um livro surrado e folheou suas páginas. — Fazer várias pessoas voarem pelo ar é difícil, para dizer o mínimo, ainda mais se tivermos que acompanhar o ritmo de uma aeronave — disse. — Talvez eu tenha que criar um novo feitiço… — Virou mais algumas páginas. — Ah, aqui está. Milagre Shinobi Número Cinco. Ninpo: Kuuton.
— Isso é daquele mangá antigo? — perguntou Luke. — Aquele em que você voa em uma pipa gigante?
— Exatamente. Nem mesmo uma tentativa mínima de originalidade.
Luke estava empolgado. — Voar numa pipa parece incrível. Imagine o Krai olhando pela janela e nos vendo ali, em cima de uma pipa.
Lucia não parecia nada satisfeita com essa imagem mental.
— Agora então! — Sitri interrompeu com uma batida de palmas. — De acordo com as regras do clã, vamos decidir por maioria de votos. Eliza está à deriva no mar da vida, então ela não vota. Temos três opções: deixar a Lucy fazer o seu melhor com uma pipa, tentar embarcar furtivamente na aeronave ou nos agarrarmos do lado de fora dela! Primeiro, quem quer voar com a Lucy?
— Tem certeza de que isso é uma votação justa? — Lucia protestou.
Ansem resmungou.
Depois disso, como sempre faziam, decidiram como prosseguir. Os Grieving Souls eram frequentemente vistos como um grupo imprudente, mas isso não poderia estar mais longe da verdade. A preparação prévia era essencial para superar dificuldades e, se seu histórico servisse de referência, eles estavam mais do que acostumados a enfrentar desafios.
— Krai escolheu quatro indivíduos: o famoso Magus da Água, Telm Apoclys, o Contra-Cascata; Kechachakka Munk, um Hex Magus e caçador de nível 6 recém-chegado à capital; o Kris, simplório e fácil de provocar; e, por último, minha invenção especial, Sir Matadinho Versão Alpha.
— Infelizmente, não tive tempo suficiente para investigar os antecedentes de Kechachakka ou dos outros recrutas. Nenhum deles é adequado para combate direto, então Sir Matadinho pode ser suficiente para proteger Krai, mas, se necessário, talvez Lucia possa provocar Kris para nos ajudar?
— Lá vem você de nooovo! — Liz gemeu. — Siddy, suas tentativas descaradas de marcar pontos com o Krai Baby não passam de uma dor de cabeça pra ele!
— O quê, eles não têm um Espadachim? — Luke disse. — E agora, o que eu vou cortar?
— Kechachakka. Hmm. Não sei por que nosso líder o escolheu, mas se o Contra-Cascata está no grupo, deve ficar tudo bem — Lucia comentou.
Sitri sorriu e ignorou casualmente os dois blocos de concreto enquanto se virava para Lucia, a única que ainda conseguia manter uma conversa.
— Como sempre, vou investigar que tipo de monstros podemos esperar. No entanto, talvez estejamos lidando com um inimigo diferente de tudo o que já enfrentamos. Procedam sob a suposição de que não temos nenhuma informação.
O clima na sala mudou. Lucia ficou com uma expressão séria. Ansem corrigiu sua postura.
Luke franziu a testa. — Então essa raposa de que todo mundo está falando é a Raposa de Treze Caudas que encontramos há um tempo? Naquela época, mal conseguíamos tocá-la, e depois de tanto tempo, ainda não sei se conseguiria cortá-la. Se ao menos eles fossem um Espadachim…
Para alguém normalmente tão impulsivo, essa foi uma avaliação bem ponderada.
— Sim, mas você está pensando em outra coisa completamente diferente — Liz disse com um suspiro. — Aquele fantasma não tem interesse nos assuntos humanos, lembra? O império está preocupado com a Fox, a organização criminosa.
— Hã? Tem outra Fox? — Luke perguntou, surpreso.
— Exato. Embora sejam um adversário preferível àquele de quem você está falando, ainda representam uma ameaça potencial ao império — Sitri explicou gentilmente. Ela estava bem ciente de como Luke podia ser absurdamente ignorante sobre qualquer coisa que não lhe interessasse. — Não se sabe muito sobre eles, mas seu perigo e sigilo são comparáveis aos da Serpente.
Os olhos de Luke se arregalaram, brilhando de empolgação conforme ele se inclinava para frente.
— O quê?! Comparáveis à Serpente? Ah, cara, mal posso esperar por isso.
Suas mãos tremiam de antecipação e ele sorriu nervoso.
— Eles são chamados de “Raposa Sombra de Nove Caudas”. Ou simplesmente “Fox” — Sitri o informou. — Seu objetivo é a destruição total da civilização. São uma sociedade secreta sobre a qual quase nada se sabe.
Não havia informações sobre sua estrutura de comando, membros, líderes ou qualquer coisa do tipo, mas dizia-se que, no passado, serviram como a agência de inteligência de um país que há muito desapareceu. Mesmo esse fato era envolto em mistério. A maioria dos países só havia tomado conhecimento da existência da Fox recentemente, provavelmente porque a própria organização queria que fosse assim.
E agora a Fox estava tentando prejudicar uma das maiores nações do mundo. O invasor na Reunião tinha sido uma demonstração de força. E também uma declaração de hostilidade.
— Entendi. Então acho que eles não têm caudas suficientes — Luke comentou.
Sitri riu.
— Segundo os rumores, o nome deles vem da raposa fantasmagórica que você mencionou há pouco. Dizem que o poder e a sabedoria daquela raposa aberrante lhe renderam seguidores devotos.
Os caçadores eram poderosos, mas não eram adequados para lutar em grandes grupos. Isso tornava a Fox um inimigo problemático. Eles eram sigilosos o suficiente para escapar das garras de várias nações e, ao que tudo indicava, também eram bem abastecidos com fundos e pessoal. Havia rumores de que tinham caçadores de alto nível em suas fileiras e que eram completamente implacáveis.
— A cautela do império é totalmente justificada — continuou Sitri. — Esta conferência que se aproxima é uma excelente oportunidade para alguém atacar. Se o imperador vive ou morre não é um problema nosso, mas temos que lutar se nosso oponente estiver tentando incriminar Krai.
Liz tirou as pernas da mesa e se levantou.
— Então, basicamente, só precisamos fazer o que sempre fazemos? Como sempre, temos vilões, não sabemos o que vai acontecer e o Krai Baby está aprontando alguma coisa. E, como sempre, podemos apenas seguir as instruções dele.
Caçadores raramente enfrentavam organizações criminosas. A menos que fossem do tipo que caçava recompensas, a maioria não tinha motivos para fazer inimigos entre os criminosos. Mas os Grieving Souls eram diferentes. Eles haviam sido atacados. Haviam contra-atacado. Haviam se vingado. Haviam feito de tudo para subir na hierarquia. Agora estavam tranquilos, sem nenhum motivo para sentir medo.
— Exato — disse Sitri com um sorriso. — Precisamos ter cautela, mas, como de costume, podemos seguir as instruções de Krai. Ele é nossa bússola, e esta é nossa chance de mostrar a ele do que somos capazes.
***
— Então o Mil Truques aceitou a missão, não foi?
— Sim, Vossa Majestade Imperial. No entanto, seu comportamento desafia qualquer compreensão. Não consigo deixar de me perguntar se realmente era necessário solicitar sua ajuda.
No interior do Castelo Imperial, situado no coração do próspero Império Zebrudian, ficava a sala do trono. Lá, Rodrick Atolm Zebrudia conversava com Franz, o capitão da guarda imperial. O assunto da conversa era a escalada de ações tanto da Raposa quanto do Mil Truques.
A situação era extremamente confusa. O olhar abatido de Franz não se devia apenas ao ataque da Raposa. Ele também não suportava nada do que o Mil Truques havia feito—nem a maneira rude com que interagiu com a princesa imperial, nem sua atitude despreocupada quando o imperador foi atacado, e muito menos sua total falta de respeito pelo prestigioso dever de proteger o soberano.
— Mesmo que fizesse parte de seus planos, plantar veneno no Encontro da Lâmina Branca foi um exagero — disse ele.
Franz não havia aprofundado a questão por causa do julgamento proferido pelas Lágrimas da Verdade. Ele havia visto Krai Andrey colocar a mão no orbe, e não havia como negar as palavras que saíram de sua boca. O resultado era indiscutível.
— No entanto, está bem claro que ele não é aliado da Raposa. Franz, o que você fez foi indiscutivelmente imprudente, mas aprecio sua lealdade. Graças a você, temos uma pessoa a menos sobre quem precisamos suspeitar.
Rodrick era um realista. Utilizar quaisquer meios necessários para atingir um objetivo o tornava um fracasso como imperador em certos aspectos, mas ele compensava isso com puro carisma. Alguém poderia abrir um buraco no Castelo Imperial ou plantar veneno no Encontro—o que lhe importava era apenas se os benefícios superavam os custos. E o Mil Truques havia deixado esses benefícios bem evidentes.
— Não podemos adiar a conferência em Toweyezant. Isso significaria que a intimidação da Raposa funcionou.
Mesmo após o ataque, essa sociedade secreta ainda conseguia escapar do alcance do império. Mas se o império demonstrasse hesitação, sua reputação perante as outras nações cairia.
— É só que o Mil Truques é a figura mais suspeita de todas — resmungou Franz.
— Que ironia a pessoa mais suspeita ser justamente aquela provada inocente — disse o imperador com uma risada. — A menos que seja exatamente por isso que você usou as Lágrimas?
Franz permaneceu em silêncio.
As Lágrimas da Verdade eram um pilar do império. Nunca haviam emitido um julgamento errôneo, e duvidar de sua confiabilidade era inaceitável—isso abriria precedentes para reexaminar todos os casos em que haviam sido usadas. Franz era calmo, perspicaz, e o uso da Relíquia provava sua lealdade.
No entanto, ele também era um homem direto. Se o Mil Truques realmente possuía a engenhosidade sobre-humana da qual falavam, então manipular Franz deveria ser uma tarefa simples para ele. Se fosse esse o caso, aceitar de bom grado o julgamento das Lágrimas da Verdade, o nêmesis de todos os conspiradores, era um ato extraordinariamente ousado.
O que Franz havia feito normalmente seria considerado um crime passível de execução. Se a notícia se espalhasse, ele, no mínimo, perderia sua posição—um destino pior que a morte para um Argman, uma família que servia a linhagem imperial desde a fundação do império.
Mas o Mil Truques não o denunciou. E ao incentivar pessoalmente o uso da Relíquia, salvou Franz e ainda encorajou o Inferno Abissal a fazer o mesmo. Parecia ser tão, ou melhor, ainda mais inteligente do que os rumores sugeriam.
— Então devo confiar nele? Quanto será que esse homem já descobriu? — Franz se perguntou.
Ele ainda não conseguia depositar total confiança no Mil Truques, mas estava claro que aquele homem havia entendido algo sobre os planos da Raposa.
Zebrudia era uma nação enorme. Para ser considerada uma potência formidável, precisava manter uma aparência de força. A era dos confrontos diretos entre países havia terminado. Agora, tudo se resumia a como cada um utilizava os recursos dos cofres de tesouros.
Esse homem poderia ser usado? Era seguro utilizá-lo? O Conde Gladis havia garantido sua inteligência. Mas, se ele fosse trabalhar para o imperador, Franz queria confirmar isso pessoalmente.
Tradução: Carpeado Para estas e outras obras, visite Canal no Discord do Carpeado – Clicando Aqui
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