Hai to Gensou no Grimgar â CapĂtulo 8 â Volume 10
Hai to Gensou no GrimgarGrimgar of Fantasy and Ash
Light Novel Online – CapĂtulo 08:
[O Passado Nos Persegue?]
Shihoru nĂŁo sabia como chamar a pessoa do outro lado das grades.
Pelo visto, mesmo em Jessie Land, que nĂŁo era um lugar grande, precisavam de uma prisĂŁo. Esta construção aparentemente tinha sido construĂda para cumprir essa função.
NĂŁo havia janelas, e apenas a luz do sol poente, que entrava pela porta aberta, iluminava fracamente o interior.
Grades de madeira separavam o corredor de chĂŁo de terra de trĂȘs salas. Duas Ă direita do corredor e uma Ă esquerda.
Na primeira sala Ă direita estava Enba, com o braço Ășnico amarrado ao corpo e as pernas acorrentadas. Na sala ao fundo estava Shuro Setora, tambĂ©m amarrada de mĂŁos e pĂ©s. AlĂ©m disso, Kiichi, o nyaa cinza, tinha sido colocado na sala Ă esquerda.
Kiichi estava encolhido em um canto da sala, dormindo. Enba estava de pé no centro de sua sala. Setora estava sentada com as costas contra a parede, olhando fixamente para a parede oposta. Ela nem sequer olhou para Shihoru, que estava do outro lado das grades.
â Hum… â Shihoru olhou, nĂŁo para Setora, mas para Jessie, que estava ao seu lado. â Por que sĂł eles tĂȘm que ser confinados assim?
â Por precaução, Ă© claro. â Jessie acariciou o queixo barbado. â Sendo uma mulher da famĂlia Shuro, eu entendo ela ser uma necromante e andar com um golem de carne. No entanto, tambĂ©m ser uma domadora de nyaas… Isso Ă© suspeito, ou perigoso, por assim dizer. Apesar da aparĂȘncia, os nyaas sĂŁo criaturas assustadoras. Se vocĂȘ treinĂĄ-los, eles podem realizar assassinatos ou qualquer outra coisa que vocĂȘ desejar.
Setora bufou.
Jessie sorriu de leve e colocou os dedos nas grades de madeira.
â O que Ă© tĂŁo engraçado?
â Apesar de todo o seu discurso, parece que vocĂȘ nĂŁo entende nada sobre nĂłs, ou sobre nossos nyaas.
â NĂŁo, remanescente de Kuzen â ele disse. â Sei tudo sobre o seu povo. Talvez mais do que vocĂȘs mesmos.
Setora virou o rosto em sua direção. Não demonstrou na expressão, mas Shihoru percebeu que ela estava surpresa.
â …VocĂȘ. NĂŁo Ă© apenas um desertor dos soldados voluntĂĄrios.
â Apenas aprendi um pouco de histĂłria, sĂł isso â disse Jessie. â Seu povo usava nyaas para tudo. AtĂ© criavam nyaas que sĂł comiam carne de orc. Nyaas sĂŁo criaturas inteligentes, mas nĂŁo tĂȘm consciĂȘncia ou moralidade. Dependendo de como sĂŁo criados, eles farĂŁo atĂ© as coisas mais abominĂĄveis sem hesitar. SĂŁo parecidos com golems nesse sentido. Seu povo se especializa em fugir, se esconder e criar ferramentas para assassinar pessoas. E depois as usam.
â Nosso paĂs foi destruĂdo, e fomos expulsos de nossa terra â retrucou Setora. â Tivemos que superar tempos difĂceis.
â Eu entendo isso. Simpatizo, atĂ©. Da minha parte, pelo menos. Ainda assim, nĂŁo consigo confiar no seu povo, sabe? AlĂ©m disso, vocĂȘs nĂŁo confiam em ninguĂ©m alĂ©m de vocĂȘs mesmos, certo? Ă por isso que se esconderam no Vale dos Mil.
â Quando nossa pĂĄtria foi atacada, ninguĂ©m se ofereceu para nos ajudar. â Setora rebateu. â Como poderĂamos confiar em forasteiros tĂŁo facilmente?
â Em outras palavras, vocĂȘs mesmos escolheram o caminho do isolamento. Como posso confiar em pessoas que nĂŁo fazem nenhum esforço para se dar bem com os outros? Mesmo entre vocĂȘs, cortam relaçÔes rapidamente com qualquer um que viole suas leis.
â Eu abandonei a aldeia oculta.
â Considerando que vocĂȘ Ă© uma excĂȘntrica nascida na casa dos Shuro, mas decidiu criar nyaas, nĂŁo era de se esperar que jĂĄ fosse excluĂda?
â Hum…! â Shihoru nĂŁo conseguiu se segurar mais e forçou-se a falar.
Os olhos azuis de Jessie se voltaram para ela. Havia algo estranho nos olhos daquele homem. Algo errado. Talvez nĂŁo fosse apenas os olhos. Provavelmente era o rosto inteiro.
O rosto de Jessie… Se ela retirasse a pele e os mĂșsculos por baixo, tinha a sensação de que encontraria um rosto completamente diferente. O rosto dele nĂŁo parecia falso, mas tambĂ©m nĂŁo parecia real.
â Setora-san cuida muito bem de seus nyaas â disse Shihoru hesitante. â Ela nĂŁo faria as coisas que vocĂȘ estĂĄ dizendo… Ă o que eu acho. Certo, nĂŁo ficamos juntas o tempo todo… Talvez eu nem possa chamĂĄ-la de companheira. Talvez Setora-san… nem me veja dessa forma. Mas, mesmo assim… ela nos salvou vĂĄrias vezes… NĂŁo sei muito sobre a aldeia oculta, mas Setora-san Ă© uma pessoa em quem eu posso confiar.
â Entendo. â Jessie segurou o queixo e inclinou a cabeça levemente para o lado. â VocĂȘ tem um coração mole. Ah, nĂŁo digo isso de forma sarcĂĄstica. Ă minha opiniĂŁo sincera. Gosto de garotas como vocĂȘ. Oh, nĂŁo me entenda mal. NĂŁo Ă© afeto, Ă© consideração positiva. Da minha parte, pelo menos.
â …Obrigada.
â VocĂȘ Ă© direta, mas nĂŁo imprudente. Isso Ă© bom tambĂ©m. De qualquer forma… â Jessie bateu nas grades de madeira com as costas da mĂŁo. â Ainda nĂŁo consigo confiar nela. Estou jogando este jogo com cuidado. Se vocĂȘ nĂŁo levar a sĂ©rio, nĂŁo Ă© divertido, certo?
Shihoru franziu a testa.
â Jogo…?
â Vou decidir como lidar com ela mais tarde. Venha, Shihoru.
Jessie começou a andar em direção Ă saĂda, fazendo um gesto para que ela o seguisse.
Shihoru olhou para Setora. Ela estava novamente com os olhos fixos na parede. Ia ser necessårio muito esforço para que Setora a reconhecesse como uma companheira.
Ela seguiu Jessie para fora, e o céu jå estava bastante escuro. Nenhum dos moradores estava passeando. Devem estar preparando o jantar. A fumaça das fogueiras de cozinha subia de cada uma das casas.
â Agora, Shihoru, vocĂȘ viu como estĂŁo as coisas em vĂĄrias partes da Jessie Land, entĂŁo… â Jessie continuou falando enquanto caminhava. â O que acha?
Kuzaku havia sido mandado para trabalhos braçais. Yume tinha sido levada para fora da aldeia por um dos homens de manto. Mary estava cuidando de Haruhiro. Setora, Enba e Kiichi estavam presos.
Shihoru tinha sido guiada por Jessie a vĂĄrios lugares. Ela visitou os campos e as casas dos moradores, entrou nos celeiros e depĂłsitos, viu o poço, o sistema de irrigação, o moinho de ĂĄgua e outras instalaçÔes. Jessie sĂł respondia perguntas simples, como: âIsso Ă© uma roda dâĂĄgua?â
â O que acho… sobre o quĂȘ? â ela perguntou.
â VocĂȘ acha que conseguiria viver aqui?
â Ă uma aldeia… â Shihoru olhou para baixo, escolhendo as palavras. â …tranquila. TambĂ©m Ă© organizada… Enquanto tivermos comida e ĂĄgua, conseguimos viver.
â Bem, sim, obviamente. Mas nĂŁo Ă© entediante sĂł viver?
â …Acho que sim.
â VocĂȘ era uma soldada voluntĂĄria, entĂŁo posso entender por que nĂŁo consegue deixar para trĂĄs um estilo de vida com tanta… estimulação. Da minha parte, pelo menos.
â Eu acho… que talvez esteja mais inclinada a uma vida tranquila â disse ela.
â Eu estava exausto â concordou Jessie. â Exausto? NĂŁo, nĂŁo Ă© isso. Qual era a palavra? Farto? NĂŁo sei dizer exatamente como me sentia naquela Ă©poca. De qualquer forma, deixei de ser um soldado voluntĂĄrio, abandonei meus companheiros e fiquei sozinho. Uma viagem solo, vocĂȘ poderia dizer, para onde o vento e meus sentimentos me levassem. Tem uma expressĂŁo assim em japonĂȘs, nĂŁo tem?
â Uhh… japonĂȘs…
â VocĂȘ Ă© japonesa, certo? Do JapĂŁo. Embora, mesmo se eu disser isso, vocĂȘ nĂŁo vai saber.
â Eu nĂŁo…
Os pés de Shihoru pararam sozinhos. Ela sentiu como se estivesse esquecendo algo importante.
E nĂŁo era a primeira vez que isso acontecia. JĂĄ tinha ocorrido antes. Muitas vezes. Tantas que perdeu a conta.
Ela balançou a cabeça suavemente. Se movesse muito rĂĄpido, sentia que poderia desabar. Onde…? Onde estava isso…?
Jessie Land.
Uma aldeia nas montanhas.
Grimgar.
Que lugar Ă© este?
***
Um pĂĄssaro parecido com um corvo grasnava em algum lugar.
Ela odiava corvos; eram assustadores.
Se ela carregava doces, Ă s vezes eles a atacavam.
Eles se lembravam quando os humanos carregavam coisas gostosas.
Andando pela cidade ao pĂŽr do sol, ao se virar, sua sombra parecia desconfortavelmente longa. Isso a fazia querer correr, mesmo sem razĂŁo. Mas, corresse o quanto corresse, quando se virava, a sombra ainda estava lĂĄ. Sempre a seguia. Era sua prĂłpria sombra, entĂŁo isso era esperado, mas ela a assustava.
A assustava de forma irracional.
â VocĂȘ Ă© tĂŁo medrosa, Shihoru â alguĂ©m zombou. â Sempre foi.
***
Quem estĂĄ dizendo isso…?
NĂŁo sei.
NĂŁo consigo lembrar.
Esqueço.
De vocĂȘ.
De tudo.
Que havia alguém ali.
Ali?
Onde?
Em algum lugar que nĂŁo aqui?
Isso Ă©…
Ah…
Eu nĂŁo sei.
NĂŁo sei. NĂŁo sei.
NĂŁo sei. NĂŁo sei. NĂŁo sei.
â Eu… â Shihoru cobriu o rosto com as mĂŁos.
Eu nĂŁo sei. Eu nĂŁo sei. Eu nĂŁo sei. Eu nĂŁo sei. Eu nĂŁo sei. Eu nĂŁo sei.
â O que foi que eu…?
â VocĂȘ estĂĄ bem? â perguntou um homem.
Uma mĂŁo pousou em seu ombro.
Ela levantou o rosto.
No rosto sombrio do homem, apenas seus dois olhos azuis brilhavam intensamente.
â Eu… estou… bem â Shihoru conseguiu responder. â Eu… disse algo, agora hĂĄ pouco…?

â âEu nĂŁo seiâ â respondeu Jessie. â Foi isso que vocĂȘ disse. VocĂȘ disse âEu nĂŁo sei.â
â …Eu nĂŁo sei.
â NĂŁo precisa se preocupar com isso â disse Jessie. â Ă normal.
â Normal…?
â Tenho certeza de que vocĂȘ nĂŁo entende o que estou dizendo. Ă assim mesmo. Se algo parece sem sentido, mesmo quando vocĂȘ pensa sobre isso, Ă© melhor nĂŁo pensar, certo?
â Sem sentido… â ela murmurou.
Jessie se agachou prĂłximo ao ouvido de Shihoru.
â Isso mesmo. NĂŁo hĂĄ sentido algum â sussurrou ele. â JapĂŁo. TĂłquio. Shinjuku. Akihabara. VocĂȘ vai esquecer tudo que aconteceu depois de ouvir essas coisas. Eu nĂŁo sei o motivo, da minha parte, pelo menos. nĂŁo hĂĄ o que fazer. VocĂȘ atĂ© vai esquecer que esqueceu.
Ela sentiu como se seu cérebro estivesse sendo agitado.
MemĂłrias.
Coisas que ela lembrava.
Elas estavam dentro de sua cabeça.
Seja qual fosse a forma, estavam gravadas em algum lugar de seu cérebro.
Era essa parte dela que as palavras de Jessie tocavam. Como dedos, beliscando suas memĂłrias.
Torcendo, depois esmagando. Ou movendo-as para outro lugar.
Mas elas precisavam estar onde estavam. Se ele as movesse, elas deixariam de funcionar como memĂłrias.
Isso nĂŁo pode estar certo.
Afinal, Jessie tinha acabado de sussurrar algo para ela. Mas o quĂȘ?
Ele disse algo.
xx.
xx.
xx.
xxx.
xxxx.
xxxxx.
xxxâ â â â .
â â â â â â â â .
â â â â â â â â â .
NĂŁo.
Eu nĂŁo sei.
Eu nĂŁo sei.
Eu nĂŁo sei.
â Shihoru â ele disse. â VocĂȘ veio do JapĂŁo para Grimgar, nĂŁo foi?
JapĂŁo.
xxxxx.
â â â â â .
Veio?
Para Grimgar.
â Daquela torre que nunca se abre…
Saiu?
Da torre que nunca se abre. Torre que xxxxx xxxxx. Xxxxx que â â â â â â â â â â . â â â â â â â â â â â â â â â â â â â .
â x.
Torre. Daquela torre.
â Hum… Onde vocĂȘ acha que Ă© isso?
Alguém estava perguntando isso.
â H-hĂĄ alguĂ©m…
…Era ela?
â …que sabe? Onde estamos?
Perguntar nĂŁo ajudava.
Ninguém dizia nada.
Ninguém sabia.
Eles nĂŁo sabiam.
â VocĂȘ viu a lua vermelha tambĂ©m? â perguntou Jessie. â Quando viu a lua vermelha pela primeira vez, o que achou?
…A lua.
A lua vermelha.
Era isso. Ela tinha visto a lua vermelha. A lua estava vermelha, e ela engoliu seco sem perceber.
â NĂŁo sei como funciona â disse Jessie. â Mas vocĂȘs esquecem. Eu era assim tambĂ©m. Foi coincidĂȘncia.
â CoincidĂȘncia…
â Algo aconteceu, sabe â disse Jessie. â Quanto ao que exatamente… Ă algo pessoal e nĂŁo te envolve diretamente, entĂŁo nĂŁo Ă© tĂŁo importante. De qualquer forma, por uma sĂ©rie de circunstĂąncias especiais que coincidiram, eu me lembrei de tudo e parei de esquecer tambĂ©m. Fascinante, nĂŁo acha?
â VocĂȘ… sabe? â disse Shihoru lentamente.
â A verdade? EstĂĄ perguntando se eu sei a verdade? Eu me pergunto sobre isso. NĂŁo tenho como testar, afinal. Pode ser apenas uma fantasia grandiosa que eu mesmo criei. No mĂnimo, Ă© um fato para mim, e isso Ă© tudo que posso dizer.
â O que… vocĂȘ Ă©? â ela sussurrou.
â Eu?
Jessie se afastou de Shihoru e fechou um dos olhos.
â Meu nome Ă© Jessie Smith. Eu fui um soldado voluntĂĄrio.
Ele falava com um sotaque deliberadamente carregado. Normalmente, não havia nada de estranho na forma como ele falava. Ele era fluente, mas sua entonação era um pouco fora do comum às vezes.
AlĂ©m disso, Jessie sempre acrescentava: âDa minha parte, pelo menos.â
â Da minha parte, pelo menos.
Parecia que ela jĂĄ tinha ouvido isso vĂĄrias vezes. NĂŁo havia necessidade de dizer aquilo. Era apenas um tique de fala? Isso a incomodava.
â Da minha parte, pelo menos.
â Este lugar… o que vocĂȘs chamam de Jessie Land… o que exatamente… Ă© isso?
â Ă um jogo. â Jessie estufou o peito, abriu os braços e deu uma volta sobre si mesmo. â Em termos de gĂȘnero, eu era mais fĂŁ de FPS ou RPG, mas nĂŁo me importava com jogos de simulação tambĂ©m. Eu construĂ essa aldeia do nada.
â F… R… Simu… O quĂȘ?
â As pessoas aqui sĂŁo chamadas de gumows â Jessie continuou. â Em orcish, significa algo como âmestiçoâ. Basicamente, refere-se a filhos que orcs forçaram humanos ou outras raças a terem, assim como seus descendentes.
â EntĂŁo… os moradores de Jessie Land sĂŁo…
â Exatamente. Todos eles sĂŁo gumows.
â Esses… gumows… Eles sĂŁo oprimidos?
â VocĂȘ Ă© rĂĄpida para entender, isso facilita as coisas. Exatamente â respondeu Jessie. â Os orcs discriminam os gumows. E violentamente, diga-se de passagem. Os orcs valorizam muito as linhagens sanguĂneas, para começo de conversa. Embora isso tenha diminuĂdo um pouco com o tempo, os clĂŁs ainda sĂŁo importantes. VocĂȘ sabe o que sĂŁo clĂŁs, certo?
â Eles tĂȘm ancestrais em comum e um sobrenome compartilhado… certo?
â Sim. Isso mesmo.
Jessie começou a andar de repente, e Shihoru apressou-se para acompanhå-lo.
â Para espalhar seu sangue e fortalecer seu clĂŁ, os orcs frequentemente raptavam e violentavam mulheres de outros clĂŁs. Talvez este nĂŁo seja o melhor assunto para conversar com uma garota.
â …NĂŁo. EstĂĄ tudo bem.
â Quando a Aliança dos Reis foi formada e quando Kuzen, Ishmal, Nananka, Arabakia, e as terras dos elfos e anĂ”es foram invadidas, os orcs fizeram o que sempre fizeram. Os humanos viam os orcs como selvagens ou bestas, escravizando-os e exibindo-os como trofĂ©us, entĂŁo certamente havia um elemento de vingança nisso. Honestamente, talvez eu nĂŁo devesse estar dizendo isso para uma garota, mas aposto que todo aquele assassinato e estupro foi uma Ăłtima forma de extravasarem sua frustração. A surpresa foi que humanos, elfos e anĂ”es podiam cruzar com orcs.
â Houve filhos â disse Shihoru.
â Exato. Isso deveria ser uma surpresa. Quero dizer, gatos e cachorros sĂŁo ambos mamĂferos, andam sobre quatro patas e tĂȘm caudas. Se estivessem no clima certo, atĂ© poderiam copular. Embora eu duvide que isso aconteça. De qualquer forma, Ă© possĂvel. No entanto, isso nunca geraria descendentes. Com dois cachorros, por mais diferentes que pareçam, atĂ© mesmo um chihuahua e um SĂŁo Bernardo, Ă© teoricamente possĂvel que engravidem.
â Chihuahua?
â Ă um cachorro pequeno. Uma raça de cĂŁo de porte pequeno. SĂŁo Bernardos sĂŁo enormes. A diferença de tamanho Ă© inacreditĂĄvel. Mesmo espĂ©cies prĂłximas, como leĂ”es e tigres, podem cruzar. Contudo, apenas por uma geração. Bem, e quanto a humanos, elfos, anĂ”es e orcs?
â âOs filhos que os orcs forçaram outras raças a terem, e seus descendentesâ… VocĂȘ acabou de falar sobre isso.
â Certo, eu disse isso. Os gumows podem se reproduzir entre si. Se for um gumow com um orc, ou um gumow com um humano, essas combinaçÔes provavelmente tambĂ©m funcionariam. Entendeu, Shihoru? Basicamente, isso significa que humanos, elfos, anĂ”es e orcs sĂŁo espĂ©cies extremamente prĂłximas.
â …Como cĂŁes que podem ser muito diferentes em aparĂȘncia?
â Ă fascinante, nĂŁo Ă©? Eles divergiram por um processo de evolução? Ou suas genĂ©ticas eram semelhantes por acaso? Ou foram criados para serem assim? Seja como for, sĂŁo parentes. Humanos, orcs, elfos e anĂ”es sĂŁo como irmĂŁos. Normalmente, irmĂŁos nĂŁo fazem isso, eâdesculpe, essa Ă© uma forma grosseira de dizerâembora geralmente nĂŁo sejam levados pela luxĂșria a ter relaçÔes sexuais, isso nĂŁo significa que nĂŁo possam. Se decidirem fazer, conseguem. E terĂŁo filhos tambĂ©m.
Jessie gesticulava amplamente enquanto falava. Quando ele se empolgava com o que estava dizendo, era isso que fazia. Provavelmente era um hĂĄbito dele.
Ainda assim, como esse homem sabia tanto? Ele disse que lembrava das coisas, que havia parado de esquecer. O que isso significava?
Serå que Shihoru jå sabia disso também, antes de esquecer?
Ela havia esquecido as coisas que sabia. Por isso, tudo que Jessie estava falando parecia completamente novo para ela.
Jessie não parou. Continuou falando com fluidez e articulação.
â Para os orcs, o nascimento de um grande nĂșmero de gumows foi um choque enorme e uma marca de vergonha. Muitos gumows foram descartados como lixo enquanto ainda eram bebĂȘs. Eu consigo entender o motivo. Os gumows carregavam o sangue dos humanos, elfos e anĂ”es que os orcs odiavam. No entanto, isso nĂŁo significa que todos foram mortos. Os orcs nĂŁo sĂŁo tĂŁo selvagens quanto os humanos pensam. Eles nĂŁo podiam esperar ser tratados de forma igual a um orc, mas muitos gumows foram autorizados a viver. VĂĄ a qualquer grande cidade orc. HĂĄ gumows trabalhando em todos os lugares. Eles fazem trabalhos que ninguĂ©m quer, recebem comida que sĂł serve para o gado, e de alguma forma conseguem sobreviver. SĂŁo feios, insalubres, fedem, e, se se aproximam de um orc sem a devida cautela, acabam sendo xingados ou chutados atĂ© correrem para longe. Eles nĂŁo tĂȘm valor algum. Vivem pela misericĂłrdia dos orcs. Esse Ă© o gumow padrĂŁo. Eles nĂŁo tĂȘm dignidade, Ă© claro. VocĂȘ sente pena deles, Shihoru?
â Eles sĂŁo diferentes por fora, mas nĂŁo tĂŁo diferentes de nĂłs… â Shihoru respondeu lentamente. â Ă isso que eu acho.
â VocĂȘ estĂĄ certa. A aparĂȘncia dos gumows causa impacto. O corpo deles estĂĄ entre o de um orc e o de um humano, eu diria. Eles nĂŁo estĂŁo tĂŁo distantes dos humanos. Geralmente falando, sĂŁo tĂŁo inteligentes quanto humanos ou orcs. Se ensinĂĄ-los, podem aprender qualquer coisa. Os gumows que vivem nas cidades orcs sĂŁo mesquinhos, ardilosos e preguiçosos. Mas isso Ă© culpa do ambiente deles, tenho certeza. Se vocĂȘ der dez aos gumows em minha Jessie Land, eles tentarĂŁo devolver onze ou doze. Parece que, se nĂŁo puderem pagar com dez a vinte por cento a mais, nĂŁo ficam satisfeitos. HĂĄ alguns com temperamento violento, sim, mas, se vocĂȘ os prender por um ou dois dias, eles se arrependem e ficam mais dĂłceis. No geral, sĂŁo obedientes e trabalhadores. SĂŁo basicamente os aldeĂ”es ideais. Ajuda o fato de serem fĂĄceis de gerenciar, mas isso tira um pouco do fator diversĂŁo.
â Ă por isso… que vocĂȘ quer nos adicionar… como aldeĂ”es? â perguntou Shihoru.
Os ombros de Jessie sacudiram enquanto ele ria, mas ele nĂŁo respondeu.
Eventualmente, eles deixaram a årea onde as construçÔes estavam concentradas. Havia campos à esquerda e à direita.
O sol jĂĄ havia se posto.
â Shihoru. â Jessie parou.
â …Sim?
Shihoru soltou um leve suspiro. Seu aperto no cajado se intensificou naturalmente.
â VocĂȘ usa uma magia incomum. Onde a aprendeu?
Esse homem provavelmente tinha um senso de curiosidade mais forte do que qualquer um. Ele gostava de aprender coisas. Ela jå tinha previsto que ele perguntaria isso eventualmente. Havia coisas que Shihoru também queria aprender.
â VocĂȘ neutralizou minha magia com um Magic Missile â respondeu Shihoru. â Eu nunca imaginei que alguĂ©m pudesse usĂĄ-la dessa forma. AlĂ©m disso, vocĂȘ… nĂŁo parece um mago.
â Porque eu nĂŁo sou um mago â disse Jessie com um leve dar de ombros. â Da minha parte, pelo menos.
LĂĄ estava novamente.
Da minha parte, pelo menos.
Jessie virou-se.
â Poderia tentar usĂĄ-la de novo? Essa magia. Quero vĂȘ-la mais uma vez, de perto.
â Eu poderia tentar derrubĂĄ-lo, sabia?
â Na verdade, eu quero que tente. EstĂĄ tudo bem. Ă muito difĂcil me matar. VocĂȘ nĂŁo Ă© idiota, entĂŁo entende isso, certo?
â Dark.
Quando Shihoru chamou, a porta invisĂvel se abriu e ele apareceu. NĂŁo, nĂŁo havia porta. Ele sempre esteve lĂĄ. Talvez fosse mais apropriado dizer que os elementais estavam sempre em todos os lugares. No entanto, eram invisĂveis. Mesmo uma maga como Shihoru nĂŁo podia vĂȘ-los.
Criaturas mĂĄgicas. Elementais. Na guilda dos magos, misteriosamente, nunca ensinavam exatamente o que eles eram. Mas eles definitivamente existiam, era possĂvel senti-los, e a magia emprestava seu poder para produzir efeitos. Uma vez que isso foi mostrado claramente e ela tentou usar magia por si mesma, nĂŁo teve escolha senĂŁo acreditar.
Essas coisas chamadas elementais existiam. Para Shihoru, provavelmente nĂŁo tinham forma definida. Arve. Kanon. Faltz. Darsh. Essas variedades nĂŁo existiam.
Eles eram, muito provavelmente, completamente diferentes do que Shihoru e os outros consideravam criaturas vivas. InvisĂveis e sem massa. Se vocĂȘ usasse o senso comum, nĂŁo diria que algo assim existia. Eles eram diferentes atĂ© na forma como existiam.
O eixo existencial dos elementais e o de Shihoru e dos outros eram paralelos e, normalmente, nunca se cruzariam. Os magos chamavam os elementais para este lado. Ao fazer isso, formava-se um ponto de conexĂŁo.
Normalmente, um mago utilizava sigilos elementais ou feitiços para fazer isso. Focando sua mente, imaginando um elemental especĂfico e entoando um feitiço especĂfico, era possĂvel atrair um elemental. Shihoru acreditava firmemente nisso. Se ela seguisse o caminho daqueles que vieram antes dela, o caminho que os magos pioneiros abriram e estabeleceram, poderia usar a mesma magia que eles. De certa forma, essa era a essĂȘncia da magia que ela havia aprendido na guilda e seu segredo.
O Dark de Shihoru aparecia como um vĂłrtice sombrio, assumindo uma forma parecida com uma estrela, e flutuava logo acima de seu ombro.
Quando ela chamava o elemental para este lado, Shihoru o antropomorfizava. Era a forma mais fåcil de criar uma imagem. Ele não tinha um coração capaz de se comunicar com humanos. Mesmo assim, era conveniente de muitas formas supor que ele tivesse.
â Isso Ă© interessante. Parece magia de invocação. â Jessie desenhou sigilos elementais com o dedo indicador da mĂŁo direita. â Marc em Parc.
Magic Missile.
Uma bola brilhante se manifestou na frente do peito de Jessie.
Era grande.
No inĂcio, havia sido pequena, um Magic Missile perfeitamente comum, atĂ© que cresceu.
Baseando-se no que aprendera na guilda dos magos, Shihoru foi obrigada a considerar aquilo estranho. Seguindo um procedimento definido, desencadeava-se um efeito esperado. Isso era o que chamavam de magia. Por isso, na guilda dos magos, eles aprendiam a realizar a magia adequada da maneira correta.
No entanto, o truque de Jessie era basicamente o mesmo que o Dark de Shihoru. Era uma questão de como ele chamava o elemental para este lado e como usava seu poder. Shihoru usava o Dark como seu método. Jessie conseguia o mesmo com um Magic Missile. Podiam parecer diferentes, mas ambos eram elementais.
â …VĂĄ, Dark.
Com um som parecido com shuvyuuung, Dark avançou diretamente. Shihoru não hesitou. Dark acelerou, indo em direção a Jessie na måxima velocidade.
Os cantos da boca de Jessie se curvaram levemente para cima. Com um gesto, como se estivesse empurrando a bola de luz com a mĂŁo direita, ele a enviou adiante.
Logo depois, Shihoru ordenou mentalmente: Vire.
Dark, que seguia em linha reta, mudou de direção. Para a direita. Não foi uma curva acentuada, mas ele não colidiu com a bola de luz. Ele traçou um arco ao redor da bola, com a intenção de acertar Jessie.
Jessie havia pedido que ela tentasse derrubĂĄ-lo, entĂŁo Shihoru fez isso deliberadamente. Mas nĂŁo funcionou. Ela jĂĄ sabia que nĂŁo funcionaria.
Como esperado, o Magic Missile reagiu ao Dark.
Acertou-o.
Por um segundo, a luz ficou mais forte, e então houve uma rajada de vento. Não para os lados, mas uma forte corrente ascendente. Seu chapéu quase foi arrancado, e seu corpo parecia que poderia ser levantado no ar.
Dark foi engolido pela bola de luz. Por outro lado, a bola de luz também desapareceu, então talvez fosse mais preciso dizer que consumiram um ao outro.
Shihoru nĂŁo conseguia respirar, nem inspirar nem expirar.
Ela sabia. JĂĄ sabia hĂĄ algum tempo. Mais do que isso, sabia desde sempre.
O flamejante Arve se assemelhava a chamas ardentes.
O gélido Kanon parecia cristais de gelo.
O elétrico Falz lembrava raios.
O sombrio Darsh parecia uma massa de algas escuras.
Os quatro tipos de elementais. Elementais estavam em toda parte. Eles absorviam o poder do espĂrito de um mago, sua energia mĂĄgica, para se manifestarem e liberarem seus poderes.
â Eu nĂŁo sou um mago â disse Jessie, com os olhos baixos, quase como se estivesse se desculpando. â Mas, por certas razĂ”es, acho que dĂĄ pra dizer que consigo usar magia. Shihoru. Com quem vocĂȘ aprendeu na guilda dos magos?
Shihoru finalmente conseguiu respirar novamente. Regularizando a respiração, ela respondeu: â Minha instrutora principal foi a Maga Yoruka.
â Yoruka. Ohh. Ela virou maga, hein? Impressionante, considerando o quĂŁo jovem ela ainda deve ser.
â No entanto, passei pelo treinamento bĂĄsico com o Mago Sarai.
â Esse Ă© um mago veterano de verdade â comentou Jessie.
â A Maga Yoruka me disse… que as coisas que o Mago Sarai me ensinou se tornariam um recurso inestimĂĄvel. Mesmo que eu nĂŁo entendesse agora… mais tarde, eu perceberia isso.
â Faz sentido â Jessie assentiu. â Nesse caso, ela disse algo sobre o motivo de todo mago aprender o Magic Missile primeiro?
Magic Missile. NĂŁo era Arve, Kanon, Falz ou Darsh. Que tipo de elemental era? Ela se lembrava vagamente dessa dĂșvida surgindo no final do treinamento bĂĄsico.
â NĂŁo… Nada diretamente.
â Entendi. Mesmo que ela nĂŁo tenha explicado claramente, ela te deu a chave, nĂŁo foi?
â A chave…
Shihoru apertou seu cajado. Suas mĂŁos… nĂŁo, seu corpo inteiro… tremia.
Isso mesmo. Ela jĂĄ havia recebido a chave hĂĄ muito tempo.
A partir daĂ, sĂł precisava encaixĂĄ-la na fechadura, girar, destrancar a porta e abri-la. Apesar disso, Shihoru mantivera a chave no bolso, sem nem ao menos olhĂĄ-la direito. De certa forma, o Mago Sarai e a Maga Yoruka jĂĄ haviam lhe dito tudo.
Shihoru havia tomado um caminho incrivelmente indireto. NĂŁo achava que o esforço tivesse sido em vĂŁo, mas, se tivesse percebido mais cedo, talvez pudesse ter feito coisas naquela Ă©poca que ainda nĂŁo conseguia fazer agora. Quando seus companheiros estavam em situaçÔes difĂceis, Shihoru poderia ter estendido a mĂŁo e os puxado para cima.
Eu sou uma idiota.
Sou inĂștil e uma tola.
Mas isso ela jĂĄ sabia. E havia melhorado desde antes, entĂŁo era melhor nĂŁo pensar assim. Precisava manter isso bem claro na mente.
Ela era inferior. Por isso precisava pensar com todas as suas forças e nunca parar de caminhar. Se parasse, decidiria que não valia mais a pena, sentaria e não conseguiria mais avançar.
Shihoru olhou para cima e respirou fundo. Depois, fixou os olhos em Jessie.
â VocĂȘ disse… que nĂŁo Ă© um mago.
â Eu disse.
â Apesar disso, sabe muitas coisas. Por quĂȘ?
â NĂŁo Ă© algo que eu possa explicar rapidamente.
â Mesmo que nĂŁo seja rĂĄpido, eu nĂŁo me importo nem um pouco.
â Oh, vocĂȘ nĂŁo entendeu o que eu quis dizer? â Jessie inclinou a cabeça para o lado. â Estava tentando ser indireto. Talvez tenha escolhido uma forma ruim de falar.
Em outras palavras, ele não queria dizer. Provavelmente significava que não tinha intenção de contar.
Talvez fosse melhor nĂŁo confiar nesse homem, afinal. Ele nĂŁo precisou de tratamento, mesmo depois de receber um Backstab de Haruhiro, e guardava muitos segredos. Parecia humano, aparentava ser um ex-soldado voluntĂĄrio e sabia muito sobre Altana. No entanto, ao menos agora, ele nĂŁo era humano da mesma forma que Shihoru e os outros. Era melhor pensar assim.
Por ora, ela nĂŁo tinha escolha a nĂŁo ser ouvi-lo. NĂŁo resistir, ganhar sua confiança, se possĂvel, e esperar por uma oportunidade. Mas entĂŁo…
â A propĂłsito, Shihoru.
â …Sim?
Se agisse de forma muito submissa, poderia parecer forçado, e ele perceberia. Se tentasse construir uma rede de mentiras, ela desmoronaria. Fazendo o mĂĄximo para nĂŁo ser desonesta, ela precisaria enganĂĄ-lo sobre o mais importante. SerĂĄ que conseguiria? Mesmo que fosse difĂcil, teria que tentar.
Ela não sabia quais eram as intençÔes dele, mas Jessie estava conduzindo Shihoru dessa maneira. Se continuassem juntos, ela teria a chance de conquistar sua simpatia.
â O que foi? â perguntou.
â Que corpo e tanto vocĂȘ tem.
â …HĂŁ?
â SerĂĄ que fica ainda melhor sem essas roupas?
â Q-quĂȘ…?
Sem entender o que acabara de ser dito, ela ficou pensando profundamente.
Ah, entendi.
No momento em que percebeu, ficou assustada e deu um pequeno salto para trĂĄs.
â E-e-e-e-eu nĂŁo tenho um corpo tĂŁo i-incrĂvel assim, e-e-eu sĂł estou g-gorda, sĂł isso. S-se vocĂȘ visse, ficaria d-desapontado, e-e-entĂŁo, hum, eu nĂŁo posso mostrar pra ninguĂ©m!
â Era uma piada. â Jessie riu. â VocĂȘ Ă© mesmo divertida, sabia?
â P-piada…
Oh, claro. Uma piada. Sim. Ă Ăłbvio que era uma piada. Quem iria querer ver o corpo feio e desajeitado dela? NĂŁo que ela deixasse, mesmo que quisessem. Mesmo que nĂŁo fosse algo tĂŁo importante. NĂŁo podia. Essa era uma coisa que ela absolutamente nĂŁo podia fazer.
Foi apenas uma piada. Mas serĂĄ que foi mesmo? Ela nĂŁo podia confiar nesse homem. Como poderia ter certeza de que ele nĂŁo era um degenerado que poderia voltar suas presas venenosas, nĂŁo necessariamente contra Shihoru, mas contra qualquer um que ele quisesse?
â …D-Desculpe por isso. â Shihoru pigarreou. â Fiquei envergonhada… de levar isso tĂŁo a sĂ©rio…
â Nah. Se vocĂȘ nĂŁo se importar, podemos fazer isso a qualquer momento, sabe.
â N-NĂŁo Ă© que eu nĂŁo me importe… mas…
â JĂĄ disse, estou brincando.
â Jessie… â ela murmurou.
â Hm? Disse alguma coisa?
â NĂŁo… Nada. Acho que vocĂȘ deve ter imaginado.
â SĂ©rio? Eu podia jurar que ouvi alguĂ©m sussurrar meu nome com intenção assassina…
Jessie de repente girou sobre os calcanhares, olhando para o noroeste. Shihoru seguiu seu olhar.
Alguém estava caminhando pela estrada que atravessava os campos. Quem seria?
Os moradores gumows jĂĄ haviam terminado seus trabalhos no campo e voltado para casa. Estava bem escuro.
Shihoru apertou os olhos. NĂŁo era apenas uma pessoa; eram duas. Uma delas acenava.
â Miau! Shihoruuuuuu!
â Yume! â Shihoru acenou de volta. â Bem-vinda de volta, Yume! NĂŁo aconteceu nada?! Que bom!
â Voltei! Yume tĂĄ indo muito bem! E vocĂȘ, Shihoru?!
â Ah, eu tambĂ©m! Estou bem, como dĂĄ pra ver!
â Oh! Isso Ă© inflado! NĂŁo, pera! Isso Ă© incrĂvel!
â Ă mesmo!
â E como tĂĄ todo mundo?! O que tĂŁo fazendo?!
â Todos estĂŁo…! â Shihoru sentiu um aperto na garganta e segurou-a com a mĂŁo.
â NĂŁo precisa gritar tanto. â Jessie riu tanto que seus ombros tremiam. â Podem conversar Ă vontade quando estiverem mais perto.
â Certo…
â Shiiiihoruuuu! Yume tĂĄ indo atĂ© aĂ agora!
â N-NĂŁo precisa ter pressa…
â OkĂȘ! â gritou Yume. â Tuokin, hora de correr!
â …TambĂ©m nĂŁo precisa correr.
Mas Yume provavelmente nĂŁo ouviu a voz de Shihoru agora que ela havia parado de gritar.
Yume deu um tapinha nas costas da pessoa que estava com ela, e os dois saĂram correndo.
â Elas se dĂŁo bem â murmurou Shihoru.
Se ela fosse dizer que era tĂpico da Yume fazer isso, era mesmo, mas, embora sempre acontecesse, ainda a surpreendia. Como era que Yume conseguia se dar bem com qualquer pessoa, atĂ© mesmo cruzando barreiras raciais? Honestamente, Shihoru a invejava. Yume parecia brilhar tĂŁo intensamente. No passado, ela atĂ© sentia ciĂșmes. E isso nĂŁo foi hĂĄ muito tempo; nĂŁo Ă© como se tivesse sido hĂĄ cinco ou dez anos.
Pensando bem, não fazia nem dois anos que elas tinham vindo para Grimgar. Ela não tinha lembranças concretas de sua vida antes disso. No entanto, com certeza houve todo tipo de coisa. Não era como se tivesse nascido espontaneamente em Grimgar, como num passe de mågica. Ela tinha certeza disso, assim como tinha certeza de que as memórias que deveria ter estavam ausentes.
Isso tornava esses dois anos tudo o que Shihoru tinha, e mais preciosos do que qualquer outra coisa. As pessoas que conheceu, as coisas que perdeu, queria abraçar tudo isso com força enquanto pudesse.
Yume ultrapassou o gumow de manto que a acompanhava em alta velocidade, abrindo uma grande distĂąncia.
â Shihoruuu! â Ela levantou a mĂŁo direita.
â HĂŁ?! O-O quĂȘ…?!
Mesmo confusa, Shihoru conseguiu passar o cajado para a mĂŁo esquerda e estender a direita.
Yume declarou: â Yume miauins! â e bateu a palma da mĂŁo contra a de Shihoru.
Houve um estalo alto, que assustou Shihoru, fazendo-a fechar os olhos instintivamente. Sua palma doĂa, mas, de alguma forma, isso tambĂ©m parecia bom.
Yume seguiu saltando nela, fazendo a cabeça de Shihoru tombar para trås.
â Miahahahaha! Shihoruuu!
â Eek!
As pernas de Shihoru ficaram bambas. Antes que pudesse tropeçar, Yume a levantou e a girou de lado.
â Uwaa… Uwaa! Y-Yume, i-isso Ă© perig…! Meus olhos estĂŁo girando…!
â Uoou! â gritou Yume. â Se Ă© assim, vamos tentar um giro reverso no problemĂŁo!
â I-Iss… Isso nĂŁo Ă© o problema…! E tambĂ©m nĂŁo Ă© âno problemĂŁoâ, Ă© âimediatamenteâ…!
â Nwuh! Yume aprendeu mais uma coiza errada, nĂ©?!
â N-NĂŁo Ă© âcoizaâ, Ă© âcoisaâ…!
â Coisar, nĂ©?! Bom trabalho, Shihoru! Valeu por apontar!
â NĂŁo Ă© âcoisarâ, Ă©… Coisa! P-Por favor, me coloque no chĂŁo, Yume, meus olhos estĂŁo…!
â Entendido! EntendidĂssimo! EntendidĂssimo-dĂssimo-entendido! Paaarando!
Yume parou de girĂĄ-la e esfregou a bochecha contra a de Shihoru.
Yume sempre gostou de ser carinhosa com companheiras do mesmo gĂȘnero, mas isso nĂŁo era normal. Muito provavelmente, depois de passar tanto tempo trabalhando com um gumow, Yume tinha ficado tensa Ă sua prĂłpria maneira. Pensando nisso, Shihoru nĂŁo conseguia mais pedir para ela parar. AlĂ©m disso, Shihoru se sentia relaxada quando Yume a tocava.
Embora eu fique muito envergonhada para dizer isso. NĂŁo consigo ser tĂŁo honesta comigo mesma quanto Yume Ă©.
O gumow de manto seguiu atrĂĄs de Yume. Tuokin, era isso? Pelo que lembrava, tinha ouvido Yume chamĂĄ-lo assim.
Tuokin estava falando com Jessie sobre alguma coisa. Era em Orcish ou na lĂngua dos gumows? De qualquer forma, Shihoru nĂŁo entendia uma palavra sequer. Mas achava aquilo estranho.
Jessie cruzou os braços e olhou para o céu, onde as estrelas começavam a aparecer. Ele inclinou a cabeça para o lado com uma expressão pensativa. Isso deu a Shihoru uma sensação de pressågio que ela não poderia chamar de boa.
Shihoru tinha a tendĂȘncia de imaginar as coisas piorando cada vez mais, mesmo quando isso nĂŁo era verdade. Esperava que fosse apenas isso.
Tradução: ParupiroHPara estas e outras obras, visite o Cantinho do ParupiroH â Clicando Aqui
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