Seija Musou | The Great Cleric
– Arco 05: Para Reviver a Guilda dos Curandeiros – Capítulo 06
[De um Homem a um Líder]
Lionel e eu voltamos para o andar principal, onde todos jantamos enquanto eu explicava para o grupo que os culpados haviam sido encontrados.
— Agora vocês podem relaxar. Descansem um pouco. Principalmente vocês, Jord, porque logo devemos começar a receber pacientes.
— Acho que vamos fazer isso — ele respondeu. — Você pretende usar esses caras como guardas da guilda também?
— Não dessa vez. Vou entregá-los para a Guilda dos Aventureiros assim que conseguirmos tudo o que pudermos deles. Vamos ver o que os beastfolk locais querem fazer.
Eu até tinha pensado nisso no começo, pelo menos até as coisas se acalmarem, mas isso daria aos criminosos dentro do nosso grupo uma maioria.
— Estou surpreso que você não esteja pegando leve com eles dessa vez. Isso meio que virou sua marca.
— Bom, no começo eles estavam atrás só de mim. Mas dessa vez colocaram outras pessoas em perigo: nossos pacientes.
Eu poderia simplesmente marcá-los com um selo de escravidão como punição por seus crimes, mas isso parecia misericordioso demais depois do que fizeram com pessoas inocentes. Gente poderia ter morrido se eu tivesse ficado sem magia.
— Eu estava pensando que o mais inteligente seria transformar todos em escravos e ficar com os que parecem ser bons trabalhadores. Afinal, eles são beastfolk.
Era estranho ver Jord tão preocupado com isso. Normalmente ele se focava na eficiência ou em fazer piadas.
— Você sabe o que isso significaria para a guilda. Teríamos que tratá-los com respeito. Esses caras? Depois do que fizeram?
— Ah, entendi — Jord rebateu. — E os caras de ontem não fizeram nada tão ruim, né? Afinal, eles só estavam atrás da sua vida, então tá tudo bem.
Na hora percebi que toquei num ponto sensível e que minha linha de raciocínio estava toda errada.
— Desculpa. Isso foi hipócrita da minha parte.
— Vou ser honesto com você, chefe. A gente se preocupa muito mais com você do que com um monte de desconhecidos. Sua vida vem primeiro. Pelo menos, é assim que eu vejo.
— Eu agradeço.
— Não precisa agradecer. Mudando de assunto, vamos levar esses caras para a Guilda dos Aventureiros, mas e o primeiro grupo de escravos? Os que te atacaram no outro dia?
— Por enquanto, eles vão continuar na guilda até que as coisas fiquem mais seguras. Depois disso, não sei. Talvez eu faça um contrato com eles e os liberte, ou talvez os venda. Pretendo tomar essa decisão quando conhecer melhor eles e o país.
— Você que sabe.
Jord provavelmente tinha mais a dizer, mas ficou quieto. Eu realmente apreciava ele me lembrar que eu devia valorizar mais minha vida.
Continuamos a refeição enquanto respondíamos algumas perguntas sobre a demonstração do dia, os feitiços que usamos e outras coisas, até que Lionel e eu descemos novamente.
— Luciel, você tem consciência da sua bondade excessiva? — Lionel perguntou no caminho.
Eu parei. Depois da conversa com Jord, já tinha começado a me questionar sobre isso.
— Mais ou menos. Mas prefiro ser tolerante do que ignorar o mínimo de decência. Não me importo se o mundo vê escravos como objetos que podem ser comprados e vendidos. Eles ainda são pessoas.
O escravo ao meu lado murmurou algo, com a mão no queixo, e então respondeu calmamente:
— Deixe-me reformular: você entende a diferença entre bondade e indulgência?
— Bom, indulgência é querer que os outros gostem de você, enquanto bondade é sobre empatia.
Uma lembrança da minha vida passada veio à tona. Quando me tornei líder pela primeira vez, acabei sufocando o crescimento dos meus subordinados. Ainda me lembrava de como meu chefe me repreendeu por isso. E depois me levou para beber e me repreendeu mais ainda no bar.
— Uma mão firme é essencial para ganhar o respeito dos que estão abaixo de você. Lembre-se disso e as pessoas vão te admirar, independentemente da sua idade.
Provavelmente Lionel não era a única pessoa na minha vida que queria me dar esse conselho. Eu entendia o que ele queria dizer. Ou talvez... só achasse que entendia. E essa ignorância poderia estar dando um mau exemplo para minha equipe.
— Certo, vou tentar agora mesmo. Quando montarmos aquela clínica em frente ao labirinto, você vai cuidar da guilda enquanto eu e os outros escravos lidamos com isso.
— Você não entendeu o que eu quis dizer.
— Não entendi, é? Mudou de tom rapidinho. De qualquer forma, obrigado pelo conselho. Só não esqueça que foi minha ‘indulgência’ que tirou você daquela cela.
Ele se curvou.
— Eu... só disse isso por preocupação. Sei que fui ousado.
Por que diabos todo velho que eu conheço me entende melhor do que eu mesmo? Deixei as palavras dele ecoarem na minha mente. Pareciam algo que meu mestre diria. Talvez eu precisasse mudar.
Logo depois, chegamos ao quinto andar do porão.
— Que demaaaaora! — Ketty miou.
— Posso te dar um pouco de Substance X se quiser melhorar sua habilidade de paciência — respondi com um sorriso.
Ela estremeceu, depois voou para o chão e juntou as mãos, implorando:
— Qualquer coisa, menos isso!
Ela não seria uma má parceira de comédia.
— Tudo bem, tudo bem. Você está dispensada. Troque de lugar com Piaza.
— Na hora!
A mulher-gato subiu as escadas e sumiu antes que eu pudesse piscar.
— Ela atua bem — murmurei.
Lionel balançou a cabeça e olhou dramaticamente para a direção em que ela fugiu.
— Receio que ela estivesse sendo completamente sincera.
Nunca subestime o poder da Substancia X sobre os beastfolk, pensei enquanto me aproximava das celas.
— Ei, S-rank — o líder deles chamou. — Tenho uma pergunta.
A tensão no ar de antes tinha sumido.
— Talvez eu tenha uma resposta.
— O que os beastfolk significam para você?
Eu congelei.
— Não entendi. O que você quer que eu diga?
— Humanos versus beastfolk. Como eles se comparam?
— Como eles se comparavam? O que ele estava procurando? As mulheres feras eram bem fofas, então tinha isso. Especialmente as orelhas da Nanaella. Cara, aquelas coisas acalmavam a alma. Por outro lado, os caras, como Gulgar, seu irmão e a Linhagem do Lobo Branco, eram assustadores. Não, não podia ser isso que ele estava perguntando. Será que ele queria saber sobre características distintas?
— Acho que tem as orelhas. E os rabos, mas parecem ser úteis quando você se acostuma. Talvez? É isso que você quer saber?
— Tanto faz, isso já serve. Escuta, eu vou contar a verdade se você jurar tratar nosso povo com igualdade. E os halflings também.
Uau, isso foi um pouco rude. Eu tinha pensado bastante antes de dar essa resposta.
— Por favor, isso não é nada. Eu juro pelos deuses. Quero ouvir o que você tem a dizer.
O homem me encarou, sem se mexer. Então suspirou.
— Você quer saber por que Shahza tem tanta influência? É porque ele, seu povo tigre e alguns draconianos estão envolvidos com a Guilda dos Doutores.
Povo tigre e draconianos. Sempre voltava para eles. Mas os irmãos draconianos da Guilda dos Aventureiros não pareciam ser tão ruins assim.
— Pode elaborar?
— A Guilda dos Doutores não obrigava ninguém a nada. Não tínhamos uma Guilda dos Curadores, então eles curavam no lugar.
Isso fazia sentido.
— Certo.
— Quando começaram a falar sobre uma nova Guilda dos Curadores, os doutores pediram ao chefe de estado, um draconiano, para cancelar o convite em troca de ouro e remédios com desconto da guilda.
— Imagino que isso não tenha sido bem recebido.
— Não. Surpresa: o povo cão, povo gato, povo coelho, povo lobo... praticamente todas as outras raças protestaram. Então os preços dos remédios dispararam, alguns dobraram, outros chegaram a custar cinco vezes mais. As coisas pioraram.
— Então as dinâmicas de poder mudaram para estabilizar o mercado.
— Eventualmente, quando o governo teve força suficiente para agir. Agora ouvi dizer que a guilda não vende nada se alguém se meter no caminho deles de novo.
Isso explicava por que Orga e os outros representantes não disseram uma palavra para mim no caminho para a cidade. Eu tinha achado estranho eles parecerem culpados com alguma coisa. Mas isso acontecia em uma nação com apenas uma cidade. Monopólios se tornavam fáceis, especialmente quando a maioria dos outros lugares era racista contra não humanos. Mas e os aventureiros?
— Os aventureiros devem ter sofrido bastante com tudo isso.
— Grupos e estrangeiros, nem tanto, mas sim, os novatos estão em apuros. Há uma diferença enorme entre os sortudos e os azarados.
— Você estaria disposto a testemunhar sobre tudo isso na Guilda dos Aventureiros amanhã?
— Juro pela minha vida. Mas cuide dos halflings enquanto puder. Antes de partir. — Seus olhos estavam atentos, cheios de paixão.
— Prometo. Agora, aqui, coma.
Entreguei um prato de curry e pão para ele e subi de volta com Lionel.
— O que acha que fez ele se abrir? Ketty?
— Quem sabe? Mas ele foi honesto. Vi nos olhos dele.
— Vou mandar alguns cavaleiros à Guilda dos Aventureiros para chamar o mestre ou vice-mestre da guilda amanhã. E vamos manter a barreira ativa o tempo todo por enquanto. Esse cara parece do tipo que sacrificaria a própria vida para tentar algo.
Nada nunca era simples. A situação estava uma bagunça no momento, mas eu conseguia ver a luz no fim do túnel, onde a Guilda dos Curadores de Yenice se manteria firme e inabalável.
Na manhã seguinte, mandei três cavaleiros com uma carta relatando os eventos do dia anterior para a Guilda dos Aventureiros, mas eles voltaram rápido, exaustos.
— Isso foi rápido — comentei. — Vocês parecem mortos. O que aconteceu?
Era óbvio que algo tinha acontecido. Eles mal conseguiam ficar de pé.
— O vice-mestre e o mestre da guilda estavam nos esperando quando chegamos — relatou Piaza. — Depois de lerem a carta, saíram furiosos, então estávamos prestes a voltar quando...
— Os aventureiros que curamos ontem nos abordaram — continuou Britz.
— E então Jeiyas voltou e mandou a gente esperar aqui — concluiu Doughertis.
— Bom, bom trabalho — eu disse. — Estão dispensados, mas fiquem de prontidão.
— Sim, senhor!
Os três saudaram antes de deixar meu escritório.
— Espero mesmo que aqueles draconianos não causem problemas.
Lionel, ao meu lado, colocou a mão no meu ombro.
— Não há nada melhor para clarear a mente do que exercício. Quer treinar comigo?
— Agora você só quer brigar.
— Começo a entender por que o Furacão fez de você seu aprendiz.
Mencionar meu mestre era golpe baixo. Esse era meu ponto fraco. Mas ele estava certo—treinar era um uso eficiente do meu tempo quando não havia nada melhor a fazer.
— Certo, mas desta vez eu vou atravessar esse escudo.
Ele sorriu.
— Aproveite sua confiança enquanto é jovem.
Fomos para o campo de treinamento, determinação no meu coração. Enquanto isso, uma multidão de homens-fera estava a caminho e chegaria em poucas horas.
***
Eu estava esparramado no chão, fora da área de treino.
— O que aconteceu? No instante em que achei que tinha acertado um golpe, já estava no chão. Quer dizer, sei que fui atingido pelo seu escudo, mas não entendo como!
Lionel abaixou o escudo e relaxou a grande espada, sorrindo.
— Mantive uma postura firme até você se aproximar para atacar, então avancei e empurrei meu escudo. Foi apenas uma questão de usar a habilidade Ambulação.
Fui arremessado do centro do campo até a borda, dez metros de distância.
— Tá, mas você não “ambulou” comigo por metade do campo!
— Talvez sim. Com o tempo certo. Dedicação e treino são ferramentas poderosas.
A luta entre Brod e Lionel deve ter sido algo incrível. Eu adoraria ter visto.
Me levantei com esforço e cambaleei um pouco antes de curar minha concussão. Então, enquanto preparava minha espada novamente, Piaza entrou apressado.
— O que houve? Não estamos sendo atacados de novo, estamos? — perguntei.
— Não, senhor — ele respondeu, um pouco nervoso —, mas há um grupo de ferais e pessoas da Guilda dos Aventureiros reunidos na recepção.
Se isso fosse verdade, explicaria sua expressão preocupada.
— Algo me diz que não temos escolha aqui.
Lionel assentiu. Eu não estava exatamente ansioso para me meter em mais problemas, mas esperava que talvez pudéssemos finalmente resolver as coisas com Yenice depois disso.
Pegamos o elevador mágico. Ao sair no andar principal, vi que Jeiyas, Goldhus e vários ferais estavam reunidos no saguão. Os curandeiros haviam se refugiado atrás do balcão da recepção. Eles pareceram aliviados ao me ver, o que me deixou feliz por confiarem em mim. Britz, Doughertis e vários escravos formavam uma barreira entre os ferais e o resto da guilda, com suas armas ainda embainhadas.
— Com licença, mestres da guilda, mas o que está acontecendo aqui?
Um humano e um de cada raça de feral estavam amarrados no chão.
— Ah, Luciel — disse Goldhus. — Essas pessoas são a origem dos seus problemas. Este humano aqui é Grohala, vice-mestre da Guilda dos Doutores e participante dos esquemas de suborno.
O homem em questão tinha traços gentis, o que provava que não se podia julgar um livro pela capa.
— Muitos draconídeos e homens-tigre do conselho também estavam envolvidos nisso — continuou Goldhus —, mas essas são as principais peças. Vamos fazer com que todos que aceitaram suborno devolvam o dinheiro para sua guilda.
— Espera aí, isso não é algo que deveria ser discutido com o resto do conselho?
— Você carrega a bênção dos dragões, Luciel, então nossa lealdade pertence a você, como manda nossa tradição. Faremos tudo ao nosso alcance para ajudá-lo, a seus curandeiros e à sua guilda, se isso puder compensar os problemas que nosso povo causou.
Ah, então era como aqueles pactos dracônicos ou raças ocultas de descendentes de dragões tão comuns nas histórias de fantasia. Quem diria que a proteção do Santo Dragão seria útil numa hora dessas? Bom, além do Senhor Sorte, é claro.
Ignorei o silêncio atordoado ao meu redor.
— Como vocês souberam que eu era abençoado?
— Os draconídeos reverenciam os grandes dragões. Dizem que nascemos deles e, por isso, podemos sentir sua presença. Agora você entende por que meu irmão ali não para de tremer.
O draconídeo ajoelhado, de fato, tremia como uma folha.
— De qualquer forma, todos os homens envolvidos no incidente de ontem estão presos no andar de baixo. O que pretende fazer com eles?
— A lei de Yenice determina que o principal infrator seja executado como exemplo. Cúmplices são escravizados ou multados, dependendo da gravidade dos crimes. Gostaríamos de usá-los na guilda para ajudar a conquistar o labirinto.
Eu já esperava algo assim, mas ainda assim me surpreendi com a severidade da punição.
— Por "ajudar", você quer dizer que vão usá-los até caírem mortos.
Nem todo mundo podia simplesmente mudar de vida, mas as leis desse país eram extremamente brutais.
— Suas sentenças serão reduzidas se sobreviverem, e serão cuidados durante esse tempo, mas estarão na linha de frente. Sacrifícios precisam ser feitos, especialmente com armadilhas.
Goldhus mal piscou ao dizer isso.
— Entendo. Tenho algumas condições nesse caso, mas antes, não vi Shahza. Onde ele está?
— Ele e todos os envolvidos desapareceram.
Apesar do tom grave, eu não pude evitar a sensação de que já tinha visto esse enredo antes.
— Talvez eu possa dizer onde ele está — disse uma voz vinda de baixo. — Se me soltarem, claro.
Goldhus agarrou o vice-mestre da guilda pelo colarinho.
— Está orgulhoso de si mesmo, não é?!
Analisei Grohala. Com base no meu conhecimento de histórias e clichês, havia três possibilidades aqui. E mesmo que eu estivesse errado, duvidava que fosse por muito.
Mantive a calma e me voltei para Goldhus.
— Tudo bem. Ele não tem tantos lugares para onde ir. Minhas apostas são que ele está tentando limpar o labirinto, fugiu para outro país ou está escondido em uma vila ou caverna próxima. Se todos os envolvidos sumiram, eu diria que as chances são de que ele esteja no labirinto. Seus capangas não voltaram, então ele provavelmente pensou que alguém estava prestes a revelar seus planos.
— O labirinto? Mas não é qualquer um que pode simplesmente entrar e limpar um labirinto.
— Nunca vi esse em específico, então é difícil dizer, mas Shahza se achava bem forte, certo? Ele pode ter presumido que conseguiria lidar com isso, voltar como um herói e ser absolvido dos pecados. Ou usar isso para bajular outro país.
O sorriso de Grohala sumiu. Bingo.
— Então não temos tempo a perder! — exclamou Goldhus. — Precisamos ir para o labirinto!
— Espera — interveio Jeiyas. — Até agora só jogamos alguns encrenqueiros para eles lidarem. Isso não ajuda em nada a Guilda dos Curandeiros.
— Você tem razão — resmungou seu irmão.
Graças aos deuses, pelo menos o mais novo tinha um pouco de juízo.
— Tá bom, tá bom. Você leva Luciel e os aventureiros para o labirinto. Eu fico com os outros e limpo a bagunça aqui.
— Esse é meu irmãozinho! Sempre o homem certo para o trabalho!
— Mas você vai voltar com Shahza, entendeu?
— Ah, vamos sim! Vamos, Luciel! Temos que nos apressar!
A semelhança entre os irmãos era ridícula. Eles entravam no próprio mundinho e tomavam decisões entre si como se tivessem telepatia, deixando o resto de nós para trás. Os aventureiros locais certamente não deviam ter uma vida fácil.
A algazarra ao nosso redor atingiu seu ápice, até que bati as mãos e o silêncio voltou. Tomei o controle da situação.
— Sim, precisamos nos apressar, mas eu não faço a menor ideia de onde estamos indo e preciso me preparar. Além disso, temos pessoas para lidar. Vocês realmente acham que eu consigo resolver tudo isso rapidamente?
Olhei ao redor e continuei.
— Vamos por prioridades. Primeiro, essas pessoas que vocês trouxeram e os atacantes de ontem: Jord, pode cuidar disso?
— Você acha que eu sou a pessoa certa? — ele perguntou.
— Se não for magia, você sempre é a pessoa certa.
Ele se endireitou e bateu o punho no peito.
— Não vou te decepcionar, chefe!
— Jeiyas, ele é seu homem para qualquer coisa aqui enquanto estivermos fora. Converse com ele sobre como lidar com os escravos.
Jeiyas abaixou a cabeça respeitosamente.
— Sim.
A bênção dos dragões realmente era um atalho para conquistar o coração dos draconianos. Mas esses caras apanharam feio ontem. Será que estavam prontos para explorar um labirinto? De qualquer forma, precisávamos de uma estratégia.
— Quem tiver um mapa, informações sobre monstros, qualquer coisa que possa ajudar na dungeon, espere no terceiro andar. Vamos fazer uma reunião tática. O resto, junte-se aos meus cavaleiros e reúna o que pudermos precisar. Comida, poções, tudo. Britz, vou levar dois de vocês. Comande os demais e vão às compras.
— Sim, senhor!
Entreguei a ele três moedas de platina e as bolsas mágicas extra grandes que comprei na Cidade Sagrada, instruindo-o a anotar tudo que colocasse nelas.
— Curandeiros, fiquem aqui e continuem com os atendimentos. Doughertis, você fica de guarda. Piaza, você também, e os escravos continuam sob sua responsabilidade.
— Sim, senhor! — os cavaleiros responderam.
— Agora, Nalia, quero que vá até o subsolo e traga Dhoran e Pola para o meu escritório.
— Na hora.
— Lionel, Ketty, querem lutar? Agora é a chance. Vocês vêm comigo.
— Como desejar.
— Aí sim!
— Goldhus e qualquer um com informações, venham comigo.
Fomos para a sala do mestre da guilda, no terceiro andar. Não dei tempo para ninguém falar nada.
A culpa desse caos era minha. Minha falta de iniciativa e determinação não só me forçou a lidar com isso, como arrastou outras pessoas para essa confusão com o labirinto. Minha timidez habitual e minha tendência a deixar os outros decidirem por mim funcionavam bem quando eu estava sozinho, mas agora eu não era mais uma ilha. Eu era um líder.
Aquela palma que bati antes foi tanto para os outros quanto para mim mesmo, um alerta para lembrar que ainda dava tempo de tomar as rédeas da situação.
Pensando bem, eu nunca teria conhecido a opinião de Jord sobre os escravos se ele não tivesse vindo falar comigo. Eu estava tomando decisões sem consultar ninguém, e agora há pouco critiquei os irmãos draconianos por fazerem a mesma coisa. Mas não podia deixar isso me abater.
Essa era minha chance de ganhar o respeito do grupo, de provar que eu não era tão indulgente quanto Lionel dizia.
Uma confiança estranha cresceu dentro de mim. Seria propósito? Ou talvez eu finalmente tivesse aprendido a confiar nos outros e parar de reclamar das coisas. Não importava.
O tempo todo, eu ficava me preocupando com comunicação, relatórios e organização, achando que isso era o que tornaria nosso grupo unido. Mas a coisa mais importante era simples: confiança.
E ganhar confiança não era fácil. Se eu não me esforçasse para construir relações reais, meu sonho de viver tranquilamente até a velhice nunca passaria disso—um sonho.
Eu precisava conhecer melhor essas pessoas. Precisava deixar minhas ações falarem por mim em vez de palavras.
— No Japão, dizem que bater palmas afasta o mal, mas acho que tem algo nisso — murmurei, abrindo a porta do escritório.
***
Reunidos na sala estavam Lionel, Ketty, Nalia, Dhoran, Pola, Goldhus, dois aventureiros e eu.
— Vamos começar — anunciei. — Nosso objetivo não é limpar o labirinto, mas capturar Shahza e seus cúmplices com o mínimo de baixas. Alguém tem um mapa?
Um aventureiro do povo-pássaro desenrolou um pedaço de pergaminho, mas estava mal desenhado, então tivemos que decifrar e corrigir algumas partes.
— Qual é a dimensão da dungeon? — perguntei.
— Começa com cerca de mil metros quadrados, aumentando em duzentos e cinquenta a cada dez andares. Os monstros também ficam mais fortes.
Maior que a primeira que explorei. Isso me lembrou de outra coisa...
— Como é a densidade do miasma? E o abastecimento de suprimentos?
— Um manto ou túnica resistente já é o suficiente. O miasma não é um grande problema, especialmente porque a Guilda dos Doutores vende um remédio que o anula por um dia. E temos comida portátil que quase todos carregam.
Devia ser aquelas porcarias secas e sem gosto que comi com a Linhagem do Lobo Branco na viagem para a Cidade Sagrada. Ah, nem pensar.
Depois, preenchemos os locais com armadilhas e abrimos uma enciclopédia de monstros para revisar os tipos que encontraríamos.
A cada página, sentia minha alma se desprender do corpo, enquanto os sorrisos de Lionel e Ketty só aumentavam. Pola e Dhoran, por outro lado, tentavam disfarçar a animação depois de perceberem que enfrentaríamos feras de fogo, provavelmente já planejando invenções para criar com as pedras mágicas flamejantes que os monstros derrubariam.
Falando nisso, eu provavelmente encontraria o maldito Dragão de Fogo lá dentro. Porque é claro que sim.
— Você vai entrar no labirinto com a gente? — Goldhus perguntou.
Eu hesitei. Provavelmente ficaria bem com Lionel e Ketty ao meu lado, e sempre poderia desistir se a coisa ficasse feia demais.
— Vamos estar lá. Bem na retaguarda. Prontos para sair assim que ficar perigoso demais.
— Presumi que você estaria conosco apenas para montar um hospital de campanha, mas isso é reconfortante.
— O que te fez pensar isso?
— Achei que o anão fosse para construção e o homem, seu guarda-costas.
Sim, definitivamente era difícil ver Lionel como qualquer coisa além de puro músculo.
— Bom, me diga uma coisa, vocês conseguiriam passar por isso sem um curandeiro? Vi como estavam acabados outro dia.
— Digamos apenas... que sua companhia será muito bem-vinda.
Me dar a opção de não ir era um jogo perigoso, mas, de alguma forma, tive a sensação de que minha presença era necessária. Além disso, eu precisava subir de nível de qualquer maneira.
— Nada disso — insisti, fazendo um gesto para que ele erguesse a cabeça.
O próximo item da lista era decidir quem nos acompanharia até as profundezas, quando uma candidata inesperada se apresentou.
Nalia segurou delicadamente a saia e fez uma reverência graciosa.
— Por favor, permita-me acompanhá-lo, senhor.

— Só se Lionel e Ketty concordarem. Pelo que ouvi, lutar não é o seu forte.
— Não se preocupe com ela — disse Ketty. — Aposto que ela é mais forte que você, chefe. Dê a ela algumas adagas de arremesso e um chicote, e pronto, ela fica praticamente invencível!
Eu pretendia que ela fosse mais caseira, mas não tinha objeção se ninguém mais se importasse. Mas como assim ela era mais forte que eu? Então tanto faz não ter "gosto por combate"?
— Tudo bem por mim, mas você é responsável por si mesma. E fique para trás. Quero você na retaguarda.
— Obrigada, senhor.
Ela fez outra reverência antes de ser a vez dos anões.
— Não se esqueça de mim, garoto!
— Nem de mim.
Os dois se inclinaram animados. Claro, nunca houve a menor chance de eles ficarem para trás. Eles destruiriam o salão da guilda em pouco tempo.
— Não quero que façam bagunça. Nada de criar coisas. Nada de confusão. Se concentrem em se defender. Isso é uma ordem.
Suspirei. Agora nosso grupo tinha seis pessoas. Lionel ficaria na defesa, Ketty seria nossa atacante de mobilidade rápida, eu cuidaria da cura e do suporte, e Nalia poderia ser nossa batedora e cozinheira, considerando seu alcance e habilidades de percepção. Já Dhoran e Pola... fariam o quê, exatamente? Eles sequer sabiam lutar?
— Espera, como vocês dois vão se defender?
Dhoran cruzou os braços e sorriu.
— Com um martelo gigante.
— Eu tenho golems! — Pola ergueu o braço esquerdo, mostrando um bracelete enrolado nele.
— E você pode controlá-los?
— Uhum. Com magia. Eles são feitos de pedras mágicas.
Resumindo o que ela explicou, o bracelete permitia que ela controlasse os golems à distância. Ela só conseguia comandar um de cada vez, mas eram extremamente resistentes, o que já era mais que suficiente.
Depois de organizar tudo, decidimos que Dhoran ficaria na retaguarda, enquanto Pola cobriria a lateral e seria nossa força bruta.
O labirinto ficava em um vale a cerca de uma hora dali, e mesmo que partíssemos naquele instante, chegaríamos ao anoitecer. Sendo assim, optamos por partir na manhã seguinte.
— Nos vemos na Guilda dos Aventureiros bem cedo. Devem ter terminado de organizar as coisas lá embaixo agora.
— Nós mesmos levaremos todos a um negociante de escravos. Não se preocupe — garantiu Goldhus. Mas eu não estava tão confiante assim.
Com a reunião concluída, descemos e encontramos uma surpresa. O que nos aguardava não eram aventureiros, mas Jeiyas, nossos escravos e os que tentaram se infiltrar no salão da guilda.
Jord apareceu e se aproximou enquanto eu permanecia ali, confuso.
— Todos aqui agora pertencem à Guilda dos Curandeiros, senhor.
Eu imaginava que ele nos deixaria com alguns, considerando sua opinião sobre o assunto, mas todos? Eu não sabia como reagir.
— Por quê?
Ele sorriu.
— Seria errado e prejudicial para o nome da guilda tratar os escravos como descartáveis. Além disso, podemos encontrar outras utilidades para eles, como fazê-los se voluntariar em nosso nome para melhorar nossa imagem. O plano é que a Guilda dos Aventureiros os alugue para ajudar no labirinto, o que cobrirá os custos de alimentação. Só dei uma única ordem a eles: proteger você com a própria vida.
Eu havia julgado mal Jord. Ele era muito mais mente aberta do que eu imaginava, e eu havia sido injusto. Ele estava comigo desde o começo, desde que alcancei o rank S, sempre me apoiando, e eu tomei isso como garantido. Eu é que não estava prestando atenção, não me comunicando direito com quem estava ao meu redor. Passei a respeitá-lo ainda mais como curandeiro.
— Obrigado, Jord. Amanhã vamos à Guilda dos Aventureiros e depois ao labirinto. Avisarei Sua Santidade. Estou confiando a guilda a você enquanto estivermos fora.
— Pode deixar, senhor!
— Quero a Ordem da Cura de prontidão aqui. O perigo ainda não passou completamente.
— Os draconianos estão aqui para ajudar no que for possível — disse Jeiyas.
— Tem certeza?
— Sim. Os dragões previram este dia. Eu sei disso. — Ele bateu no peito. — Faremos nossa parte!
Inclinei-me em sinal de respeito.
— Obrigado. Por favor, cuide deles.
Gostei de ver Jeiyas um pouco desconcertado por um momento. Depois, chamaram um negociante de escravos para cuidar da situação dos criminosos. Normalmente, esses negociantes não faziam serviços para a Guilda dos Curandeiros, mas dessa vez nos ofereceram um acordo irrecusável. Ainda assim, não entendi por que o sujeito tremia tanto.
Todos partiram e, assim que o salão da guilda ficou vazio, começamos a nos preparar para a viagem. Nossos equipamentos e armas estavam perfeitamente conservados, prontos para uso imediato, graças a Dhoran.
Na hora do jantar, o líder dos homens que haviam se infiltrado em nossa base se aproximou de mim e disse:
— Agora somos escravos, mas você nos trata bem. Obrigado.
E foi só isso.
Eu não sentia pena dele, mas ele não morreria naquele labirinto enquanto eu estivesse por perto.
Na manhã seguinte, o grupo da Guilda dos Curandeiros partiu com um total de 27 pessoas, juntando-se aos cerca de cinquenta aventureiros reunidos na Guilda dos Aventureiros. Antes de partirmos, os irmãos draconianos generosamente me emprestaram sua fonte infinita para estocar o quanto quisesse de uma certa substância.
E com esse último detalhe resolvido, montei minha fiel égua, Forêt Noire, e seguimos em um trote firme rumo ao nosso destino.
Tradução: Carpeado
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