Capítulo 19
*Perspectiva de Abel* (Novo personagem!)
Meus pensamentos continuavam voltando para o inesperado encontro que tive esta manhã. Segurando um arco maior que de costume e carregando duas aves nas costas, supostamente era para ser uma caminhada normal pelas montanhas.
Vejam, a cada primavera, nas montanhas próximas à minha vila, muitos ursos despertavam de sua longa hibernação.
Eles já acordaram? Não sei, ainda não vi nenhum.
Vender os materiais obtidos de suas carcaças dava um bom lucro. Caçar era divertido e ainda ganhar dinheiro com isso, era o melhor passatempo para mim.
Naquela manhã, acordei cedo e meu corpo estava queimando de energia. Seria um grande dia, eu podia sentir isso.
Foi engraçado que assim que entrei na montanha, encontrei o maior urso que já tinha visto. E parecia que ele não tinha me notado ainda.
Mais precisamente, ele não tinha como me perceber, já que estava distraído encarando uma mulher que carregava uma cesta cheia de vegetais.
Por que diabos ela viria às montanhas em um tempo como esse?! Que garota estúpida! — Ela nem mesmo estava carregando uma arma.
O urso encarou-a fixamente e, assim que viu uma oportunidade, correu para cima dela.
Eu apontei o meu arco. Este era um poderoso arco que me tomou 2 anos para conseguir dominá-lo. Em minha vila, não havia outra pessoa com força capaz de puxar completamente sua corda, ou, pelo menos, sempre foi assim…, mas justo agora, a forte tensão estava fazendo o meu braço gritar de dor.
A flecha que coloquei estava na máxima tensão do arco. Fora que esta era mais pesada do que a de um arco comum, então acho que seria um disparo mortal, assim, focando na movimentação do urso eu a soltei. Cortando o ar, ela assobiou e foi na direção em que o monstro estava indo.
Bem no meio dos olhos.
Isso era algo fácil de se fazer quando você está devidamente focado.
Parece que vamos ter a carne de um excelente urso esse ano e, como bônus, ainda ganhei o favor de uma mulher. “Muito obrigada por salvar a minha vida, como agradecimento, vou lhe dar o que quiser”, “Então deixe-me tomar você para mim!”, ou algo assim talvez? Bem, estarei feliz com qualquer coisa.
— Ei, você! Está tudo bem?
— Sim, você me salvou, muito obrigada.
Depois de me aproximar e dar uma boa olhada, pareceu que ela era apenas uma jovem com mais ou menos a minha idade. E... Como era linda! Eu estava tão centrado no urso que nem percebi isso.
Se tivesse notado logo, teria sido mais gentil na hora de chamá-la.
— O que você está fazendo nas montanhas durante esta temporada? Seu pai não te ensinou o que é ter bom senso?
— … Não, hmm... Meu pai já não está mais aqui.
— Ah, hmm...
Oh, merda! Eu não queria tocar em um assunto tão ruim. Mas felizmente ela não parecia chateada com isso.
Argh, tanto faz! Uma mulher bonita está tentando me agradecer, então por que eu estou afastando-a!? — Bem, durante essa época, os ursos que estavam dormindo começam a despertar. Você não sabia?
— Infelizmente não, cheguei a pouco tempo nessa região.
Então é assim… — Quer dizer que... Você é um dos novos estudantes da Academia?
— Sim, meu nome é Iris Palala.
Vejam só, ela era uma jovem senhorita da escola dos nobres. Que bom que eu a salvei aqui.
O que será que ela irá me dar em retorno?
Mais ou menos uns cinco anos atrás, ajudei um outro nobre dessa Academia e ele me deu cinco moedas de ouro. Esta garota não era só bonita como também rica. Eu devia conseguir algo pelo menos tão valioso quanto ouro.
— Querida, como recompensa por salvar uma beleza como você, eu peço míseras 10 moedas de ouro.
— Eh!? Não há a menor possibilidade de que eu possa pagar essa quantia exorbitante!
— Sério? Bem, ao invés de dinheiro, estou bem com algo de mesmo valor. Você tem alguma jóia ou coisa assim? Vamos, se apresse e me dê alguma coisa.
— Me desculpe, eu não uso jóias.
— Não importa o que, desde que possa ser trocado por ouro, eu aceito qualquer coisa.
Sua face mostrava estar confusa com o que eu dizia e, ao invés de ouro, ela me ofereceu as ervas que colheu.
— ... Por acaso você não tem nada como um colar de ouro ou algo valioso?
— A única coisa que eu tenho são essas ervas que colhi.
Agora que penso nisso, suas roupas não eram muito diferentes das minhas, sem qualquer coisa valiosa com ela e também parecia um pouco magrinha.
— Apenas, quem é você?
— Meu nome é Iris Palala.
— Você já havia me dito isso.
— Então o que mais poderia dizer? Tudo que tenho comigo são essas ervas.
— Não, não, não, não, quero dizer, por que você está colhendo ervas sozinha num lugar como esse? Crianças nobres não comem esse tipo de coisa.
— Eu nunca disse que era da nobreza ou algo assim. Apenas fiquei com saudades da comida da minha casa, então vim pegar ervas como fazia antes.
— Mas, mas, você não disse que era estudante da Academia?
— Você pode ingressar lá mesmo sendo plebeu, sabia?
EH!? SÉRIO?! Eu não sabia.
No momento em que ela disse que era uma plebéia, por alguma razão, todo o sentimento ruim de ganância que eu tinha desapareceu.
Olhei de novo para seu rosto, e, sim, ela ainda era bonita.
— Um plebeu na escola dos nobres... Deve ser difícil.
— Você acha? Eu não penso que seja tão ruim assim.
— Tá falando sério? Sinto náusea só de pensar nisso.
— Hmm... Acho que cada um tem sua própria opinião, não é?
Assim que nossa conversa chegou ao fim, meu estômago começou a roncar. Isso me lembrou que ainda tinha as duas aves que cacei mais cedo.
Acho que irei comer isso apenas assando.
— Estou indo assar a caça que peguei mais cedo, quer se juntar a mim?
Ouvi dizer que naquela escola, os estudantes comem coisas luxuosas todos os dias. Mas não acho que sirvam aves selvagens. Nunca ouvi falar de algo assim.
— N-não obrigada...
Como imaginei. Mas, assim que tentei sair, percebi uma coisa... A expressão dessa garota era a de alguém que estava querendo, e MUITO, comer isso! Acho que ela já experimentou carne de animais selvagens antes.
— Você tem certeza?
— S-sim.
— Sabe, hoje peguei um par de aves com uma boa camada de gordura, sabia?
— ...
Ela não respondeu, mas com certeza a vi engolindo em seco!
— Garota, apesar de falar isso, você está fazendo uma cara de que realmente quer provar.
— So-sobre quem você está falando!? É sobre mim!?
— Bem, sim. Tanto faz, eu posso comer um inteiro sem problema, botar dois para dentro não será difícil.
— ... O que quer dizer?
— Se você fosse da nobreza eu nunca teria oferecido, mas, já que não é, além do fato de ser tão magrinha, pensei em te deixar comer um. Vamos, venha, vou preparar o fogo.
— ... Tudo bem.
Com a fogueira acesa, eu grelhei as duas aves. O cheiro da comida se espalhou pelo ar. Meu único arrependimento era não ter sal ou coisa assim, mas não havia o que se fazer.
— As refeições na escola são muito extravagantes pro meu gosto, então não consigo me acostumar a elas.
— O problema é o luxo, eu acho.
— Hehe, sim, tem razão. De início, achei que iria me habituar, mas, em algum momento, comecei a sentir falta do sabor de minha casa.
— Tipo plantas selvagens?
— As coisas que eu comia com meu pai e o resto de minha família. Plantas como essas e... pequenas aves.
Ugh! Acho que deveríamos evitar tópicos que envolvam o pai dela.
— Pensando bem, ainda não ouvi seu nome.
— Abel. Não tenho nome de família, muito menos parentes. As pessoas da minha vila me acharam quando pequeno.
— Abel, esse é um belo nome.
Iris fez uma expressão um pouco triste. Eu não queria vê-la assim.
Quando a comida ficou pronta, passei um espeto a ela. Ambos mordemos a carne ao mesmo tempo e, assim como o esperado, estava delicioso!
— Isso é delicioso! — Iris levantou seu punho e gritou.
— Não consigo parar de mastigar.
— Sim, é um sabor que você nunca esquece.
... Antes que eu percebesse, as duas aves se foram.
— E quanto a isso? — Iris olhou para o urso atrás de mim.
— Depois vou carregá-lo até a vila e dividir com todo mundo. Não posso manter isso tudo só pra mim.
— Wow, Abel-san deve ser incrivelmente forte.
— Não é? Sou um homem livre que não pode ser preso a nada. Este sou eu.
— Sim, posso ver isso.
Oh, fiquei um pouco confuso, mas sei que fui elogiado. Raramente conseguia conversar com uma mulher tão bonita quanto ela, então fiquei meio envergonhado.
— Ei Iris, você está feliz frequentando a escola dos nobres?
— Sim, embora preciso trabalhar muito para garantir meu futuro.
— O que quero dizer é que não consigo imaginar um futuro feliz em um lugar como aquele.
— Isso não é verdade. — Ela imediatamente negou, como se eu estivesse mentindo.
Aquela escola havia sido construída pelos aristocratas, então como plebeus como nós poderiam viver em um lugar assim?
— Iris, você é uma plebeia cercada por nobres. Provavelmente, eles discriminam você, não?
— Eu...
— O que? Estou errado? Se não quiser falar, não vou te forçar, mas acho que seja melhor desabafar. Eu quero saber se algo está errado.
— Tem uma garota que mora ao meu lado no dormitório, de início nos demos bem... mas quando ela descobriu que sou pobre, decidiu cortar relações comigo. Todo mundo começou a me evitar logo em seguida. — Suas palavras me davam uma sensação sufocante.
Eu realmente não queria me sentir assim, mas desejava que ela pudesse tirar esse peso de seu coração. Nós realmente não poderíamos colocar fé na nobreza.
Merda, por alguma razão estou ficando com raiva. — Você não pode apenas desistir de viver em um lugar assim?
Eu mesmo nunca fui discriminado. Iris provavelmente não era até recentemente, por essa razão, devia ser doloroso ter isso acontecendo com ela. Tudo que sentia pelos aristocratas era apenas mais e mais ódio.
— ... Mas sabe, nem todos são assim.
— O que?
— Há pessoas estranhas entre eles. Ah, quando digo estranhas, não quero dizer que sejam ruins.
— Hmm?
— Tem algumas pessoas que me consideram uma amiga, embora isso não tenha mudado muito a minha situação.
— Que tipo de gente eles são?
— Um deles é o herdeiro do território Helan aqui perto. A atmosfera ao seu redor é bem diferente dos outros estudantes.
— Será que ele não tem segundas intenções?
Afinal, Iris era uma mulher bonita afinal. Provavelmente haviam vários caras se aproximando dela por causa de sua beleza.
— Acho que deve ter gente assim entre eles, mas não penso que o Kururi seja assim. Outras pessoas com a mesma atmosfera têm se reunido naturalmente ao seu redor. É interessante que alguém que haja assim seja um nobre.
— E isso foi um elogio?
— É claro que foi!
Iris estava um pouco triste no começo, mas parecia estar bem melhor agora.
Mas, nobres estranhos, hein? — Agora que você disse, a vila inteira estava falando de um homem gigante que apareceu a pouco tempo. Ele veio, comprou uma ovelha e foi embora.
— Ah! Provavelmente foi o Vaine-san! O Kururi não estava com ele?
— Não, me disseram que foi apenas um.
— Outro dia, fiquei sabendo que eles estavam se divertindo comendo uma ovelha. Parece que era um ritual de amizade ou coisa assim.
— É mesmo? Se quiser, pode vir a qualquer hora na minha vila. Vou lhe servir um pouco de carne de ovelha.
— Foi mal, mas se eu vier, prefiro comer mais algumas dessas aves.
— Claro! Elas sãos as minhas favoritas também. Depois te ensino a melhor forma de cozinhá-las.
— Promete?
— Prometo.
Como proteção, dei a Iris um pequeno arco que trouxe como extra. No início eu tinha dificuldade para puxar a corda, mas meu progresso tinha sido incrível desde aquela época.
— Mas que talento incrível. Você é um gênio por acaso?
— Fufufu, não sou — respondi ao elogio dela com uma risada brilhante.
— Esse parece um bom arco.
— Não, ele é bem ruim.
— Se você sabe a diferença entre o bom e o ruim, que tal me mostrar como fazer um?
— Claro, nesse caso…
Pegando um galho e uma faca, lentamente esculpi a forma de um arco. Como aproveitei para ensinar Iris a fazer um, acabei demorando um pouco mais que o normal.
Os seres humanos são realmente talentosos. Apenas a figura dela trabalhando com diligência foi capaz de atrair minha atenção. Se eu não tomasse cuidado, poderia acabar tendo meu coração roubado.
Ao anoitecer, fomos capazes de criar um bom arco. Contudo, só seria possível terminá-lo quando eu chegasse na vila e pusesse uma corda.
Nós fizemos a promessa de nos encontrarmos de novo, então eu poderia entregá-la o arco quando viesse. Ela parecia bem feliz quando falei isso.
— Bem, preciso ir agora.
— Você vai ficar bem sozinha?
— Sim, não se preocupe. — Com sua cesta cheia de ervas, ela pegou seu caminho.
Desde que acordei hoje cedo, eu sabia que seria um grande dia.
Me sentindo um pouco solitário, acabei gritando para ela:
— IRIS!!! SEMPRE QUE ESTIVER DE SACO CHEIO DA ACADEMIA, VENHA ME VISITAR!!!
— SIM!!! EU VIREI!!!
O sorriso de Iris ficou impresso em mim e o pôr do sol deixou tudo ainda mais bonito.
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