Grieving Soul – Capítulo 3 – Volume 5
Nageki no Bourei wa Intai shitai
Let This Grieving Soul Retire Volume 05
Capítulo 3:
[O Rei da Fonte Termal]
Existem algumas armadilhas que você não consegue evitar, não importa o quanto tente. Minha sorte sempre pendeu para o lado ruim, então eu frequentemente me via envolvido em problemas. Dito isso, ir para uma fonte termal e ser sequestrado por um maluco definitivamente estava entre os meus piores golpes de azar. Para um simplório como eu, a maioria das desgraças que me aconteciam não era algo que eu pudesse evitar, por mais que quisesse.
Um caçador de Nível 8 havia sido capturado e levado para o subsolo. Essa era mais uma das engenhosas artimanhas do Mil Truques, a Operação “Toda a Humanidade é Sua Amiga: Se Não Pode Fugir Deles, Torne-se Um Deles”.
A Relíquia que Tino me deu, Forma de Miragem, era uma pulseira negra capaz de criar ilusões. Graças ao tempo que passei brincando com ela, eu tinha me tornado razoavelmente bom em produzir imagens.
Meio desesperado, ativei a pulseira e projetei miragens para obscurecer um pouco minha pele e cabelo. Isso apenas mudaria minha aparência exterior, não meu cheiro ou poderes, mas minha única esperança era tentar enganá-los.
Os Povos da Caverna pararam diante da minha cela. Eles emitiram ruídos ameaçadores enquanto me observavam—mas então começaram a piscar os olhos. Um dos Povos da Caverna, parecido com uma pedra (alguns deles eram tão grandes que eu nem tinha certeza se os que estavam na minha frente eram da mesma espécie), fez um som duvidoso.
— Ryu?!
Me perguntei o que eles tinham dito. Pisquei algumas vezes. Então, o Povo da Caverna que me sequestrou, aquele com os padrões na testa, surgiu entre os outros maiores.
— Ryun-ryuu-ryu — disse ele aos Povos da Caverna várias vezes maiores que ele.
É… Não faço ideia do que essa língua significa.
O pequeno Povo da Caverna apontou seus cabelos-tentáculo para mim e continuou falando, como se estivesse se justificando.
— Ryuu-ryuu.
— Ryuuu — respondeu outro Povo da Caverna, levantando os braços para cima e para baixo. Tive a impressão de que eles estavam discutindo.
Mesmo com minhas miragens, eu não achava que estava parecido o suficiente com um Povo da Caverna. Mas talvez, só talvez, eles fossem uma cultura que valorizava mais o que estava por dentro do que por fora?
Eu sou um de vocês. Eu sou um amigo.
Me agarrando a esses pensamentos, falei:
— Ryu-ryunga-ryuu.
Eles pareceram surpresos. Agora, eu nem preciso dizer, mas eu não falava a língua dos Povos da Caverna. Mas, como diz o ditado, quem não arrisca, não petisca. Eu tinha confiança de que meus sentimentos foram transmitidos.
— Ryuu-ryuu-ryuu-un — continuei.
— Ryuu? — o Povo da Caverna com padrões na testa inclinou a cabeça.
Não tinha certeza, mas parecia que até a entonação da língua deles era diferente da nossa. Eu não fazia ideia de como eles conseguiam se comunicar com tão poucos sons. Para falar a verdade, eu nem sabia o que estava dizendo. Mas estávamos tendo uma conversa, e isso era melhor do que nada.
Sitri, apressa logo…
Balancei a cabeça, tentando transmitir meus pensamentos. Sim, claro, aham.
— Ryun-ryun-ryuu-ryu-ryu!
Parece que eu consegui convencê-los.
Os Povos da Caverna ficaram agitados enquanto me soltavam da cela. Eu parecia ser muito repreendido, mesmo quando tentava ser o mais genuíno possível. Talvez só dizer qualquer coisa que soe bem fosse uma forma melhor de negociação. Mas o que isso dizia sobre mim?
Enquanto caminhávamos pela cidade deles, o pequeno Povo da Caverna (provavelmente uma garota) ficava me chamando de ryuu-ryuu, o Povo da Caverna robusto (provavelmente um garoto) me dirigia ryuu-ryuu com uma voz profunda, e eu fazia o possível para responder.
Fora da cela, o espaço era muito maior do que eu esperava. Nunca teria imaginado que existisse uma caverna tão grande ali embaixo. Era grande o suficiente para caber toda Suls dentro dela. Além disso, estava quente. Câmaras subterrâneas costumam ser frias, mas esse claramente não era o caso.
Andamos por um caminho estreito equipado com corrimões. Ao olhar para baixo, vi um rio brilhante de magma fluindo sob nós. Os Povos da Caverna eram mais avançados do que eu imaginava. Consegui ver aquedutos fumegantes e várias casas de pedra, de onde alguns Povos da Caverna me observavam com curiosidade.
O teto da caverna era absurdamente alto. Não sabia o quão fundo no subsolo eu estava, mas percebi que não conseguiria sair sem ajuda. Vi Povos da Caverna escalando as paredes da caverna com seus cabelos-tentáculo, mas eu não tinha a destreza para fazer algo assim.
Nossa. O mundo realmente está cheio de coisas misteriosas. Mas para onde estão me levando? Eu esperava que me mostrassem a saída…
Cercado pelos imensos Povos da Caverna, me vi descendo ainda mais fundo. Paramos diante de uma área circular rodeada de magma. Eu tentava lembrar do que aquele lugar me lembrava, até que me deu um estalo—era uma arena de combate! Parei imediatamente diante daquele cenário ominoso.
— Ryuu-ryu-ryuu?
— Ryuu-ryuu!
Eu não fazia ideia do que estávamos dizendo. Um dos cabelos me empurrou por trás, me forçando a seguir em frente. Por causa do magma, estava absurdamente quente ali, como se eu tivesse sido jogado em uma sauna. Havia apenas um caminho, e ele me levava ao centro do círculo. Os Povos da Caverna ao redor começaram a torcer.
— Ryuu-ryuu-ryu-ryuu!
Parece que sou popular. Sem saber o que mais fazer, levantei a mão em resposta.
— Ryu-ryunga-ryu-u!
— Ryuu-ryuu-ryuw-ryu-ryuu!
Se eu sair vivo dessa, vou contar tudo para a Sitri.
Os gritos da multidão ficaram ensurdecedores. Enxames de Povos da Caverna haviam escalado as paredes e me observavam atentamente.
Então, pelo mesmo caminho por onde eu entrei, surgiu um Povo da Caverna. Ele era visivelmente maior do que os outros machos que me trouxeram até ali. Sua carne não parecia nem um pouco humana. E, muito provavelmente, ele não era humano.
Ele ficou de frente para mim, ergueu um cacho de cabelo (se é que dá para chamar assim) e desceu com força a poucos centímetros de mim. Eu nem tive tempo de reagir—quando percebi que estava sendo atacado, o golpe já havia aberto uma cratera no chão. O solo tremeu e minhas pernas vacilaram. A torcida explodiu em gritos de empolgação. O Ladino das Cavernas soltou um rugido triunfante.
E então, algo me ocorreu.
Espera… Eu tenho que lutar contra esse cara?
— Ryu, ryu-ryu. Ryu-u…
— Ryuuuuu!!!
Meu pedido por uma trégua foi respondido com um rugido estrondoso. Os cabelos do meu oponente se estenderam e vieram na minha direção por vários ângulos ao mesmo tempo. Obviamente, não havia como eu desviar de tudo. Um dos meus Anéis de Proteção foi ativado e bloqueou o golpe avassalador. Os ataques aconteceram em uma janela curta o suficiente para que eu conseguisse me safar usando apenas um dos meus anéis.
O Povo da Caverna me encararam incrédulos ao perceberem que eu bloqueei o ataque sem nem me mover. Sem perder tempo, ativei o pingente Manifestação da Aspiração. O nome de um feitiço flutuou na minha mente. Eu podia lançá-lo sem precisar recitar as palavras, mas fiz isso por hábito.
— Ryu-ryuu-ryu-ryu, ryu-ryuu-ryu!
(Sopro Gélido.)
Uma rajada de vento frio passou por mim. Manifestação da Aspiração era uma Relíquia complicada. Armazenar um feitiço nela exigia cem vezes mais mana do que o normal e, mesmo assim, resultava em uma perda de eficiência.
Atingido pela brisa gelada, o povo da caverna gigantesco soltou um grito abafado.
— Ryu?!
Então, parou. Seus olhos arregalados, seus cabelos estendidos—tudo congelado no tempo. A plateia ficou em silêncio por um breve momento antes de explodir novamente em aplausos e gritos.
Eu era a pessoa mais surpresa ali. O Povo da Caverna deviam ser fracos contra o frio, se até um brutamontes daquele tamanho foi derrubado por uma brisa leve. Entre os monstros, algumas espécies tinham fraquezas elementares específicas. Fazia sentido que um povo que vivia ao lado de um rio de magma fosse vulnerável ao frio. Eu, por outro lado, estava prestes a desmaiar de calor.
Estendi a mão e toquei o corpo congelado do Cave Person. No momento em que entrei em contato com sua superfície gelada, seus olhos tremeram e ele soltou um gemido grave e lento.
— Hã?!
Ele não morreu? Bom, por que teria morrido?
Eu me odiei por ser tão burro. Não havia como um feitiço armazenado de má vontade pela Kris se comparar com os que a Lucia sempre preparava para mim.
Os tentáculos do povo da caverna começaram a se contorcer de novo e vieram de baixo para cima. Eu estava indefeso, exceto pelos meus Anéis de Proteção, e não tinha mais feitiços preparados pela Kris. O povo da caverna parecia furioso. Um tremor percorreu o chão quando ele ergueu não os cabelos, mas os braços. Garras longas e afiadas como lâminas saíram de suas mãos.
Mas então, um grito agudo ecoou fora da arena.
— Ryu-ryu-ryuuuuu!
O gigante parou imediatamente, os braços ainda erguidos. A dona da voz era a pequena Pessoa da Caverna. Ela estava parada logo além do caminho que levava ao ringue.
— Ryu-u-ryu-u! Ryu-ryu-ryu-ryu-ryu!
— Ryu-u?
— Ryuun!
Eu não fazia a menor ideia do que eles estavam dizendo. Mas a garota da Caverna apontava para mim e gritava, e, em resposta, o pessoa da Caverna gigante decidiu não me reduzir a tiras de carne e abaixou os braços. Ele me disse alguns “ryu-ryus” curtos antes de se virar e sair da arena.
Hm. Entendi. Ainda não faço ideia do que está acontecendo, mas parece que fui considerado o vencedor. Vou ter que comprar um souvenir para a Kris.
Eu fiquei parado, cambaleando por causa do calor intenso, quando algo inacreditável aconteceu. Cinco Pessoas da Caverna entraram no ringue e rapidamente me cercaram. Cada um deles era tão grande quanto, se não maior, que o que eu tinha acabado de enfrentar. Seja lá qual fosse o propósito disso, estava além da minha compreensão.
Hã? Segunda rodada?
Um desses caras já era demais para mim, e agora eu estava completamente em desvantagem numérica. Meu estômago revirou. Olhei para a garota da Caverna que tinha intercedido por mim, mas ela apenas me encarou com uma expressão vaga e acenou com a cabeça. Sem ter outra opção, soltei um suspiro e comecei a implorar por misericórdia.
— Ryu, Ryu-ryu…ryu-u…ryu!
Os povos da caverna rugiram e avançaram na minha direção.
— Ryu-uuuuuu!
Eles pareciam irritados.
Minha tentativa falhou. Eu nem sabia o que estava dizendo, então não tinha como saber onde errei.
Cinco Pessoas da Caverna gigantescos avançaram. Eles atacaram com toda a força um coitado como eu. Nem um pingo de honra guerreira entre eles. Nem ao menos vinham de frente, atacavam todos ao mesmo tempo. Eu estava perdido de qualquer jeito—nenhuma quantidade de Anéis de Proteção me salvaria de ser atingido por todos os lados ao mesmo tempo.
Sem mais nada a perder, ativei o souvenir da Sitri, a misteriosa Manifestação da Aspiração. Um nome de feitiço completamente novo surgiu na minha mente.
— Ryuu-ryun-ryu-ryu-ryu.
(Extinção Silenciosa.)
O feitiço foi lançado. Ao contrário do nome chamativo, ele não teve efeitos óbvios. Não senti nenhuma rajada fria como no feitiço da Kris, e mesmo assim o Povo da Caverna ao meu redor pararam no mesmo instante, os olhos arregalados.
O que aconteceu?
Eu era a pessoa mais confusa ali.
— Ryu-ryu?!
Os corpos dos Cave People começaram a inchar. Os espectadores gritaram surpresos. Os corpos robustos, parecidos com rochas, começaram a se expandir. Eles já eram bem resistentes, mas agora seus músculos ficaram ainda maiores, e eles cresceram até ficarem do tamanho de casas. No começo, tinham aproximadamente o tamanho do Gark, mas agora estavam pouco abaixo da altura do Ansem. Não, “mudança” não era a palavra certa. Eles estavam evoluindo.
Os espectadores estavam espantados, mas a pessoa mais perplexa ali era eu. Olhos dourados e injetados de sangue—cinco pares deles—me encaravam.
Hã? Não me diga que o feitiço naquela Relíquia era um feitiço de aprimoramento? Com que frequência isso acontece?!
As coisas não podiam ficar piores. Eu já não tinha chance desde o começo, mas agora é que eu não tinha mesmo.
O que diabos eu faço agora?! Isso é impossível!
— Ryu-u — soltei sem querer.
O calor excessivo estava me deixando tonto. Era quente demais, eu cambaleei e segurei minha cabeça. Parecia o meu fim. Eu ia morrer naquela arena. Eu queria ter encontrado Luka, Lucia e Ansem mais uma vez. Se eu fosse morrer de qualquer jeito, então eu devia ter me casado com a Sitri. Devia ter brincado com a Liz.
É por isso que eu queria me aposentar!
Mas, pensando bem, eu nem estava em uma região perigosa, então isso podia ter acontecido mesmo que eu tivesse me aposentado.
Eu não tinha mais opções, não havia nada que eu pudesse fazer. Comecei a desviar meus olhos e ouvidos da realidade, mas então ouvi uma voz trêmula.
— Ryu-uuuuuu!
Já que os Povos das Cavernas pareciam humanos, eu não conseguia entender por que falavam tão diferente de nós. Mantive os olhos fechados e esperei pelo fim, mas nenhum ataque veio em minha direção. Lentamente, abri os olhos e mal consegui segurar um grito.
O quê?
Por algum motivo, os Povos das Cavernas aprimorados estavam todos prostrados diante de mim. Eles não tinham sido incapacitados. Em vez disso, abaixaram a cabeça como se estivessem se curvando, com os cabelos caindo frouxamente no chão.
Eu não entendia o que estava acontecendo, mas a plateia deu a maior explosão de aplausos até agora. O magma correndo tremeu violentamente. Eu estava cercado por um anel de magma e recebia uma ovação estrondosa de ryu-ryus. Provavelmente, eu era a única pessoa no mundo a ter uma experiência dessas. Infelizmente, eu estava prestes a desmaiar por causa do calor. Um Anel de Segurança não protegia contra altas temperaturas. Para isso, era necessária uma Relíquia completamente diferente.
— Ryu… — murmurei antes de cair de joelhos.
Num instante, me vi sendo segurado por tentáculos. Eles vinham da origem de tudo isso, a Pessoa da Caverna que me pegou e me trouxe até aqui. Abri os olhos e vi ela ryu-ryuando para mim. Perdendo a consciência, ryu-ryuei em resposta. Eu estava começando a me acostumar com isso. Eu podia simplesmente responder tudo com ryu-ryu.
Quando ouviram minha resposta, os Povos das Cavernas ergueram os braços e gritaram.
— Ryuuuuuuuuun!
***
Quando me dei conta, estava no topo das costas de um Povo da Caverna aprimorado, olhando para baixo para a paisagem urbana de Suls.
Do alto de um dos prédios mais altos, consegui ver fumaça subindo da cidade normalmente pacata. Eu percebi que algo ruim estava acontecendo, mas não fazia ideia do quê.
Tudo o que eu tinha dito era “ryu-u-ryu-u”. Admito que estava me divertindo um pouco com isso, mas só isso. E, de alguma forma, agora eu tinha algo parecido com uma coroa na cabeça e estava sendo carregado como se fosse um objeto sagrado.
Um número chocante de Povos das Cavernas tinha subido conosco das cavernas. Observando o caminho que tomamos até a superfície, parecia que o buraco escavado pelos trabalhadores da construção tinha cruzado com o caminho subterrâneo de uma civilização. Que azar.
Os cabelos tentaculares e as garras dos Povos das Cavernas pareciam ser bem úteis para cavar e escalar superfícies verticais. O caminho subterrâneo era estreito, então nem todos podiam sair de uma vez, mas mesmo enquanto estávamos no topo do prédio, mais e mais deles emergiam do buraco.
Eu me perguntei se talvez os Povos das Cavernas fossem, na verdade, monstros. Talvez isso fosse um grande problema? Mas eu não sabia o que fazer a respeito.
Perto de mim, minha sequestradora de antes agora estava ajoelhada e me olhando de baixo para cima. Eu não tinha muita certeza, mas, se meus olhos não me enganavam, ela estava me demonstrando respeito. Não dava para ter certeza, mas parecia que ela esperava que eu dissesse alguma coisa.
O que eu deveria dizer? Achei que algo como “Obrigado por me trazer de volta, agora voltem para o subterrâneo” ou talvez “Não machuquem os humanos” faria sentido.
Respirei fundo e foquei em um único pensamento: voltem para o subterrâneo.
— Ryu-ryuu-ryu-ryu-ryu-ryu-ryu — falei.
A (provavelmente) mulher do Povo da Caverna retransmitiu minhas palavras para os outros abaixo de nós.
— Ryu-ru-ru-ru-ru-ru-ru-ru-ru!
Quando ouviram o que ela disse, todos levantaram os cabelos para cima ao mesmo tempo, soltaram gritos agudos e dispararam em todas as direções.
***
O pânico tomou conta da estalagem. Quando os guardas perceberam que algo estava acontecendo, tentaram manter os olhos em Tino e nos outros caçadores por um tempo. No entanto, logo perderam o luxo de vigiar qualquer um além de si mesmos.
Era a quantidade deles. As criaturas bizarras eram numerosas o bastante para esmagar a massa de lutadores bem treinados do Esquadrão de Bandidos Barrel. Em uma reviravolta irônica do destino, os ladrões que dependiam da superioridade numérica para dominar Suls agora estavam sendo esmagados por uma força ainda maior.
Naturalmente, Tino e os outros não seriam poupados.
— É agora que os Ladinos brilham! Entendeu, T?!
Lizzy pegou um pedaço de fio que tinha escondido e soltou as algemas de Tino como se fosse mágica. Ela passou o fio para Tino e, em seguida, lançou um chute certeiro que fez as criaturas que se aproximavam voarem para trás.
— T, liberta todo mundo das algemas! Você tem cinco minutos ou vai lutar algemada.
— Hã?! O-Ok, Lizzy!
Pelo visto, Lizzy conseguia manter sua postura habitual até mesmo em situações como aquela. De certa forma, isso era reconfortante para Tino. Apressada, ela começou a soltar as algemas de Siddy.
Seria uma sorte incrível se os invasores estivessem atacando apenas os membros do Barrel, mas não era o caso. Eles estavam focados nos bandidos por causa da grande quantidade deles, mas também iriam atrás dos caçadores e dos guardas da cidade. Se Tino não se apressasse, alguém poderia morrer.
Enquanto mexia desesperadamente no fio, Tino ouvia Lizzy e Siddy. Ambas pareciam perfeitamente calmas.
— Faz um tempo desde que estivemos em uma situação assim. O que fazemos?
— Mmm, bem, acho que resgatar os reféns deve ser nossa principal prioridade. Se essas criaturas estão atacando a cidade inteira, então os guardas provavelmente estão em pânico.
Hm? Elas estão pensando nos reféns numa hora dessas?!
A Sombra Sufocada não era alguém presa à moral da sociedade. Mesmo aqueles com um forte senso de justiça teriam dificuldade em colocar os reféns como prioridade máxima em uma situação dessas. E, no entanto, Lizzy parecia perfeitamente satisfeita com a proposta de Siddy.
Distraída, a mão de Tino escorregou e as algemas se abriram com um clique alto. Siddy sacudiu as mãos e lançou um olhar severo para os agressores descontrolados, que gritavam ryu-ryu.
— Parece que as palavras deles coincidem com as usadas pela maioria dos Trogloditas. Bem, na verdade, não são palavras, mas sons que eles usam para se comunicar…
— Hã?! Siddy, você consegue entender o que eles estão dizendo?!
— Não consigo falar a língua deles, mas posso ouvir e entender o essencial do que dizem.
Ela conseguia ouvir. Isso já era impressionante o suficiente. Concentrando-se, Tino conseguiu distinguir diferentes sons e entonações, mas ainda assim teve dificuldade em acreditar que Siddy podia decifrar a linguagem deles.
— O que eles estão dizendo? — perguntou Tino.
— Hum… “O rei decretou. Mostrem sua força e provaremos a vitória para nosso rei e princesa. Não temam os demônios ancestrais. Agora é nossa chance de realizar nossas ambições de longa data e governar a superfície.”
Aqueles sons estridentes formaram uma frase tão longa?! Sem falar no conteúdo dela. Tino não conseguia acompanhar.
Lizzy sorriu ao desviar de um tentáculo e varrer as pernas de um Troglodita. Com a criatura cinzenta no chão, ela esmagou seu crânio com o pé.
— Hmph. Esse rei deles não pode ser tão forte — disse ela. — Estou curiosa sobre esses demônios, mas por enquanto só precisamos derrubar o rei e a princesa deles, certo?
Enquanto Tino estava perplexa, Lizzy abordou a situação de forma bem simples.
Entendi. Se for assim, ainda podemos vencer. Temos força para isso.
No entanto, Siddy balançou a cabeça, desanimada.
— Mmm, considerando a cultura dos Trogloditas, se matarmos o rei e a princesa, podemos acabar inspirando-os a lutar até o último suspiro. Eles acreditam que seu rei é absoluto.
Tino conseguiu terminar de soltar as algemas de todos e, no processo, aprendeu uma valiosa lição sobre a importância de saber arrombar fechaduras. Felizmente, nenhum dos caçadores cativos ou guardas da cidade havia sido ferido. Isso porque as irmãs Smart atraíram a atenção da maioria dos Trogloditas.
— Parece que os guerreiros valem mais pontos para eles — disse Siddy, usando a irmã como escudo.
— Hã? Então todos eles pensam como Luke? Respeito isso — respondeu Lizzy.
Com as algemas removidas, os caçadores do Turbilhão Abrasador e da Névoa Caída retornaram à linha de frente. Os guardas da cidade também estavam livres, mas pareciam pouco acostumados a situações inesperadas e não seriam de muita ajuda.
A maioria dos bandidos já havia fugido da estalagem. Usando sua Relíquia, Siddy injetou uma poção em Arnold, que se contorcia no chão. Sua expressão de agonia suavizou um pouco.
— Obrigado por isso — disse Eigh.
— Oh, de nada — respondeu Sitri. — A cooperação mútua faz o mundo girar. Vamos focar no futuro.
— C-Certo. Não sei bem o que está acontecendo, mas claramente não é nada bom.
Os caçadores estavam em menor número, mas cada um deles era mais forte que um Troglodita individualmente. Tino e as irmãs Smart não podiam usar magia, mas a Névoa Caída tinha um Magus. Siddy analisou a situação por alguns segundos e tomou sua decisão.
— Vamos nos dividir. Vamos eliminar a fonte. Posso pedir que você e seu grupo procurem os reféns? — ela propôs.
— O quê?!
— Os Trogloditas parecem priorizar os guerreiros. Com a falta de material de mana, os não combatentes devem ser uma prioridade baixa para eles. Isso significa que há uma grande chance de os reféns ainda estarem vivos.
Foi nesse momento que Arnold se apoiou nos cotovelos. Seu rosto ainda não estava com uma boa cor, mas o simples fato de conseguir se mover indicava que Siddy devia ter lhe dado uma poção extraordinária. Ele estabilizou a respiração irregular e lançou um olhar severo para ela.
— A fonte. Cuidem disso. Nosso grupo é maior. Pegamos os reféns — disse ele.
Pelo visto, ele podia se mover. Arnold se levantou e desferiu um soco direto contra um Troglodita que mergulhava em sua direção. A criatura colidiu com alguns de seus companheiros e formou uma cratera na parede. Ele havia perseguido o mestre dela e lutado pessoalmente contra ela, mas Tino estava feliz por tê-lo ao seu lado.
Arnold pegou uma espada de um bandido caído e a ergueu no ar.
— Sigam-me, vamos abrir caminho! — ele rugiu. — Esta é a nossa chance de mostrar do que os guerreiros de Nebulanubes são capazes!
Ele avançou. Mesmo se recuperando do veneno e sem sua arma usual, o Relâmpago Estrondoso era um caçador de imenso poder. Com uma lâmina que nem estava acostumado a usar, cortava hordas de Trogloditas.
— Eu recomendaria não usar venenos. Os corpos deles são diferentes dos nossos, e um veneno pode ter o efeito oposto do pretendido! — avisou Siddy.
Com ela e a dupla Drink e Matadinho, sofreram quase nenhum ferimento enquanto lutavam para sair da estalagem. Do lado de fora, a situação estava tão ruim quanto lá dentro. Trogloditas corpulentos lotavam as ruas, o chão coberto de bandidos e Trogloditas que, aparentemente, foram abatidos junto com eles. As criaturas soltaram um grito estrondoso de vitória.
— Ryu-uuu!
Uma infinidade de olhos dourados, ávidos por presas, voltaram-se para Tino e os outros caçadores. Tino desejou ter aquela máscara que seu mestre lhe dera. Respirou fundo algumas vezes e rasgou um pedaço da lateral de sua túnica para que não atrapalhasse seus chutes. Aquilo era um campo de batalha e eles estavam enfrentando monstros. Mesmo com ajuda, um erro momentâneo poderia custar sua vida.
Arnold olhava para os Trogloditas da mesma forma que já olhara para Krai.
— Suba naquele telhado. Vamos procurar os reféns — disse ele com a voz tensa.
Névoa Caída e os guardas da cidade se prepararam. Eigh parecia seu típico eu despreocupado, mas seu sorriso deixava claro que estava pronto para o que viesse.
— Não podemos correr com tantos deles por aqui. Teremos que lutar. Ainda bem que só precisamos aguentar até vocês derrotarem a origem dos nossos problemas — disse ele.
***
Era o pior dia de sua vida. Marcos, o chefe de Suls, era um homem que há muito tempo supervisionava o desenvolvimento da pacífica cidade das fontes termais. Espantado e confuso, ele olhava para a praça.
As mudanças inacreditáveis eram demais para ele processar. Marcos conseguira liderar Suls por tanto tempo porque a cidade tinha um histórico de tranquilidade. O dragão das fontes termais aparecendo em uma pousada de luxo após dez anos sem ser visto já estava além de sua capacidade de compreensão.
Quando se deu conta, havia sido capturado por bandidos e arrastado até a praça da cidade. Com muitos turistas assustados pelos rumores sobre o Esquadrão de Bandidos Barril, a maioria das pessoas na cidade eram rostos conhecidos. Foi só então que ele finalmente soube que os bandidos haviam tomado Suls.
Os cidadãos não foram tratados com brutalidade nem amarrados, provavelmente porque os bandidos não achavam que valia a pena. Nenhuma das pessoas na praça tinha qualquer experiência em combate. E quem poderia culpá-los por sua complacência? Bastava um olhar ameaçador para que Marcos perdesse qualquer vontade de resistir.
Os cidadãos tinham uma única opção: os golems instantâneos que haviam recebido dias atrás do Alquimista dos renomados Grieving Souls. Haviam sido emprestados gratuitamente e bastava colocar o núcleo em água para formar um golem poderoso. Mas Marcos não os utilizou.
Ele sentia que resistir só convidaria sua morte e que era melhor esperar pela ajuda. Mas, mais do que isso, ele estava simplesmente apavorado com os bandidos. Eles nem sequer tentaram desarmar os cidadãos, algo que ele poderia ter usado a seu favor. Mas não o fez. Os bandidos eram lutadores habilidosos e ele não tinha certeza se os golems seriam suficientes para detê-los. Essas eram as desculpas que ele dava, mas ele não estava enganando a si mesmo.
E assim, enquanto se sentava em meio ao medo junto com os outros cidadãos, a situação se desenvolveu mais uma vez de maneira abrupta. Os guardas que vigiavam os cidadãos desapareceram. Isso incluía o homem que havia dito que os mataria se resistissem e a mulher que os desprezava por não resistirem. Eles haviam sido atacados por uma súbita enxurrada de monstros e fugiram ao perceber que estavam em desvantagem.
Tudo o que restava na praça eram os cidadãos e os monstros cinzentos ao seu redor. Marcos nunca havia visto essas criaturas antes. Eram poderosas, inteligentes e haviam espantado um bando de bandidos bem coordenado. Essa não era uma situação que um simples prefeito como Marcos poderia resolver.
Os monstros haviam atacado os bandidos, mas, por alguma razão, deixaram os cidadãos em paz. No entanto, seus olhos minerais estavam desprovidos de misericórdia e eles se posicionaram ao redor dos reféns enquanto conversavam em sua língua peculiar. Estava claro que não planejavam deixá-los ir.
Os reféns empalideceram, alguns tremiam. Não era surpresa que tivessem perdido a vontade de fugir depois de ver os monstros atacando os bandidos em perfeita sintonia. Alguns cidadãos chegaram a desmaiar de choque.
Marcos tentou se distrair pensando no que era pior: bandidos ou monstros? Mas, de repente, um dos monstros começou a andar para frente. Marcos sentiu sua mente ficar em branco de medo e tensão, mas a criatura passou direto por ele.
Quando o monstro parou, não foi na frente de Marcos, mas sim de um comerciante local. O homem tinha um porte físico avantajado e costumava se gabar de ser o mais forte de Suls. Claro, ele não estava acostumado a situações perigosas e não se comparava aos caçadores de tesouros.
Os tentáculos do monstro se estenderam e se enrolaram ao redor do torso do comerciante ansioso. Embora tivesse quase dois metros de altura, o homem foi facilmente erguido do chão. Ele gritou e se debateu, mas não teve qualquer efeito sobre a grande criatura inumana.
— Ryuu-ryuu.
Marcos não sabia o que o monstro estava dizendo, mas sua intenção era clara. Sua voz estava calma, sem mais conter a violência que tivera ao atacar os bandidos. Parecia até entediado, como um humano poderia estar.
O comerciante foi levantado bem alto. O que o monstro ia fazer? No momento em que Marcos percebeu, sua mão instintivamente alcançou o bolso em busca dos núcleos de golem.
Ele soltou um grito alto enquanto espalhava os dez núcleos. Em pânico, os lançou de qualquer jeito, e um dos núcleos rolou pelo chão até cair em um esgoto. Assim como a Alquimista havia dito em sua apresentação, a transformação ocorreu em poucos segundos. O núcleo absorveu a água quente e surgiu uma figura translúcida.
Os monstros ao redor, até mesmo aquele que estava prestes a arremessar o comerciante ao chão, olharam diretamente para o golem.
— Ryuu?!
O golem de três bilhões de gild começou a se mover por conta própria. A primeira coisa que fez foi derrubar os outros núcleos na vala. Marcos observou chocado enquanto golems brotavam do chão como árvores bem diante de seus olhos.
O mercador que estava sendo segurado no alto foi jogado de lado como um pedaço de lixo. Os monstros tagarelavam de excitação, exatamente como haviam feito ao lutar contra os bandidos. Os monstros atacaram os golems, e os golems revidaram sem medo. Talvez por serem formados de água termal, os golems permaneceram firmes mesmo quando atingidos por tentáculos.
Ooh. Se sairmos vivos dessa, acho que vou comprar o máximo de núcleos de golem de água termal que puder, pensou Marcos enquanto assistia à feroz batalha entre monstros e golems se desenrolar bem diante dele.
***
Saltando de telhado em telhado, eles atravessaram Suls. A pisada de Tino era incerta, mas ela havia sido treinada por Lizzy nos telhados da capital imperial. Comparado à capital, que tinha edifícios de alturas extremamente variadas, Suls era bem mais fácil de atravessar.
Os Trogloditas se mantinham no chão. Alguns deles avistaram Tino e as irmãs Smart, mas nenhum tentou subir nos edifícios. Sendo uma raça de subterrâneos, provavelmente não estavam acostumados a lugares altos. Mesmo que tentassem persegui-las, Tino e suas aliadas poderiam facilmente superá-los.
— Ainda assim, não consigo parar de pensar de onde eles vieram — disse Siddy em voz alta enquanto olhava para a cidade. Apesar de ser uma Alquimista, parecia perfeitamente confortável correndo pelos telhados.
— Boa pergunta — respondeu Liz. — Trogloditas normalmente vivem no subterrâneo, então…
Provavelmente eram os Sapiens mencionados nas lendas locais. Olhando novamente, Tino ficou impressionada com a quantidade. Talvez até superassem toda a população de Suls. Como um exército tão grande conseguiu permanecer desconhecido por tanto tempo?
Uma quantidade assim de Trogloditas tornaria a batalha árdua, mesmo se Barrel já não estivesse causando estragos. Se é que havia um lado positivo, era que os bandidos estavam presentes e desviavam parte da atenção das criaturas.
Não, não se precipite, Tino disse a si mesma, afastando esse pensamento de sua cabeça. Seu mestre e o Esquadrão de Ladrões Barrel nunca haviam se encontrado antes, e ele jamais permitiria bandidos em uma cidade. Não importa o quão genial alguém fosse, era impossível ter controle total sobre as ações de bandidos. Seu mestre era um deus, mas não um deus malévolo. Provavelmente.
O objetivo deles era encontrar o ponto de origem dos inúmeros Trogloditas, e não demorou para que o encontrassem. No canteiro de obras pelo qual haviam passado mais cedo, era possível ver um fluxo constante de criaturas saindo de um buraco no chão.
— Aah, esse buraco deve estar conectado à casa deles — disse Siddy, erguendo as sobrancelhas. — Mas eu nunca vi algo assim acontecer.
— Hmm, então fechamos ele? — perguntou Lizzy.
Siddy piscou e olhou ao redor para o fluxo interminável de invasores.
— Se fizermos isso, eles simplesmente vão desfazer nosso trabalho — disse ela. — Trogloditas são muito bons em cavar. Parece que o assentamento deles deve ser bem grande. Eles normalmente não formam bandos tão grandes assim.
Então, Tino percebeu algo: depois de sair do buraco, cada Troglodita virava-se primeiro para uma direção específica e fazia um som. As duas irmãs também notaram e viraram a cabeça para o mesmo lado.
Dois pares de olhos rosados se arregalaram ao mesmo tempo.
Os Trogloditas estavam olhando para um prédio alto no centro da cidade, onde um Troglodita excepcionalmente grande parecia estar ajoelhado no topo do edifício. Especificamente, as criaturas estavam olhando para uma sombra esguia sobre o brutamontes. Tino ficou sem palavras.
— Ouvi dizer que, na cultura Troglodita, indivíduos pequenos e esguios são reverenciados — disse Siddy, tentando explicar.
— M-Mas, Siddy, Mestre não é um Troglodita.
Tino jamais confundiria outra pessoa com seu amado mestre. Honestamente, ela não via como alguém poderia confundir o homem sentado no trono Troglodita com qualquer outro. A cor da pele e o rosto dele estavam um pouco diferentes do normal, mas isso mal constituía um disfarce. Ele ainda estava de yukata.
— Ryuu-ryuu-ryuu! — cantaram os Trogloditas em uníssono. Havia algo de onírico naquilo tudo.
Siddy, sempre prestativa, ofereceu uma tradução.
— ‘Ó Rei, seus leais servos aguardam sua orientação’ — disse ela, visivelmente confusa. Nem ela poderia ter previsto isso.
— Esse Krai Baby. Quando foi que ele virou rei? — comentou Liz.
Krai então ergueu a mão direita e respondeu aos Trogloditas em um tom melódico.
— Ryuu-ryuu-ryuu-ryu-ryu.
Os Trogloditas recém-chegados gritaram de empolgação e se espalharam como uma matilha de feras. Siddy ficou paralisada de medo.
— O-O que ele disse? — perguntou Tino, hesitante.
Siddy só conseguia captar o significado geral do que as criaturas diziam, mas parecia que Krai era fluente na língua deles. Tino não sabia se deveria ficar impressionada ou perplexa. Não fazia ideia do que seu mestre havia dito, mas duvidava que ele estivesse simplesmente ryu-ryuizando sem propósito. Ele não era esse tipo de pessoa.
Siddy piscou algumas vezes e franziu a testa.
— ‘Matem todos. Com toda a velocidade possível, tragam-me o sangue dos guerreiros mais poderosos. A superfície será nossa’ — disse ela.
— Mestre jamais diria algo assim!
Essas eram, inegavelmente, palavras de um vilão. Além disso, se a tradução de Siddy estivesse correta, era culpa de seu mestre que Suls havia mergulhado no caos.
— Oh? Talvez ele ainda esteja bravo por causa da guerra de travesseiros? — sugeriu Lizzy.
— Deixando nossa guerra de travesseiros de lado, talvez ele esteja tentando eliminar eficientemente tanto os Trogloditas quanto Barrel? Porém, isso está um pouco mais violento do que o normal — ponderou Siddy.
— Mestre, talvez você não devesse estar fazendo isso?!
Era realmente impressionante que Siddy conseguisse descrever isso como “um pouco mais violento do que o normal”. A cidade inteira estava sendo destruída.
— Se aquele buraco está conectado à casa dos Trogloditas, então era apenas questão de tempo até que eles aparecessem — Siddy concluiu, inclinando a cabeça. — Se eles tivessem escolhido aparecer quando não estivéssemos por perto, Suls sem dúvida teria sido destruída.
Tino mal podia acreditar no que estava ouvindo.
— Ele não deveria ter dito algo antes?!
Seu mestre frequentemente envolvia os membros do clã e outros caçadores em seus Mil Desafios, mas nunca havia colocado civis em risco em uma escala tão grande. Mesmo que ele apenas quisesse desviar a atenção de Arnold, o melhor caçador de Zebrudia certamente teria outras opções à sua disposição. E ainda assim, parecia estar instigando o caos (supondo que a tradução de Siddy estivesse correta).
— Resta um problema, no entanto — disse Siddy. — Com os Trogloditas tão agitados, como Krai pretende mantê-los sob controle quando tudo isso acabar?
Tino ficou surpresa.
— Ele não pode simplesmente ordenar?
— Mesmo que pudesse, não é fácil conter um ímpeto tão grande — disse Siddy, realmente intrigada.
No fundo, Tino estava horrorizada com a ideia de que esse plano era ininteligível até mesmo para alguém que era amiga de infância de Krai e outrora considerada uma das maiores Alquimistas.
Ela se preocupou brevemente que talvez esse fosse seu jeito de dizer que estava deixando a situação nas mãos delas. Isso era demais para Tino. Era possível que esse fosse um Desafio feito com as irmãs Smart em mente, mas também era uma ameaça para sua vida.
— Ah, vamos lá! Se temos tempo para especular, melhor perguntar direto. Ei, Krai Baby! — Liz chamou, acenando com as mãos em largos arcos.
O olhar de Krai se fixou em Tino e nas irmãs Smart, e ele sorriu. Mas então, a pequena Troglodita ao seu lado saltou em direção a elas. Voou pelo ar e pousou no telhado onde estavam com a agilidade de uma Ladina.
Parecia que machos e fêmeas Trogloditas variavam de tamanho. Tino tinha visto Trogloditas de todas as formas e tamanhos nas ruas de Suls, mas aquela diante dela tinha algo diferente — um padrão em forma de círculo desenhado na testa.
— Esse padrão significa que ela é a princesa deles.
Siddy, você realmente sabe muito, pensou Tino, olhando para a Troglodita com perplexidade.
— Ryu-ryu-ryuu-ryun — disse a princesa, com um olhar afiado.
Siddy traduziu.
— Ela está dizendo: “Miseráveis habitantes da superfície, que negócios têm com nosso glorioso novo rei?”
***
Aquele homem tinha a postura de um rei. Seu encontro foi um evento fatídico.
Para os soberanos do subterrâneo, conhecidos pelos humanos como Trogloditas, o mundo acima era sua última conquista. Era uma terra que ansiavam, mas nunca podiam alcançar.
Os Trogloditas tinham garras otimizadas para cavar terra, mas tinham dificuldade em atravessar camadas de rocha e ainda mais dificuldades em cavar para cima. Assim, o mundo da superfície era uma terra lendária para os habitantes do reino sob Suls.
Mas seus sonhos se tornaram realidade quando alguém notou que um de seus túneis se conectava a outro túnel — um que ninguém lembrava de ter cavado. O túnel era longo e ia direto para cima. Os Trogloditas imediatamente começaram a investigar onde ele levava e descobriram que se conectava a uma terra desconhecida. O lendário mundo da superfície. Também aprenderam que levava a um assentamento dos habitantes da superfície.
A sociedade Troglodita era governada por uma monarquia absoluta centrada em uma única princesa. A autoridade da princesa era total, e ela era responsável por seu povo. Ela escolheria um indivíduo excepcional para ser o rei, e essa pessoa lideraria os Trogloditas.
Como ainda não havia escolhido um rei, a tarefa de explorar o buraco caiu sobre a princesa, Ryuulan. E foi lá que ela o encontrou, aquele que se tornaria rei do Império Sulsiano. A princípio, ela pensou que ele fosse um habitante da superfície. Capturou-o, acreditando que observar um deles ajudaria na invasão.
Mas sua suposição logo foi desfeita.
Ela pensou que os cabelos e a pele dele eram como os descritos nas lendas sobre os habitantes da superfície. Mas depois de levá-lo para o subterrâneo, olhou mais de perto e viu que ele tinha uma aparência semelhante à dos Trogloditas. Seu corpo esguio não era problema. Entre os machos Trogloditas, uma silhueta delgada implicava músculos firmes.
Ryuulan sabia que esse homem era mais adequado do que qualquer outro para ser seu rei.
— Eu serei seu rei e os guiarei daqui em diante. Ajoelhem-se, não me importo com fracos — ele declarou, após apenas um olhar para ela e seus guardas.
Naturalmente, os subordinados de Ryuulan ficaram indignados. Mas era direito de todo Troglodita provar sua qualificação para ser rei. Isso era costume mesmo entre outros reinos Trogloditas.
Assim começou a batalha para provar sua dignidade, e ele deixou claro que era digno de ser rei. Primeiro, usou um poder nunca antes visto para subjugar, mas não matar, um guerreiro. Não apenas isso, disse que eram fracos demais para serem considerados oponentes e sugeriu que enviassem cinco de uma vez. E quando enviaram cinco guerreiros valentes contra ele, ele ousou fortalecê-los.
Isso foi suficiente. Esse poder e magnanimidade bastaram para Ryuulan e todo o reino o reconhecerem como rei. A princesa lhe ofereceu sua mão em casamento, mas ele tinha outros planos.
— Chegou a hora de atacarmos a superfície. Não temam esses deuses malignos. Matem todos — disse ele, como se não fosse nada.
As histórias sobre os deuses malignos eram contadas há muito tempo por todo o reino. Eles eram os responsáveis por impedir a invasão do mundo da superfície. Os ancestrais de Ryuulan haviam almejado a superfície e até chegaram a sentir a luz do sol por um breve momento, apenas para serem forçados de volta ao subsolo por aqueles demônios.
Por muito tempo, esses demônios destruíram qualquer esperança de conquistar a superfície. Mas o novo rei não demonstrava medo algum e falava com confiança sobre um inimigo temido por todos os Trogloditas. Havia incertezas, mas Ryuulan e seu povo ainda assim se lançaram na chance de segui-lo. Era assim que viam seu rei. Se fosse por ele, não havia necessidade de temer nem mesmo a morte.
***
Definitivamente havia muita coisa maluca acontecendo. Eu sabia que o reino subterrâneo era vasto, mas a parte que visitei deve ter sido só um pequeno pedaço dele. O número de Trogloditas subindo para a superfície superava em muito as minhas expectativas. E por mais que tentasse, eu não conseguia convencê-los a voltar para casa.
Eu já tinha uma vaga noção disso desde o começo, mas parecia que eu realmente não conseguia me comunicar com eles. Claro que não conseguia, eu era um mero espectador. Eu estava distraído e fui capturado, depois continuei distraído e fui jogado nas costas de um Troglodita. Observando-os correr pela cidade, não pareciam exatamente visitantes amigáveis. Mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso.
Olhei para baixo, para a cidade, tentando encontrar um jeito de resolver a crise atual, quando notei alguns dos meus companheiros me observando de outro telhado.
Eles vieram me resgatar? Não, acho que não.
Eu só estava desesperado por ajuda de qualquer forma. Alguém tão esperta quanto Sitri provavelmente saberia uma saída para isso. Eu estava prestes a acenar para eles, mas então o Troglodita ao meu lado soltou alguns ryu-ryus e saltou pelo ar. Ela fez uma bela pirueta e aterrissou a alguns metros de distância, bem na frente de Liz e dos outros.
Eu não podia simplesmente deixá-los ali, então, a contragosto, decidi descer do telhado. Mas no momento em que me agachei, parei.
O que eu faço? É muito alto para eu descer. Alguém, me ajuda.
Enquanto estava nesse impasse, minha sequestradora agitava os braços e gritava para os meus amigos. Parecia que ela ocupava uma posição especial entre os Trogloditas (foi aí que me lembrei de que apenas ela tinha aquelas marcas na cabeça), pois havia vários Trogloditas se reunindo na base dos prédios onde ela e meus amigos estavam.
A situação parecia prestes a sair do controle. Aquela Troglodita havia me sequestrado, mas também me protegeu várias vezes, então eu sentia certo apego por ela. Meu objetivo era a paz. Olhando para a civilização dos Trogloditas, imaginei que eles deviam ser quase tão inteligentes quanto os humanos. Não via motivo para não resolvermos isso com palavras.
Desisti de descer do telhado e apenas gritei.
— Parem com a luta!
— Ryuu-ryu-ryuu!
A Troglodita com as marcas ouviu minha voz e virou-se para mim. Mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Sitri se adiantou.
— Krai, de que lado você está?! — ela gritou.
— Ryuu?
Eu estava do lado dela. Que outro lado eu poderia estar?
— Eu sei que estávamos discutindo, mas era só uma brincadeira! Como pôde nos substituir tão rápido pelos Trogloditas?! Seu idiota!
— Ryu-u…
Depois de passar tanto tempo ouvindo só “ryu-ryu”, eu tinha adquirido o hábito de responder assim também.
Idiota. Fazia tempo que não ouvia essa palavra.
— Está satisfeito com essa princesa Troglodita?! Qualquer garota serve? Então eu não sou suficiente? Seu mulherengo! Canalha! Devedor!
Eu não via como minha dívida era relevante.
Não era só Sitri que estava descontrolada, até Liz parecia surpresa. Além disso, eu não achava que qualquer garota serviria, eu nem fazia ideia de que esses Trogloditas eram chamados de “Trogloditas”, e embora suspeitasse que ela fosse fêmea, não sabia que era uma princesa.
— Então você é o rei deles?! Você queria se tornar um rei?! Você quer formar um país?! Seu idiota!
Rei?! Eu nunca pensei em nada assim e certamente não lembrava de ter me tornado um.
A Troglodita, que aparentemente era uma princesa, pulou e voltou para o meu lado. Ela sorriu e me abraçou enquanto soltava mais ryu-ryus. Eu realmente não entendia a situação. Como sempre, eu não fazia ideia do que ela estava dizendo. Para mim, era óbvio que eu não via a Troglodita como alguém do sexo oposto, mas parece que Siddy via as coisas de outra forma. Ela era multilíngue, então talvez entendesse a língua Troglodita? Porque eu com certeza não!
Enquanto tentava pensar em um jeito de desfazer qualquer mal-entendido, a princesa soltou um grito estranho.
— Ryaa?!
Ela me empurrou de lado, e eu tropecei antes de cair sentado. Ela olhava para mim com uma expressão de completo choque. Comecei a olhar ao redor tentando entender o que causou aquela reação repentina e então finalmente percebi — minha pele estava voltando à cor original.
— Ryu-ryu-ryu?! Ryu?! — ela exclamou.
Ah, a Relíquia ficou sem mana.
Mirage Form era capaz de manter miragens por conta própria, mas a duração dependia do tipo de imagem projetada. Eu havia mexido um pouco nela e descoberto quanto tempo diferentes ilusões podiam durar antes de esgotar a carga, mas isso tinha saído completamente da minha cabeça. Tentei esfregar a pulseira negra, mas minha mana não era suficiente para recarregar a Relíquia.
Mas mesmo que eu estivesse me disfarçando com miragens, tudo que eu tinha feito foi ajustar um pouco a cor do meu cabelo e da minha pele. Eu não tinha mudado tanto assim.
— Ryuu — murmurei para a princesa.
— Ryu, Ryu-u-u-u! — ela gritou.
Não. Acho que não.
Com lágrimas escorrendo pelo rosto, a princesa me lançou para trás com um movimento de cabelo. Cambaleei sem controle e parei aos pés da Sitri.
— Estou de volta — eu disse.
— Bem-vindo de volta! — ela respondeu.
Bom, isso foi algo.
Embora tivesse me repreendido até pouco tempo atrás, a atitude da Sitri mudou completamente. Ela segurou minha mão e me ajudou a levantar. Isso me fez perceber algo bem óbvio: humanos realmente eram a melhor companhia.
— Krai, meu amorzinho, o que diabos você estava fazendo? — Liz perguntou, exasperada.
— Não deu pra perceber?
— Não.
Engraçado você dizer isso. Eu também não.
— Parece que magia e Relíquias são algo estranho para a cultura dos Trogloditas — Sitri disse.
Foi então que me ocorreu que eu nunca os tinha visto usando magia. Não tinha pensado muito nisso porque a própria existência deles já parecia mágica para mim.
— Ryu-ru-ru-ru-ru-ru-ru-ru! — a princesa gritou, com os ombros trêmulos.
Todos os Trogloditas ao redor ficaram imóveis. A cidade mergulhou no silêncio e todos olharam para sua princesa. Foi uma visão assustadora, quase como… bem, a calmaria antes da tempestade.
— Ela está dizendo: “O rei está morto. Matem-nos, os guerreiros, os civis, tragam a destruição a todos eles. Que nenhum traiçoeiro habitante da superfície permaneça ignorante do nosso poder!”
— Eles não vão fugir, mesmo com o rei morto?! — Tino gritou.
— Bem, considerando as circunstâncias… — Sitri disse, lançando um olhar na minha direção.
Era estranho que o que mais me assustava não fosse a situação atual ou os olhares raivosos, mas sim o fato de que a Sitri estava tão calma ao fazer a tradução?
Os Trogloditas começaram a rugir. Até então, estavam marchando pela cidade de maneira ordenada, mas agora suas vozes transbordavam emoção, uma raiva palpável. A princesa ergueu um braço e apontou para mim. Legiões de olhos dourados estavam fixos em mim.
— Você queria lutar contra um bando de Trogloditas? — Liz me perguntou. — Foi por isso que decidiu irritá-los?
Ela me olhava de olhos arregalados, mas eu nunca quis lutar com ninguém. Eu não conseguia entender por que isso estava acontecendo, já que tudo o que eu queria era sair de férias. Mas as verdadeiras vítimas aqui eram os moradores de Suls e, por algum motivo, eles simplesmente não estavam em lugar nenhum.
— Não tem um jeito fácil de lidar com uma quantidade tão grande deles. E veneno também não funciona neles. Hmm, se ao menos a Lucia estivesse aqui…
Sitri parecia completamente perplexa. Tino estava em posição de combate, visivelmente tensa. O número de Trogloditas era esmagador. Entre os Grieving Souls, ataques de grande área eram o domínio da Lucia. Liz era poderosa, mas seu estilo era focado em socos e chutes; ela não era adequada para lidar com grupos enormes.
Eu tomei minha decisão. Dei um passo à frente, ficando alguns metros distante dos outros, e sorri. Fazia muito tempo que eu tinha desistido de bolar um plano. Afinal, eu nunca tinha conseguido pensar numa solução sensata para nenhuma das nossas crises. Eu só avancei porque não fazia sentido ficar para trás.
Tino engoliu em seco. Os Trogloditas estavam todos focados em mim; sua fúria não tinha diminuído nem um pouco. Eu não tinha tentado enganá-los, mas duvidava que eles me perdoassem, não importa o quanto eu me desculpasse.
Sitri me chamou.
— Krai.
— Tá tudo bem — eu disse.
Não estava. Eu tinha Anéis de Segurança, mas eles não fariam tanta diferença. Eu me perguntava se não havia algum jeito de resolver isso com o mínimo de derramamento de sangue.
Um por um, os Trogloditas começaram a saltar e mergulhar na minha direção. Da mesma forma, a princesa saltou habilmente no ar, vindo direto para mim.
Eu abri a boca e gritei o mais alto que pude:
— Ryuu-ryuu-ryuu-ryu-ryu!
E então, como se fosse um sinal, o mundo começou a desmoronar.
***
As maquinações do Mil Truques estavam além da compreensão de qualquer um. Apesar de sua longa convivência com ele, Tino não era exceção a essa regra. Ela não fazia a menor ideia do que tinha levado àquela situação. Mas as irmãs Smart também pareciam igualmente confusas, então talvez sua incompreensão fosse algo natural.
Seu mestre estava parado na frente delas, protegendo-as. Os temíveis Trogloditas saltavam em sua direção de todos os lados. Ele não fez um único movimento, nenhuma ação.
O telhado em que ele estava, os Trogloditas que se aproximavam, todos foram varridos num instante. Tino mal conseguiu resistir ao vento ardente que soprou sobre ela. Seu cabelo e sua roupa ficaram completamente bagunçados.
Ela tentou avaliar a situação freneticamente. A área ao redor da cidade tinha sido destruída. A única coisa intacta era seu mestre, parado no meio de tudo. Sua expressão era calma e despreocupada.
Então o mundo foi sacudido por um rugido poderoso.
— RAAAR!
Uma grande sombra cobriu o chão quando uma figura gigantesca bloqueou o sol. Os olhos de Lizzy se arregalaram. Os Trogloditas e a princesa, que por pouco escapou da explosão, olharam para cima. Tino sentiu sua bochecha se contrair.
Olhos vermelhos, transbordando de fúria, olhavam para eles. Obstruindo os raios do sol e dominando os céus, estava uma única criatura alada, a besta mítica mais poderosa do mundo — um dragão.
Superando até mesmo os Trogloditas enfurecidos, o dragão era imenso e emanava uma presença ainda maior que a do dragão que Tino havia derrotado. Vapor saía de suas mandíbulas levemente abertas.
Siddy piscou.
— Aah, esse é um adulto. Um Dragão das Águas Termais maduro.
— É enoooorme. Talvez chegue ao nível dos maiores dragões que já caçamos — Lizzy disse.
— Hã? Hããã? Um Dragão das Águas Termais?! Um maduro?!
Tino não podia acreditar no que ouvia. Tudo naquele dragão era diferente daquele com o qual ela havia lutado nas termas. Mesmo à distância, ela conseguia ver que sua pele azul-escura era áspera e apenas vagamente semelhante à daquele dragão arredondado e teimoso de antes. Sem contar o tamanho e o fato de que esse dragão estava voando pelo céu. Ela sabia que algumas bestas míticas mudavam durante a transição para a vida adulta, mas aquilo parecia um exagero.
Os Trogloditas soltaram gritos trêmulos. Até mesmo sua princesa ficou paralisada.
— Ryu, ryuu-ryuu-ryuu!
Tino não fazia ideia do que estavam dizendo, mas estava claro que estavam apavorados. No momento seguinte, o centro da multidão foi atingido por uma força imensa.
“Respiração do Dragão” era como chamavam o ataque mais forte entre os dragões de todas as variedades. Energia destrutiva era formada dentro do corpo e expelida pela boca. A força do ataque variava conforme o tipo de dragão, mas todos eram imensamente poderosos. Havia até lendas sobre países inteiros sendo reduzidos a ruínas com um único sopro.
A temperatura subiu rapidamente. Tino reconheceu a causa. Era vapor. Era estranho, mas talvez fosse natural que o sopro de um dragão de termas não fosse fogo ou gelo, mas vapor. O dragão com o qual ela lutou expelia água quente pela boca, mas o dragão no alto já era um adulto.
Os Trogloditas olharam para o dragão e entoaram um coro:
— Ryun-ryu-ryuu!
— Parece que esse dragão é um daqueles deuses malignos aos quais eles se referiram antes — observou Siddy.
Por mais numerosos que fossem, os Trogloditas não tinham a menor chance contra um soberano tão poderoso dos céus. O dragão parecia bastante irritado e lançou um olhar feroz para o chão, fazendo com que a princesa Troglodita corresse para se esconder — e justamente atrás da sombra de Krai.
Depois de inspirar profundamente, ele soltou outra rajada de vapor, mirando diretamente em Krai. O jato perfurou o chão e reduziu o que restava das casas a escombros. Tino segurou um grito.
Krai não se moveu diante do ataque de uma das criaturas mais poderosas do mundo. Mesmo após ser atingido por um golpe potencialmente letal, ele não demonstrou nenhuma reação. Os olhos afiados do dragão de termas se arregalaram ao perceber que um simples humano havia ignorado seu ataque. Krai piscou lentamente e olhou ao redor.
— Ryu-Ryu-Ryu-Ryu-Ryu-Ryu-Ryu-Ryu? — disse ele para a Troglodita escondida atrás dele.
O que ele queria dizer? Tino não fazia ideia, mas aquilo claramente assustou a princesa. A Troglodita piscou rapidamente, olhando para o mestre de Tino, depois para o dragão, depois para os outros Trogloditas, e finalmente para Krai novamente. Ela parecia estar ryu-ryuando defensivamente, mas então começou a gritar freneticamente ao ver o dragão preparando outro sopro.
— Ryun-ryu-ryu, ryuuu!
Sua voz melodiosa ecoou e os Trogloditas reagiram de imediato. Eles saíram de seu transe e fugiram como aranhas se espalhando. Todos correram na mesma direção, rumo ao buraco de onde haviam saído.
Numa cena que lembrava uma onda rolante, a horda de Trogloditas retornou para casa. Até mesmo seus companheiros mortos foram levados, sem deixar um único corpo para trás. Talvez planejassem homenagear seus mortos.
Por fim, apenas a princesa permaneceu. Com lágrimas nos olhos, ela se aproximou e abraçou o mestre de Tino, que estava boquiaberto.
— Ryu! — disse ela, provavelmente como uma despedida, e então desceu pelo buraco de onde veio.
Siddy juntou as mãos, como se tudo fizesse sentido agora.
— Entendi. Usar os Trogloditas para expulsar Barrel, depois fazê-los desistir da conquista mostrando o poder de seu arqui-inimigo. Excelente uso de manipulação!
Mas não era hora de relaxar. O que restava era uma cidade destruída e—
— RAWR!
Um dragão de termas insatisfeito com a escassez de presas. Agora que os Trogloditas haviam partido, seus olhos estavam fixos em Tino e seus companheiros.
O-o que a gente deveria fazer agora?!
O dragão havia feito um ótimo trabalho ao expulsar os Trogloditas, mas ninguém do grupo podia lutar contra um inimigo que atacava do alto. Siddy, é claro, não poderia fazer nada contra ele, e o mesmo valia para Lizzy. Humanos são criaturas que lutam com os pés no chão. Sua única esperança era Krai.
Pela primeira vez, o mestre de Tino ergueu os olhos para o dragão no céu. Ele o observou atentamente por um breve momento e, então, bateu as mãos, como se tivesse tomado uma decisão.
O dragão rugiu novamente. Energia brilhante se reuniu em sua boca. O dragão pode ter derrotado os Trogloditas, mas também destruiria Suls se eles não fizessem algo.
Alguma coisa. Deve haver alguma coisa que possamos fazer, pensou Tino, enquanto a boca do dragão brilhava ainda mais. Desta vez, parecia que a criatura alada pretendia usar toda a sua força. Tino havia absorvido uma certa quantidade de mana material, mas não era uma deusa. Ela não tinha defesa suficiente para suportar um ataque tão poderoso, mesmo com o poder da máscara.
Ao ver pela primeira vez a aterrorizante visão de um sopro de dragão de frente, Tino prendeu a respiração, seu corpo tremia. No momento em que a energia estava prestes a ser liberada, uma figura redonda se lançou na frente de Krai.
— Raaawr.
Era o dragão de termas com o qual Tino havia lutado. Aquele que eles teriam comido, se seu mestre não tivesse mostrado misericórdia no último momento. Da última vez que o viu, ele estava sendo perseguido pelos membros de Barrel. Aparentemente, ele conseguiu sobreviver.
Com seus olhos dóceis, olhou para cima. O dragão no céu soltou um grunhido e a energia em sua boca desapareceu.
— Raaawr!
— O choro deles… não muda. Mesmo depois de atingirem a idade adulta — murmurou Tino.
Embora não estivesse orgulhosa disso, essa observação sem sentido foi a única coisa que lhe veio à mente. Com a tensão e o nervosismo, ela suava constantemente, e agora sua túnica grudava em seu corpo.
Todos observavam enquanto o dragão azul-claro soltava um rugido fraco. O dragão no céu fez uma ampla curva e voltou para as montanhas. O dragão arredondado olhou para Krai, fez um pequeno ruído e saiu andando sobre as patas traseiras.
Um silêncio caiu sobre todos.
Tino não conseguia se mover. Seu corpo doía depois de estar em alerta máximo. Ela não conseguia acreditar. Há pouco tempo, a situação parecia desesperadora. Tudo aconteceu rápido demais, e sua mente lutava para acompanhar. Tentou respirar fundo algumas vezes, mas seu coração disparado não se acalmava.
Lizzy pulou do telhado e correu até Krai. Tino e Siddy foram atrás.
— Bem, isso foi um estouro. Você foi incrível! — disse Liz. Ela parecia profundamente impressionada, mas Tino achava difícil ser tão casual.
A invasão dos Trogloditas ou o ataque do dragão sozinhos já teriam sido suficientes para destruir a cidade. E, no entanto, seu mestre resolveu ambas as crises sozinho e em apenas dez minutos. Sem usar uma única espada ou feitiço. Ele manipulou dois inimigos da humanidade e os expulsou. Era como se estivesse puxando os fios do destino em si. O que será que ele via por trás daqueles belos olhos negros?
Mas, Mestre, se possível, eu gostaria que tivesse causado um pouco menos de destruição no processo.
— Ah. Aaah. Isso realmente me pegou de surpresa — disse Krai, fingindo ignorância.
— Trabalho maravilhoso, Krai. Era exatamente o que nossas férias precisavam — disse Siddy, batendo palmas. Parecia que seu humor havia se recuperado completamente. Tino sempre achou as irmãs Smart incríveis por serem inabaláveis, mas talvez isso fosse apenas uma necessidade para o estilo de vida que levavam.
Finalmente, seu coração se acalmou, e ela pôde tirar um momento para olhar ao redor. As outrora elegantes ruas de Suls agora estavam um completo caos. Já era ruim o suficiente que bandidos tivessem ocupado partes da cidade, mas então vieram os Trogloditas e, por fim, um dragão apareceu. Vários prédios foram destruídos, e buracos espalhavam-se pelas ruas de pedra. A reconstrução levaria tempo.
Foi então que algo importante ocorreu a Tino.
— Barrel! Eu me esqueci completamente deles. Mestre, e o Barrel?
— Hm? Barrel? O que é isso? — perguntou Krai com uma expressão peculiar.
Tino não sabia o que dizer.
Barrel significava Barrel. O temível grupo de bandidos que Lorde Gladis contratou um caçador de Nível 8 para lidar, apesar de seus excelentes cavaleiros e seu desprezo por caçadores. Talvez eles não fossem tão perigosos quanto Trogloditas e dragões, mas eram temíveis à sua maneira.
Ela também estava preocupada com Arnold e os outros. Arnold foi tratado pelo veneno e tinha vários aliados, incluindo Drink e Matadinho, mas ainda assim ela imaginava que proteger os reféns teria sido difícil. E, no entanto, Krai parecia completamente despreocupado.
Então caiu a ficha.
— Você por acaso já tomou alguma providência quanto a isso?
— Hã? Aham.
O mestre de Tino não era como Lizzy, que desistia de alguém por ser fraco. Ela já passou por todo tipo de provação por causa dos Mil desafios s dele, mas nisso, pelo menos, não tinha dúvidas. Provavelmente.
— O quê?! Você já fez alguma coisa? Mas eu queria dar uma surra nesses desgraçados eu mesma! — disse Liz, soando genuinamente ressentida.
Quando ele fez seu movimento? E que tipo de movimento foi? Tino sequer conseguia imaginar. Ansiosamente, aguardava a resposta de seu mestre, mas ele apenas bocejou.
— Tô meio cansado — disse ele. — Não achei que faria tanto calor no subterrâneo.
Tino não fazia ideia do que ele havia feito, mas aparentemente sua única preocupação com toda essa confusão era a temperatura. Siddy, que até pouco tempo atrás estava esbravejando contra Krai, bateu palmas e sorriu.
— Bom trabalho, Krai. Oh, tive uma ideia! Você pode deixar o resto comigo, então que tal tomar um banho em uma fonte termal? Aposto que vai conseguir um lugar só para você!
Tradução: Carpeado Para estas e outras obras, visite Canal no Discord do Carpeado – Clicando Aqui
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