Seija Musou | The Great Cleric Vol 03
– Arco 4: O Curandeiro Que Mudou o Mundo –
Capítulo 13 [O Retorno do Melhor Curandeiro de Merratoni]



 Eu bocejei.

— Agora sim, isso é nostálgico.

Levantei, fiz meus alongamentos e exercícios mágicos e então abri a porta lentamente. Meu mestre estava ali por perto, imponente como sempre.

— O que você está fazendo?

Ele estalou a língua, frustrado.

— Achei que ia te pegar relaxando. Bom. Vamos lá, temos voltas pra correr. Vá com tudo, Reforço Físico total.

— Sim, senhor!

E assim corremos, e corremos, e corremos mais um pouco. Quando assistia a corredores na TV na minha vida passada, nunca entendia o que os movia, por que simplesmente vê-los podia despertar um certo sentimento nos outros. Agora acho que finalmente entendi. Pelo menos um pouco. Era porque acreditavam que seus esforços e lutas tinham um propósito, que ao demolir as barreiras que os seguravam, encontrariam algo além delas. Porque, embora nossas experiências sejam únicas, esse sentimento especial que surge ao ver alguém se entregar completamente a uma paixão existe em todos nós, ansiando por ser libertado.

— Balance esses braços! Levante essas pernas! Esqueça as dúvidas! Esqueça os limites! Me mostre do que é feito e seja o homem que cospe no talento!

Passei pelo treinamento do meu mestre e queria continuar avançando. Para reforçar essa determinação, devorei o café da manhã do Gulgar.

Estava delicioso.

*

Não demorou muito para minha equipe e a Forêt Noire chegarem à clínica de três andares. Era tão grande quanto, senão maior, que a Guilda dos Aventureiros.

— Todas as clínicas são grandes assim? — perguntei. — Eles mantêm pacientes internados?

— Essa aqui é definitivamente maior do que estou acostumado — respondeu Jord. — Pelo que dizem, o terceiro andar são os aposentos do diretor, o segundo é para os escravos e curandeiros, e o primeiro é onde ficam as salas de tratamento. E os mercenários.

— Mercenários? Clínicas contratam soldados?

— Não posso dizer que todas fazem isso, mas a maioria deve ter algum tipo de guarda.

— A maioria, hein? — murmurei.

— Hoje em dia ninguém mais foge, mas antigamente tinha muita gente que pagava só uma parte da conta pra evitar o crime no registro. As clínicas nunca deixaram de ser paranoicas, mesmo depois que as coisas mudaram.

De repente, consegui imaginar os tipos de bandidos que devem ter levado os curandeiros pelo caminho em que estavam agora. Isso definitivamente exigia alguns ajustes nas diretrizes.

— Enfim, vamos entrar.

Abri a porta e imediatamente ouvi gritos.

— Aguente firme, Mestre Bottaculli! Os curandeiros já vão atendê-lo!

Antes que eu pudesse processar qualquer choque, vi um homem — talvez um aventureiro ou mercenário — descendo as escadas apressado, carregando alguém nas costas. Ele passou por uma porta com a placa “Sala de Exames” sem sequer olhar na nossa direção.

— Mantenham ele vivo! Ele ainda não pagou a mensalidade! — um grito veio lá de dentro. Não houve resposta, e a voz ficou mais impaciente. — Vocês se chamam de curandeiros?! É só um maldito ferimento de adaga! Se não conseguem curar, tragam alguma poção ou qualquer coisa, tanto faz!

O corte de Bottaculli devia ter sido profundo.

— Bem, uma vida é uma vida. Não dá pra ignorar isso — falei. — Jord, vem comigo.

— Entendido. Não sei dizer se tivemos sorte ou azar aqui.

— Quero pensar que foi sorte. Palaragus, Piaza, venham com a gente. Todos os outros, fiquem de prontidão do lado de fora da clínica.

Entrei na sala de exames e quase cambaleei com a tensão no ar. Todos os olhares se voltaram para mim, mas ignorei e fui direto até a cama onde Bottaculli estava. Seu manto estava manchado de vermelho, mas o ferimento não era tão grave assim, então lancei uma cura só para estabilizá-lo. A perda de sangue havia deixado seu rosto pálido, e ele parecia estar à beira da inconsciência.

Olhei ao redor da sala, analisando a situação, e notei três homens que pareciam curandeiros me encarando.

— Tem algo no meu rosto? Ah, certo, apresentações. Sou Luciel, o curandeiro da Sede que deveria começar os estudos aqui.

— Hm… Ele vai ficar bem?

— Ele vai viver, mas precisa ficar de repouso. Quero saber como ele se feriu.

O mercenário que carregou Bottaculli respondeu:

— Um mordomo atacou ele do nada. Um dos que ele mais confiava.

— Um escravo fez isso? Com o próprio mestre?

— Esquece isso. Você curou ele ou não? Parece que ainda tá com dor.

Eu poderia ter aliviado sua dor facilmente, mas queria ouvir toda a história antes.

— Como eu disse, ele vai viver. Agora, quero saber os detalhes do que aconteceu.

O homem me lançou um olhar ameaçador, mas logo suspirou, resignado.

— Tem muitos escravos aqui, mas o senhor Bottaculli confiava mais nesse mordomo do que em qualquer outro. O cara pegou uma faca e enfiou direto na barriga dele.

Ele colheu o que plantou, no fim das contas. As pessoas só aguentam a falta de dignidade humana até certo ponto. Talvez houvesse mais nesse sistema de escravidão do que eu entendia, mas nada disso tinha a ver comigo ou com a minha vida.

— E o que aconteceu com o escravo?

— Veja você mesmo.

Fiquei surpreso ao saber que ainda não tinham matado ele.

— Ele tá vivo, mas não sei por quanto tempo — disse outro mercenário.

Como se estivesse no roteiro, sons de agitação vieram de fora da sala, e um segundo homem foi carregado para dentro. Provavelmente o mordomo, pelo traje que usava, mas era difícil acreditar que alguém com uma aparência tão gentil pudesse ter esfaqueado outra pessoa. O pedaço de carne meio morto arfava, provavelmente sofrendo tanto pelas consequências de ferir seu mestre quanto da surra que levou. Ele já tinha um pé na cova, e a maioria dos curandeiros teria desistido dele, mas eu sabia que poderia salvá-lo com apenas um único Cura Média.

— Duvido que ele tente fugir nesse estado, então não interfiram — instrui os dois homens.

Eu curei o mordomo enquanto os guardas gritavam em protesto, mas a presença de Piaza e Palaragus me dava paz de espírito. Enquanto isso, os curandeiros de Bottaculli tentavam de tudo para aliviar a expressão de dor em seu rosto. Mas não adiantaria nada. Nem mesmo os feitiços de Cura faziam efeito.

Fui checar sua condição mais uma vez e percebi uma barricada de pessoas assustadas do lado de fora da sala. Escravos, imaginei.

— Foi você quem me curou? — uma voz fraca veio de baixo.

O mordomo já estava completamente recuperado. Os mercenários explodiram em gritos, exigindo a cabeça do criminoso, mas eu os calei com firmeza.

— Sou Luciel, um curandeiro de rank S. Eu deveria começar a trabalhar aqui hoje. A vida do seu mestre está segura.

— Não, você não pode ficar aqui com ele. Deve se afastar. Independentemente dos seus motivos, sua simples presença é um risco para a saúde dele.

— Fico feliz que esteja lúcido. Posso fazer algumas perguntas?

— Qualquer coisa.

— Primeiro, por que você o esfaqueou? Se eu não estivesse aqui, ele poderia ter morrido.

Na verdade, o ferimento nem era tão grave, mas eu precisava entender sua motivação.

— Pela paz — ele respondeu com calma. — A única salvação para um escravo é a morte, e eu achei que, levando meu mestre comigo, eu finalmente me libertaria de toda a dor e ódio que sofri.

A tranquilidade na sua voz me incomodou. Algo não estava certo.

— Curandeiro! — um homem interrompeu. — Você não é o melhor dos melhores? Quando ele vai acordar? Não pode fazer nada?

— É, precisamos ser pagos antes que ele bata as botas, droga! — outro disse, impaciente, puxando a espada.

Seus protestos, por mais mórbidos que fossem, entraram por um ouvido e saíram pelo outro. Havia coisas demais nesse incidente que eu precisava esclarecer, e não conseguia tirar da cabeça o que Galba tinha me dito no dia anterior. Para que servia aquela barricada? Alguém havia planejado tudo isso, sabendo que eu estaria aqui? Os curandeiros de Bottaculli pareciam, para falar a verdade, estranhamente incompetentes. E os mercenários...

— Chega. Guarda essa espada — eu disse com firmeza. — Vocês não eram os guardas de Bottaculli? Deveriam estar ao lado dele o tempo todo. Quero saber como deixaram isso acontecer.

Eles só ficaram olhando? Confiavam tanto assim no mordomo?

— Senhor Luciel — Jord interveio —, aquela barricada... acho que são escravos.

Corri para dar uma olhada, mas não conseguia ter certeza.

— Não vejo coleiras. Tem certeza?

— Ah, em que era você acha que estamos? — ele riu. — Pessoas presas à servidão são marcadas de várias formas, mas hoje em dia recebem um brasão mágico nas costas, no pescoço ou no lado esquerdo do peito.

— Eu não fazia ideia. Sabe quais são os efeitos desse brasão?

— Depende do nível. Existem brasões de vinculação absoluta, vinculação física e vinculação menor.

Eu não esperava uma resposta tão detalhada. Como ele sabia tanto? Ele não podia ser dono de escravos... ou pelo menos, não havia motivo para eu supor isso. Se esses brasões tinham distinções, talvez houvesse uma forma de desfazê-los, e talvez Jord pudesse me contar.

— Então são eles que impedem os escravos de terem livre-arbítrio.

— Não exatamente. A vinculação absoluta impede que desobedeçam ordens e, aos poucos, apaga suas emoções. A vinculação física faz com que sintam uma dor extrema ao tentarem agir por conta própria. Com esses dois tipos, também é possível dar ordens sobre o que devem fazer após a morte do mestre.

Senti um nojo profundo e fui tomado por uma vontade intensa de nunca me tornar um escravo.

— Então dá para forçá-los a morrer junto com o mestre ou passá-los para outra pessoa que possa libertá-los.

— Exato. A vinculação menor funciona através da dor, mas deixa o portador relativamente livre, com algumas exceções. Eles não podem ferir o mestre, cometer suicídio ou ficar a mais de um quilômetro dele sem sentir uma dor insuportável. Se o mestre morrer, o escravo é libertado.

O mordomo continuava impassível, como se essa informação fosse algo banal para ele. Agora eu estava ainda mais confuso sobre como ele conseguiu atacar seu mestre.

— E outros tipos de escravos? Como criminosos, devedores, infratores ou prisioneiros de guerra? Eles também são marcados?

— Sim. Fica a critério do mercador de escravos. Crimes menores recebem apenas vinculações leves, enquanto os outros variam de acordo com as partes envolvidas. Mercadores que vinculam sem critério sofrem punição divina e são proibidos de negociar.

Fiquei surpreso com o conhecimento de Jord.

— Você parece saber bastante sobre isso.

— Hã... é, mais ou menos.

— Me responde uma coisa. Alguém marcado com um brasão pode atacar fisicamente o próprio mestre?

— Não. Esses brasões são uma espécie de maldição e são completamente absolutos.

Ele não quis dizer "maldição" no sentido figurado. Eu encarei o mordomo.

— Isso é verdade? Você estava pronto para jogar sua vida fora?

— Eu... eu não sei como responder. — Ele hesitou. — Uma vida sem esperança de liberdade não é uma vida de verdade. Não havia nada a perder.

Eu poderia acreditar nisso como um motivo, mas não como o que deu a ele a capacidade de esfaquear seu mestre. Seus olhos estavam vazios, sem esperança. Alguém que já tinha desistido de tudo não teria motivo para esconder nada. Talvez, se eu removesse seu brasão, ele me contasse como tudo começou. Mas algumas pessoas podem ser teimosas...

— Entendo. Agora me diz uma coisa. Se você fosse libertado do seu pacto... desistiria de matar Bottaculli?

— O sofrimento que ele causou na minha vida... eu... eu nunca vou esquecer. Mas, neste momento, acho que nem consigo mais olhar para ele. Tudo que eu quero é sair daqui. Longe.

— Você acha que os outros escravos sentem o mesmo?

— Sim, eu sei. Somos tratados como animais.

A dor em seus olhos carregava um sofrimento que nenhuma magia poderia curar. De repente, eu me vi dolorosamente ciente das limitações dos meus poderes.

— Então, que tal fazermos um acordo? Mas já aviso: se você quebrar sua palavra, não me responsabilizo pelas consequências.

— O que exatamente está pedindo?

— Estou perguntando se você quer ser livre. Ah, pensando bem, precisamos dos outros escravos aqui também.

— Você não pode estar falando sério...

— Estou. Traga todos aqui.

O mordomo piscou algumas vezes, processando minhas palavras. Quando finalmente entendeu, ele disparou pelos corredores, gritando para que seus companheiros viessem.

— Senhor, tem certeza de que isso é certo? — Jord perguntou, a hesitação clara na voz.

— Provavelmente não, mas não vou deixar essa situação continuar. Na pior das hipóteses, eu compenso Bottaculli. — Me virei para ele. — Por que está me olhando assim?

— É que... acho que todos aqui estão preocupados com a mesma coisa.

Os outros assentiram.

— Eu sei bem no que estou me metendo.

Fiquei grato por Shurule não ter um sistema de escravidão. Ou melhor, fiquei grato por ter vivido uma vida privilegiada, longe desse tipo de coisa. Talvez essa distância fosse o que estava alimentando minha revolta diante do que estava presenciando.

O mordomo logo voltou com mais de uma dúzia de pessoas.

— Certo. Piaza, Jord, corram até a Guilda dos Curandeiros e tragam o mestre da guilda. E qualquer outra pessoa com autoridade.

— Sim, senhor!

— Pode deixar.

Observei enquanto saíam, então me voltei para os servos reunidos.

— Obrigado por virem. Podem chegar mais perto, por favor? Podem confiar em mim.

Eles se aproximaram cautelosamente, liderados pelo mordomo.

— Muito bem, prestem atenção. Se vocês tivessem uma segunda chance na vida, conseguiriam vivê-la sem buscar vingança contra seu antigo mestre?

Todos assentiram, concordando.

— Ótimo. Antes de libertá-los, quero que façam um contrato comigo. Entendido?

Eles assentiram de novo, sem mostrar qualquer sinal de dúvida. Talvez fosse porque eu era um curandeiro de Rank S, ou talvez só estivessem desesperados demais para questionar.

Olhei para Bottaculli, cujo rosto estava pálido como um cadáver.

— Ouviu tudo isso, Bottaculli? Sua vida terá um preço. Se quer que eu te livre do seu sofrimento, liberte essas pessoas do delas. Transfira a posse delas para a Guilda dos Curandeiros. Jura aceitar esses termos?

— Eu... eu juro! — ele gemeu.

Seu corpo brilhou por um instante, sinalizando que o contrato havia sido concluído. Em troca, lancei Cura Suprema, Purificação, Recuperação e Dissipar em sequência. A cor voltou ao seu rosto.

— Todos vocês são testemunhas — anunciei para os curandeiros e mercenários presentes.

Eles assentiram repetidamente. Felizmente, tinham prestado atenção e não precisariam de mais explicações. Agora, tudo que restava era esperar por Kururu. Enquanto isso, eu precisava descobrir como o mordomo havia conseguido contornar a marca da escravidão.

— Então, como você conseguiu ferir seu mestre? Isso deveria ser impossível sob um pacto, certo? Como fez isso?

— Não posso dar detalhes, mas alguém sobrepôs minha maldição com outra.

Ou seja, havia um terceiro envolvido. Provavelmente a mesma pessoa que Galba estava caçando e que Bottaculli temia.

— Vou te fazer mais algumas perguntas. Responda com clareza e objetividade.

— Farei o possível.

— Quando aceitou a nova maldição?

— Recentemente.

— Você conhecia o lançador?

— Não. O encontrei enquanto cumpria ordens, fazendo recados.

— Onde exatamente?

— No caminho de volta, logo depois de concluir meus afazeres. Ele me chamou.

— E foi aí que ele te contou sobre isso?

— Sim. Quase não falamos de outra coisa. Aceitei a maldição sabendo exatamente no que estava me metendo.

— Sabe qual era o objetivo dele?

— Não perguntei, mas lembro vagamente de ele mencionar o desgosto com o tratamento dos escravos. Embora parecesse que tinha uma rixa pessoal com o Mestre Bottaculli.

— Hmm. Como ele aplicou a maldição? E o que pediu em troca?

— Não sei como fez. Apenas lançou o feitiço e desapareceu nas sombras.

Uma pessoa comum, desaparecendo nas sombras? Difícil de acreditar. Só assassinos tinham permissão para derreter na escuridão daquele jeito. Não era à toa que Brod e Galba ainda não tinham encontrado nenhum rastro.

— Você acha que ele te chamou já sabendo que era um escravo?

— Sim. Fiquei surpreso que ele soubesse. Era de noite na ocasião.

No escuro, era difícil notar marcas. Brod e Galba precisavam saber disso.

— Consegue se lembrar de mais alguma coisa? Qualquer detalhe?

— Muito pouco. Acho que... — O mordomo forçou a memória. — Acho que a voz da pessoa era meio aguda. Quase feminina.

Nosso culpado claramente estava tramando algo. Eu duvidava que estivesse rompendo pactos de escravidão só por diversão. Mas quais eram seus verdadeiros objetivos? Isso ainda estava além do meu entendimento.

Foi quando Kururu entrou às pressas na clínica.

— Senhor Luciel, o que está acontecendo aqui?!

— Desculpe por chamá-la assim de repente. Eu só queria estudar o funcionamento de uma clínica e, de repente, vejo Bottaculli sendo carregado escada abaixo com uma faca enfiada no estômago — expliquei.

— Sim, eu ouvi tudo pelos cavaleiros. Mas por que diabos está libertando os escravos do nada? Espera, antes de mais nada, como está o senhor Bottaculli?

— Eu o curei. Ele está bem, só em choque agora. Fiz com que ele transferisse a posse dos escravos para a Guilda dos Curandeiros como compensação.

— Você sabe o que está fazendo, não sabe?

— Claro que sei.

— As Guildas dos Curadores da República de Saint Shurule eram proibidas de possuir escravos. Qualquer guilda que fosse flagrada com escravos em sua posse era obrigada a libertá-los, e eu me orgulhava bastante de ter pensado nessa regrinha útil.

— Sei que vocês não podem simplesmente deixar escravos criminosos à solta, então vou deixá-los sob os cuidados da guilda — eu disse. — Eles sempre podem ser enviados de volta junto com Bottaculli. E assim viveriam felizes para sempre. É, claro.

— Como planejamos remover os selos deles? — Kururu perguntou.

— Deixa isso comigo. — Eu tinha confiança de que conseguiria com o Cajado da Ilusão.

— Então eu sou um senhor de escravos agora? Foi para isso que me chamou aqui?

— Claro que não. Quero que você vasculhe os aposentos de Bottaculli junto com o mordomo dele e encontre provas de corrupção. Eu não pretendia começar essa investigação tão cedo, mas já que surgiu essa oportunidade, nada melhor do que um pouco de trabalho corretivo. Posso contar com vocês?

O rosto de Kururu se contorceu em um sorriso nervoso e rígido. — Nossa, você é cruel.

Hesitei por um momento, me perguntando se estava indo longe demais, mas só por um momento.

— Por favor, isso faz parte do meu trabalho de colocar as coisas no lugar. A forma como os curadores encaram sua profissão vai mudar de um jeito ou de outro assim que minhas diretrizes forem aprovadas, então posso muito bem usar essa situação como um teste.

— Eu concordo em lidar com encrenqueiros, mas prefiro evitar governar com punho de ferro, sabe?

— Não pretendo fazer isso. Nunca quis causar tanto alvoroço aqui, mas... bem, as peças caíram onde caíram.

— Tá bom, tá bom — ela suspirou. — Investigação, entendi. Só para constar, nunca fiz isso antes, então vou precisar de ajuda.

Fiquei satisfeito por tê-la convencido. — Certo. Ouvi dizer que havia algum tipo de comitê de investigação desativado na guilda quando me registrei, mas isso provavelmente vai mudar no futuro, conforme reconstruirmos nossa imagem. Vamos ter muito mais desse tipo de coisa.

— Claro. Tudo por você, senhor S-rank.

— Er... pode falar comigo normalmente? Você é uma mestre de guilda. Formalidades são desnecessárias.

— Tá, tá. De qualquer forma, vamos logo com isso.

Os curadores e guardas apenas ficaram observando enquanto a busca era realizada. Logo descobrimos que todos os servos de Bottaculli, com exceção de dois, haviam sido escravizados contra sua vontade.

— Desculpem a demora, pessoal — chamei o grupo. — Vou dissipar os selos de vocês agora, então se reúnam!

Tentei um feitiço de Purificação primeiro, sem sucesso, mas Dispersar funcionou. Um por um, removi as maldições de todos os cerca de vinte escravos, exceto os dois mencionados, certificando-me antes de formar contratos com cada um deles.

— Espero que todos vocês cumpram nossa promessa. Vocês devem deixar este lugar e não trazer mal algum a Bottaculli. Cada um de vocês receberá dez pratas para começar uma nova vida. Se precisarem de um lugar para ir, recomendo a Guilda dos Aventureiros.

— Luciel, temos um problema — disse Kururu, trazendo uma pilha de pergaminhos enquanto eu terminava de distribuir o dinheiro.

Olhei para os documentos. — É uma lista de mercadores e compradores de escravos Illumasianos.

— Veja a quantidade. Todos esses aventureiros e cidadãos foram vendidos para o Império contra sua vontade pelos próprios curadores.

Fiquei em silêncio. Eram facilmente mais de cem páginas. Invadi a sala de exames onde Bottaculli estava sentado, agora acordado.

— Como se sente? — ele disse com desdém. — Gostou de trocar minha vida por minha riqueza? Se sim, então você e eu não somos tão diferentes, oh grande S-rank.

O veneno em suas palavras morreu subitamente à medida que deixavam seu corpo exausto. Ele parecia ter envelhecido uma eternidade.

— Eu te salvei porque era meu dever, não para roubar de você — rebati. — Não estou interessado na sua fortuna. Sei que você pode se ver como a vítima aqui, mas foi você quem causou isso.

Ele me lançou um olhar feroz. Minha equipe se preparou para reagir, mas eu os fiz recuar.

— Eu deveria ter me livrado de você quando tive a chance. E então? Que palavras tem para mim? Já que é um S-rank, sou obrigado a ouvir, senhor curador.

— Quero saber como isso começou — exigi. — Por que você está trabalhando com os escravistas Illumasianos? Por que está roubando vidas? Pessoas que vieram até você em busca de ajuda?

Bottaculli cruzou os braços, fechou os olhos e não disse nada.

— Os documentos não mentem! Você está comprando e vendendo pessoas por uma ninharia! — gritei. — Você já foi um bom homem, Bottaculli. Um curador de verdade. Como isso aconteceu?

Após um momento de silêncio, ele disse: — Faz tanto tempo que já esqueci.

— Não tente me enganar. Quer que eu te amarre a outro contrato? Ou preciso ordenar que confesse pela autoridade da própria papa?

— Foi... — Ele se esforçou para falar. — Foi por minha filha. Achei que curadores pudessem curar qualquer coisa, tudo, mas a doença está além até mesmo de nossas mãos. Depois que perdi minha esposa, minha garota foi tudo o que me restou, e o Império Illumasiano me fez uma oferta que eu não podia recusar. Disseram que poderiam salvá-la.

— Em troca de vender seus pacientes como escravos.

Não podia culpá-lo, como pai, por estar disposto a fazer qualquer coisa pela filha, mas nunca lhe ocorreu que as pessoas que ele estava prejudicando também tinham famílias? Talvez até filhos?

— Onde está sua filha agora? — Não encontrei evidências de crianças na propriedade.

— Não a vejo há mais de dez anos. Ela vive em Illumasia e cuida de servos, pelo que ouvi. Por isso eu precisava de mais. Eu preciso trazê-la de volta.

— Dez anos? E em todo esse tempo nunca lhe ocorreu que o que estava fazendo era errado? — Silêncio. — Eu simpatizo com você e com sua filha. Posso entender sua posição como pai. Mas por que você a entregou ao império? Certamente tinha outras opções. Poderia ter recorrido à Sede ou a uma Guilda de Médicos.

— Se eu pudesse preparar elixires, você acha que eu já não teria feito isso? E os médicos deste país estão acabados. Eu não tinha as opções que você acha que eu tinha. Mas o império... Quando ouvi que eles tinham o que eu precisava, não hesitei. Eu sabia que era errado, mas não havia nada que eu pudesse fazer, entende?

Eu senti pena dele. Senti de verdade. Mas no momento em que ele soube que tinha cruzado a linha, deveria ter parado por ali.

— Escute, Bottaculli, eu não vou adoçar as coisas. As pessoas que você arruinou tinham famílias, assim como você. E sua filha? O que ela pensaria de tudo isso? Alguma vez passou pela sua cabeça que eles estão te manipulando esse tempo todo?

Ele abaixou a cabeça. E não a ergueu mais. Eu não queria chutá-lo enquanto ele já estava caído, mas esse homem tinha ido longe demais. Eu não poderia simplesmente deixá-lo impune.

— Por ordem da Guilda dos Curadores, você está proibido de tirar a própria vida. Seus bens serão vendidos e a Igreja decidirá sua punição. Sua clínica será tomada pela guilda e convertida em um orfanato.

— O quê?! U-Um orfanato?

— Isso mesmo. Dito isso, a falta de uma clínica pode ser um problema para alguns, então ela ainda funcionará parcialmente como tal. Estarão te esperando na Cidade Santa, Bottaculli.

Ele fez uma careta. — Eu não vou deixar isso assim.

— Preciso de dois cavaleiros e um de meus curadores para escoltá-lo, por favor.

O homem miserável saiu sem sequer olhar para trás. Comecei a escrever uma carta para Sua Santidade, mas então me lembrei do meu cristal de comunicação e a contatei imediatamente. Depois de explicar a situação, ela confiou a decisão a mim.

Com isso resolvido, falei com o mordomo uma última vez.

— Então, sobre o conjurador da maldição. Você se lembra de alguma coisa sobre a aparência dele?

O ex-escravo pareceu confuso. — Um conjurador, senhor? Receio que não entenda. O senhor me devolveu a vida e eu quero ajudar no que puder, mas meu conhecimento tem limites.

— Sabe, a maldição que sobrescreveu sua marca. Acabamos de falar sobre isso.

— Senhor, isso é mesmo possível?

— O quê? Jord, eu não estou louco, certo? Você se lembra de termos falado sobre maldições antes, não?

— Quando isso aconteceu? — ele respondeu. — Não me lembro de nada assim.

Eu pisquei, chocado. Ninguém mais da minha equipe sabia do que eu estava falando. Será que havia um demônio entre nós? Lancei Purificação ao nosso redor por precaução, mas ninguém pareceu afetado.

Sem opções, decidi que precisaria conversar com Galba e meu mestre antes que qualquer coisa fizesse sentido. Mas antes de iniciar essa investigação, havia a questão das clínicas subsidiárias de Bottaculli. No fim, decidimos aplicar as diretrizes nelas imediatamente como um teste, embora isso fosse reduzir bastante meu tempo livre para visitar a Guilda dos Aventureiros fora dos intervalos de almoço.

Enquanto visitava as clínicas da cidade, percebi o quão ruim a situação estava. A maioria cobrava o dobro do que as diretrizes permitiam, e as piores cobravam até quatro vezes mais. Para facilitar as coisas, mandei publicar os novos preços na Guilda dos Aventureiros e na Guilda dos Curadores. Merratoni seria meu primeiro passo para tornar essa profissão respeitável novamente.

Quase todos os ex-escravos de Bottaculli tinham constituição robusta, então alguns decidiram se tornar aventureiros, enquanto outros permaneceram para trabalhar no orfanato. Os poucos criminosos que não podíamos libertar acabaram fazendo trabalhos diversos na Guilda dos Aventureiros, graças a Gulgar e Galba, que se ofereceram para acolhê-los.

As auditorias continuaram, os dias passaram, e acabei aprendendo muito sobre como as clínicas funcionavam ao longo do caminho.

Um dia, finalmente tive tempo livre para passar na Guilda dos Aventureiros, e Nanaella chamou minha atenção assim que entrei.

— Luciel, você mencionou querer cortar o cabelo há um tempo. Ainda precisa?

— Na verdade, sim. Lembro de ter dito o quanto é irritante ter ele tão comprido. Estou acostumado a prendê-lo, mas prefiro curto.

— Por que não vamos lá atrás e resolvemos isso agora? — Monica sugeriu, me empurrando para frente.

Fomos até o jardim nos fundos, onde ficava o poço.

— Parece que faz uma eternidade desde que vim aqui. Aliás, sou só eu ou você está estranhamente animada com isso, Monica?

Fiquei envergonhado demais para continuar essa linha de pensamento, então mudei de assunto.

— Ei, lembram daquela vez que me cortaram fazendo isso?

Anos atrás, em um dos meus primeiros cortes de cabelo, confiei nelas e fui traído. O que eu achei que seria um procedimento cuidadoso acabou com elas se empolgando demais e acidentalmente cortando meu rosto. Não houve dano permanente—bastou um simples Cura—, mas desde então, as duas ficaram extra cautelosas com tesouras perto da minha cabeça.

— Ah, qual é, isso foi há muito tempo — Monica resmungou. — Então, que estilo você quer?

— O de sempre está bom.

— E se fizéssemos algo um pouco diferente? — Nanaella sugeriu esperançosa.

— Contanto que eu ainda possa sair na rua. Estou confiando em vocês, hein?

Os sorrisos delas cresceram ainda mais.

Assim nasceu a Ordem da Cura. Os aventureiros, por outro lado—malditos e suas tradições—começaram a nos chamar de Ordem do Terror pelas sombras.

Conforme nosso trabalho continuava, ficava cada vez mais claro que a Guilda dos Curandeiros e suas clínicas estavam em uma situação precária, então comecei a revezar meus curandeiros entre elas para ajudar a colocar tudo nos eixos. Eventualmente, passei a seguir as diretrizes eu mesmo e ofereci meus serviços de cura pelos preços adequados, fazendo exceções para crianças e idosos, é claro.

Os dias passaram voando, e o momento em que eu teria que voltar para a Cidade Santa se aproximava.

O refeitório estava fechado—uma ocorrência bastante estranha para a Guilda dos Aventureiros. Brod, Gulgar, Galba e eu estávamos dentro, bebendo juntos. E, pela primeira vez, bebidas alcoólicas.

—Droga, você resolveu o problema das guildas e clínicas bem rápido —comentou meu mestre. —E agora, pra onde? Yenice? Reconstruir uma guilda do zero não parece nada fácil.

—Concordo. Mas vou tentar aguentar firme com as receitas do Gulgar e as informações do Galba.

—Você sempre tem um lugar para voltar, se precisar. Estaremos aqui para ajudar, desde que não enfie o nariz onde não deve. Não que eu ache que faria isso. —Os olhos de Galba eram calorosos e confiantes. —Você pode cometer erros, mas continue no caminho certo.

—Eu sei. Sempre digo que farei qualquer coisa para sobreviver, mas nunca gostaria de sentir vergonha ao olhar para qualquer um de vocês.

Brod resmungou com irritação.

—Diz o cara que tá criando o péssimo hábito de faltar no treinamento.

Eu não tinha perdido um único treino, nem de manhã nem à noite. A audácia desse homem...

—Mestre, será que custa muito estar de bom humor antes de eu partir?

—Eu entendo o que ele quer dizer —disse Galba. —Dê um tempo e você alcançará nosso nível. Digamos... talvez uma década de treinamento intenso e você chega lá.

—Se você for otimista, talvez. Você acha que pessoas normais conseguem desaparecer no ar, reaparecer atrás de alguém e cortar a pele com lâminas cegas? Vocês são todos insanos.

Eu nunca tinha visto eles lutando, mas sabia que isso valia para Galba e Gulgar também. Será que não existia um mundo de paz e tranquilidade para eu viver sossegado?

—Sua magia de cura também é bem absurda, pelo que posso ver —disse Gulgar.

—Minha habilidade em Magia Sagrada acabou de alcançar o nível dez outro dia, mas ainda tenho um longo caminho pela frente —confessei. —Estou frustrado com a forma como lidei com Bottaculli. Eu poderia ter feito muito mais, mas só dei uma bronca nele. Magia não resolve tudo. Ela não pode curar doenças. Não pode curar feridas da mente.

—Luciel —interveio Galba—, aquele orfanato que você fundou não foi em vão. Você fez mudanças significativas, e nós vamos garantir que isso não se perca. Além disso, ouvi dizer que Bottaculli praticamente se regenerou na capital, então essa é uma preocupação a menos para você.

—É verdade, mas isso não foi por minha causa, e aparentemente só criou conflitos com as facções da Igreja. No fim das contas, ele mudou porque os arcebispos derrubaram suas barreiras e ajudaram-no a abrir o coração. Eu só fiquei balançando meu cajado sem realmente entender o que significa ter autoridade.

Não havia peso, dignidade ou graça nas minhas ações ou palavras. Sem essas qualidades, tudo que eu fizesse seria superficial, por mais sincero que fosse.

—Sem dúvida —retrucou Brod. —Você mal tem vinte anos. Pessoas como nós já viveram o dobro da sua vida, e você tá se comparando a nós? Quer que as pessoas te levem a sério? Então peça ajuda. Aprenda com os outros e absorva conhecimento. Caso contrário, vai acabar só mais um fracassado gritando ao vento.

—É verdade, jovens cometem erros —acrescentou Galba. —Mas a vida não é tão simples a ponto de esses erros definirem quem você é. Ninguém encontra o sucesso por acaso. Acho que o que você precisa fazer é aprender com essa experiência e crescer.

—As palavras têm peso, e esse peso vem da vida de quem as diz. Experiência —continuou meu mestre. —Você não precisa agir como se fosse maior do que realmente é. A única pessoa que você precisa impressionar é a si mesmo. Viva, lute, cresça. Esse é o caminho, mas nem sempre seguir em frente é a resposta. Às vezes, você precisa parar, e é nesse momento que deve contar conosco. Nenhum de nós é perfeito, nenhum de nós é igual, mas estamos aqui uns para os outros, mesmo que não possamos tomar as decisões difíceis por você. No momento em que sentir que está escorregando, venha até nós, e nós vamos te colocar de volta nos trilhos. Nem pense em carregar tudo sozinho. Entendeu?

Fiquei emocionado. Simplesmente emocionado.

—O que ele disse. Agora experimente minha nova invenção! —interrompeu Gulgar.

—Isso tem um... cheiro único —fiz uma careta. —Espera, pra onde todo mundo tá indo?

Eu não via conexão entre nossa conversa e a oferta de Gulgar. Como se eu tivesse escolha, embora gostasse de fingir que tinha.

—Luciel, será que pode ser rápido? Meu nariz não aguenta mais —gemeu Galba, visivelmente sofrendo. Ele só podia culpar o próprio irmão.

—Come logo isso, ou vou te arrebentar na nossa próxima luta! —gritou Brod.

Isso era pura maldade. A diferença entre nós era de quase quatrocentos níveis!

—Provavelmente tem gosto de lixo, mas tá bom. Se você conseguir, te dou a receita secreta lendária deixada por um dos chefs mais famosos do mundo!

Eu não era páreo para esses três e nunca seria, então me calei e comi a droga do doria (um prato de arroz cremoso assado, misturado com a substância que eu mais odiava). Nunca antes eu tinha visto minha vida passar diante dos meus olhos depois de comer alguma coisa. Até aquele momento.

—Enfim... —me recompus. —Vocês investigaram aquela maldição que eu mencionei, a que está sobrescrevendo brasões? Alguma pista sobre quem pode ser nosso misterioso culpado?

Galba me olhou com uma sobrancelha levantada.

—Do que você tá falando?

—Bottaculli foi esfaqueado pelo próprio mordomo. Você não se lembra?

—O quê? Isso é ridículo. Você deve estar se sobrecarregando.

—Mestre, você sabe do que estou falando, certo?

—Desculpa, mas não tem como o Galba não ter ouvido algo assim —resmungou ele. —Por que você tá trazendo esse assunto de volta?

Porque eu sabia que isso aconteceria. — Digo, ele foi esfaqueado por um dos próprios escravos.

— Sim, mas foi um acidente. O escravo caiu da escada com uma faca na mão, só isso — disse Galba.

Não havia mais dúvidas. As memórias deles haviam sido alteradas.

— Falando em coisas sombrias — Gulgar interrompeu —, ouvi dizer que aquela recepcionista de cabelos negros pediu demissão da Guilda dos Curandeiros.

— Sim, ela pediu — respondi. — Disse que queria tentar a vida como aventureira na Cidade Santa. Parece que conhece alguém por lá.

Kururu havia se apegado bastante à Estia, então não ficou muito feliz com a ideia de deixá-la partir. Foi preciso bastante convincês.

— Quase parece que ela está na cola de Bottaculli ou algo assim — comentou meu mestre.

— Só não contem para minha equipe, beleza?

A atitude polida e gentil de Estia era completamente diferente das Valíquirias, mas, mesmo assim, ela havia sido uma peça essencial para manter nosso moral elevado.

— Ah, eu treinei elas direitinho. Elas vão se tornar algo de verdade quando aprenderem a trabalhar melhor juntas.

— Agradeço a ajuda. Agora, vou sair mais cedo. Quero passar no orfanato.

— Vamos fazer isso de novo alguma hora, hein?

— Com certeza.

Eu gostava de beber com todos, não me entenda mal, mas minha mente estava girando com esse misterioso alterador de memórias.

Caminhei pela estrada iluminada pela lua até a mansão de Bottaculli, agora transformada em orfanato. Os fundos arrecadados com a venda de seus bens haviam sido usados para recomprar o máximo possível das pessoas que ele escravizou, mas muitas estavam além do nosso alcance. Nosso único consolo era termos dado um lar para as crianças que conseguimos resgatar.

Os leais da Igreja também haviam distribuído diretrizes adicionais para curandeiros autônomos. Quanto a mim, ainda estava me acostumando com o embaraço de ver meu nome em um artigo de jornal. No entanto, isso me deixava esperançoso quanto ao futuro da percepção do público sobre os curandeiros. Quem sabe um dia víamos mais curandeiros atuando nas Guildas dos Aventureiros.

As clínicas de Merratoni agora estavam todas operando sob minhas diretrizes e cobrando seus serviços adequadamente. E, apesar de ter levado uma bronca via arclink por desviar a renda da guilda para criar um fundo de resgate de escravos, eu tinha orgulho das mudanças na cidade e da melhora na relação entre o povo e os curandeiros. Grande parte disso havia sido causada por indivíduos e ideias além de mim, e toda essa experiência acabou se tornando um grande experimento humano (e de bestiais), destacando nossas diferenças, nossas semelhanças e nossas dificuldades em nos compreendermos.

Isso me trouxe lágrimas aos olhos ao pensar em todos aqueles que, com certeza, machuquei, ou pelo menos incomodei, com minha incompetência, mas que ainda assim falavam comigo com bondade. Eu queria aprender a ter orgulho de mim mesmo um dia. A acreditar em mim do jeito que os outros acreditavam.

Lembrei-me de como meu peito começara a doer ultimamente sempre que abria mapas de qualquer tipo. Como se os Dragões Eternos estivessem me chamando, convocando-me para suas prisões. Mas eu mal conseguia lidar com minha vida no momento, muito menos caçar labirintos. Conquistar outra masmorra, muito menos matar dragões, com a pouca força que havia adquirido desde meu primeiro encontro, era um sonho distante.

Ainda assim, a dor estava lá.

Suspirei. Pobres dragões. Se ao menos eu fosse mais sábio, mais ousado ou mais corajoso, talvez pudesse ser o herói que o Dragão Sagrado precisava que eu fosse. Por que ele me escolheu, afinal?

Eu não ia encontrar a resposta para essa pergunta. Tudo o que podia fazer era rezar para que o caminho que escolhesse daqui para frente fosse o certo. Então tomei uma decisão. Viver uma vida pacífica e morrer de velhice não era mais meu único objetivo. Eu queria salvar pessoas do sofrimento, resgatar todas as vidas que pudesse, e, para isso, precisava viajar pelo mundo. Estava pronto.

Meses passaram, minhas diretrizes foram transformadas em lei, e todas as guildas e clínicas do mundo aprenderam as novas regras.


Tradução: Carpeado
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