Seija Musou | The Great Cleric Vol 03
– Arco 4: O Curandeiro Que Mudou o Mundo –
Capítulo 09 [Novo Equipamento, Velhos Favoritos]



Três meses se passaram. Três meses sem grandes acontecimentos, apenas explorando o labirinto, treinando com os rapazes na Guilda dos Aventureiros e realizando purificações nos "churrascos" (disfarçados como exercícios especiais).

A prática desses churrascos se espalhou por outros regimentos depois que as Valkírias deixaram escapar minhas habilidades de higienização de carne para Catherine. Pelo lado positivo, isso ajudou a substituir o medo que eu sentia dos monstros fora do labirinto por uma espécie de respeito. Melhor ainda, os cavaleiros não tinham o costume de me dar apelidos como os aventureiros faziam. Eu tinha certeza de que, se soubessem da nova tradição, os aventureiros adorariam nos chamar de algo como "Os Mastigadores".

De qualquer forma, meu relacionamento com os cavaleiros estava começando a melhorar, minha equipe estava se unindo, e cada vez mais deles conseguiam engolir o Substancia X sem ver estrelas.

Então, finalmente chegou o dia em que Mardan e Muneller terminaram minhas diretrizes de cura. As regras estavam prontas.

Sua Santidade me chamou aos seus aposentos para discutir o assunto.

— Vamos anunciá-las oficialmente quando você completar vinte anos. O que me diz?

— Estão em suas mãos. Já confirmei que está tudo certo com os arcebispos, então deixo isso com você.

Eu gostaria de torná-las oficiais imediatamente, mas não era ninguém para os curandeiros, suas famílias ou os funcionários da guilda subornados, que certamente se oporiam.

— Muito bem. Se bem me lembro, uma vez lhe pedi que estudasse o lado administrativo de nossas guildas e clínicas. Reforço esse pedido agora.

— Administrativo? — Parecia até que ela queria que eu considerasse a possibilidade de administrar uma clínica.

— Exato. Suas regras para a prática de cura certamente incitarão rebelião entre aqueles que antes se sustentavam na injustiça. E você é um curandeiro de Rank-S. Que você possa erradicar o mal e ajudar os justos, essa é minha única esperança. Conhecimento será uma ferramenta valiosa para isso.

— Minha interferência não infringiria a autoridade deles?

— Lembre-se, Luciel, você responde apenas a mim. Eu ouvirei seus relatórios e darei meu julgamento pessoalmente.

— Entendido. Não mancharei o nome de Rank-S.

— Muito bem dito. Em breve, terei ordens para você. Esteja pronto para agir.

— Sim, Sua Santidade.

Ao sair dos aposentos, dei de cara com Catherine. Ultimamente, eu não a via muito além dos exercícios dos cavaleiros.

— Oi, Catherine. Veio ver Sua Santidade?

— Não, vim ver você — disse ela, com um sorriso que quase me fez estremecer. Hoje em dia, um sorriso no rosto de Catherine geralmente significava que os cavaleiros estavam prestes a sofrer. Mas dessa vez, o sorriso dela parecia genuinamente caloroso. Mais parecido com a Cattleya que eu lembrava.

— Precisa de algo?

— Lembra do Grand e do Trett?

— Claro. Isso significa o que eu acho que significa?

O sorriso dela se alargou ainda mais.

— Sim. Acabei de receber a notificação de que seu equipamento está pronto. Se tiver tempo, que tal darmos um pulo na forja?

— Com certeza!

Eu havia deixado essa memória guardada num canto da minha mente nos últimos três meses, acumulando poeira até agora. Equipamento feito com as escamas e presas do Dragão Sagrado. Feito sob medida para mim. Eu mal conseguia conter a empolgação.

— Eu também tenho um assunto a tratar com eles.

— Oh?

— E não se preocupe em chamar sua equipe. Eu serei sua escolta hoje.

Um calafrio percorreu minha espinha. Eu estava a um único passo errado de passar mais uma noite como o beberrão designado.

— Certo, mas posso dar um aviso para os caras antes?

— Claro.

Passei no meu quarto e informei meus planos a Piaza, que estava me esperando do lado de fora. Depois, Catherine e eu seguimos para a forja.

— Reparou em algo diferente na Igreja ultimamente? — Catherine perguntou.

— Na verdade, sim. Parece que o treinamento dos cavaleiros ficou mais difícil e que eles não me odeiam tanto agora.

— Acho que é porque sua equipe está levando a pior parte agora — disse ela com um sorriso de canto.

— Basicamente.

Nos últimos dias, essa tinha sido a fase mais pacífica desde que cheguei ao quartel-general. A ausência de olhares furiosos fazia maravilhas pela alma.

— Ok, mas eu quis dizer ‘diferente’ no sentido de estranho. Algo que pareça fora do normal.

— Nada em particular. Mas também, eu não sou o melhor para notar essas coisas. Quem sabe, talvez eu esteja sendo envenenado e nem perceba por causa da minha resistência.

Catherine arregalou os olhos para mim.

— Por favor, não me olhe assim.

— Acho que nunca vou entender você. Mas, por favor, tente ser mais cuidadoso com sua equipe.

— Vou levar isso em consideração.

Não que eles tivessem muito com o que se preocupar, já que os curandeiros conseguiam usar magia de cura sem problemas e Palaragus sempre tinha ervas à disposição.

Eventualmente, chegamos à forja. Assim que entramos, um funcionário nos viu e correu para os fundos. Pouco depois, Grand e Trett apareceram.

— Demorou, hein? — resmungou Grand. — E essa aí é a Cattleya? Sempre um prazer.

— Ohhh, fazia tanto tempo que eu já estava com medo de que você tivesse nos esquecido — choramingou Trett.

— Desculpem, estive muito ocupado gerenciando minha equipe — expliquei. — É a minha primeira vez liderando um grupo, então aprender a lidar com isso tem sido um desafio.

— Palavras honestas.

— E verdadeiras também.

— Eu adoraria ficar aqui batendo papo — interrompeu o artífice —, mas que tal entrarmos?

— Muito bem dito — concordou o anão.

Os dois praticamente tinham tomado a forja para seus próprios propósitos. O verdadeiro dono os seguia pelo lugar, ajudando no que podia e absorvendo todo o conhecimento que conseguia dos dois mestres. Admirava a mente aberta dele, e isso só reforçava o quão extraordinários esses artesãos eram.

Fomos escoltados pela forja até um cômodo, onde eu parei na porta.

A criação deles, meu novo equipamento, superou todas as minhas expectativas. Eu mal conseguia acreditar no que via. Tentei, em vão, expressar meus sentimentos em palavras, enquanto esfregava os olhos e olhava de novo, só para ter certeza de que não estava imaginando coisas.

— Confiei meus materiais valiosos a Grand e Trett porque o papa e Catherine confiavam neles. Porque, do contrário, ficariam eternamente na minha bolsa mágica. Porque percebi que aqueles dois tinham um grande orgulho no que faziam. E agora que o trabalho estava pronto, meus sentimentos eram... indescritíveis.

Eles acenaram para que eu me aproximasse.

— E então? Maravilhoso, não é? — Trett disse, radiante. — Protege contra miasma, anula magia, torna você mais difícil de detectar e até regula a temperatura! Com isso, você não terá problemas com lâminas ou feitiços, de jeito nenhum.

— Sem palavras, hein? — Grand riu. — Isso aqui endurece quando recebe energia mágica. Também funciona como um reforço para feitiços. Canalize sua magia por ele e vai te dar um "up", sem custo extra.

Eles exibiam sorrisos satisfeitos de missão cumprida, enquanto eu, por outro lado, ainda estava paralisado, chocado, mandíbula no chão. Três meses atrás, eu tinha sido apalpado, forçado a brandir espadas, avaliado, interrogado sobre meu estilo de luta, submetido a todo tipo de testes e provações. Isso não podia ser desfeito. Não importava quantas vezes eu piscasse, os frutos do meu sofrimento continuavam os mesmos.

Respirei fundo algumas vezes e então me virei para Grand.

— Sem querer desrespeitar, mas... eu não tinha pedido uma espada?

— Não é uma beleza?

A "beleza" em questão era um cajado ornamentado. Talvez eu não fosse tão resistente a venenos quanto pensava, porque devia estar drogado e alucinando naquele momento.

Olhei para Trett.

— E qual foi o sentido de toda aquela apalpação se você nem fez uma armadura? Isso são só roupas normais.

Eu estava tão incrédulo que quase tentei consertar o que quer que estivesse errado com aqueles dois com um Cura Extra ou um feitiço de Purificação. Eles se entreolharam e então caíram na gargalhada.

— Te enganamos, né? — Grand pegou o cajado. — Isso aqui não é uma bengala comum. Um velho espadachim criou esse truque pra carregar armas onde normalmente não se pode levá-las. Só um pequeno movimento e...

O cajado de repente se transformou em uma lâmina.

— O quê—?!

A transformação foi tão rápida e natural que eu comecei a duvidar se aquilo tinha sido mesmo um cajado em algum momento. Já tinha lido sobre lâminas ocultas, espadas com truques e coisas assim nos livros da minha vida passada, mas aqueles mecanismos escondiam a arma de alguma forma. Esse não. Ele literalmente se transformou em uma espada, como uma ilusão se desfazendo.

— E então? A cabeça do dragão no cabo não é só decoração. — O ferreiro admirava sua criação como um garoto encantado. Viver em um mundo de magia e fantasia não significava que truques legais e dragões não pudessem nos surpreender.

— Então imagino que essas roupas também tenham alguma surpresa — disse a Trett. — Qual é o truque? Elas viram uma armadura?

— Oh-ho, agora você está só brincando. Eu só achei que algo menos volumoso cairia bem em você, garotinho curandeiro. Só para constar, elas são bem mais resistentes do que qualquer armadura que você tem agora.

— Mais fortes do que armaduras?! De metal?!

— Eu simplesmente não consegui evitar. Oh, nunca trabalhei com um material tão interessante antes. Em vários sentidos — Trett ronronou, inquieto. — Realmente adorei apalpar você.

Ótimo. Não precisava ouvir isso. Seguindo em frente.

No começo, não acreditei que ele fosse mesmo de uma família de artesãos lendários, mas o trabalho falava por si. Peguei a espada e imitei Grand, transformando-a em lâmina e depois de volta ao cajado várias vezes, enquanto meu coração vibrava de alegria. Sempre tive um fraco por espadas que podiam mudar de forma assim. Nada era mais legal do que ver o padrão de dragão brilhar e a bengala se transformar. Nada. Eu teria continuado brincando com aquilo se Trett não tivesse me interrompido.

— Awww, Luciel, não vai experimentar as roupas que fiz para você?

— E-eu já entendi! Vou vestir, só para de tentar se esgueirar atrás de mim! — Estremeci.

Todos já estavam entediados de me ver mexendo na espada, então me apressei em trocar de roupa. Tirei a armadura que havia conseguido no quadragésimo andar do labirinto e vesti o tecido feito de escamas de Dragão Sagrado. Imediatamente senti uma proteção estranha ao redor do meu corpo.

— Como estou? — perguntei.

— Impecável! — Trett respondeu. — Oh-ho, sua segurança está em boas mãos agora!

Eu detestava essa expressão, então me virei para Catherine, a mais sincera.

— Ele está certo. Você parece digno — ela disse. — Coloque o manto e realmente vai começar a ter cara de curandeiro de rank S. Talvez até parem de te confundir com um cavaleiro.

Respondi com um sorriso tímido. De fato, eu tinha um porte físico mais robusto do que a maioria dos curandeiros.

— Que tal chamarmos seu novo cajado de... — Grand coçou o queixo. — Cajado da Ilusão.

Achei um pouco sem criatividade.

— Então, quando for uma lâmina, seria a Espada da Ilusão?

— Essa é a ideia. Mantenha no formato de cajado enquanto estiver curando e coisas do tipo, assim ninguém vai te tomar por outra coisa além de um curandeiro comum.

— Que encantador! — Trett comentou. — Ah, prometi outra coisa para você, não foi, Luciel?

O homem-raposa remexeu em sua bolsa mágica e puxou um espelho comprido. Demorei um instante para entender o que era.

— Isso é o que estou pensando?

— Exatamente! Esse Dresser de Transformação pode parecer um espelho comum, mas ele cuida de todas as suas necessidades de organização de roupas! Sua nova vestimenta demorou um pouco mais que o esperado, então pedi a um amigo para trazer isso para você.

— E isso é meu?

— Todo seu. Eu cumpro minhas promessas.

— Uau, não sei nem como agradecer!

— Seu rosto feliz já é o suficiente. Agora, basta infundi-lo com sua magia para registrá-lo...

— Fizemos um ótimo trabalho — Grand comentou. — Nada supera ser pago para fazer o que se ama. Me chame da próxima vez que conseguir materiais valiosos ou precisar de algum ajuste no seu equipamento. Vou garantir que meus assistentes saibam quem você é.

— Digo o mesmo — Trett concordou. — E avisarei quando conseguir progredir com aquele item mágico que mencionou. Se algum dia visitar nossa cidadezinha, não se esqueça de passar lá. Estarei sempre esperando.

Meu cabelo se arrepiou e um arrepio percorreu minha espinha, mas meu faro afiado para negócios manteve meu sorriso firme.

Não demorou muito para que os dois partissem da Cidade Santa. Os outros artesãos ficaram tristes ao vê-los ir. Prometi a Grand que tomaria aquela bebida com Brod na próxima vez que nos encontrássemos, e Trett mencionou que entregaria meu item mágico na forja que eles estavam usando, para a alegria do dono.

No caminho de volta para a Sede, algo começou a me incomodar.

— Ei, Catherine, o Grand mencionou que foi pago. Quanto foi?

O sorriso no rosto dela deixou claro que não tinha sido barato.

— Às vezes, a ignorância é uma bênção, Luciel. Considerando os descontos e o fato de que fornecemos os materiais, eu diria que custou o equivalente a todas as pedras mágicas que você trouxe do labirinto juntas.

— Todas elas, hein?

O que quer que isso significasse. Eu não sabia o valor individual daquelas gemas. Um dia eu saberia, mas hoje não era esse dia.

Assim que voltei para o meu quarto, mandei Jord dispensar a equipe e comecei a brincar com minha nova cômoda de transformação.

— Caramba! O que isso faz? Caramba! Eu realmente preciso aprender umas palavras novas, mas caramba!

Meus gritos animados vazaram para o corredor. A cômoda não registrava minha roupa de baixo, mas eu estava completamente fascinado pelo mecanismo estranho que permitia ao espelho lembrar do que eu estava vestindo. Quem poderia me culpar? Era como salvar conjuntos de equipamentos ou roupas num jogo.

O funcionamento era simples. O dono da cômoda só precisava tocar o espelho com a mão, que então exibia números com opções para salvar um conjunto, excluir um preset ou trocar para um salvo. Apenas dez conjuntos podiam ser armazenados ao mesmo tempo, mas isso não tornava a cômoda menos útil para guardar roupas como se fosse uma bolsa mágica.

Alguém começa a produzir isso em massa pra eu poder dar de presente pra alguém!

Com essa tecnologia, câmeras não deviam estar muito longe. Aposto que Trett se interessaria pela ideia.

— Vou deixar essas roupas do Dragão Sagrado e minha túnica como padrão e só usar minha armadura por cima.

Aos poucos, minha empolgação foi diminuindo quando percebi um problema crítico.

— Eu só tenho três conjuntos salvos aqui.

Praticamente usei as mesmas roupas desde o meu primeiro dia no labirinto. Com a magia de purificação, higiene nunca foi um problema ao ponto de eu sequer pensar em trocar de roupa, e minha túnica evitava que qualquer coisa fosse rasgada. Bom, teve aquele episódio em que fui sistematicamente esquartejado pelo quarto chefe... Tive que comprar roupas novas depois disso. Mas será que era higiênico nunca ter trocado minha roupa de baixo? Claro que sim. Eu tinha Purificação. Mas isso tinha potencial pra se tornar um problema sério se eu deixasse passar.

Essa preocupação começou a crescer, e de repente me vi cheio de dúvidas. Eu não estava nem remotamente preparado para viajar. Quase todas as roupas que ganhei em Merratoni foram destruídas durante meu treinamento com Brod, então tudo o que me restava eram as peças que comprei quando saí com Nanaella. Eu tinha minha túnica da Igreja e a armadura que recebi, mas fora isso, não tinha mais nenhuma roupa decente até hoje. A única armadura que eu tinha salva na cômoda era a que consegui no quadragésimo andar.

Espera aí... Meu cabelo estava comprido. Eu nunca tive muita barba, então nunca precisei me preocupar com isso, mas eu não cortei o cabelo uma única vez desde que vim para a Sede. Simplesmente o deixei amarrado esse tempo todo e nunca reparei porque minha túnica regulava bem a temperatura. Nunca me senti desconfortável por causa do calor.

Talvez esteja na hora de um corte cerimonial do rabo de cavalo.

A partir daí, meus pensamentos começaram a sair ainda mais do controle. Uma coisa levou à outra, e de repente me dei conta de que não tinha cozinhado uma única vez desde que reencarnei. Gulgar preparava minhas refeições em Merratoni, as cozinheiras da cantina cuidavam de mim aqui, ou então eu comia em restaurantes. Nos churrascos, minha única função era purificar a carne. Deu vontade de cozinhar alguma coisa, mas antes eu precisava arranjar utensílios.

Além de comida e roupas, o terceiro item essencial para a sobrevivência era abrigo, e nisso eu não tinha problema. Desde que tivesse meu travesseiro angelical e não estivesse em perigo imediato, eu podia dormir em qualquer lugar. Se algo acontecesse com ele, porém, eu estaria encrencado e sem sono. Quer dizer, se eu conseguisse descansar na carruagem em que viajaríamos.

Falando em carruagens, eu também precisava considerar Forêt Noire (que eu meio que já estava assumindo que levaria comigo). Eu começaria a viajar pelo mundo quando completasse vinte anos. Isso estava a pouco mais de um ano de distância. O tempo passaria num piscar de olhos. Eu era para ser um curandeiro de Rank S, e nem sequer sabia o básico sobre administrar uma clínica.

Por favor, me mandem para um lugar que não precise ser consertado, eu rezei. Ou melhor, e se eu virasse um curandeiro itinerante? Pensando bem, isso certamente causaria problemas, assim como muitas das coisas que eu fazia. Eu era tipo uma bomba-relógio ambulante.

Quanto mais pensava em tudo, mais difícil era parar. E justo quando parecia ser demais para suportar, me lembrei de um velho hábito esquecido.

— Eu posso estar a maior bagunça de ser humano agora, mas...

Peguei um pergaminho da minha bolsa e comecei a escrever uma lista com minhas preocupações e como resolvê-las. Eu costumava anotar tudo compulsivamente, mas até os hábitos mais arraigados podem ser quebrados depois de alguns anos.

— Preciso manter o foco. Ser reencarnado não é desculpa para ignorar o que aprendi na minha vida passada.

Duas pequenas coisas que aprendi no meu primeiro ano de trabalho na Terra foram sempre ter um caderno à mão para anotar qualquer coisa e sempre ser educado. Esses hábitos eram simples, mas cruciais para o crescimento pessoal.

Este mundo não tinha jornais, televisão ou ciclos de notícias, então eu tinha me deixado levar pelo ritmo mais lento e esquecido disso. Eu sabia que não era o mais esperto, mas como pude deixar passar algo tão básico?

— Respirei fundo. Eu podia me criticar o quanto quisesse, e haveria um momento e um lugar para isso, mas não era aqui nem agora. Agora era a hora de seguir em frente.

Informação estava no topo da lista de necessidades para as minhas próximas viagens. Eu precisava aprender como as guildas e clínicas funcionavam e ter uma melhor compreensão do estado dessas duas instituições. O melhor lugar para ouvir os últimos rumores era a Guilda dos Aventureiros.

— Cara, e eu acabei de voltar. Vou precisar de uma escolta.

Abri a porta para sair e vi Jord convenientemente se aproximando.

— Ei, Jord, eu estava prestes a passar na Guilda dos Aventureiros e talvez fazer umas compras depois. Quer vir junto?

— Tô dentro pras compras, mas você não acabou de sair com a Catherine? — ele perguntou.

— Pensei em algo que preciso de última hora, só isso.

— Você? Saindo pra comprar algo que não seja comida? Estranho. — Ele riu enquanto seguíamos caminho.

Chegando ao salão da guilda, fomos recebidos por uma enxurrada de aventureiros feridos.

— O que fazemos quanto a isso, senhor? — Jord perguntou.

— Fazemos de hoje o Dia do Santo Esquisitão e curamos todo mundo. Mas primeiro, vamos ver o que está acontecendo com o Grantz.

— Não sei se temos tempo. Alguns desses ferimentos parecem profundos.

— Você tem razão. Pode ir buscá-lo para mim?

— Já vou.

Observei enquanto ele corria para o refeitório e me preparei para curar todos que pudesse. A Bênção do Curador Divino tornava minha magia algo único. Minhas magias de Cura não apenas estancavam o sangramento e restauravam HP, mas agora também podiam reparar cartilagem e ossos. Na verdade, a guilda acumulou um estoque estranho de bengalas deixadas por pacientes idosos que saíam melhores do que entraram. E, desta vez, eu tinha o Cajado da Ilusão para tornar minhas magias ainda mais fortes. O quanto mais, eu nem podia começar a imaginar.

Pedi para levarem os feridos para o andar de baixo enquanto me dirigia para lá.

— Certo, vou começar a cura, pessoal. Como sempre, não posso restaurar sangue perdido, então, por favor, sejam cautelosos e tratem suas vidas com cuidado.

É claro que a Cura Extrapodia regenerar sangue sem problemas, mas minha habilidade de usar essa magia ainda era um segredo bem guardado.

Lancei Cura Alta em Área sobre a multidão até que todos estivessem saudáveis novamente, mas sem o reforço do meu cajado. Esse experimento teria que esperar. Então fui até o refeitório avisar Grantz que todos estavam bem.

— Então, do que precisa desta vez, Santo Esquisitão, senhor? Só falar. — disse o mestre da guilda.

— “Santo Esquisitão” já é ruim o bastante, mestre da guilda. Não precisa adicionar o “senhor”. Sério.

Grantz realmente havia pegado esse hábito ultimamente. Minhas reclamações provavelmente eram em vão, no entanto. O apelido não iria embora sem outro para substituí-lo.

— Por que você não para de me chamar de “mestre da guilda”, seu rabugento? Enfim, o que precisa, hein?

— Queria perguntar onde os aventureiros cortam o cabelo. Sei que você tem essa barba e tal, mas onde todo mundo mais se arruma?

A pena no olhar dele era palpável.

— Não posso te culpar por não saber das coisas, acho. Especialmente um sujeito com uma vida tão dura quanto a sua. Bom, você encontra navalhas mágicas em lojas de magia. Algumas pessoas usam facas comuns, mas eu evitaria se não soubesse o que está fazendo.

— É, eu realmente não confio em mim mesmo, mas acho que poderia simplesmente usar Cura se me cortasse.

— Justo. Tesouras para cabelo, você encontra em qualquer ferreiro ou loja geral. Nunca ouviu falar de um salão de cabeleireiro?

Nossa, eu era bem ignorante, hein? Bom saber que havia barbeiros por aqui. Mas deixar alguém colocar objetos afiados tão perto do meu rosto era um pouco assustador, então deixei essa opção de lado por enquanto.

— Precisa saber de mais alguma coisa? — Grantz continuou. — Te ensino tudo que quiser saber.

— Sim, tenho outra pergunta. Por que o Jord está desmaiado?

— Dei pra ele a versão não diluída do que você bebe. Acontece.

— Deixa eu adivinhar, minha língua é “defeituosa” porque isso não acontece comigo?

— Er, mais alguma pergunta? Manda.

— Bom...

Fiz Grantz me dizer onde encontrar temperos, vegetais e carnes para cozinhar. Vendo minhas anotações diligentes, ele me ofereceu seu próprio caderno cheio de receitas e processos bem praticados para eu copiar. E isso já teria sido mais que suficiente, mas então ele se ofereceu para me ensinar mais se eu quisesse aprender, me escreveu uma carta de recomendação para o ferreiro favorito dele, para comprar facas e afins, e, por fim, decidiu dar uma aula de culinária.

Milty eventualmente apareceu e pediu para participar, o que Grantz aceitou timidamente. Com o tempo, rumores sobre o mestre da guilda durão e suas aulas de culinária cheias de ternura começaram a se espalhar, até que ele passou a ser conhecido como O Chef de Ferro de Coração de Seda.

Enquanto isso, Jord continuava inconsciente.

— Ah, Milty, estou procurando lojas de roupas onde eu possa encontrar algo que diga “sou modesto, mas sei me vestir bem”. Sabe, pra não parecer maltrapilho diante de nobres estrangeiros ou algo assim.

— Acho que entendo o que quer dizer? — respondeu a vice-mestra da guilda. — Mas recomendo que vá com uma garota. Sei que Jord é seu ajudante, mas as pessoas vão começar a achar que você tem um outro tipo de interesse nele se saírem juntos para comprar roupas.

— Por que pensariam isso? Somos apenas amigos.

— Você é superior dele, não é?

— Sim?

— Então vocês não são amigos.

— Você... tem um ponto. Vou chamar algumas garotas que conheço.

— Uma decisão sábia.

Jord continuou em coma enquanto eu considerava minhas opções de quem convidar. Como eu queria que Nanaella ou Monica estivessem aqui. Catherine, Lumina e as Valquírias me vieram à mente, mas não pareciam do tipo que se preocuparia com moda. De qualquer forma, as aulas de culinária de Grantz tiraram uma preocupação da minha lista.

Pelo bem do pobre Jord, voltamos ao quartel-general e fui até os estábulos para um pouco de terapia com animais, para acalmar meus pensamentos. E então algo incrível aconteceu. Um garanhão de quatro anos chamado Malto, que tinha o costume de morder minha cabeça, finalmente me deixou montá-lo. Por alguns segundos. Mas ei, progresso.

— Eles estão se acostumando com você. — Foi tudo o que Yanbath disse.

Fiz disso uma meta: conquistar o privilégio de montar cada cavalo do estábulo antes de deixar a cidade. Ainda assim, eu não conseguia me imaginar partindo sem Forêt, então precisava lembrar de falar sobre isso com Sua Santidade.

Forêt parecia feliz com o plano.


Tradução: Carpeado
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