Grieving Soul – Capítulo 1 – Volume 6
Nageki no Bourei wa Intai shitai
Let This Grieving Soul Retire Volume 06
Capítulo 1: A Reunião da Lâmina Branca
— Hã?! O Mestre vai para a Reunião da Lâmina Branca?!
Para Tino Shade, isso foi um grande choque.
— Hm? Você não sabia? Pelo visto, ele recebeu um convite e a VCM tem corrido por aí feito uma louca.
— M-Mas o Mestre estava comigo até agora, resolvendo uma missão…
Tino não tinha ouvido nada sobre isso. Mesmo durante o desafio disfarçado de férias, ele não demonstrou o menor indício de que havia sido convidado para a Reunião da Lâmina Branca.
Convites para esse evento eram uma das maiores honrarias que um caçador poderia receber e uma prova de suas contribuições para o império. Fora exceções como Ark Rodin, cuja família servia o império como caçadores há gerações, era inédito alguém tão jovem como Krai ser convidado.
Mas a Reunião da Lâmina Branca já deveria ter acontecido. Pensando em suas aventuras disfarçadas de viagem às termas, Tino jamais imaginaria que ele havia recebido tal honra.
— A VCM tinha certeza de que ele voltaria, mas acho que ela não contava com o evento sendo adiado — comentou o outro caçador casualmente.
Tino, no entanto, estava tremendo. Ela esteve ao lado de seu mestre e viu tudo. Sabia que não era coincidência terem chegado em casa bem a tempo para a reunião adiada. Mesmo estando tão longe, mesmo causando todo aquele caos, ele conseguiu encaixar a Reunião da Lâmina Branca em sua agenda. Se não tivesse conseguido, será que ele realmente teria parado nas termas?
Depois de presenciar tamanha ousadia e visão estratégica, Tino desistiu de tentar entender as intenções de seu mestre. Se ela estivesse em seu lugar, jamais teria sequer cogitado relaxar em uma fonte termal antes de um evento tão prestigiado, mesmo sabendo que ele tinha sido adiado. Sua cabeça começou a girar enquanto tentava encontrar algum significado por trás das ações de Krai.
— Ainda assim, me pergunto quem o CM vai levar. Acho que eles podem trazer um acompanhante… — disse o outro caçador como se fosse algo natural.
Ah, é mesmo!
O outro caçador estava certo. Os participantes da Reunião da Lâmina Branca realmente podiam levar um acompanhante. A maioria dos caçadores fazia como a nobreza e levava sua conhecida mais confiável do sexo oposto. Naturalmente, isso excluía Tino como candidata. Ela não se achava tão convencida a ponto de pensar o contrário.
E, no entanto…
Grieving Souls era um grupo unido. Pelo menos, Lizzy, Siddy e Lucy eram todas candidatas em potencial. Não era nada difícil para Tino imaginar as irmãs Smart brigando pelo posto. Mas isso significava que ela tinha uma chance?
Se Lizzy e Siddy começassem uma disputa, Krai provavelmente não escolheria nenhuma delas. Isso deixaria Lucy, mas ela era uma pessoa tão gentil. Com certeza cederia o lugar para Tino. Afinal, ela era irmã mais nova de Krai. Tino engoliu seco. Seu raciocínio era superficial, mas se não tentasse, não teria nenhuma chance.
O futuro é algo que se conquista com as próprias mãos. Seu mestre lhe ensinara isso durante a viagem. Agilidade era a chave. Ela garantiria sua vitória antes que as outras sequer percebessem o que estava em jogo!
Havia um código de vestimenta para a Reunião da Lâmina Branca. Se ela se apresentasse a Krai com um vestido deslumbrante, o significado seria óbvio e ele a convidaria. E, uma vez que ele dissesse sim, Lizzy e as outras não teriam como contestar. Esse pensamento ousado fez o coração de Tino disparar como um tambor.
Mas eu sei. Hoje, estou pegando fogo.
— Não conte isso para mais ninguém — ela disse ao outro caçador com um tom ameaçador.
— O-O-Okay…?
Tino disparou. Precisava arranjar um vestido.
***
A Reunião da Lâmina Branca era o evento mais famoso e mais prestigiado entre os caçadores do império. Era patrocinado pelo próprio imperador e destinado a um pequeno grupo de caçadores que haviam feito contribuições para Zebrudia. Era minha primeira vez, então eu não sabia muito a respeito, mas aparentemente haveria muitos figurões do império e apenas os caçadores mais renomados poderiam comparecer.
Segundo os rumores, tudo começou depois que um ancestral de Ark travou uma batalha exaustiva e desbravou o cofre de tesouros de Nível 10 que ficava onde, mais tarde, seria construída a capital imperial. Depois disso, o imperador quis conhecer esse caçador e começou essa tradição. Pelo visto, a “Lâmina” na “Reunião da Lâmina Branca” se referia à lâmina sagrada passada de geração em geração pela Casa Rodin.
Participar da Reunião era, sem dúvidas, uma honra, mas eu estava querendo me aposentar o quanto antes. A ideia de participar de um evento com a presença do imperador não me animava nem um pouco, e eu perdi qualquer vontade de ir ao lembrar que haveria uma multidão de caçadores por lá. Comparado a esses veteranos lendários, eu era praticamente um inseto. Sem contar que eu não sabia nada sobre etiqueta, então sempre acabava fazendo alguma besteira nesses eventos.
Com o evento batendo à minha porta, nem consegui aproveitar a nostalgia das férias e passei o dia todo tentando bolar um plano de ação. No entanto, minha cabeça vazia não me ajudou em nada.
Três dias. É tempo demais. Não, espera, já passou um dia, então são dois.
Eu estava determinado a não ir. Meu estômago doía.
— Eu não quero ir. Meu estômago tá doendo — gemi, enterrando o rosto na mesa.
Eva suspirou. — Você tem que ir — insistiu.
Eu fui de férias para evitar esse evento, e agora ele só foi adiado. Isso é justo? Não, não é.
Tudo isso aconteceu porque Maldição Oculta e a torre Akashic se empolgaram demais durante sua pequena cisão. Que coisa aterrorizante eram os níveis 8, se podiam causar o adiamento do Encontro da Lâmina Branca pela primeira vez na história.
Tirar mais férias parecia estar fora de questão. Eva já estava exasperada com minha primeira tentativa descarada de fuga; se eu tentasse de novo, ela que sairia correndo.
Estalei os dedos.
— Já sei. Vou mandar o Ark ir no meu lugar.
— Como você deve saber, Ark recebeu um convite próprio.
É claro que sim. Ele era um Rodin e um frequentador assíduo. Já tinha ouvido falar que ele compareceu diversas vezes antes.
— Não tenho nada para vestir.
— Não creio que haja um código de vestimenta para caçadores, mas preparamos algo para você. Foi feito sob medida.
Clássica Eva, sempre preparada para tudo. Ela trouxe um smoking feito com primor.
Um smoking. Eu vou de smoking? Sem chance. Impossível.
— Não me lembro de terem tirado minhas medidas.
— Sitri tinha registrado. Alguns caçadores vão com sua armadura, mas, bem, você normalmente não usa armadura.
Isso com certeza chamaria atenção.
Vamos pensar com calma. Antes de tudo, eu não quero ir. Em hipótese alguma quero me encontrar lá.
— Bom, estou tranquilo em ir, mas algo vai dar errado se eu levar um dos meus companheiros de equipe — avisei Eva.
— Você é o único convidado. Deve ir como representante dos Grieving Souls.
— Tem algo muito errado nisso.
Eu não queria pisar naquele círculo do inferno. A incendiária ia estar lá, e isso por si só já era demais. Comecei a pensar desesperadamente em soluções, como talvez fazer o Ansem ir no meu lugar.
Eva ajustou os óculos e me olhou.
— Você tem permissão para levar uma pessoa com você — disse ela.
— Certo. Vou levar o Ark.
— Você não pode.
— Vou levar o Ansem.
— Ele… não caberia no recinto.
O tom de Eva era incrivelmente sério, como se estivesse me repreendendo. Não tinha certeza se ela estava certa sobre o Ansem, mas levá-lo poderia causar problemas. Ele tinha uma presença esmagadora e isso poderia agitar desnecessariamente os nobres e os caçadores brutamontes.
Se fugir não era uma opção, então eu só precisava abaixar a cabeça e me esconder num canto onde ninguém me notaria. Eu era insuperável quando se tratava de deixar o tempo passar. Se fosse necessário, eu não descartaria nem mesmo me humilhar. O que significava que eu precisava de um parceiro que não me descartaria por não descartar me humilhar.
Minhas opções estão ficando escassas. Acho que vou ter que levar o Ark, afinal. Vou fazer ele recusar o convite e então ele pode—
— Pelo que sei, Ark está planejando levar um dos membros do grupo dele. Dizem que isso causou uma batalha feroz — disse Eva.
— Ah, é, algo assim com certeza desperta uma raiva assassina.
Forte, bonito e sem encrenqueiros no grupo. Que exagerado. Algumas pessoas simplesmente nascem com toda a sorte.
Depois de forçar tanto meu cérebro, soltei um bocejo. Estava cansado de pensar nisso. Com tão pouco tempo até o Encontro, decidi que levaria quem estivesse livre no dia. Não tinha ninguém para agradar nem grandes ambições. Só leria o ambiente e passaria o tempo quieto, como o caipira que era. Assim, tudo acabaria num instante.
Isso mesmo. Tenho o Mirage Form. Posso esconder meu rosto e me misturar entre os nobres. Se estiver de smoking, ninguém vai adivinhar que sou eu. Cara, estou pegando fogo hoje.
Dei um sorriso, satisfeito com minha brilhante ideia, quando a porta se abriu de repente. Era Liz. Fiquei feliz em vê-la tão animada, mesmo depois da nossa viagem, mas fui pego de surpresa pela roupa dela. Eva também ficou paralisada.
Liz usava um vestido vermelho, com uma fenda que ia até a coxa. A gola justa e o corte justo realçavam perfeitamente sua silhueta esguia. A visão da perna bronzeada aparecendo pela fenda era, sem dúvida, deslumbrante. Mas qualquer charme que ela pudesse ter era anulado pelas Apex Roots ainda cobrindo suas pernas.
Ela girou animada.
— Ficou bom em mim? — perguntou, envergonhada.
— Ficou. Mas pra que isso? — perguntei.
— Hee hee hee, você pode levar alguém com você para o Encontro da Lâmina Branca, certo? Pensei que precisava escolher uma roupa que não te envergonhasse, então mandei fazer essa.
Hã? Não, não, não, não, não. Não posso te levar. O vestido é bonito, mas você é a última pessoa que eu levaria para esse evento.
Era um vestido tão chamativo que acabaríamos arrumando briga sem nem querer. Estaríamos comprando briga com o próprio imperador. Ela com certeza estava, uh, bem preparada. Será que percebeu que isso não era um jogo? E como eu deveria responder quando ela agia como se o convite já estivesse garantido? Eu adoraria levá-la para um evento, desde que fosse um sem grandes consequências.
Eva parecia igualmente perplexa. Claro, não havia um código de vestimenta, mas um vestido vermelho intenso ainda estava fora de questão.
Não se preocupe, Eva, não precisa me olhar assim. Eu não vou levar ela.
E então, pela porta que Liz deixou aberta, entrou Sitri. Ela usava um longo vestido preto. Num contraste total com sua túnica habitual, a pele de porcelana dos ombros e da clavícula estava exposta. Era refrescante para os olhos (mesmo que tivéssemos acabado de voltar de uma fonte termal). Não pude deixar de notar o acessório elegante em seu cabelo, normalmente sem adornos.
Sitri franziu a testa ao ver quem tinha chegado antes dela, mas então sorriu ao olhar para sua própria aparência contida. Virou-se para mim e abriu um sorriso de orelha a orelha.
— O que acha, Krai? — ela perguntou. — Preparei isso para a Reunião da Lâmina Branca. Certamente, você não terá motivo para se envergonhar de um traje como este!
— Hã? O que isso quer dizer, Siddy? — Liz perguntou.
— Naturalmente, também estou preparada para possíveis cenários de combate. Talvez eu não consiga esconder meus braços, mas…
Com as bochechas coradas, Sitri ergueu a saia até o alto das pernas. No topo de suas coxas brancas e levemente marcadas, havia um cinto carregando vários pequenos frascos de poção. Liz foi rápida em reagir à provocação óbvia.

— Siddy, você ao menos pode fazer alguma coisa se uma luta começar do nada? Saia da frente, eu vou com o Krai Baby!
— Lizzy, você não entende nada de etiqueta.
— Pra que diabos eu precisaria disso?
Muita coisa, eu imagino.
Se tivesse que escolher entre as duas, eu iria com a Sitri. O vestido dela não era muito chamativo e ficava muito bem nela. Claro, ela não seria útil se acabássemos em um combate corpo a corpo, mas eu poderia contar com ela para me ajudar caso eu cometesse alguma gafe.
Tino espiou timidamente pela porta.
— Ah, hm, Mestre, se tiver um momen… deixa pra lá!
Vendo as irmãs Smart discutindo, ela fugiu antes mesmo de entrar no quarto. Talvez ela também tivesse ouvido falar que eu participaria da Reunião da Lâmina Branca? Exceto que eu não ia.
Luke então entrou correndo, os olhos brilhando.
— Ah, Krai! É verdade que você vai lutar contra caras fortes?! Me leva junto!
Ele nem tinha a informação certa. Além disso, Luke cortava qualquer coisa que estivesse em seu caminho, então ele estava fora de questão pelo mesmo motivo que Liz.
Se eu fosse levar alguém, seria Sitri ou Lucia, ou talvez Eliza como uma opção inesperada. Mas levar Sitri significaria atrair a ira da Liz, Lucia estava na fase rebelde e eu nem sabia onde Eliza estava. Sendo o espírito livre número um do grupo, ela estava sempre desaparecendo. Da primeira vez que a encontramos, ela tinha desmaiado no deserto. Afinal, seu apelido era Vagabunda.
— Você vai me levar, não vai, Krai Baby? Eu prometo que vou me comportar.
— Pff. Krai, deixa claro pra ela que esse não é o lugar dela!
Liz e Sitri falaram com total confiança.
Esfreguei os olhos e bocejei. Independentemente do que eu fizesse, Ark estaria na Reunião e eu poderia contar com ele caso algo acontecesse.
— Odeio te pedir isso, Eva, mas poderia fazer os preparativos para a Reunião? Quero que venha comigo.
— O quê? — Eva arregalou os olhos, incrédula.
***
O dia da Reunião da Lâmina Branca chegou. Rezei e rezei para que um raio destruísse a capital imperial, mas, para minha infelicidade, vi apenas um céu limpo pela janela.
Algo em mim atraía nuvens de chuva. Sempre que eu ia à praia, fazer trilha ou qualquer outra atividade ao ar livre, havia uma grande chance de chover. Mas, como se algum deus estivesse contra mim, a chuva nunca vinha para cancelar eventos indesejados.
Cercado por caçadores e nobres, bastariam algumas horas para que eu começasse a murchar e me dissolver. Eu sabia que Ark me salvaria, mas, à medida que o tempo passava, eu ficava cada vez mais enjoado.
— O que foi, Krai? — Eva perguntou, exasperada. Ela ainda usava seu uniforme habitual, já que o evento só começaria à noite.
— Não consigo. Eu não quero ir — disse, desabando sobre a mesa.
— Eu nem faço parte do seu grupo e estou sendo obrigada a ir. Como acha que eu me sinto?
Ela estava certa em se sentir assim, mas trazê-la era minha única opção.
— Você concordou com isso, não foi?
— Eu já recusei algum pedido seu?
— Ainda assim, eu não quero ir — murmurei, pressionando a bochecha contra a mesa.
— Você tem que ir — Eva disse, se virando para mim. — E isso não foi um pedido!
— Bem, sejamos realistas. Quem sabe o que pode acontecer se eu levar a Liz comigo?
— Isso é verdade — Eva disse, surpresa. — Não sabia que você pensava nessas coisas.
Que tipo de pessoa ela achava que eu era? Não era algo de que eu me orgulhava, mas ler expressões era como eu sobrevivia.
— Isso não é um simples encontro. Se eu levasse a Liz, os resultados não seriam bonitos — disse, tentando parecer mais sério.
— Não seriam bonitos… — Eva repetiu, com um olhar de exasperação.
Então me lembrei de algo que precisava perguntar a ela.
— Ah, Eva. Antes de irmos, pode me ensinar sobre etiqueta? Nunca estudei isso, sabia?
Ser um nível 8 trazia todo tipo de convite, mas eu quase nunca aceitava. Ser mestre de um grande clã também me rendia convites de nobres e comerciantes, mas eu jogava tudo para a Eva resolver. Fora os caçadores, a pessoa mais importante com quem eu me encontrava ocasionalmente era o gerente da filial, Gark.
Eu não queria causar problemas! Poderia ser pior e levar Liz ou alguém do meu grupo, mas a triste realidade era que viver de forma inofensiva não era permitido quando a política estava envolvida.
— Bem, desde que você não aja de forma muito casual, acho que caçadores não precisam ser versados em etiqueta — Eva disse, um pouco surpresa com meu pedido.
Eu sabia disso, mas, apesar da minha aparência, ainda queria parecer alguém minimamente decente. Falava formalmente, era o mais humilde possível, e mesmo assim continuava irritando as pessoas. Certamente isso acontecia porque todo mundo preferia caras grandes e musculosos e não ligava para magrelos como eu. Como é? Ark é bastante popular? É, aham…
— Mas, agora que você mencionou — Eva disse —, se quiser agradar um nobre, talvez devesse dar um presente.
— Um presente?
Então… suborno? Isso nem tinha me passado pela cabeça.
Não estava muito interessado em fazer amizade com nobres, mas talvez funcionasse. Seria melhor do que irritá-los. Pensando bem, isso parecia mais a área da Sitri (sim, um baita preconceito meu).
— Não precisa ser algo caro — Eva explicou. — Bugigangas que só podem ser encontradas em cofres de tesouro de alto nível se tornaram símbolos de status entre a nobreza. Lembre-se de que Ark recentemente chamou a atenção de todos quando deu a alguém uma Flor Celestial.
— Ah, aquela flor inútil. Hm, o que eu deveria escolher?
Era uma flor com pétalas translúcidas feitas de material de mana. Alguns dos meus amigos já tinham colhido antes, então eu lembrava bem. Era, sem dúvida, bonita e de outro mundo, mas não tinha poderes e não era estável, então as pobres não sobreviviam muito tempo fora do cofre do tesouro.
Nesse sentido, era parecida com os retratos encontrados nos cofres do tesouro em formato de castelo. Não eram itens, mas parte do próprio cofre, então, se fossem retirados, dissipavam-se do mesmo jeito que um fantasma morto.
Liz e Sitri já tinham me dado um buquê delas de presente, mas nunca encontrei um bom uso para aquilo. No fim, coloquei num vaso no salão da casa do clã, e, em algum momento, elas simplesmente desapareceram.
Eu não entendia nem um pouco, mas conseguia imaginar como sua raridade as tornava um símbolo de status.
— Vai dar o que falar, então, se você tiver algo assim…
— Pelo amor de Deus, nunca vou entender o que se passa na cabeça desses ricaços. Hmm, o que pode ter? Vou dar uma olhada.
Convenientemente para mim, nosso grupo tinha acabado de voltar do Palácio Noturno, um cofre do tesouro de alto nível. Normalmente, só traziam Relíquias e materiais dos fantasmas, mas os Grievers gostavam de fazer as coisas do jeito deles, então era possível que tivessem trazido algo como uma Flor Celestial.
Era um saco, mas era pelo bem de evitar problemas. Então, comecei a procurar algo que pudesse me ajudar nessa visita social que estava por vir.
Quando o céu começou a se tingir de vermelho, uma carruagem parou em frente à casa do clã. Vesti meu fraque e me sentei no escritório, segurando o estômago dolorido o tempo todo. Meus dedos estavam cobertos de anéis de Relíquia, um pingente de Relíquia pendia do meu pescoço, uma corrente de Relíquia estava presa ao meu cinto, e até Relíquias em forma de brincos eu usava, só por precaução. No meu braço, tinha a pulseira Forma de Miragem, e no bolso do paletó, levava os anéis que não cabiam nos meus dedos.
Eu estava preparado para qualquer tipo de ataque, fosse veneno, magia ou físico, mas isso não me fazia sentir melhor nem um pouco. Apenas caçadores de nível absurdamente alto eram convidados para a Reunião da Lâmina Branca. Diante de aberrações como essas, uma pessoa normal não ficaria menos indefesa só por estar carregando algumas Relíquias. Minha única opção era simplesmente rezar para os céus.
Não se preocupe, Krai. Você vai ter aliados. Ark estará lá, e Eva também. Você estará perfeitamente seguro.
Sem falar que eu tinha uma carta na manga. Olhei para o presente em cima da mesa e tentei me convencer de que tudo ficaria bem, que eu precisava manter a calma e que o evento transcorreria sem problemas. Até caçadores sabiam se comportar na presença dos figurões do império. Então, enquanto murmurava para mim mesmo, a porta se abriu.
— Obrigada por esperar. Que cara é essa, Krai?
O que vi naquele momento me fez esquecer instantaneamente a dor no estômago. Eva estava vestindo um longo vestido azul-marinho. Eu a via praticamente todos os dias, e, mesmo ainda usando seus óculos e o mesmo penteado de sempre, o simples fato de não estar no uniforme habitual a fazia parecer uma pessoa completamente diferente.
Não era nem um pouco chamativo, mas lhe caía muito bem. Ao contrário do uniforme sempre impecável, o vestido deixava boa parte dos ombros à mostra, e sua pele pálida contrastava de forma quase ofuscante com o tecido escuro. Ela também usava alguns acessórios discretos, e eu não consegui evitar olhá-la de cima a baixo algumas vezes.
Com minhas amigas de infância, como Liz, eu ainda as via com os mesmos olhos de quando éramos crianças. Mas Eva era diferente. A diferença entre nós era de apenas um ano, mas, naquele momento, ela tinha uma aura de serena dignidade.
Opa. Isso pode chamar atenção se eu estiver ao lado da Eva. Preciso me concentrar e não me deixar distrair.
— Você está muito bonita, Eva. Já estou feliz por ter te convidado.
Meu elogio sincero não fez Eva corar nem um pouco—apenas me lançou um olhar afiado.
— Você sempre joga suas obrigações para mim e nunca me acompanha em nenhum evento. Poderia ter me visto assim inúmeras vezes se simplesmente tivesse vindo.
— Ah. Aha ha ha.
— Espera, sua gravata está torta. Sinceramente…
Eva deu um passo à frente rapidamente e ajustou minha gravata. Ficava óbvio que eu não estava acostumado a usar uma. Notei que Eva tinha um perfume agradável—provavelmente tinha passado algo especial. Quando terminou de ajeitar a gravata, ela deu um passo para trás de forma graciosa. Naquele momento, senti que era um cara de sorte. Queria tirar uma foto para guardar de lembrança.
— Agora, vamos indo. A carruagem já chegou. Você vai me acompanhar, certo?
— Mas é claro.
Talvez fosse uma coisa meio superficial, mas depois de ser agraciado com essa visão, me senti muito melhor. Peguei o presente e saímos da casa do clã. Do lado de fora, uma carruagem com o brasão do Império Zebrudian nos aguardava. Era completamente diferente das carruagens usadas pelos caçadores.
Senti vários olhares sobre nós. Peguei a mão de Eva, sem ter certeza absoluta de que era assim que deveria escoltá-la. Assim que nos sentamos, a carruagem partiu. O balanço e os solavancos eram quase imperceptíveis. Eu estava nervoso, mas, como tecnicamente era o mestre do clã, não queria passar vergonha diante da Eva.
A carruagem avançava suavemente, quase como se estivesse voando. Nos aproximávamos do majestoso edifício que simbolizava o império—o castelo do imperador. O próprio imperador estava organizando o evento, então ele aconteceria em sua residência. Naturalmente, eu nunca tinha pisado no castelo antes. Respirei fundo, tentando acalmar os nervos. Eva, por outro lado, parecia relaxada como sempre.
— Krai, posso perguntar o que há nessa caixa?
— Oh, isso? Fiz como você disse e trouxe um suborno. Achei que poderia pelo menos tentar deixar uma boa impressão. Nosso grupo não tem a melhor reputação, como você bem sabe…
Eva parecia bastante surpresa, como se não esperasse que eu realmente trouxesse algo.
— Um suborno? Certifique-se de não usar essa palavra no Encontro, está bem? Isso veio do Palácio Noturno? Se não se importar, pode me dizer o que é?
Sorri e passei a mão sobre a caixa. Eu não tinha objeções.
— Não, é uma lembrança que comprei durante minhas férias. Não consegui encontrar nada nos cofres de tesouro que servisse como presente…
Não era nada raro, mas ainda assim era melhor do que uma dessas Flores Celestiais. Era delicioso e, sem dúvida, melhor do que não dar nada.
Eva ficou atônita por um momento, depois me encarou diretamente nos olhos.
Pare com isso, você está me deixando envergonhado.
— Eu ouvi direito? Isso é uma lembrança da sua viagem? Você está falando sério? Não me diga que é uma caixa de manju.
— Não, é uma caixa com um ovo de fonte termal. São uma iguaria local de Suls e são realmente bons.
Sem contar que os ovos de dragão da fonte termal valiam mais do que os manju de dragão da fonte termal.
A bochecha de Eva se contraiu e ela me olhou com descrença.
— Krai, você não está nem um pouco nervoso?
Hã?
Não demorou muito para chegarmos ao castelo. Já fazia alguns anos desde que eu havia chegado à capital imperial, mas nunca tinha visto o castelo tão de perto. Zebrudia possuía mais força do que qualquer um dos países vizinhos, e o castelo imponente no centro da capital imperial simbolizava essa força com sua grandiosidade. Eu já o tinha visto à distância muitas vezes, mas não pude evitar engolir em seco ao vê-lo de perto.
O fosso ao redor era quase do tamanho de um lago. Ao cruzarmos a ponte gigantesca que o atravessava, o castelo inteiro surgiu diante de nós. As muralhas pareciam baixas, mas, segundo rumores, o castelo estava sempre protegido por barreiras formadas por Relíquias e feitiços. Fazia sentido; uma parede de poucos metros de altura não impediria um caçador de entrar.
Havia soldados em armaduras negras polidas em ambas as extremidades da ponte. Mesmo com uma carruagem ostentando o brasão do império passando por eles, eles sequer piscavam. O Império Zebrudia valorizava muito a força e a resistência.
Soltei um pequeno suspiro e desviei minha atenção da janela.
Bem, parece que não terei chance de me livrar desta lembrança.
Durante a viagem de carruagem, Eva me convenceu de que um ovo de fonte termal não era uma boa ideia de presente.
— Este é um evento tradicional! Por favor, pense melhor nessas coisas — disse ela em um tom baixo, para que o cocheiro não nos ouvisse.
— Foi você quem sugeriu que eu trouxesse um presente…
— Krai, o que você pensaria se alguém de repente te entregasse um ovo de fonte termal durante uma festa?
Parei para pensar. Honestamente, eu ficaria bem animado. Mas parecia que essa não era a resposta certa.
Esses ovos tinham um nome bem chamativo, mas na verdade eram apenas ovos de galinha. Então, talvez fosse um caso de propaganda enganosa?
De qualquer forma, eu já o tinha trazido e perdido a oportunidade de descartá-lo. Não tinha escolha a não ser entregá-lo a alguém.
— E, aliás, para quem você pretendia dar isso? — Eva perguntou.
— Pensei em dar para o imperador.
Se era para ganhar favores, por que não começar pelo chefe supremo? Não seria rude começar com alguém de posição inferior?
O pouco de cor que restava no rosto já pálido de Eva desapareceu por completo.
— Você precisa parar com isso, Krai. Você está levando isso a sério? O que está fazendo é completamente inédito!
— Ouvi dizer que o imperador é um cara bem tranquilo.
— Existem limites.
Ok, entendi. Sei que o que estou fazendo é estranho. Ainda bem que te trouxe comigo, Eva.
Mas então tive uma ideia! Eu poderia dar para Lorde Gladis, caso ele estivesse no Encontro. Eu tinha um conhecimento prévio dele por causa do incidente em Suls, e duvidava seriamente que seus cavaleiros tivessem trazido qualquer lembrança para ele.
Respirei fundo. Estava tão nervoso que parecia que, de alguma forma, as coisas poderiam acabar dando certo.
— Devemos nos preocupar com a validade desse ovo? — Eva perguntou.
— Isso já está resolvido. Pedi para Lucia lançar um feitiço de preservação neles.
— Aah, eu não consigo dizer se você sabe o que está fazendo ou não.
Eu não sei o que estou fazendo, então me ajude aqui. Se combinarmos sua competência com a minha e dividirmos por dois, tudo vai ficar bem.
Inúmeros soldados observavam nossa carruagem enquanto passávamos pelo portão. A segurança era tão rígida quanto se esperava de um lugar como o Castelo Imperial. O cocheiro nos informou que deveríamos descer ali, e assim fizemos, mesmo que isso me deixasse tenso. A partir dali, fomos guiados a pé pelo castelo.
Ao contrário das histórias que ouvi sobre a rigidez da segurança, não fomos revistados. Perguntei a Eva sobre isso enquanto caminhávamos pelo corredor.
— É uma tradição — disse ela, franzindo a testa. — No primeiro Encontro da Lâmina Branca, o imperador da época confiava nos caçadores e lhes permitiu manter suas armas. Até hoje, essa exceção é feita apenas para este evento. Eu não te disse? Alguns caçadores vêm com suas roupas de combate.
Entendi. Que homem ousado devia ser esse imperador. Mas, pensando bem, o atual imperador também não era um guerreiro famoso?
O castelo tinha um interior espaçoso, e um tapete vermelho percorria o corredor. Até o ar ali parecia diferente do resto da cidade. Eu queria olhar ao redor, mas resisti ao impulso e apenas segui Eva. Não éramos turistas.
Eventualmente, comecei a ver nobres e caçadores. Os primeiros pareciam arrogantes, e os últimos pareciam poderosos — e, de fato, eram ambos. Eu já estava pronto para ir para casa.
Diferente dos soldados vestidos de preto do lado de fora, os guardas dentro do castelo usavam armaduras brancas. Provavelmente eram a elite. Fiquei parado, vagando o olhar sem pensar muito, até que de repente ouvi uma voz muito familiar.
— Muito bem! Aqui estou eu, no castelo mais prestigiado do império! Nada mal!
— P-Para com isso! Fique quieto! Você tem noção do motivo de estar aqui? — um dos guardas respondeu.
— Claro que tenho. Estou aqui para cortar bandidos. Então, onde eles estão? São aqueles ali? Ou aqueles caras? Ou todo mundo aqui?
— Para de apontar! O único bandido aqui é você! Droga, por que decidiram deixar forasteiros ajudarem a proteger um evento como esse?
— O que podemos fazer? As ordens vieram de cima — disse outro guarda. — Parece que o Santo da Espada mexeu os pauzinhos. Mesmo que ele seja um exímio espadachim, não dá para acreditar que deixaram o Cortador de Homens vestir a respeitada armadura branca, mesmo que temporariamente…
— Eu não preciso de armadura. Só preciso cortar meus inimigos antes que me cortem! Só de pensar nisso já fico animado.
— Você realmente sabe o que está fazendo aqui? Escuta, seu trabalho, de fato, é cortar bandidos. Mas não temos nenhum aqui há décadas. Ei, para de tirar essa armadura!
Eva virou-se para mim com um olhar selvagem. Eu fingi que não vi nada. Se ele entrou pelos canais certos, estava tudo bem.
Aliás, aquele Santo da Espada era o mentor do Luke. Ele era considerado o espadachim mais forte da capital imperial, mas nem ele conseguia controlar alguém tão imprevisível quanto o Luke. Ouvi muitas reclamações vindas desse homem.
Luke gostava de cortar, mas também gostava de ser cortado, então só posso imaginar o estresse que ele causava no mentor. No fim, eu só me preocupava com a possibilidade do meu amigo acabar foragido depois do Encontro.
Da entrada, espiei o enorme salão onde o evento estava sendo realizado. Fiquei me perguntando para que esse lugar era usado normalmente. Havia mesas organizadas e um lustre pendurado no teto. Mas, para um salão tão grande, não havia muitas pessoas.
Eva se aproximou e sussurrou uma explicação:
— É tradição.
Entendi. Tradição, hein? Que palavra conveniente. Vou ter que usá-la também.
Olhei pelo salão. Mesmo para mim, era óbvio quem era um caçador e quem era um nobre. Eu não tinha quase nenhum conhecimento ou interesse pelos nobres do império, mas conseguia identificar caçadores pelo jeito daqueles que absorveram material de mana.
Qualquer caçador convidado para um evento como esse deveria estar entre os melhores, mesmo na terra santa dos caçadores. Isso tornava fácil saber quem evitar. Dando uma olhada rápida, percebi que estava mais seguro do que esperava. Ninguém parecia violento.
Cavaleiros vigilantes alinhavam-se contra as paredes, e criadas com vestidos brancos refinados ficavam próximas à entrada, junto de mordomos em ternos pretos impecáveis. Trabalhar no Castelo Imperial era um sonho para muitas pessoas comuns. A maioria dos que serviam ali eram parentes bem-educados de nobres.
Então, vi algo que me deixou desconcertado.
— Nada mal. Eu sei, eu sei. Não posso esquecer de cumprimentar.
Um caçador foi até os criados próximos à entrada e começou a cumprimentá-los. Ele era um homem forte, de pele bronzeada, provavelmente um daqueles caçadores que lutavam com os punhos nus. Seu cabelo era castanho-escuro, e suas feições eram rústicas. Não sabia seu nome, mas estava claro que ele era alguém excepcional.
Enquanto observava, percebi que até os nobres estavam indo direto para os criados para cumprimentá-los. Alguns deles até conversavam alegremente com eles. Então, os nobres do império realmente gostavam de interagir com os criados. Eu achava que a maioria deles era arrogante, mas parecia que os verdadeiros senhores e damas só surgiam no topo.
E parecia que os caçadores também eram todos pessoas decentes. Quando parei para pensar, fez sentido. Todos os caçadores convidados para o Encontro (exceto eu) eram pessoas comparáveis ao Ark. Talvez eu fosse o único a entrar sem oferecer um cumprimento. Minha falta de educação estava evidente. Ainda bem que decidi apenas observar.
— Krai.
— Mmm, eu sei.
Eu conseguia me adaptar a qualquer situação melhor do que qualquer um que conhecia. Me enfiei atrás de um nobre e esperei minha vez de cumprimentar, sem chamar atenção.
Observei os criados e percebi que todos eram bastante atraentes. Eu estava no smoking que Eva tinha preparado para mim, então não estava vestido pior do que eles, mas eles ainda levavam vantagem na aparência. Além disso, alguns deles eram claramente mais jovens do que eu.
A mais chamativa entre eles era uma garota de cabelo azul-claro. Ela parecia mais jovem do que Tino, mas a garota agradável vestia o uniforme com a mesma elegância que os outros criados.
Pensei em como uma garota da idade dela fazia um trabalho tão bom, enquanto eu era… bem, eu mesmo. Me endireitei e coloquei um sorriso no rosto.
Não tinha motivo para ficar nervoso. Eva parecia estranhamente tensa, mas me convenci a manter a calma. Isso não era como lidar com caçadores ou nobres — esses criados provavelmente já sabiam que eu não entendia nada de etiqueta. Como Eva tinha dito, caçadores não eram esperados para saber essas coisas.
Os criados tinham expressões serenas, mas seus olhos eram sérios. Percebi que, por alguma razão, os cavaleiros de guarda também estavam me olhando de um jeito estranho.
Engoli em seco e tentei parecer o mais confiante possível.
— Hã… obrigado por me receber?
Eva sussurrou para mim:
— Krai, é o imperador quem está nos recebendo.
Então o que eu deveria dizer?
— Ah, é mesmo. Que bobagem minha. Perdoe minha falta de educação. Boa noite, é uma honra conhecê-lo.
Recebi uma série de olhares frios. Eu conhecia aquele olhar, o que dizia “Quem é esse caipira?”. Limpei a garganta e estalei os dedos. Essa era uma boa oportunidade para me livrar do meu souvenir. Minha chance de mostrar humildade.
— Certo, aqui está um presente para a jovem trabalhadora.
Entreguei a caixa com o ovo de dragão de águas termais para a empregada de cabelo azul-claro.
— Ah… — ela murmurou, completamente perplexa. Mas não havia nada com que se preocupar— eu podia garantir pessoalmente o sabor.
Eva ficou imóvel. Parecia que os outros empregados também estavam surpresos com minha demonstração de humildade, pois todos me olhavam com descrença.
Não se preocupem, sou um ignorante, mas sou inofensivo.
— Não se preocupe, não é nada de mais — disse eu, mostrando o quão amigável eu era. — Esse é um ovo de dragão de águas termais. Eles são muito saborosos, então você pode dividir com—
— Um ovo de dragão?! — a garota gritou antes que eu pudesse dizer “seus amigos”. No momento seguinte, fui cercado por cavaleiros. Foi tão rápido que parecia que já estavam de olho em mim. Ainda sorrindo, congelei no lugar enquanto lâminas eram apontadas para mim de todos os ângulos.
A empregada entregou a caixa com o ovo de dragão de águas termais a um cavaleiro, que, temeroso, a segurou e encostou o ouvido nela. Não havia nada perigoso ali, não era realmente um ovo de dragão. Ovo de dragão de águas termais era apenas o nome do produto, o conteúdo era só um ovo de galinha.
Todos no salão olhavam para nós. Eva estava pálida como um papel.
— Você aí! — berrou um homem grande, vestindo uma armadura excepcionalmente ornamentada. — O que está fazendo?! Tem ideia de quem é ela?!
Não. Quem é ela?
Eu não entendia o que estava acontecendo, mas todos ao meu redor me encaravam com incredulidade. A expressão de Eva piorava a cada segundo, mas eu conseguia manter meu sorriso.
— Diante de você está a princesa imperial, Murina Atolm Zebrudia, filha de Sua Majestade Imperial Rodrick Atolm Zebrudia! — anunciou o homem com uma voz retumbante.
— É… Aham.
Entendi. Então era isso. Ela era bem mais exaltada do que eu esperava quando essas espadas foram apontadas para mim.
Isso era muito ruim. Mantive o sorriso no rosto e coloquei meu cérebro para trabalhar no máximo. Achei que ela era jovem demais e havia algo nela que a destacava do grupo. Eu sabia que a princesa imperial estaria presente, mas não sabia como ela era. Mas pelo visto, todos os outros sabiam. Isso explicava por que até os caçadores estavam sendo tão educados com ela.
A própria jovem me olhava, completamente atônita. Gostaria que alguém tivesse me avisado antes, mas provavelmente era conhecimento comum. Ainda assim, a princesa imperial não era superimportante? Quem esperaria que ela estivesse misturada entre os empregados?
Tradição? Isso também é tradição? Meu estômago dói.
— E você trouxe um ovo de dragão?! Trazer um objeto tão perigoso diante de Sua Alteza… Você pode estar aqui por convite de Sua Majestade Imperial, mas isso não lhe dá o direito de fazer o que bem entende!
— N-Não precisa ficar tão exaltado, está tudo bem. Eles não são nada de especial e não são perigosos.
Não era um ovo de dragão, só era chamado de ovo de dragão de águas termais. O modificador de “ovo” era “águas termais”, não “dragão”.
Respirei fundo e levantei a mão pela metade.
— Desculpe, posso ir ao banheiro?
— Krai, você não tem medo de nada? — perguntou Eva.
Havia lâminas apontadas para minha garganta, impedindo-me de dar um passo. Felizmente, não parecia que os cavaleiros me matariam sem provocação. Mas ainda assim, eles tinham uma péssima opinião sobre mim.
Ser expulso parecia uma possibilidade muito real— e, para ser sincero, eu ficaria feliz se isso acontecesse. Mas também parecia igualmente provável que eu fosse preso por difamação contra a princesa imperial (se é que isso era um crime). Se isso acontecesse, passaria o resto da vida sendo caçado por manchar a reputação dos caçadores de Zebrudia.
— E-Espera — disse uma mulher de voz afiada, bem quando eu tentava desviar da realidade.
Algumas das lâminas tremeram ligeiramente e uma brecha se formou no círculo de cavaleiros. A dona da voz era alguém que eu havia encontrado cerca de um mês antes— Éclair Gladis. Ao contrário do nosso último encontro, ela não estava armada e usava um vestido de gala cheio de babados. Sua voz tinha o impacto de um adulto, mas havia pânico em seus olhos.
— E-Este é o homem cujos feitos salvaram a capital imperial da Torre Akáshica — continuou Éclair. — Conheço bem seus deveres como cavaleiros, mas o Encontro da Lâmina Branca é um evento para caçadores, e entrar em frenesi por causa de um souvenir é… desnecessário.
— M-Mas…
— Além disso, ovos de dragão são extraordinariamente valiosos. Valem muito mais do que a maioria dos acessórios e são um presente digno de um caçador. Admito que entregá-lo diretamente a Sua Alteza é, bem, uma falta de etiqueta absurda, mas, como esse homem disse, não é perigoso. Primeiro, devemos confirmar o conteúdo da caixa. A menos que pretendam arruinar este evento histórico antes mesmo de ele começar?
Os cavaleiros, que antes me olhavam com olhares ameaçadores, agora estavam sendo obrigados a duvidar de si mesmos por uma garota adolescente. Alguns nobres começaram a expressar concordância, o que indicava que Éclair era bem respeitada entre eles.
Eu havia sido salvo, mas não tinha certeza do porquê. Espero que ela não queira que eu devolva a Ganância Evolutiva. Infelizmente, agora aquilo pertencia à Tino. Mas, de qualquer forma, eu estava fora de perigo. Lancei um olhar de gratidão para Éclair, e seus ombros estremeceram.
***
Tentando não chamar muita atenção, Eva se inclinou para perto do mestre do clã.
— Krai, o-o que diabos você estava pensando? — perguntou em um tom rápido.
Sorrindo, ele ergueu as mãos como se estivesse admitindo derrota.
— Hã? Ah, estou tão aliviado que a Éclair me salvou naquela hora — disse ele.
Eva lhe lançou um olhar de protesto, mas sua expressão sugeria que ele não achava que tinha cometido um único erro. Recentemente, ele vinha causando (relativamente) poucos problemas, mas criar dores de cabeça para Eva era o que o Mil Truques fazia de melhor.
Provavelmente era verdade que ele não tinha cometido nenhum erro. Como aquilo poderia ter sido um erro? Qualquer um reconheceria o rosto da princesa imperial. Isso explicava por que ele estava tão calmo, mesmo quando foi cercado.
Mas para sua companheira e vice-mestra do clã, Eva, aquilo foi demais para suportar. Não havia nada que ela pudesse ter feito naquele momento; ele agiu antes que ela pudesse impedi-lo. Eles poderiam ter sido expulsos se Éclair não tivesse interferido. Ser jogado para fora antes mesmo do evento começar seria inédito. Da mesma forma, Eva nunca tinha ouvido falar de alguém dando um souvenir para a princesa imperial.
Desde o primeiro Encontro da Lâmina Branca, era tradição que a filha do imperador se disfarçasse como uma das empregadas. No primeiro Encontro, o imperador decidiu testar os caçadores disfarçando sua filha como uma criada e escondendo-a entre os servos. Um dos participantes, o caçador Solis Rodin, imediatamente percebeu o disfarce e prestou seus respeitos à jovem. Dizem que o imperador ficou profundamente impressionado com isso.
Essa era uma história famosa em todo o império e deu origem a uma tradição. No entanto, ao longo dos anos, essa tradição se tornou superficial, e o disfarce da princesa imperial se resumiu a uma mera troca de roupas.
Mas ainda havia um entendimento tácito. Ela podia estar se passando por uma serva durante o Encontro, mas isso não a tornava menos filha do imperador. Dar-lhe um souvenir já era algo fora do comum, mas dizer “Aqui está um presente para a jovem trabalhadora” era simplesmente desrespeitoso.
Eva tentou adivinhar no que Krai estava pensando, mas não conseguiu discernir nada de seu olhar, que varria a mesa do banquete. Ele parecia estar apreciando o quão deliciosa a comida parecia, mas certamente não poderia estar pensando em algo tão banal.
Muitos dos nobres olhavam para Krai com desprezo. Claramente, não gostaram da forma como ele se aproximou descaradamente da princesa imperial e tentou ganhar sua simpatia (mesmo que essa provavelmente não fosse sua intenção, era assim que parecia para todos os outros) na frente de todos. E Eva sabia que aquele souvenir não era realmente um ovo de dragão, só se chamava ovo de dragão de águas termais! Não que ela conseguisse entender o propósito de entregá-lo.
— Sei que é tarde demais para dizer isso, Krai, mas acho que estou fora do meu alcance aqui — sussurrou ela, sem conseguir se conter.
— Não diga isso — respondeu o mestre do clã, franzindo a testa. — Olha, tenho quase certeza de que a maioria das pessoas que estão se aproximando de nós só está interessada em você.
Até parece!
Mesmo um clã em rápido crescimento como o Primeiros Passos não poderia se safar causando problemas em um evento como aquele. Muitas vezes, Eva comparecia a eventos como parte de seu trabalho e desejava que o mestre do clã estivesse com ela. Mas agora que isso finalmente aconteceu, talvez fosse melhor que ela tivesse ido sozinha todas aquelas vezes. Krai via e entendia as coisas de uma maneira completamente diferente dela. Pensando bem, desde o momento em que ele a convidou para se juntar ao Primeiros Passos, seu comportamento sempre foi além do audacioso.
Krai se aproximou de sua salvadora, Éclair, e começou a conversar com ela como se tivesse encontrado uma velha amiga.
— Valeu por aquilo mais cedo. Eu realmente não entendo nada de etiqueta, sabe. Foi minha escolha de palavras?
Éclair soltou um pequeno grito.
— N-Não foi nada! Eu tinha uma dívida com você desde o leilão e pelo incidente com o Barril.
— Hã? Ah, eu não fiz nada durante aquela coisa com o Barril. Assim como no leilão.
— De fato…
Éclair era orgulhosa e conhecida por seu desprezo pelos caçadores, mas agora estava acuada. Parecia que o leilão havia deixado uma impressão considerável nela. Havia algo notável no contraste entre seu rosto e o sorriso de Krai. Aquele homem tendia a pensar que tudo daria certo contanto que ele sorrisse.
— Gostaria de oferecer alguma forma de agradecimento — disse ele, em um tom de desculpas —, mas eu já dei aquela máscara para outra pessoa…
— N-Não preciso daquela coisa! — disse Éclair, enquanto seu rosto empalidecia instantaneamente. — Faça o que quiser com ela. Agora, estou muito ocupada, então não me traga mais problemas!
Com esse pedido bastante razoável, a jovem rapidamente fez sua retirada.
— Ah — disse o homem que conseguiu incutir medo na famosa Éclair Gladis apenas com palavras. Ele piscou, com um olhar distraído no rosto. Então se virou para Eva e disse: — E ainda assim, não é como se eu quisesse causar um alvoroço.
— Acontece — respondeu ela.
Já é tarde demais para isso, Krai. Você conseguiu assustar Éclair Gladis!
Os nobres, os convidados especiais, os comerciantes, todos estavam pensando em como lidar com o recém-chegado surpreendente que era os Mil Truques. Sentindo a multidão de olhares sobre eles, Eva sentiu um renovado senso de responsabilidade e ficou ereta.
Tenho que fazer algo. Preciso acalmar as coisas antes que Krai faça inimigos de todas as pessoas aqui.
Com um timing perfeito, um sino tocou. O Encontro estava começando. O salão ficou em silêncio e todos direcionaram seus olhos para a entrada. Os olhos de Krai estavam saltando de um lado para o outro, mas Eva lhe deu um leve empurrão no braço e indicou a direção para onde ele deveria estar olhando.
Por uma porta escancarada, entrou um homem vestindo um traje escuro e fluído. Ele tinha cabelos loiros e olhos azuis. Parecia ter cerca de cinquenta anos, mas seu olhar afiado e sua postura robusta não sugeriam alguém de meia-idade. Suas roupas eram simples, mas não surradas, apenas sem adornos. O mais notável era a ausência de uma coroa. Ainda assim, sua imponência lhe conferia uma presença forte, que se destacaria independentemente do que estivesse vestindo.
Esse homem era o décimo quinto imperador do Império Zebrudian, Rodrick Atolm Zebrudia. O primeiro a reconhecer a chegada da era dourada da caça ao tesouro e a trazer ainda mais prosperidade para Zebrudia.
Sua vestimenta simples, a falta de coroa e de guardas pessoais também faziam parte de uma tradição que remontava a muitos anos. A única coisa que provava que ele era, de fato, o imperador era a espada em sua cintura.
O imperador Rodrick olhou para a multidão. Todos (exceto Krai) estavam ajoelhados diante dele.
— Não há necessidade disso. Fiquem à vontade — declarou. — Agradeço a todos por terem vindo a meu convite. Cada um de vocês é uma bênção para a prosperidade do Império Zebrudian. Esta noite, nos divertiremos, livres das amarras das formalidades rígidas.
A multidão irrompeu em aplausos, um som que mascarava a voz discreta do mestre do clã.
— Sei lá, ele é bem mais normal do que eu imaginava.
Ao ouvir um comentário tão absurdo, Eva não conseguiu se conter e lhe deu uma leve cotovelada. Assim começava uma batalha que deveria ser travada sem espadas ou feitiços.
***
— Certo, Krai. Não sei o quão sério você está ou não, mas se estiver incerto ou perdido, por favor, confie em mim. Se for necessário, pode contar inteiramente comigo. Entendeu?
Foi o que Eva disse. Eu sabia que podia contar com ela. Que boa escolha eu fiz ao trazê-la comigo.
A comida e a bebida da Reunião tinham a qualidade que se esperaria de um evento organizado pelo imperador. Só isso já fazia valer a pena ter vindo. Com uma taça de vinho em uma mão, interagia com os velhos que circulavam como um enxame de moscas. Com tantas pessoas tagarelando comigo, não consegui chegar até Ark mesmo depois de finalmente encontrá-lo adornado com seu terno branco.
Não reconheci quase ninguém que se aproximou de mim. Estava claro que eram figuras importantes do império e que esta era uma oportunidade valiosa para fazer contatos, mas eu não tinha o menor interesse nisso.
Conversar com alguém que deliberadamente evitava contato visual era um nível de ousadia que eu nunca alcançaria. Eu mal entendia quando usavam palavras rebuscadas demais. Não sabia muito sobre o estado do império, então ficava ainda mais perdido quando traziam à tona eventos atuais. E nunca diziam nada de forma clara, o que impedia qualquer discussão decente.
Mas eu tinha minhas habilidades de escapismo e tinha Eva, que sabia tudo sobre mim. Independentemente de ser um nobre, um comerciante ou quem quer que fosse, eu colocava um grande sorriso no rosto e dizia — É, aham. Funcionava com esse tipo de gente.
— Em relação às relações entre clãs, deixo esse tipo de assunto inteiramente para minha mão direita, Eva — disse a um velho. — Para falar a verdade, tive que me humilhar diante da Companhia Mercante Welz para que me permitissem levá-la. Sou suspeito para falar, mas ela é uma pessoa excepcional.
— O quê? O Mil Truques se humilhou diante de alguém?!
— É, aham.
Devo ter falado com umas dez pessoas, e sempre conseguia mudar de assunto ao mencionar Eva. Todos pareciam muito interessados na bela dama ao meu lado.
A Companhia Mercante Welz era uma das maiores do império. Era um nome conhecido por todos e eu tinha certeza de que pelo menos alguns de seus associados estavam na Reunião. Para ser preciso, não foi que consegui que me entregassem Eva. Eu me ajoelhei e implorei por um recepcionista, que por acaso era Eva. Mas acho que isso significava que eu tinha um bom olho para pessoas. Lembro-me claramente do que disse: “Pode ser até o recepcionista, só me deem alguém.”
Os velhos (não sabia o nome de nenhum deles) olharam para Eva com olhos arregalados. Seu olhar disparou para os lados enquanto seu rosto perdia cor.
— D-De fato. Agora, Krai, por favor, já chega.
— Não estou exagerando ao dizer que meu sucesso atual se deve ao talento dela — continuei. — É por isso que a trouxe para um evento tão significativo. Ela fez muito pelo nosso clã e por mim como pessoa. E nem pensem que eu possa me separar dela.
O vinho delicioso havia soltado minha língua. Estava tão ocupado conversando que não tive chance de pegar comida, o que só facilitou para o álcool fazer efeito.
— Por favor, não tirem conclusões precipitadas; ela não é minha amante nem nada. Se alguém está apaixonado sou eu—
Senti meu pé sendo pisado, o que me fez engasgar. Os figurões olharam um pouco surpresos.
— Por favor, perdoem-nos, parece que o MC bebeu um pouco demais — disse Eva com a voz tensa.
Eu conhecia esse tom de voz. Era o tom que ela usava quando estava irritada. Tudo que eu estava tentando fazer era garantir o futuro de Eva.
— Minhas desculpas, foi apenas uma piada. Ah, Eva, só você já me causou dano físico. Nem mesmo dentro de cofres de tesouro eu fui ferido.
— Isso foi outra piada?
— Não, estou falando sério.
Franzi a testa e esfreguei os Anéis de Segurança inúteis em meus dedos. Os velhos finalmente perderam seus sorrisos bajuladores e nos olharam confusos.
Foi então que Sitri passou flutuando ao meu lado. Ela vestia o mesmo vestido que me mostrara no dia anterior.
— Hã?! Por que a Sitri tá aqui? — perguntou Eva.
— Sei lá.
Sem dúvida, era mesmo a Sitri. Eu jamais a confundiria com outra pessoa. Cruzando os braços e tentando parecer tranquilo, comecei a pensar no assunto.
Está todo mundo aqui? Achei que a segurança era para ser bem rígida, como eles conseguiram—
Um braço bronzeado se estendeu debaixo de uma mesa próxima. Ele cutucou minha perna, então entreguei minha taça de vinho e o braço recuou. Pelo visto, a toalha de mesa oferecia uma boa cobertura.
—Mestre, isso não é um crime, é? —disse uma voz trêmula vinda debaixo da mesa.
Eva olhou completamente perplexa. Sorri e fiz o máximo para fingir que não tinha visto nada.
Tino e Liz estão aqui sem permissão. Disso eu tenho cem por cento de certeza.
—Krai, o que pretende fazer sobre elas? —Eva me perguntou.
—Eh, elas sempre me seguiram para onde quer que eu fosse.
—Acho que isso é um pouco mais sério do que amigas que te acompanham.
Ela estava certa, mas já era tarde para fazer qualquer coisa. Apenas rezei para que não causassem nenhum problema. Tino estava ali (provavelmente contra a vontade), e isso já contava como algo positivo. Para garantir, procurei pelos outros membros.
Com seu tamanho, Ansem seria fácil de encontrar. Embora tivesse meios para se tornar menor, não parecia ser do tipo que abusaria desse poder. Pelo que pude ver, Lucia também não estava ali. Mas Gark estava. Como de costume, um smoking não combinava nem um pouco com ele.
O imperador era extremamente popular. Cercado por caçadores e nobres, ele nem sequer olhou na minha direção. Eva não parecia muito feliz, mas eu estava começando a relaxar um pouco. Aquela batalha que ela tanto temia devia ser apenas um boato.
—Quando você vai cumprimentar o imperador? —Eva me perguntou, notando que eu o observava.
—Hm? Eu não estava planejando isso.
—V-Você precisa! No que está pensando?
Eu estava pensando que não queria falar com o imperador. Não pretendia fazer amizades em altos círculos ou coisa assim. Se fosse realmente necessário, eu iria, mas se fosse opcional, estava pronto para sair de fininho e ir para casa. O imperador estava ocupado; eu tinha a sensação de que conseguiria escapar sem que percebessem, desde que não chamasse atenção.
—Deixa isso pra lá, Eva. Olha só a comida maravilhosa que tem aqui.
—Hm? Sim, está bem variada.
Não tive muita chance de pegar comida por causa daqueles velhos que ficaram me enchendo de conversa por algum motivo.
—Acho que vou provar um pouco de tudo —disse para Eva.
—Pra quê?!
—Porque… porque eu quero. Tudo parece bem gostoso.
—Você não está nem um pouco nervoso, está?
Claro que estava. Por isso eu estava comendo. Quantas pessoas se aproximariam de alguém enquanto está no meio de uma refeição?
Meu olhar acabou encontrando o de Sitri, então acenei para ela. Ela pareceu surpresa por um instante, mas rapidamente sorriu e acenou de volta. Ao lado dela estava um velho grande.
—Aquele é o chefe do antigo grupo da Sitri, o Instituto Primus —Eva disse.
O Instituto Primus era uma das principais instalações de pesquisa de Zebrudia. Tornar-se o chefe deles significava, também, entrar para a nobreza. Tendo isso em mente, algo no velho barbudo lhe conferia um ar muito digno. Como a maioria dos Alquimistas, ele era bem relacionado.
Sendo meu eu naturalmente não natural, peguei um pouco de comida, tomei um gole de bebida e saí vagando em busca de um lugar onde ninguém olharia para mim. Eva me seguiu diligentemente.
—Você não precisa ficar ao meu lado, Eva. Por que não vai fazer algumas conexões? Eu sou uma pessoa perigosa de se acompanhar.
—Por causa de um certo alguém, já fiz mais do que conexões o suficiente. E o que você quer dizer com perigoso?
Quero dizer que sou um ímã de azar.
—Vá lá e cumprimente o imperador —disse para ela.
—Você vem comigo!
—Tá bom, tá bom. Vamos depois.
O imperador ainda estava no centro de uma multidão. Vi Ark sorrindo brilhantemente e conversando com ele. Se eu entrasse ali, pareceria que fui colocado ali como uma forma de punição. Realmente havia algo diferente nos homens confiantes. Ark era a imagem de um verdadeiro campeão. Eu queria que um pouco disso passasse para mim.
Ignorei as reclamações de Eva e experimentei todos os tipos de bebidas sofisticadas que eu não reconhecia. Mas um dos copos me pegou de surpresa quando o peguei. Não sabia que tipo era, apenas que era um vinho tinto. Olhei ao redor antes de me aproximar de uma mesa próxima. Sentindo minha presença, um braço bronzeado saiu debaixo da toalha de mesa. Entreguei-lhe a taça de vinho tinto e recebi um copo vazio.
Como diabos ela está se movendo?
—O que foi? —Eva me perguntou.
—Tinha algo misturado naquele vinho.
—O quê?
—Provavelmente é um teste para os caçadores. Já ouvi falar que isso é comum no Encontro.
—Se você diz…
Que enrascada. Não sabia o que estava misturado naquele vinho, mas provavelmente não era nada bom. Resistência a venenos era uma característica necessária para se aventurar em lugares perigosos. Fantasmas e monstros podiam usá-los e, às vezes, até o ar estava repleto de toxinas. A resistência a venenos se tornava especialmente importante em cofres de tesouro de alto nível. Alguns caçadores ingeriam veneno de propósito para que sua matéria de mana fortalecesse seus corpos contra toxinas.
Eu não tinha resistência alguma, mas compensava isso com Relíquias. O anel no meu indicador direito, Sopro de Prata, era uma Relíquia que detectava qualquer substância que pudesse afetar o usuário. Se eu chegasse perto de veneno, o anel ficaria preto e quente. Os Anéis de Segurança não podiam anular venenos escondidos em comida e bebida, então Sopro de Prata era uma das minhas salvaguardas.
Droga. Achei que só ia a uma festa, mas agora tenho um desafio repentino nas mãos. Não posso relaxar nem por um momento, né?
— Não acredito nisso — disse Eva. — Devemos relatar isso?
— Não, pense bem. Não tem como a comida ser envenenada tão facilmente em um evento com a presença do imperador. E esse evento é conhecido por ter uma segurança especialmente rigorosa.
— Bem, você tem um ponto.
Eva parecia confusa. Talvez nunca tivesse tido a comida envenenada antes. Eu já. Foi num prato que Sitri preparou para mim.
— Tem muitos caçadores de alto nível aqui — continuei. — Só um idiota faria um movimento desses num lugar desses, e os anfitriões teriam que ser um bando de imbecis para não perceber. Algo assim nunca aconteceria em um evento tão importante. Eu sou um profissional quando se trata dessas situações, então pode deixar comigo. Ah, mais uma bebida batizada. Meu azar continua.
Aproximei-me da mesa e o braço apareceu novamente. Entreguei-lhe a taça de vinho. Liz tinha resistência contra praticamente todos os venenos, então era seguro dar as taças para ela.
Imaginei que isso devia ser outra tradição. Algo onde todos olhariam e diriam coisas como: “Ooh, olhem. Eles estão bem, mesmo com veneno nas bebidas. Caçadores são impressionantes.”
Olhei ao redor, mas ninguém parecia demonstrar qualquer desconfiança com relação à comida e à bebida. Talvez estivessem escondendo sua desconfiança, talvez todos tivessem resistência a venenos, ou talvez os anfitriões estivessem garantindo que apenas caçadores bebessem as bebidas envenenadas. De qualquer forma, causar um tumulto atrairia atenção desnecessária. Passei o dedo no copo de Eva, mas não parecia estar envenenado.
Se a amostra atual servisse de referência, Liz acabaria bebendo o equivalente a um lago inteiro. Felizmente, não parecia haver veneno na comida. Enquanto entregava as taças de vinho para Liz, aproveitava para comer um pouco. Meus pratos favoritos eram as sobremesas impecáveis de chocolate. Queria levar algumas para compartilhar com todos no clã.
Terminei minha jornada pelo banquete e entreguei mais uma taça de vinho envenenado para Liz, um movimento que já tinha se tornado automático. Mas então notei um guarda se aproximando com um olhar intimidador.
— Você aí, o que está fazendo com essas taças?
Ai, droga. AI, DROGA.
Depois de passar tantas taças sem ser notado, acabei baixando a guarda. Aparentemente, fui visto. O que fazer agora?
— N-Nada. Agora, que tal voltar ao seu trabalho?
Em pânico, disse algo completamente inútil, fazendo com que a expressão já séria do guarda se tornasse absolutamente aterrorizante.
— Silêncio! — ele gritou. — Ei, tem alguém embaixo dessa mesa!
Eva ficou pálida como um fantasma. Antes que eu pudesse fugir, os cavaleiros cercaram a mesa. Os caçadores, os convidados especiais, o próprio imperador, todos olharam para ver o que estava acontecendo. Eu ia vomitar.
Agora que a situação chegou a esse ponto, fiz o que precisava fazer e tentei criar uma distração para que Liz pudesse escapar. Num julgamento rápido, apontei para uma direção aleatória e gritei:
— Ah! O que é aquilo?!
Minha mentira não poderia ser mais óbvia, mas todos olharam simultaneamente para onde eu apontava. Seguindo o exemplo deles, eu também olhei. E o que vi me surpreendeu. Bem onde meu dedo indicava, perto do teto, diretamente acima do imperador, estava a metade superior invertida de uma pessoa. Seu rosto estava escondido por uma máscara azul-escura modelada como uma raposa.
A pessoa da máscara de raposa me olhou e hesitou, mas se deixou cair assim que percebeu que havia sido vista. Enquanto descia, sua metade inferior se materializou de forma assustadora. Estava indo direto para o imperador. As pessoas começaram a gritar, e uma dama nobre soltou um berro ensurdecedor.
Hã?! Que tipo de evento é esse? Isso é outra tradição?!
Provavelmente, eu era o único que estava completamente por fora da situação.
Então, uma brisa carmesim passou por mim. Era Liz. Mesmo usando um vestido vermelho, ela ainda estava com suas botas de Relíquia. Ela correu (ou melhor, pisoteou) as costas do cavaleiro que me interrogava um momento antes e saltou no ar.
Apex Roots era uma Relíquia que permitia ao usuário dar um passo no ar. Não era uma Relíquia particularmente poderosa, mas Liz era mais ágil do que qualquer um e sabia como tirar o máximo proveito daquele único passo.
Impulsionando-se no ar, sua bota acertou em cheio o torso da Máscara de Raposa. O impacto fez um som como se tivesse atingido metal, não o corpo de um humano. O corpo da Máscara de Raposa se dobrou em noventa graus e foi arremessado para trás.
Ao mesmo tempo, um dos cavaleiros gritou:
— Intruso!
Um intruso?! Um de verdade?!
Ninguém estava preparado para um ataque, mas, ainda assim, os caçadores entraram em ação. Luke escancarou a enorme porta do salão de jantar e atirou sua espada com toda a força direto no torso da Máscara de Raposa, gritando o tempo todo:
— Lá ESTÁ! AÍ ESTÁ MEU INTRUSO!
— Prisão de Rocha! — alguém gritou.
Isso soou muito como a voz da Lucia!
Pedras voadoras grudaram no corpo da Máscara de Raposa, aprisionando-o em uma torre de rocha. Então notei Ansem, alto o suficiente para me fazer esticar o pescoço. Com um forte grunhido, ele girou o punho em um arco amplo e o desceu sobre as pedras. O salão tremeu, e os gritos foram abafados pelo som do punho massivo pulverizando a torre.
Ark e os outros caçadores estavam prontos para lutar, mas Grieving Souls foi rápido demais. Virei-me e vi Lucia, disfarçada de empregada, suspirando enquanto pressionava as têmporas.
Ah, então era ali que ela estava.
Ansem soltou um grunhido questionador. Protegido pelos cavaleiros, o imperador observava com os olhos arregalados. Bem ao lado do punho de Ansem estava Máscara de Raposa— a pessoa que ele deveria ter esmagado. A máscara e a túnica negra como ônix permaneciam completamente intactas. Era estranho; eu tinha certeza de que tinha visto a espada de Luke atravessar seu torso.
Um homem imponente, parado diante do imperador, ergueu o braço. — Prendam essa pessoa!
— Parem com essa confusão. Isso não teria acontecido se vocês tivessem feito qualquer coisa além de meias-medidas! — disse uma voz.
Soltei um simples — Ah.
Uma multidão de caçadores de nível extremamente alto estava pronta para atacar, avaliando a melhor maneira de agir. De suas fileiras surgiu uma velha com uma túnica vermelha como uma coluna de chamas. Já era alta para uma mulher, e ainda se mantinha perfeitamente ereta. Seu rosto era coberto por uma infinidade de rugas profundas, e seus olhos carmesim brilhavam como a chama de uma vela.
Ela era uma conjuradora excepcional. Era a Solace de Vermillion, designada Nível 8 por razões bem diferentes das minhas, e uma das Magas mais poderosas da capital imperial. Era o Inferno Abissal.
Era incrivelmente ousado da parte dela comparecer ao Encontro, considerando que havia praticamente dizimado metade da capital imperial poucos dias antes. Conhecida por reduzir seus inimigos a cinzas, ela era o retrato perfeito do lema “conjure primeiro, pergunte depois”.
Eu não conseguia entender por que uma pessoa tão perigosa era permitida no Encontro ano após ano. Minha primeira suposição era que, se não a convidassem, ela queimaria o Castelo Imperial até o chão.
Como se estivesse mexendo no próprio ar, ela moveu o braço, fazendo um brilho carmesim envolvê-lo.
— Todos no chão! — gritou Ark.
Eva, os nobres e o imperador atenderam ao aviso e imediatamente se protegeram. A única pessoa que não se abaixou fui eu. Não via necessidade, já que minha Relíquia de detecção de perigo não estava ativada.
— Imolação Espiral!
E então tudo foi encoberto por uma luz ardente.
Quando abri os olhos, nada restava.
— Hm?
Para ser mais preciso, tudo próximo ao chão permaneceu — tudo acima da altura do meu peito tinha sido incinerado. O teto de granito e o lustre que o adornava foram reduzidos a pó.
Um buraco havia sido perfurado no teto, exatamente onde Máscara de Raposa estava. Eu mal podia acreditar quando olhei por ele e vi o céu. Consertar isso levaria tempo e muito dinheiro. Momentos como esse pediam a mão de obra barata dos Trogloditas.
Nem preciso dizer, mas nada restava onde Máscara de Raposa estivera. As chamas subiram ao céu como um pilar e toda a destruição ao redor foi mero dano colateral. A Maga mais forte da capital, o Inferno Abissal, ainda não tinha perdido sua habilidade.
Eu também sentia uma enorme vontade de desviar o olhar e me desconectar da realidade. — Aaah, que desperdício de chocolate — foi tudo o que consegui dizer.
— Krai? — chamou Eva.
Foi então que recuperei os sentidos.
O que você pensa que está fazendo, sua velha pirômana?! Eu podia ter morrido ali!
Finalmente percebi o quão barulhento o salão estava. Notei todos os nobres agachados no chão. Um pouco tarde, meu coração começou a disparar e eu respirei fundo.
— Hmph. Continua o mesmo garoto tolo de sempre — resmungou a velha maluca.
Virei o rosto para o lado, incapaz de encará-la.
— Ah, chocolate.
Uma área em forma de leque atrás de mim estava intacta. Meu corpo havia servido de barreira para proteger o chocolate. Aquele feitiço devia ser um ataque direcional. Se fosse uma magia de área, teria queimado tudo (e então não faria sentido ninguém ter se abaixado).
Totalmente ciente de que eu não estava respeitando a ocasião, comecei a mastigar meu chocolate intacto. Todos me olharam com descrença. Eu senti que precisava dizer algo. Algo.
Tenho que dizer algo. Uhh, algo que acalme essa velha rabugenta.
— Você deixou passar um ponto — falei. — Isso não teria acontecido com um pouco mais de poder de fogo.
Ainda protegendo Kaina com o corpo, Gark me lançou um olhar extraordinário. Sitri me encarava incrédula. Assim que um silêncio desconfortável tomou conta do ambiente, o imperador bateu palmas.
— Tivemos um intruso insignificante. Infelizmente, temo que o Encontro de hoje terá que terminar por aqui! Sir Franz, aumente a segurança e verifique se ninguém se feriu!
Ah, acabou? Que alívio. Bem, seria estranho se não tivesse acabado depois de tudo isso.
Foi coisa demais para uma noite só. Eu estava pronto para voltar para a casa do clã e cair na cama, mas um olhar do imperador (o primeiro que ele me deu naquela noite) me cortou.
— Mil Truques, não, todos os Grieving Souls, gostaria de ter uma conversa com vocês e com o Inferno Abissal.
Não posso dizer que o sentimento era mútuo. Encolhi os ombros, e a velha pirômana bufou.
Saímos do salão que a desgraçada— quero dizer, o Inferno Abissal— tinha tornado inutilizável. Todos os envolvidos na situação foram reunidos. O imperador e seus subordinados estavam presentes, junto com Gark, Eva, Lucia, Luke, Liz, Ansem e a excepcionalmente destrutiva Inferno Abissal. De alguma forma, nossa querida Sitri conseguiu escapar. Certo, ela não estava envolvida, mas não parecia algo que ela faria, já que geralmente nos acompanhava.
Normalmente, eu estaria prestes a vomitar, mas desta vez me mantive bastante relaxado e até consegui um sorriso calmo. Isso porque o Inferno Abissal estava conosco. Comparado ao desprezo dela pela segurança dos nobres e aos estragos que causou no castelo, eu não tinha culpa nenhuma.
Um homem ao lado do imperador olhou para mim. Ele vestia um casaco ornamentado, diferente do que os outros cavaleiros usavam. Seu cabelo loiro escuro e olhos azuis lhe davam uma beleza masculina. O imperador o chamou de Sir Franz, mas me perguntei se ele poderia ser um nobre.
— Muito bem, vamos esclarecer os fatos primeiro — disse Franz. — Mil Truques, o que foi aquilo?
Eu não respondi. Não podia responder. Eu estava tão perdido quanto todo mundo. No começo, presumi que fizesse parte das festividades. Olhei para Eva, depois para os membros do meu grupo, mas ninguém veio me ajudar.
— Tradição? — sugeri.
Franz me olhou com os olhos arregalados e uma veia em sua testa pulsou. Eu era mestre em levar bronca, então percebi que ele estava prestes a explodir de raiva. Precisava tomar cuidado com minhas palavras.
— Hmph. Parece que não foi a melhor forma de perguntar. Deixe-me reformular a questão. Por que seus companheiros estavam lá?
Essa era uma pergunta que eu também queria resposta. Senti um aperto no estômago, mas não podia dar respostas que não tinha.
— Eu vim porque ouvi dizer que podia cortar pessoas! — disse Luke.
— Hah?! Se vocês não tivessem feito um trabalho medíocre na segurança, Krai não teria precisado agir! — gritou Liz. — Quem vocês pensam que são?! Quase deixaram o anfitrião ser morto! Ajoelhem-se! Ajoelhem-se agora!
Eles realmente deveriam ter ficado de boca fechada.
— O-O que foi que disse?! — gritou Franz de volta.
Ah, parem com isso. Aqui, eu me ajoelho, certo? E pera aí. Liz fez parecer que vocês apareceram porque eu “agi”. Eu não fiz nada disso. Hmm? Ou fiz?
Comecei a duvidar do meu próprio comportamento. A sobrancelha de Eva se contraiu ao perceber isso.
Agitada, Liz estava ainda mais corada do que o normal. Nossa maníaca residente de vestido vermelho deu um passo ousado à frente, como se não tivesse acabado de invadir um evento.
— Não foi só aquele cara mascarado que entrou, tinha alguma coisa misturada nas bebidas. Como explicam isso? — perguntou ela, como se fosse uma delinquente.
Os cavaleiros a olharam arregalados e Franz ficou vermelho de raiva.
— O-O que está falando?!
— Agora, agora, chega, Liz — disse, tentando acalmar a situação. — Você não deveria reclamar dos refrescos quando nem foi convidada!
— É mesmo? Mas ainda assim… — respondeu ela, com a voz bem mais calma.
Continuei tentando minimizar os danos.
— Sim, tinha algo misturado, mas não era nada que um caçador de alto nível devesse se preocupar.
— Bem, acho que você tem razão.
— E foi um jeito bem rude de falar. Você fez os guardas parecerem um bando de macacos!
Bom, talvez eles fossem mesmo, se Raposa-Máscara realmente não fizesse parte das festividades, mas as bebidas eram outra história. Num banquete, e ainda por cima um oferecido pelo imperador, garantir a segurança dos alimentos deveria ser uma prioridade.
— Impossível. Nossa segurança foi impecável. Alguém, vá verificar as bebidas! — ordenou Franz, parecendo prestes a explodir.
Aproveitei para tentar desviar a culpa. Liz não estava livre de responsabilidade, mas o maior problema tinha sido causado pela velha que incinerou o castelo.
— Ah, mas o Inferno Abissal destruiu todas as provas — apontei. — Ela também queimou o invasor. Mesmo que não tivesse explodido o teto inteiro, ainda diria que passou um pouco dos limites.
— Hee hee hee, bela tentativa. Eu não queimei o invasor.
Pode repetir isso?
A piromaníaca de alto nível, destruidora de castelos, bufou de insatisfação.
— Deixe de fingimento, garoto. Você percebeu, não foi? Eu não senti o cheiro de um corpo queimado. Aquele invasor era realmente algo.
— O cheiro de um corpo queimado. — Puta merda.
— É verdade, acertar aquele invasor foi estranho — disse Luke, parecendo pensativo.
Considerando que ele simplesmente jogou a espada, não sei exatamente o que ele poderia ter sentido.
Os outros começaram a concordar.
— Mmm.
— Sim, eles eram meio estranhos.
— Minhas magias realmente pareceram menos eficazes.
— É, uh-huh! — falei.
Se Ansem e Lucia estavam acenando, então imaginei que seria seguro fazer o mesmo. Não que eu conseguisse entender os instintos de gente talentosa como eles.
— Eles não tinham presença — continuou o Inferno Abissal. — Não sei que tipo de truque estavam usando, mas as coisas teriam ficado feias se o garoto não estivesse lá. Se eu não estiver enganada, captei alguns traços de reconhecimento.
— Eu? Nunca vi aquele cara antes.
— Não estava falando de você, garoto.
Ops.
O imperador e seus cavaleiros me lançaram olhares gélidos. Eu estava tão acostumado a todo mundo assumir que eu sabia de alguma coisa que neguei sem pensar. Mas será que eu me lembrava de algo?
Uma máscara de raposa. Uma máscara de raposa. B-Bom, havia um cofre de tesouros com fantasmas assim.
Enquanto isso, ergui levemente a mão e dei minha opinião:
— Só queria dizer que acho que a culpa é do Inferno Abissal por ter torrado o castelo. É tudo culpa dela.
Ela me lançou um olhar selvagem. Eu não queria fazer inimigos entre caçadores de alto nível, mas precisava desviar a atenção da invasão dos meus amigos. Minhas mãos estavam atadas.
Depois de reunir coragem para falar, Franz simplesmente ignorou minha opinião.
— Deixando de lado o invasor, é impensável que os refrescos estivessem envenenados. Nossa segurança não falhou em nada.
Sim, eu pensava o mesmo até—espera um minuto.
Uma ideia maluca surgiu na minha cabeça. O Silver Breath era uma Relíquia que detectava qualquer droga que pudesse afetar quem a usasse. No entanto, as resistências do portador influenciavam quais substâncias eram detectadas. E as minhas resistências estavam abaixo até mesmo de um civil comum, eram negativas. Em outras palavras, talvez a Relíquia tivesse me alertado sobre algo que não era perigoso para uma pessoa normal.
Era possível. De qualquer forma, parecia mais plausível do que o álcool envenenado ter passado despercebido pela segurança rígida. Apenas as bebidas tinham sido envenenadas, então talvez o anel tenha identificado bebidas muito fortes como algo perigoso? Isso fazia sentido, considerando que todo mundo estava bebendo sem problemas.
Mas, se eu dissesse isso em voz alta, não teria como voltar atrás. Meu coração começou a disparar ao ver as expressões sérias de Franz e dos outros cavaleiros.
— Bem, é possível que todas as bebidas envenenadas tenham sido destruídas pelo incêndio — sugeri. A única mesa restante estava atrás de mim. Mesmo que as bebidas sobreviventes não tivessem nada, eu já tinha uma desculpa na ponta da língua. — Também é possível que tenha sido um veneno feito só para mim…
— Você só fala bobagens vazias! — Franz latiu. — Você tem noção do que significa se nada for detectado nessas bebidas?
— Isso vai ser bem interessante, por si só.
— Silêncio! Isso significa que você terá manchado a reputação da Reunião da Lâmina Branca!
Talvez por deficiência de cálcio, talvez por lealdade ao imperador, Franz tinha uma presença realmente intimidadora.
Mas então, me lembrei de algo—Liz também tinha dito que as bebidas estavam envenenadas. Então eu estava certo? Talvez não. Ela sempre ia junto com qualquer coisa que eu falasse.
Depois de uma espera agonizante, um cavaleiro retornou. Ele estava pálido como um fantasma.
— Após investigarmos uma amostra das bebidas, confirmamos a presença de uma substância venenosa — relatou o cavaleiro. — E uma bem potente, por sinal.
— O quê?!
— Haha, eu estava certo!
Não pude evitar de fazer uma pose de vitória.
— Krai?! — Eva gritou.
Perfeito, meu nome estava limpo. Eu só tinha encontrado veneno nas bebidas, mas aparentemente a comida também havia sido envenenada. A Reunião da Lâmina Branca era realmente assustadora, embora não da maneira que eu esperava.
— Bem, isso resolve a questão — disse o imperador, com uma expressão amarga. — Franz, inclua isso na investigação do intruso.
— Vossa Majestade Imperial, permitam-nos ajudar no que for possível — disse Gark. Ainda achava estranho vê-lo de smoking.
O imperador olhou para mim e para o Inferno Abissal. Tecnicamente, eu era um membro da Associação dos Exploradores, mas não planejava fazer nada.
Só pude suspirar. Algo me dizia que eu estava prestes a ser arrastado para outra confusão.
Quando nossa conversa que mais parecia um interrogatório terminou, já era madrugada. Como eu realmente não sabia de nada, odiei cada segundo. Por mais que meu azar tivesse me acostumado a esse tipo de situação, eu ainda não era imune a elas.
— Parece que o império tem uma ideia do que pode ter acontecido — disse Eva. Ela não demonstrava cansaço, mesmo depois de ter que lidar comigo.
— Que se danem — resmungou Liz. — Eles estão transformando a própria incompetência no nosso problema.
— Agora, agora, pense nisso como uma chance de deixar o império em dívida conosco — disse Lucia, tentando apaziguar.
Luke e Ansem não estavam conosco, pois estavam ajudando na ronda noturna. Patrulhar o castelo meio destruído havia sido deixado a cargo de caçadores de alto nível. Franz não queria minha ajuda, então eu não fui chamado. Ele pode até ter gritado comigo várias vezes, mas acho que começaria a gostar dele. Rezei para que ele continuasse sem me dar trabalho.
— Ah, Liz. Como você conseguiu entrar na Reunião? Não tinha um monte de guardas? — perguntei.
— Hmm?
Liz piscou e olhou para Lucia, que permaneceu em silêncio. Olhei para minha irmã, e ela evitou contato visual.
Ah, então você teve suporte mágico. Entendi. Entendi. E por que estava tão determinada a entrar?!
Elas fizeram isso enquanto eu procurava qualquer desculpa para não ir. Se ao menos pudéssemos ter trocado de lugar.
Mas então, algo me ocorreu.
— Pensando bem, cadê a Tino?
— Hm? Não sei.
Liz tinha sido quem arrastou Tino junto, e agora estava se esquivando de qualquer responsabilidade. Então me virei para Lucia.
— E você, Lucy? Sabe de alguma coisa?
— Uh. Uhh… Uhhhh.
Lucia parecia nervosa, algo muito raro de se ver. Pobre Tino, até a querida Lucy a havia abandonado.
— A Siddy provavelmente cuidou disso — disse ela, desviando o olhar. — Afinal, ela não está com a gente agora.
Sitri sempre estava no controle dessas coisas. Provavelmente se segurou para não atacar a Máscara de Raposa para poder dar suporte, se necessário. Sempre podíamos contar com a Prodigiosa.
Depois disso, me senti mais tranquilo. Não foi um dia sem incidentes, mas finalmente tudo tinha ficado para trás.
Ao chegarmos na sede do clã, nos despedimos de Eva. Eu praticamente tive que arrastar meu corpo cansado escada acima. Abri a porta do meu escritório e congelei ao ver Sitri, ainda de vestido, saindo de dentro. Suas bochechas estavam coradas e ela parecia estar de ótimo humor.
— Bem-vindo de volta, Krai! T e eu plantamos aquele veneno pra você. Foi útil?
— O quê?
Olhei e vi Tino jogada no sofá. Ela estava em um vestido de gala e parecia prestes a morrer a qualquer momento.
— Aah, eu sabia que tinha algo estranho naquela hora — disse Liz, batendo as mãos como se tudo fizesse sentido agora. — Porque todo aquele vinho que o Krai Baby me entregou estava drogado, não envenenado.
— Aaaah — Lucia gemeu e esfregou as têmporas.
— O quê? Hã? Espera. Então, em outras palavras… o que aconteceu?
— Não havia nada na comida que sobrou, e achei que isso não era um bom sinal. Então vi uma oportunidade — explicou Sitri.
— Eu sou uma criminosa. Me desculpa, me desculpa, me desculpa, me desculpa, me desculpa. Mestre, minhas mãos, elas estão sujas — murmurou Tino.
Eu não conseguia entender. Não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. Tentei me manter calmo e sorri enquanto bagunçava o cabelo da Sitri. Depois decidi ir para a cama e dormir para esquecer minhas preocupações.
***
Que confronto assustador. Ao ver a Reunião mergulhada no caos pelo ataque do Inferno Abissal, ele expressou silenciosamente seu choque.
O Mil Truques já havia levado muitas organizações à ruína, mas sua habilidade mais aterrorizante era sua capacidade de obter informações. Ele sabia coisas que não deveria saber e aparecia em lugares onde não tinha razão para estar. Era evasivo e dominava truques sobre-humanos, sua expressão inabalável. Mesmo para um caçador de tesouros de alto nível, ele era excepcional. E era muito mais difícil de lidar do que alguém que simplesmente possuía força bruta.
Como ele havia detectado o intruso? Mesmo tendo testemunhado pessoalmente a Reunião, as perguntas superavam em muito as respostas. O intruso não tinha presença. Não fazia som, não emitia calor corporal. Nenhum dos sensores do castelo o havia detectado. No entanto, no momento em que apareceu, foi descoberto. O Mil Truques não demonstrou o menor sinal de que sabia que algo poderia acontecer.
Bem, havia a questão do entorpecente. Ele tinha sido distribuído aleatoriamente, mas o Mil Truques encontrou cada uma das bebidas adulteradas. Ele não usou magia, mas ainda assim parecia saber exatamente onde procurar. Essas bebidas deveriam fazer com que a Reunião mergulhasse no caos, mas os aliados do Mil Truques foram os únicos a consumi-las.
Que fascinante. Tudo era incoerente e desafiava a compreensão, mas os resultados eram claros. Tentar enganar um artífice sobre-humano seria tolice, o que significava que a única opção restante era continuar atacando. Conseguir vantagem através da força bruta, algo contra o qual nem mesmo a genialidade poderia competir — era para isso que os vilões existiam.
Que reviravolta conveniente o Mil Truques lhes proporcionou uma oportunidade perfeita para atacar. Ele deu um ovo de dragão à princesa imperial, um presente valioso, mas também extremamente perigoso.
Dragões estavam entre as criaturas mais poderosas do mundo. As riquezas que acumulavam e os ovos que botavam valiam uma fortuna, mas tomá-los era garantir a ira de um dragão. Dragões não perdoavam saqueadores. Algumas lendas até falavam sobre países inteiros sendo dizimados por abrigarem um ovo de dragão.
É claro que o Mil Truques com certeza já havia derrotado o dragão de quem roubou aquele ovo. Mas como a nobreza reagiria se seu império fosse atacado por um dragão?
Mil Truques, esse seu generoso presente será a ruína daqueles que você protege.
Tradução: Carpeado Para estas e outras obras, visite Canal no Discord do Carpeado – Clicando Aqui
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