Grieving Soul – Prólogo – Volume 7
Nageki no Bourei wa Intai shitai
Let This Grieving Soul Retire Volume 07
Prólogo:
[Uma Nova Honraria]
Eu tinha voltado são e salvo para a capital imperial! As ruas eram bem construídas, diferente de Toweyezant. Havia multidões e carroças por todo lado. Apesar de não ter nascido na capital, tudo aquilo me causava uma estranha onda de nostalgia. Tomei isso como um sinal de que já tinha me apegado a esse lugar. Respirei fundo, deixando o ar preencher meus pulmões.
Diferente da viagem de ida, cheia de solavancos, o retorno foi bem tranquilo. Ainda encontramos as hordas habituais de monstros, mas nada que se compare à queda de um dirigível.
— Isso foi bem mais fácil que o normal — murmurei para mim mesmo.
A bochecha da Kris se contraiu. — Tá falando sério?! Senhor?!
Sir Matadinho permaneceu em silêncio.
Sempre me metia em alguma confusão nesses trabalhos de escolta. Dessa vez não foi diferente, mas tudo acabou bem. De bônus, ainda ganhei um Tapete Voador, um Smartphone e a Relíquia do Telm. Dei um tapinha no Tapete, que estava sentado ao meu lado, e levei um golpe por isso. Eu tinha esperanças de que ele finalmente me aceitasse como passageiro, mas parece que estava me adiantando demais.
Quando chegamos à casa do clã, me despedi da minha salvadora Kris. Ela merecia o título de MVP por combate, apoio emocional e recarga de Relíquia.
— Hmph, isso foi uma completa zona. Senhor — disse ela. — Não me chame de novo a menos que tenha um bom motivo, fraco humano.
— Quer sair pra beber? — ofereci.
— Preciso relatar pra Lapis. Senhor. Além disso, seria só você, eu e o Sir Matadinho! Que diabos é esse cara, afinal? Mal falou uma palavra!
Apesar de estar sendo comentado, Sir Matadinho continuou imóvel como sempre.
— Boa pergunta — falei. — Mas ele te ajudou, não foi?
— I-Isso é uma interpretação bem ousada. Nesse sentido, estou genuinamente impressionada. Senhor.
— Bom, pelo menos não trouxe um terceiro traidor.
Kris se encolheu, completamente sem palavras. Sir Matadinho deu um tapinha no ombro dela. No começo, eu tinha minhas dúvidas sobre ele, mas ele superou minhas expectativas de forma consistente. E no fim, o Franz parecia ter uma boa opinião dele. Provavelmente ajudou o fato de que o Telm acabou se revelando um traidor, mesmo parecendo o mais sensato do grupo.
Nesse momento, Sir Matadinho se mexeu. Com movimentos quase mecânicos, levantou o elmo lentamente. Kris olhou espantada quando o que apareceu não foi um rosto, mas um saco de papel com dois buracos para os olhos.
— Mata, mata — disse ele, talvez como forma de despedida. Em seguida, entrou na casa do clã. Muitos caçadores calejados abriram caminho para ele. Subiu as escadas, provavelmente rumo ao terceiro andar, onde ficava o laboratório da Sitri.
— Era o Matadinho o tempo todo — falei.
Custei a acreditar até me lembrar que a Sitri já tinha me contado. Ver ele de armadura renovava meu respeito por quão imponente sua presença normalmente era.
— Eu teria te dado um tapa se não fosse tão boazinha. Senhor — disse Kris pra mim.
— Sempre soube que você era uma boa pessoa!
Kris me cutucou com o dedo. — Eu sei quando estão tirando com a minha cara. Senhor.
E assim, nossa missão de escolta chegou ao fim.
Me sentei no meu escritório. Pela primeira vez em dias, estava usando minhas roupas normais em vez do Férias Perfeitas. Finalmente podia ficar confortável. Toweyezant não tinha sido de todo ruim, mas ficar de pernas pro ar aqui era o que mais combinava comigo. Mesmo o conforto perfeito nem sempre é tão perfeito assim.
Ainda tinha umas chatices pra resolver, mas deixei pra depois. E justo quando tomei essa decisão, bateram na porta. Mandei entrar, e lá estava a Eva, composta como sempre. Ela não participou da missão de escolta, então essa era a primeira vez que nos víamos desde minha partida.
— Bem-vindo de volta, Krai — disse ela. — Como foi o trabalho? Ouvi uns boatos por aí.
— É bom estar de volta. Eu daria uns trinta pontos. Aconteceu alguma coisa por aqui?
— Trinta pontos? Hmm. Não tivemos nada digno de nota. A única coisa estranha foi os Cavaleiros da Tocha terem voltado da expedição. Mas já partiram de novo.
— Sério? Que timing péssimo.
— Pois é, vida de mercenário. Touka parecia bem decepcionada, no entanto.
Os Cavaleiros da Tocha tinham o maior número de membros de qualquer grupo do Primeiro Passo. Eram um daqueles raros grupos que se destacavam em manobras coordenadas, quase como um exército profissional. Viajavam o mundo em busca de batalhas e raramente voltavam à capital imperial. Provavelmente nem consideravam a capital como base principal.
Eles estavam com a gente desde a fundação do nosso clã. Apesar de não terem muito motivo pra isso, cooperavam quando a Sitri oferecia poções caras. Em outras palavras, tinham sido comprados. A líder deles, Kongoin Touka, vivia segundo o lema de que “até vidas podem ser compradas”.
Touka e Sitri se davam maravilhosamente bem, o que significava que ela também se dava bem comigo. Se eles estivessem na capital na época, eu poderia ter deixado a proteção do imperador com o grupo dela. Que pena que já tinham partido.
Bocejei, me larguei na cadeira e peguei meu novo Smartphone.
— Ah, é verdade — disse Eva — ouvi dizer que Toweyezant finalmente conseguiu estabelecer a floresta.
— É, deu mó rebuliço. Mas não teve nada a ver comigo.
— Não foi bem isso que me contaram.
— Foi tudo fruto do esforço deles.
Segundo o Franz, o chefe de Toweyezant estava tão empolgado que mal conseguia focar na conferência. Ainda assim, mantive a posição de que não tive nada a ver com as árvores. Multidões vieram me agradecer, mas mandei todos embora dizendo que não sabia do que estavam falando. Recusei os presentes também. A gratidão deles devia ir para a Raposinha.
Quem diria que um fantasma poderia ser tão útil? Estavam rolando uns boatos de que uma floresta tinha surgido do nada em um único dia. Rápido que só! Pensando bem, empurrar a Pequena Raposa para aquele pessoal foi meio irresponsável da minha parte. Falar com ela parecia uma boa ideia, e agora que eu tinha um smartphone, dava pra conversar mesmo a longas distâncias.
— Mas enfim, deixa isso pra lá — eu disse. O que importa é o futuro, e eu já estava esperando fazia um tempo pra tocar nesse assunto. — Eva, tem uma coisa que eu quero conversar com você.
Evitando contato visual, Eva disse:
— Isso me lembra… sobre a cabeça do dragão carmesim que o Luke trouxe. Mandamos empalhar, como ele pediu. Onde devemos colocar?
Parece que a Eva também tem sua cota de dores de cabeça. Mas eu tinha preocupações maiores do que um dragão empalhado.
— Ah, pendura em qualquer parede aí. Agora, recebi um pedido do imperador…
Ele tinha me pedido pessoalmente para ser mentor da Princesa Murina. Era uma responsabilidade grande demais pra uma pessoa só, ainda mais se essa pessoa fosse eu. Antes que eu pudesse continuar explicando, Eva soltou um suspiro pesado.
Expressões como “o mais forte” não eram usadas ao se falar do homem mais jovem a alcançar o Nível 8. O Mil Truques tinha uma visão incrível e carisma de sobra. Liderando seus membros de grupo talentosos, ele fez com que os Grieving Souls se tornassem um nome conhecido em todo o império. Ele não construiu sua reputação com força bruta, mas sim com liderança.
Muitos caçadores de alto nível desenvolvem um espírito independente por causa de sua força excepcional, mas os Grieving Souls não tinham perdido um único membro desde sua fundação. Em certo sentido, isso era mais impressionante do que qualquer demonstração de poder bruto.
Depois do Encontro da Lâmina Branca, a Princesa Murina havia conversado com sua amiga Éclair Gladis sobre o Mil Truques.
— Ele é um homem assustador — disse Éclair. Ela falava num tom baixo, como se estivesse compartilhando um segredo. — Não se deixe enganar pelo jeito idiota dele. Muitos caçadores são sem noção, mas o problema dele não é falta de educação; é que ele simplesmente não tem nenhum respeito por status social.
A Princesa Murina nunca tinha visto sua amiga tão inquieta.
— Ele é audacioso e ardiloso — continuou Éclair —, a ponto de muita gente ter tentado enfrentá-lo, mas ninguém conseguiu. Depois do leilão, comecei a investigar todos os incidentes em que ele esteve envolvido.
A Casa Gladis era considerada um modelo para toda a nobreza de Zebrudia. A filha da casa, Éclair, tinha uma elegância que lhe permitia manter a postura diante de qualquer adversário, mesmo sendo um adulto. Mas essa elegância toda desapareceu enquanto ela falava com Murina em sussurros. Dava pra perceber que tinha rolado alguma coisa entre Éclair e o Mil Truques, mas será que tinha sido algo tão impactante assim?
— Pra esse homem, seus ‘Mil Desafios’ são só um jogo. Pode ser que ele nem perceba a dor que causa às pessoas. Se você acabar se encontrando com ele de novo, eu sugeriria cautela.
Murina tremeu ao se lembrar daquela conversa. Como um passarinho empurrando os filhotes pra fora do ninho, aquele homem impunha seus “Mil Desafios”. Diziam que ele fazia isso pra ajudar os caçadores a evoluírem, mas apesar do nome, eram batalhas de vida ou morte que assustavam até veteranos experientes. Durante a jornada até Toweyezant, a Princesa Murina havia presenciado com seus próprios olhos os talentos aberrantes dele em ação.
— Mil Truques, não conte isso a ninguém. A verdade é que Murina é incrivelmente azarada.
Quando seu pai, Rodrick Atolm Zebrudia, pediu que o Mil Truques protegesse e treinasse Murina, provavelmente foi na esperança de que ele pudesse amenizar um pouco o azar da filha.
Seus deveres como membro da família imperial forçaram Murina a passar por vários regimes de treinamento. Isso incluía estudos acadêmicos, claro, mas também lições com lâminas e magia. Ela até chegou a entrar em cofres de tesouros em algumas ocasiões. Apesar de tudo isso, ela ainda era facilmente derrotada. Não era falta de talento — é que ela tinha nascido sob uma estrela que só trazia azar em todas as formas possíveis.
O motivo de Murina se manter longe dos olhos do público era que sua simples presença parecia potencializar os desastres que atraía. Franz Argmen, o capitão da guarda imperial, usava uma Relíquia que lhe permitia absorver o dano que seria direcionado a outra pessoa. Normalmente, isso serviria para proteger o imperador, mas em vez disso, Franz recebia o dano no lugar de Murina. Mesmo para a elite da Ordem Zero, era isso que era necessário pra protegê-la de acidentes bizarros.
Pouquíssimas pessoas sabiam do azar de Murina. Se essa informação se espalhasse, com certeza algum vilão veria isso como uma oportunidade. A decisão do pai dela de manter esse segredo era, sem dúvida, a mais sensata. E, embora ele não culpasse a filha por sua má sorte, isso não significava que não fosse afetado por ela.
Por mais de uma década, a capital imperial vinha sendo assolada por uma quantidade anormal de problemas, desde desastres naturais até conflitos entre organizações criminosas. Murina quase teve um treco quando soube que um novo cofre de tesouros havia aparecido do nada. Seria irracional Murina se culpar por tudo isso, mas ela realmente acreditava que seu azar influenciava o rumo dos acontecimentos.
Ela já tinha desistido de encontrar uma solução. Nem mesmo os videntes do Astral Divinarium conseguiam dar um conselho melhor do que: “Tente não causar nenhuma ondinha.”
— O azar dela é tão grande assim? — repetiu o Mil Truques, ecoando Rodrick.
Pra um estranho, isso provavelmente pareceria uma piada. O caçador parecia chocado com a notícia. Ele ficou em silêncio por um momento, até que seu rosto se contorceu ainda mais.
— Ah, me dá um tempo — ele acabou dizendo.
— O quê?! — gritou o Capitão Franz, com o rosto ficando ainda mais vermelho.
Esse jovem, conhecido por sua “artimanha sobre-humana”, escolheu acreditar que Murina era realmente azarada. Também indicou que protegê-la e treiná-la era uma tarefa grande demais até mesmo para ele.
Murina não conseguiu evitar de engolir em seco e tentar se encolher. Ladinos tinham o direito de aceitar ou recusar qualquer missão oferecida a eles, mas aquele homem certamente sabia o que significava recusar um pedido da família imperial. Até mesmo o pai de Murina, normalmente inabalável, ficou sem palavras.
— Deve ser um azar extraordinário se é algo que precisa ser mantido em sigilo — disse o Mil Truques. — Então Telm e Kechachakka entrarem no meu time, o ataque da prole de dragão, a queda da nave aérea e o encontro com uma câmara do tesouro… tudo isso foi por causa do azar de Sua Alteza Imperial?
Murina não pôde evitar ficar surpresa com a franqueza dele.
— Sabe, eu achei muito estranho não estar sendo repreendido por todos os nossos problemas — murmurou o Mil Truques para si mesmo. — Achei que fosse o próprio Imperador o azarado, mas não, era a filha dele. É por isso que a gente tem que estar preparado pra tudo. Se é tão ruim assim, será que pode acontecer de novo?
— Não se precipite! — gritou o Capitão Franz. — Sua Alteza Imperial pode até ter azar, mas essa foi a primeira vez que tivemos tantos problemas. Você não tem o direito de reclamar quando foi justamente pra lidar com isso que te contratamos!
— Hã?
— O-o Capitão Franz tem razão! — protestou Murina. Era a primeira vez em muito tempo que ela levantava a voz (não que fosse muito alto). — Nunca tive uma sequência tão longa de encontros ruins!
Esses infortúnios não podiam ser atribuídos simplesmente ao azar. Encontrar uma câmara do tesouro enquanto viajava numa nave aérea era demais, e incluir Telm e Kechachakka tinha sido decisão do próprio Mil Truques. Não era justo colocar toda a culpa na princesa imperial.
— Se isso acontecesse com frequência, eu já teria morrido há muito tempo — acrescentou ela.
— De fato — disse seu pai. — Eu nunca teria trazido ela para a conferência se isso fosse algo comum.
Até mesmo o Espírito Nobre se voltou contra ele. — Pare de bancar o bobo. Senhor. Não tem como tudo isso ter sido causado só por azar!
O Mil Truques deu um passo decidido à frente. Sem saber como ele poderia argumentar de volta, Murina recuou um passo.
— É, aham! — disse ele. — Sorte não é algo que você mede só olhando. Isso tudo foi só coincidência. A culpa é do Telm, do Kechachakka e daquela câmara do tesouro. Não minha e nem da Murina. Eu aceito esse trabalho com prazer!
Murina não sabia o que tinha feito aquele homem mudar de ideia tão rápido. Seu pai tinha oferecido um ingresso para o Festival do Guerreiro Supremo como pagamento, mas ela não achava que esse tinha sido o motivo da mudança de atitude. O Mil Truques era um ladino que construiu sua carreira com astúcia; ele provavelmente já tinha previsto os argumentos de Franz e de seu pai.
E foi isso que a levou a acreditar que ele estava testando a determinação de Murina. Era quase inédito um membro da família imperial receber treinamento de um ladino. Ela não sabia que tipo de regime enfrentaria, mas era muito provável que isso fosse uma aposta tanto para o Mil Truques quanto para o império.
— Se acontecer alguma coisa, nos avise imediatamente. Estaremos ao seu lado num piscar de olhos — disse o Capitão Franz, sempre preocupado.
— Ouvi dizer que ninguém nunca morreu em um dos Mil Desafios dele — disse Murina, tentando soar o mais confiante possível.
Se esse treinamento oferecia nem que fosse uma chance mínima de melhorar sua situação, então ela não tinha escolha a não ser aceitá-lo. Ela entendia que tinha sido protegida pela maior parte da vida. Era natural sentir medo das lições de alguém que até caçadores temiam, mas ela tinha seu orgulho como filha do imperador. Respirou fundo, tentando acalmar os nervos tensos.
— Sim, Alteza Imperial, mas isso não exclui outras tragédias.
— E-eu vou ficar bem. Agora, preciso me preparar, então com licença — disse ela, tentando soar o mais forte possível, antes de sair correndo.
O trabalho principal de um caçador de tesouros era explorar câmaras do tesouro. No entanto, essa tarefa exigia uma variedade de talentos, o que fazia com que muitos caçadores assumissem os mais diversos trabalhos. Alguns exemplos incluíam serviços de mercenário, caçada a recompensas e escolta — como eu acabara de fazer. Magos e Alquimistas recebiam convites para ajudar com pesquisas, e curandeiros habilidosos como Ansem eram chamados para tratar os feridos.
Depois que informei Eva sobre minha conversa com o imperador e com a filha dele, ela refletiu brevemente. Lancei um olhar encorajador para ela, que acabou dizendo:
— Isso é, hã, realmente impressionante. Você realmente recebe pedidos de todo tipo.
— Bom, as circunstâncias são o que são.
— Sim, circunstâncias bem únicas. Ouvi dizer que a Princesa Murina tinha seus motivos para se manter longe dos olhos do público. Tornar-se mentora dela exige habilidades e conexões significativas.
— Não posso dizer que acho que fizeram uma boa escolha. Eu não queria aceitar esse trabalho, mas não me deixaram muitas outras opções.
No começo, eu queria agir como se estivesse ofendido e colocar o azar da princesa imperial como a fonte de todos os problemas. Isso me daria uma desculpa para recusar o trabalho de mentor. Mas depois descobri que a sorte dela nem era tão ruim assim; só significava que ela não podia sair sem risco de ser sequestrada, e que rodas de carroça costumavam quebrar com ela. Claramente, meu azar era bem maior (ou pior, se preferir) que o dela. Em pânico, tentei mudar o discurso e dizer que a culpa não era de ninguém, e acho que ninguém achou isso forçado.
— Mas você realmente pode fazer alguma coisa sobre isso? — perguntou Eva. — Se é algo ruim o bastante pra ser mantido em segredo, não deve ser um problema fácil de resolver.
— Vou contornar.
— Hã?
Cruzei os braços e suspirei. Azar que só trazia bandidos e carroças ruins não valia toda aquela encenação. Se aquilo era azar, então o que dizer de um cara que dava de cara com cofres de tesouro em passeios, era sequestrado por Gente das Cavernas, perdia disputas em leilões, encontrava dragões em fontes termais e ainda era atingido por um raio durante caminhadas?
Diziam que videntes tinham confirmado o azar dela, mas aquele pessoal estava longe de ser confiável. A princesa imperial já tinha sido chamada de “liquidação de azar”? Eu tinha certeza de que estavam só imaginando coisas. Além disso, ela não tinha nascido como princesa de uma grande nação? Isso já não era sorte suficiente?
Fechei os olhos e dei um daqueles encolher de ombros estilo “durão”. — Se isso for trazer um pouco de paz pra eles, vou junto com a história.
E com isso, eu queria dizer que o Ark iria. Eu aceitei o trabalho, mas ninguém disse que eu precisava dar o treinamento. E, sinceramente, o que eu poderia ensinar? A princesa imperial provavelmente não recusaria lições de alguém como o Ark. E se ele não desse conta, eu encontraria alguém no meu clã enorme. E com um exército de guardas em volta da princesa, não via motivo pra a gente se esforçar demais.
— Ah, acabei de lembrar — falei, mudando de assunto. — Olha, Eva. Consegui uma coisa legal por conta do trabalho de escolta e como adiantamento pelo trampo com a princesa.
Tirei um bilhete e coloquei sobre minha mesa. Chamavam de bilhete, mas era feito de metal e gravado com padrões elaborados. Mesmo pra quem não entendia nada, dava pra notar o quão bem feito era.
Notei os olhos da Eva se estreitarem e expliquei: — É um ingresso pro Festival do Guerreiro Supremo.
— Ah! Já ouvi rumores, mas nunca vi um de perto.
O Festival do Guerreiro Supremo era um torneio realizado anualmente. Guerreiros de todas as vocações vinham do mundo todo pra competir pelo título de Guerreiro Supremo. Numa era que idolatrava os fortes, existiam vários torneios de combate, mas esse era um dos mais famosos.
Não dava pra fazer justiça ao evento só com palavras, mas as lutas eram verdadeiros espetáculos e o torneio era popular até entre pessoas comuns. O vencedor ganhava fama, fortuna e entrava pra uma lista de campeões lendários.
Esse era um ingresso de platina, algo que exigia conexões muito especiais pra conseguir. A maioria dos nobres, pra não falar dos caçadores, sonhava em ter um desses. O Franz me disse que esse não era um bilhete qualquer. Espadas e cajados estavam entalhados na superfície prateada, mas não havia lugar marcado. Com esse único bilhete, eu podia levar vários acompanhantes.
Quando você trabalha direto pro imperador, o pagamento é generoso. O imperador tinha comentado que eu deveria mostrar pra Murina o que era força de verdade, e eu tinha vários amigos que queriam ir ao Festival do Guerreiro Supremo.
— Krai, você não detesta esse tipo de coisa?
— Não, que nada. Sempre quis ir pelo menos uma vez na vida. E é difícil de acreditar, mas esse ingresso permite levar várias pessoas.
— Entendo. É um festival sagrado. Ouvi dizer que muitos guerreiros convidam amigos e família. — Eva falou num tom mais baixo, ainda parecendo desconfiada. Mas eu não pretendia me alongar nisso.
— Por que você não vai também? — perguntei à minha prestativa vice-mestra do clã.
— Hã? Você vai mesmo ao Festival do Guerreiro Supremo?
Eva parecia não acreditar totalmente. Era tão surpreendente assim?
— Me disseram pra mostrar pra Murina o que era força de verdade. Treinamento não é só suar a camisa; às vezes, observar os experts ajuda também.
Claro, eu sempre vivi evitando combate o quanto podia, mas ainda assim, era fascinado por guerreiros poderosos. Como muita gente, eu também já sonhei em ser um campeão.
Me recompus e adotei novamente aquele ar de durão. — É um torneio de prestígio. Como um Nível 8, não vejo problema nenhum em aparecer por lá.
— Então também não vejo problema em ir pra dar meu apoio.
Será que a Eva queria torcer por alguém? Eu não. Nem sabia quem ia participar.
— Por que não levamos o clã todo? — ela sugeriu. Agora sim, uma boa ideia. — É uma oportunidade rara. Tenho certeza de que a Tino e vários outros caçadores ficariam empolgados pra ir.
— Parece ótimo. Acho que tem um limite de quantas pessoas podem assistir, mas… ah, talvez alguém nosso até participe como competidor?
O Ark foi o primeiro que veio à cabeça, mas nosso clã tinha vários com títulos próprios. Não seria estranho se um ou dois participassem.
— Não ouvi falar de nenhum membro nosso competindo, mas é possível, considerando o tamanho do Festival do Guerreiro Supremo. Isso seria um problema?
— Nenhum. Teriam todo o meu apoio. Seria uma grande honra se alguém do nosso clã vencesse o torneio.
— Hm? S-Sim, seria. Krai, sinto que não estamos na mesma página.
— É mesmo?
Não via como poderíamos estar em páginas diferentes. Só falamos de sorte e de levar todo mundo ao Festival do Guerreiro Supremo. Se alguém me perguntasse, eu é que queria entender como esse tipo de mal-entendido surgia de uma conversa tão simples. Eva parecia um pouco desconcertada, mas no fim das contas, assentiu como se afastasse as preocupações.
— Se você diz, Krai — disse ela.
Tradução: Carpeado
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