Seija Musou | The Great Cleric
– Arco 05: Para Reviver a Guilda dos Curandeiros – Capítulo 03
[Um Homem Misterioso]



No andar de cima, comecei a trabalhar, organizando as camas nos aposentos de todos. Tive a sensação de que, depois de comer, ninguém iria querer se preocupar com mais trabalho. Os quartos do segundo andar eram espaçosos o suficiente para acomodar confortavelmente duas camas cada—espaço mais do que suficiente para cumprir sua função.

Assim que terminei, e depois de receber os agradecimentos de todos, fui para a cozinha. Lá, encontrei Nalia e, por algum motivo, Pola. Ela não tinha se manifestado quando perguntei quem sabia cozinhar, então, seja lá o que estivesse fazendo ali, não era para ajudar. Ignorei-a e comecei a higienizar a cozinha com magia de forma mais minuciosa do que na nossa primeira limpeza. Os utensílios de cozinha mágicos já estavam configurados e prontos para uso, exatamente como eu havia pedido.

Agora só restava um assunto antes de começar.

— Pola, o que você está fazendo?

Ela andava para lá e para cá, tocando os aparelhos, pegando-os, analisando-os, e isso estava começando a me deixar um pouco irritado.

— Eu gosto de coisas mágicas. Fiz um monte na velha forja do vovô.

Então ela era uma espécie de artesã mágica, hein?

— Sério? Mas não dá para você ficar zanzando pela cozinha enquanto trabalhamos, então que tal isso? — Chamei um enorme monte de pedras mágicas da minha bolsa e as purifiquei. — Vá até o porão com Dhoran e pode ficar com essas, desde que prometa usá-las com responsabilidade.

Pola assentiu várias vezes rapidamente, pegou as pedras e disparou escada abaixo.

Suspirei.

— Certo, Nalia, mãos à obra. O quanto Lionel costuma comer?

Meus amigos de Merratoni eram, em sua maioria, magros, mas comiam como cavalos, então não podia descartar essa possibilidade para Lionel.

Nalia colocou um dedo no queixo e, depois de pensar um pouco, disse:

— Nada além do que se consideraria normal, mas mais que a média, eu diria.

Isso parecia um trabalho para curry. Compramos algumas especiarias baratas no mercado, e não havia maneira melhor de testar o apetite de alguém.

— Tudo bem, então vamos de curry com arroz, um pouco de pão e uma salada quente como acompanhamento. Temos muitas bocas para alimentar hoje. Você pode lavar os vegetais no Lil Shiny? Depois, configure o Lil Choppy no modo de descascar e, quando terminar, mude para o modo de corte e pique tudo. Aqui, vou te mostrar como funcionam.

Expliquei rapidamente o funcionamento dos aparelhos. O Lil Choppy era inspirado em liquidificadores da minha vida passada e tão simples de usar quanto.

— Incrível. Isso vai facilitar muito o nosso trabalho.

— Especialmente com tantas pessoas. Ah, e pegue as cascas que saírem do Choppy e jogue no Senhor Fertilizante aqui. Ele compostará os restos num piscar de olhos. Prático, né? Até desliga sozinho.

Esse troço funcionava exatamente como os compostadores da Terra, exceto pelo fato de ser alimentado por pedras mágicas. Mal podia esperar para usar todo aquele fertilizante nas minhas próprias plantações um dia.

— Para que você precisa de adubo?

— É apenas um sonho pessoal meu, ter uma fazenda. Talvez dar um pouco de vida ao solo.

Na verdade, eu já tinha dinheiro para tornar esse sonho realidade, mas ainda estava distante. Havia muitas pessoas a quem eu devia minha vida e precisava retribuir primeiro.

Ainda sorrindo, tirei panelas, vegetais, especiarias e carne, e comecei a cozinhar. O fogão mágico trouxe gentilmente uma panela de água purificada para ferver, então adicionei a carne. Carnes de feras eram particularmente escumosas quando cozidas na água, e todo o sangue acabaria se misturando aos outros ingredientes se não fosse manuseado com cuidado. No entanto, eu tinha alguns truques na manga, cortesia de Gulgar e Grantz.

Removi a carne depois de deixá-la de molho por cerca de vinte minutos, depois a cortei e recheei com várias ervas. Enquanto os vegetais ferviam, misturei os temperos e, depois de remover a espuma da panela, os adicionei junto com a carne para cozinhar em fogo baixo.

Repeti o processo cinco vezes. Graças à minha bolsa mágica, não estava preocupado em fazer comida demais.

Por fim, só restava cozinhar o arroz e assar o pão.

— Nalia, pode subir e avisar a Ordem que a comida está quase pronta?

— Claro.

Nalia, eu, os dois cavaleiros do lado de fora, Lionel e os outros comeríamos depois da Ordem.

Como esperado, nossos esforços foram um grande sucesso. Os criminosos nos observavam desfrutar da deliciosa comida em silêncio e, depois que todos haviam se servido, me aproximei deles.

— Tem bastante comida, o suficiente para todos vocês. Minha última ordem do dia é que comam bem e estejam prontos para assumir os turnos de guarda. Seus turnos durarão até de manhã. Depois, vocês tomarão café, terão um tempo livre e, em seguida, oito horas completas de sono. Está proibido deixar as instalações da guilda por qualquer motivo que não seja relacionado à vigilância. Também está proibido descartar qualquer relatório ou informação escrita que possa difamar a Guilda dos Curandeiros. Quando todos se acostumarem ao trabalho, começarei a escalonar os turnos, o que deve aliviar a carga. Se puderem prometer lealdade e seguir as instruções, prometo manter todos sempre bem alimentados e descansados. Caso contrário, vocês vão ter que beber um pouco disto.

Chamei um barril de Substância X da minha bolsa, e os escravos ficaram pálidos de medo. Estranho. Gulgar lidava bem com aquilo, então fiquei surpreso ao ver esses homens-fera reagindo tão fortemente.

Dei permissão para que comessem, e mais uma vez foi um sucesso. Os homens-fera não pareciam gostar da Substância X, mas curry definitivamente era um sucesso. Ainda assim, depois de mais de uma dúzia de pratos e segundas porções, ainda havia sobras, então as guardei na minha bolsa. Seriam um ótimo café da manhã para quem gostasse desse tipo de coisa.

Enquanto eu fazia os preparativos preliminares para o café da manhã, pedi para Nalia avisar Lionel e Ketty que deveriam ficar de vigia durante a noite e que tinham permissão para cozinhar algo caso ficassem com fome. Depois disso, fui falar com os dois pessoalmente antes de voltar para o meu quarto.

— Quero que vocês dois façam turnos para ficar de olho nos novos escravos. Eventualmente, pedirei para os cavaleiros ajudarem, mas eles tiveram um dia longo e quero deixá-los descansar um pouco.

— Não se preocupe com a gente — disse Lionel. — Também somos apenas escravos.

— Aham, deixa com a gente!

— Valeu.

Eles eram obrigados a me obedecer da mesma forma que os escravos criminosos, mas eu ainda queria construir um relacionamento genuíno baseado na confiança mútua.

Finalmente voltei para o meu quarto e decidi que era hora de fazer um relatório. Peguei meu cristal de comunicação, fechei os olhos e concentrei meus pensamentos nele.

— Aqui é Fluna — a voz inconfundível da papisa ecoou na minha mente. — Imagino que tenha chegado a Yenice em segurança?

Expliquei tudo, desde a nossa chegada até a localização da guilda nos becos da cidade, minha decisão de comprar escravos por questões de segurança e o nosso confronto com bandidos. Discutimos estratégias para lidar com futuras ameaças e os rumos da reestruturação da guilda. Nossa conversa terminou com Sua Santidade me instruindo a entrar em contato novamente no dia seguinte.

— Quando chove, transborda.

Talvez fosse só coisa da minha cabeça, mas a papisa parecia estranhamente animada durante a chamada.

E eu quase tinha esquecido de escrever uma carta para Galba e os outros. Queria mantê-los informados sobre a situação e pedir para o Mestre investigar quem era esse tal de Lionel. Além disso, precisava avisar Nanaella e Monica que provavelmente não teria tempo para comprar lembrancinhas para elas.

Depois de terminar as cartas, fiz meu treino de magia de sempre até o cansaço me atingir como uma tonelada de tijolos. Foi uma viagem longa, um dia ainda mais longo, e o sono finalmente me venceu.

Na manhã seguinte, acordei com um grande espreguiçar e— BOOM! Todo o prédio da guilda tremeu violentamente.

— Estamos sendo atacados?! Um terremoto?!

Saltei da cama, equipei minha armadura completa e saí do quarto junto com os outros.

— Todo mundo, desçam agora! — gritei, lançando uma Barreira de Área.

— Sim, senhor!

— Curandeiros, fiquem na recepção! Cavaleiros, investiguem do lado de fora, encontrem Lionel e os outros, e voltem para me relatar o mais rápido possível! Vamos nos posicionar e nos preparar para a batalha!

A Ordem agiu com rapidez, sem nem soltar um único bocejo.

— Dhoran pode já ter preparado um túnel de fuga — murmurei para mim mesmo antes de descer as escadas às pressas.

O que me esperava lá embaixo me deixou sem palavras.

— Bom dia — Dhoran me cumprimentou casualmente. — O estrondo te acordou, hein?

Nada fazia sentido. Minha mente ficou em branco enquanto eu olhava ao redor do vasto porão e dava alguns passos hesitantes para dentro. Aos poucos, os neurônios começaram a funcionar de novo. Ontem, eu tinha certeza de que havia apenas três salas aqui. Mas depois das compras, todo o andar tinha se expandido seis vezes. E agora, depois de apenas uma noite, havia um elevador mágico no centro da sala, igual ao da Sede da Igreja.

Ao lado dele, uma escadaria levava ainda mais fundo. Pelo que parecia, quatro novos andares haviam sido construídos, totalizando cinco níveis no subsolo.

— Eu ainda estou dormindo?

— Parece acordado pra mim, rapaz— digo, senhor. Ah, certo, melhor relatar logo. Expandi o porão para cinco andares.

— O que exatamente eu estou vendo aqui?

— Bom, precisávamos de um lugar pra manter os cavalos em segurança, certo? Pensei que o subsolo serviria bem, então escavei pra cima pra aumentar o teto. Quando tivermos um estábulo adequado lá fora, eles podem vir aqui pra se exercitar em vez de ficarem presos num cercado. E ouvi a senhorita Nalia comentar que você queria fazer jardinagem, então adicionei alguns campos também.

— E os outros andares?

— Mudei os aposentos dos escravos para o segundo andar. No terceiro, montei uma forja para manutenção de equipamentos e artesanato mágico. O quarto virou uma área de treinamento pra você e os cavaleiros, como Lionel queria. E no último andar, fiz umas celas, caso precisemos prender mais malfeitores.

Infelizmente, ele deixou de mencionar um pequeno detalhe: como diabos ele fez tudo isso em tão pouco tempo?! Sua explicação não ajudou em nada a esclarecer minha confusão. Os anões eram de outro nível. Sério. Eu não ficaria surpreso se me dissessem que um único anão seria capaz de construir uma cidadela inteira.

— Isso é normal para anões?

— Normal? Nah, só consigo pensar em mais um cara que conseguiria fazer algo assim. E eu mesmo não teria conseguido sem todas aquelas gemas que você me deu, aliás, já gastei tudo — ele sorriu, ajustando Pola nas costas, que só então percebi que estava dormindo profundamente.

As peças começaram a se encaixar na minha cabeça. O tremor não era um sinal de ataque, graças aos deuses, mas eu me lembrava de ter dito para Dhoran trabalhar com calma e paciência. Nenhuma dessas condições foi cumprida. Começava a achar que Lionel não era o único sujeito fora da curva por aqui.

Respirei fundo algumas vezes.

— Então, o que foi essa explosão?

— Ah, Pola errou alguns cálculos no elevador e o maldito subiu com tudo até bater no teto. Mas agora tá tudo certo, e ela tá dormindo que nem um anjinho.

Ela o quê?!

Dhoran olhou para Pola e sorriu. A imagem perfeita de um avô e sua neta.

— Ela já sabe construir elevadores mágicos nessa idade?

— Ela é um prodígio, né? Quantos artífices de dezesseis anos você conhece? Nunca teve muito talento pra martelo, mas desde pequena adora mexer com essas engenhocas. Ah, e só pra constar, ela também sabe sintetizar pedras mágicas!

— E lá estava ele, babando pela neta. Uma cena perfeita. Quando se tratava da família, Dhoran era apenas um velho simpático. Ainda assim, a idade de Pola sempre me surpreendia. Ela parecia muito mais jovem.

— Todos os anões são mestres nesse tipo de coisa?

— Como eu disse, só conheço um além de mim. Um dos meus. Grand é o nome dele, e o desgraçado— digo, o sujeito é o único que chega no meu nível.

— Um dos seus? Vocês são irmãos?

— Aprendizes do mesmo mestre.

— Você está falando do mestre ferreiro, certo? Aquele Grand?

Dhoran abriu um sorriso de orelha a orelha.

— Então você conhece ele, hein?

O anão não ia se safar dessa fácil, mas que tipo de reprimenda seria adequada? Um simples pedido de desculpas?

— Bom, antes de tudo, ótimo trabalho, mas algo maior que isso vai ser difícil de manter, então sem mais expansões, por favor.

— Acabei minhas pedras de qualquer jeito. Me avisa se precisar de mais alguma coisa, e eu dou um jeito.

— Pode deixar. Mas se certifica de descansar um pouco também. Você não deve ter dormido muito essa noite se passou o tempo todo fazendo isso.

— Vou descansar, sim.

— Certo, agora que resolvemos isso... Dhoran, você é incrível. Fez tudo isso em um dia? Como?

Jord e os cavaleiros desceram as escadas para fazer um relatório, mas pararam no meio do caminho ao ver o que o porão tinha se tornado, exatamente como eu. Ao contrário do meu choque e tagarelice, Jord logo recuperou a compostura e analisou a situação rapidamente. Mas eu sabia que o coração dele devia estar disparado com aquela visão.

De ótimo humor, Dhoran concordou em nos dar um tour pelas reformas, que a Ordem já estava quase apelidando de “base secreta subterrânea” da guilda.

O tour começou depois que Dhoran colocou Pola para dormir no quarto dela. Infelizmente, éramos muitas pessoas para o elevador aguentar, ainda mais considerando que o incidente anterior tinha deixado a segurança dele questionável. Mas isso não era um problema para mim.

Descemos direto até o quinto andar.

— Aqui é onde os encrenqueiros vão parar — explicou Dhoran. — Não que vocês precisem usar, mas também serve como depósito.

Um depósito com grades de aço que eu nem consegui mexer. Chique.

— Dez celas parece um pouco exagerado — comentei.

— Tenho a sensação de que você não vai transformar todos os seus problemas em escravos quando algum figurão aparecer do nada.

— Não joga praga.

— Foi mal.

Ele tinha um ponto, no entanto.

Subimos para o quarto andar.

— Essa área de treinamento foi feita exatamente como o Lionel pediu. Pode jogar o que quiser nessas paredes que elas não vão nem amassar. Pola tá orgulhosa do nosso trabalho aqui.

O espaço tinha cerca de quarenta a cinquenta metros de cada lado. Menor que o da Guilda dos Aventureiros, mas grande o bastante para lutas de treino. Mais uma vez, as habilidades de Dhoran me deixaram boquiaberto. Eu queria um lugar para manter o time afiado, mas isso superava qualquer expectativa. E essa empolgação só não foi maior do que a minha curiosidade sobre quem diabos era Lionel, porque agora eu tinha certeza de que ele era tão obcecado por batalhas quanto o meu mestre. Um arrepio ominoso percorreu minha espinha.

— Eu sei que falei que queria que ele nos ajudasse a treinar, mas isso já é exagero — murmurei, seguindo Dhoran para fora e subindo mais um lance de escadas.

— Agora, aviso justo — o anão pigarreou baixinho —, eu não pedi permissão nem nada, mas...

Quando chegamos ao terceiro andar, vi o motivo da hesitação dele. Havia duas estações de trabalho completas, dignas de profissionais. Uma delas tinha uma placa escrita “Forja do Dhoran”, e a outra, “Oficina da Pola”. Ficava claro que esse andar tinha recebido mais atenção do que todos os outros.

— Bom, seguindo em frente — eu disse.

— Espera aí!

— Por quê?

— Esse andar é o coração do porão inteiro! Você tem que ver!

— Mas o café da manhã...

— Eu te imploro!

Suspirei.

— Tá bom.

Eu tinha a sensação de que ele só queria se exibir com suas forjas, mas me arrastou de qualquer jeito. Dito isso, vi que esse lugar realmente tinha utilidade. Ele explicou que poderíamos derreter equipamentos velhos e inutilizados para reaproveitamento e até temperar equipamentos elementais, como minha espada de prata sagrada e nossas armaduras, com pedras mágicas. Ao ouvir isso, entreguei um monte de gemas purificadas para ele usar, deixando Dhoran perigosamente animado. Ainda assim, eu confiava nele, para o bem ou para o mal.

— A Pola pode ficar com uma parte também? — ele implorou. — Por favor, criar coisas é a nossa vida! A gente faz qualquer coisa que você quiser!

Eu não podia simplesmente negar diante de tanta paixão, então acabei deixando com ele o resto das minhas pedras. Não pretendia usá-las para mais nada mesmo.

— Tá bom, mas essas são as últimas, e quero que você use para a guilda. Nada mais.

— Eu tô mais grato do que você imagina, Luciel.

Finalmente fomos libertados da “prisão” do terceiro andar e subimos para o segundo: os aposentos dos escravos. O andar inteiro tinha ar-condicionado, e fomos rápidos em pedir o mesmo para os nossos quartos.

Eventualmente, voltamos ao primeiro andar, onde os cavalos ficariam, e dei algumas sugestões de melhorias com base no que Yanbath tinha me contado sobre os cuidados com eles. Dhoran concordou animado com minhas ideias, mas fiz questão de lembrar que ele precisava dormir depois do café da manhã.

— Espero que ele não ache que todas as Guildas de Curandeiros têm bunkers subterrâneos — murmurei, indo para a cozinha.

Eu estava sentado na sala do mestre da guilda depois do café quando Lionel (o único entre nós que não parecia nem um pouco abalado pelo caos subterrâneo) veio perguntar se Dhoran poderia forjar alguns equipamentos para ele.

Mas havia algo mais importante na minha mente.

— Primeiro, quero saber como você teve tempo para supervisionar a construção daquela área de treinamento enquanto deveria estar de vigia.

Eu estava calmo. A raiva era cansativa demais, e eu não via nada de bom em levantar a voz para alguém claramente mais velho que eu. No pior dos casos, poderia prejudicar permanentemente nossa confiança.

Em momentos de frustração, o caminho mais eficiente era uma discussão calma sobre o que deu errado e como poderia ser resolvido. Exceto, é claro, quando eu precisava repetir a mesma coisa diversas vezes. Nesse caso, eu provavelmente ficaria irritado, mas essa era a primeira vez que ele fazia algo assim.

— Peço desculpas por ter agido sem permissão. Quando Dhoran saiu para tomar ar fresco, conversamos um pouco, e eu deixei minha imaginação me levar. — Ele abaixou a cabeça. O pedido de desculpas parecia sincero, embora um pouco ensaiado.

Ainda assim, não havia motivo para continuar insistindo no erro apenas para massagear meu ego. Pensei em puni-lo por um momento, mas teria sido severo demais e injusto destacá-lo dessa forma.

— Tome mais cuidado a partir de agora. Sei que sou jovem e talvez não tenha tanta experiência, mas sempre levarei suas ideias em consideração se você trazê-las para mim antes. Algum relato da última noite?

— Nenhuma perturbação. Senti algumas presenças, mas ninguém nos atacou, provavelmente por causa do nosso número. Pelo que percebi, os escravos criminosos têm talentos que podemos aproveitar, e ninguém demonstrou descontentamento com a forma como você os tratou. A propósito, o empregador deles não era o grandalhão felino que se autodenomina Shahza, mas sim a Guilda dos Doutores.

Opa, tinha me esquecido completamente de interrogar aqueles caras. Não foi uma jogada inteligente da minha parte.

— Valeu por investigar isso. Eu tinha esquecido completamente. — Observei Lionel por um momento. — Sabe, eu venho me perguntando... quem exatamente é você?

Lionel refletiu brevemente antes de responder:

— O que eu fui no passado, o posto que ocupei em minha terra natal, não importa mais. Sou apenas um homem, e minha espada está jurada a você.

Seus olhos diziam que ele falava a verdade, mas sua boca permaneceu fechada. Resolvi deixar para lá, por enquanto.

— Não vou forçá-lo a se abrir, imagino. Enfim, sobre aquele equipamento que você queria... Fale com Dhoran para decidir os materiais. Até lá, continue usando a espada do meu mestre, já que ainda conto com você para vigiar os criminosos, a guilda e a mim.

Ele bateu o punho no peito em saudação, virou nos calcanhares e saiu do quarto. Que cara misterioso.

Peguei um pedaço de pergaminho e escrevi uma lista de coisas a considerar e fazer:

  • Reconstruir a guilda

  • Manter a ordem

  • Estabelecer protocolos de triagem e clínicas

  • Alimentos

  • Guilda dos Doutores

  • Investigar Shahza e o conselho de Yenice

— Posso sempre pedir ajuda à Guilda dos Aventureiros — murmurei. — É fácil ganhar a confiança deles, mas preferia evitar chamar atenção como sempre.

Depois, reuni todo o time e começamos a montar a placa da guilda. Os cavaleiros, no entanto, insistiram na própria visão, e acabamos fazendo duas. Não me importei muito e desisti no meio do caminho para preparar o almoço.

Lionel e os outros já tinham acordado do sono atrasado quando terminei, e comemos juntos enquanto discutíamos minha lista. Naquela tarde, deixei os escravos sob os cuidados de Jord e chamei Lionel, Ketty e Piaza para irmos até a Guilda dos Aventureiros.

— Vamos fazer uma demonstração — expliquei. — As pessoas desta cidade não estão acostumadas com magia de cura, então, se quisermos que venham até a guilda, precisamos mostrar do que somos capazes.

— Ótima ideia! — exclamou Ketty, mexendo as orelhas felinas.

— Se conseguirmos nos diferenciar da Guilda dos Doutores, será muito mais fácil nos darmos bem por aqui — comentou Piaza.

Lionel manteve sua expressão séria.

— Estou aqui para servir. Nada mais.

— Primeiro, precisamos mostrar ao povo quem são os curandeiros. Depois, investigamos a Guilda dos Doutores. E, por último, fazemos umas compras no caminho de volta. Todos prontos?

Todos assentiram e seguimos nosso caminho.

Assim que entramos, percebi que a Guilda dos Aventureiros de Yenice era diferente da de Merratoni ou da Cidade Santa, pois a maioria dos aventureiros ali era de raças não-humanas. Fora isso, o interior era exatamente o mesmo.

— Sigam-me.

Fui direto até a recepção, sem me deixar intimidar pelos olhares curiosos, com Lionel ao meu lado. Afinal, eu também era um aventureiro...

Nossa, aquela mesa parecia bem mais longe do que eu lembrava.

— Olá — cumprimentei a recepcionista, estendendo meus cartões da guilda. — Sou Luciel, curandeiro de rank S e responsável pela nova Guilda dos Curandeiros. Poderia falar com o mestre da guilda?

— Claro, senhor Luciel. Vou verificar se ele está disponível.

A mulher-gato se levantou e fez uma reverência antes de sair, sem nenhum trejeito felino. Será que esse negócio de agir como gato era só coisa da Ketty? Isso me deixou curioso.

Virei-me para a gata em questão.

— Ei, por que você sempre age... sabe, como um gato?

Ela abriu um sorriso travesso.

— Porque ouvi dizer que é fofo!

— Justo.

Olhei ao redor do salão da guilda, sentindo diversos olhares sobre nós. Mas era só isso—olhares—então presumi que sabiam o suficiente para não arrumar encrenca. Não havia um único humano por perto, e o lugar parecia meio sem vida.

A recepcionista logo voltou.

— O mestre da guilda irá recebê-lo. Por aqui, por favor.

Bem, isso foi fácil. Fácil até demais.

— Então, ele está no escritório?

A mulher à frente hesitou. Pelo visto, não. Eu já estava começando a ficar meio de saco cheio desta cidade.

— Espero que sim. — Sorri. — Seria uma pena se algo acontecesse com essa sua mesa bonita... Como, sei lá, se ela fosse coberta de Substância X.

A recepcionista parou no meio da escada.

— Estamos indo ao escritório, mas quem irá recebê-lo é o vice-mestre da guilda, senhor Jeiyas.

Ah, sim, a Substância X era uma ferramenta eficaz de interrogatório. Especialmente contra os beastkin.

— Onde está o mestre da guilda? E por que não estou me reunindo com ele?

Ela balançou a cabeça. — Sinto muito. Eu não sei.

Olhei para Lionel, que também balançou a cabeça. Ela provavelmente estava dizendo a verdade.

— Tudo bem. Não se preocupe, acho que sua mesa estará segura.

Seus ombros relaxaram visivelmente, e ela voltou a subir as escadas. Depois de bater na porta e receber permissão para entrar, ela a abriu, e nós entramos no escritório. Shahza e um dragonewt estavam lá dentro. Eu não via muitos da raça dele. Shahza congelou ao olhar para Lionel, enquanto o outro homem parecia chocado ao me ver, por algum motivo.

Ofereci um sorriso amigável. — Olá, senhores. Sou Luciel, aventureiro e atualmente responsável pela Guilda dos Curandeiros local. Muito obrigado por tirarem um tempo para me receber, Mestre da Guilda. Shahza, é bom vê-lo.

— E-eu não sou o mestre da guilda — o dragonewt engasgou, levantando-se rapidamente da cadeira e fazendo uma reverência. — Meu nome é Jeiyas, vice-mestre interino da guilda. É uma honra conhecer um curandeiro de nível S do seu calibre, senhor.

Shahza, chocado com sua atitude, lançou um olhar de esguelha para ele.

— Onde está o mestre da guilda agora, senhor Jeiyas?

— Lutando no labirinto recém-reanimado, pelo que sei.

Isso sim era um espírito livre. Todo mestre de guilda que eu conhecia era meio excêntrico, mas nenhum deles simplesmente abandonava a própria guilda.

— Ele realmente precisa estar lá? Sei que mestres de guilda são fortes, mas ainda assim.

— É incomum, sim, mas eles precisam do meu irmão ou nunca se livrarão daquela masmorra.

Então os líderes aqui eram um par de irmãos dragonewts.

— Entendo. Eu queria fazer uma pequena demonstração de magia de cura, mas se o mestre da guilda não está aqui, teremos que adiar. Que pena.

— Uma demonstração? — Jeiyas me olhou com curiosidade, enquanto Shahza parecia ter mordido a língua ou algo assim. Para uma raça que supostamente não tinha interesse nem necessidade de curandeiros, aquele dragonewt parecia bem aberto ao assunto.

— Acho que o povo de Yenice conhece a magia de cura, mas não entende o que ela realmente pode fazer. Quero educá-los um pouco. Mostrar a importância dos curandeiros.

— E como nossa guilda pode ajudar?

— Basta reunir qualquer um que tenha ferimentos no campo de treinamento lá embaixo. Vamos curá-los todos, sem cobrar nada. Ah, e esses são nossos preços normais, para referência. — Entreguei a ele uma cópia das diretrizes da guilda dos curandeiros. — Como você sabe, não podemos curar doenças, mas quero que os aventureiros, que arriscam suas vidas e contam conosco, entendam os motivos das nossas cobranças. Quero que todos compreendam.

Jeiyas ouviu atentamente enquanto lia os valores no documento. Eu já tinha dito o que precisava, e pressionar demais só pioraria a situação, então fiquei quieto e dei tempo para ele pensar.

Shahza também ficou em silêncio, contido pelo olhar severo de Lionel. Parecia que o político tentava decifrar o que Jeiyas estava pensando.

— Você pode fazer essa demonstração amanhã? No mesmo horário? — perguntou o vice-mestre da guilda, por fim.

— Claro. Obrigado por nos dar essa oportunidade. Quanto antes fizermos isso, mais cedo reduziremos as taxas de mortalidade.

— Posso perguntar algo? Essa magia de cura para petrificação e neurotoxinas é algo que todos podem fazer?

— Não, apenas um pequeno número de curandeiros consegue. No momento, sou o único aqui que pode fazer isso, mas posso garantir que os outros estão trabalhando duro. Acredito que alcançarão esse nível em breve.

Eu fazia Jord e os outros lançarem seus próprios feitiços o máximo possível, então eles deviam estar progredindo bem.

— Então nos vemos amanhã. Estaremos esperando lá embaixo.

— Obrigado pelo seu tempo.

Trocamos um aperto de mão. Mas Lionel ficou para trás quando nos viramos para sair.

— Você deveria saber, Conselheiro Shahza, que o incidente de ontem foi orquestrado pela Guilda dos Doutores — ele disse.

Saímos sem esperar uma resposta. No caminho para o mercado, não consegui parar de pensar em Jeiyas e no motivo de ele ter sido tão cordial comigo.

Assim que a porta do escritório se fechou, Shahza ergueu a voz para o vice-mestre da guilda.

— Isso não foi o que combinamos! O que está fazendo ao ficar do lado daquele fedelho curandeiro?!

O homem-tigre abriu a boca para gritar mais insultos, mas a fechou ao ver o olhar feroz de Jeiyas.

— Você está enganado se pensa que esse homem é apenas um fedelho. Acha que nós, dragonewts, agiríamos contra alguém escolhido pelo Eterno? Em desafio aos nossos deuses?! — ele rugiu.

Os dragonewts eram um povo devoto e reverenciavam os Dragões Eternos mais do que a própria Crya, a Divina. Seu sangue os guiava, e eles sabiam quando alguém era escolhido para carregar sua proteção, independentemente da raça.

No caso de Jeiyas, Luciel era o quinto escolhido que ele conhecia, e o primeiro que não era um dragonewt. Sua presença parecia predestinada, como se os dragões lhes oferecessem auxílio em meio à batalha contra o labirinto.

Monsieur Luck estava em movimento novamente, sem que Luciel soubesse.

Shahza recuou, amaldiçoando a Guilda dos Doutores por agir de maneira tão precipitada. Idiotas incompetentes! Se quer um trabalho bem feito...

A frustração em seu coração se transformou e apodreceu em puro ódio.


Tradução: Carpeado
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