Nageki no Bourei wa Intai shitai | Let This Grieving Soul Retire Volume 04 – Capítulo 4 [Férias Divertidas]



Nunca em sua carreira como caçador Arnold havia visto um bando de monstros tão grande reunido em um só lugar. Havia mais olhos brilhantes do que qualquer um poderia contar. O cheiro de feras e sangue era carregado pelo vento. A maioria eram orcs, mas havia muitos outros monstros misturados no meio.

Os mustangs bem treinados relinchavam de medo. Chloe e todos da Scorching Whirlwind estavam pálidos como fantasmas. Quem poderia culpá-los? Mesmo para os caçadores experientes da Névoa Caida, aquilo era uma reunião de monstros maior do que qualquer outra que já tinham visto.

Em circunstâncias normais, um único grupo nunca se depararia com um bando dessa escala. Pelo menos ninguém estava fugindo. Uma personificação do caos, os monstros atravessavam a planície como uma onda gigante. Eles pisoteavam uns aos outros e se moviam como se algo os estivesse atraindo.

— Eles ficaram completamente insanos. Foi algum feitiço? Ou algum tipo de droga? — especulou Eigh.

Mas não era hora de se preocupar com a causa. Os companheiros de Eigh formaram uma formação defensiva, e um Magus começou a entoar a magia mais poderosa que conhecia.

A Nevoa Caída era um grupo especializado na caça de monstros grandes e a maioria dos seus membros era treinada para combate corpo a corpo; eles não tinham Magi capazes de lançar feitiços de ampla área. Todos pareciam prontos para morrer, mas essa determinação era desnecessária. Eles iriam lutar e vencer, como sempre faziam.

— Não vamos conseguir protegê-los — disse Arnold para Rhuda e os outros. — Vocês terão que cuidar de si mesmos.

Sua espada era feita dos ossos do Dragão do Trovão que haviam derrotado. Ele apertou o cabo, e a lâmina estalou com eletricidade, quase como se ainda se lembrasse de quando fazia parte de um dragão.

Equipamentos feitos com partes de monstros que possuíam magia poderosa exibiam algumas das mesmas habilidades que os monstros possuíam. A espada de Arnold, a origem de seu apelido "Trovão Retumbante", era um dos melhores exemplos disso. Empunhando uma arma digna de um Matador de Dragões, os orcs não passavam de meros incômodos, independentemente do número.

— Arnold, dê uma olhada — disse Eigh com os ombros trêmulos e um sorriso tenso. — Os monstros estão cobertos de ferimentos. Talvez estejam fugindo dele.

Os orcs não eram completamente estúpidos, mas também eram selvagens e imprudentes. Um bando tão grande não fugiria de qualquer coisa. Isso tornava a tarefa de expulsá-los de seus fortes difícil. Mas esse fato apenas dava mais credibilidade à sugestão de Eigh.

Arnold sabia melhor do que qualquer um que um caçador de Nível 8 não podia ser compreendido por meio do senso comum. Ele também sabia que caçadores poderosos salvando cidades era um acontecimento frequente.

— Aquele homem, o que ele fez?

Como ele os expulsou do forte? E se ele fez isso, por que não os matou todos? Expulsá-los era preferível a enfrentá-los em seu forte, mas um bando descontrolado de orcs representava um perigo para viajantes.

Não havia tempo para pensar mais nisso. O Magus lançou uma saraivada de bolas de fogo que atingiu os orcs em cheio, mandando uma dúzia deles para trás. Mas o bando não parou.

Arnold notou um frasco de poção quebrado. Deve ter sido deixado por um viajante. Ele tomou sua decisão, quase como se fosse encorajado pelo objeto descartado. Era um item valioso que estava prestes a usar, mas não era momento para hesitação. Como líder, era sua responsabilidade assumir a linha de frente e abrir caminho.

Do cinto, puxou uma poção que aumentava suas habilidades e a bebeu de uma só vez. Seu interior tremeu, e uma força quente percorreu seu corpo em torno do coração. Uma sensação de poder absoluto acalmou seus nervos.

O bando de orcs viu Arnold e detectou sua imensa quantidade de mana, mas ainda assim não parou. O som era semelhante a um terremoto. Partículas de terra levantadas no ar reduziam a visibilidade.

Arnold jogou o frasco vazio de lado, posicionou-se na linha de frente e gritou com uma voz trovejante enquanto faíscas elétricas dançavam ao seu redor.

— Muito bem! Vocês vão perceber que não é o Mil Truques que devem temer, mas sim a mim, o Trovão Retumbante!

— Você! — disse uma voz estranha.

Arnold ergueu sua espada acima da cabeça e bloqueou um ataque repentino. O cheiro de um monstro invadiu seus sentidos. Olhos dourados, sanguinários e injetados de raiva encararam-no de perto. A eletricidade que envolvia sua lâmina queimou o corpo da criatura, mas ela não se moveu nem um centímetro.

Let This Grieving Soul Retire! Volume 4 12 Online em Português PT-BR

 Era um orc, um incomum coberto por uma armadura negra. Ele se erguia acima da média dos orcs, sua pele escura estava coberta de cicatrizes, e seu olho esquerdo havia sido perdido. A grande espada que segurava era grosseira, mas bem cuidada, e claramente não era uma arma comum, pois resistira a um golpe do Raio Impactante. Mas o que realmente o diferenciava dos outros orcs era o brilho de inteligência em seus olhos.

Era excepcional, um fora da curva, um monstro que naturalmente superava os de sua espécie. Cada um de seus ataques carregava peso, sua força impressionante deixava claro que um caçador mediano não teria a menor chance contra ele.

Ousado o suficiente para enfrentar um caçador de Nível 7 e com força para sustentar esse confronto. Sem dúvida, este era o líder do bando. Diante de um oponente tão forte, Arnold reuniu sua força e brandiu sua espada. Se derrotasse o chefe, talvez o bando recuasse? Não, eles claramente estavam fora de controle. A horda de orcs e outros monstros era contida pelos outros caçadores.

O orc de pelo negro deu um grande passo para trás e gritou, espalhando saliva por toda parte. Sua fala era fragmentada, mas seus sentimentos intensos eram claros.

— Este cheiro, medo, animosidade. Este cheiro, não para. Traiçoeiros. Poção estranha, este é o jeito dos humanos!

Do que ele estava falando? Dúvidas flutuaram na mente de Arnold, mas ele não estava em posição de esclarecer os fatos. Diante dele estava um monstro que o atacara, e sua única opção era revidar.

Ele bloqueou outro golpe. De novo e de novo, suas lâminas se chocaram, e Arnold confirmou suas suspeitas. O orc à sua frente não era como os outros, mas ele ainda era o mais forte dos dois. Por uma pequena margem, tinha a arma superior, mais força física e melhor controle de mana. Com a poção o fortalecendo, não havia como perder.

O rosto do orc se contorceu em choque; provavelmente nunca havia lutado contra alguém tão forte, alguém melhor que ele. O orc saltou para trás. Arnold imediatamente seguiu com outro ataque, relâmpagos envolveram sua espada e dispararam para frente. Impassível diante do golpe, o orc começou a se mover. O raio seria o suficiente para acabar com um oponente mais fraco, mas nem mesmo a pele queimada foi capaz de detê-lo.

Seu avanço era um movimento feito apenas por aqueles dispostos a morrer, um ataque realizado com a intenção de eliminar o inimigo, mesmo que isso custasse a própria vida. Arnold hesitou por um instante; não esperava que o orc fizesse tal jogada. O orc não ia golpeá-lo.

Isso não era bom. Arnold tentou avançar, mas percebeu que não chegaria a tempo. A lâmina do orc estava apontada diretamente para Chloe e os monstros que ela enfrentava. Ela percebeu a investida do orc, mas sua força era equivalente à de um caçador de alto nível; ela não conseguiria se defender contra aquele ataque.

Era inútil, Arnold não chegaria a tempo. Os olhos de Chloe se arregalaram. A lâmina gigante desceu, prestes a atingir seu crânio—

Línguas de fogo caíram do céu e envolveram o orc. Foi algo quase catastrófico—mais de uma, mais do que uma chuva de chamas se abateu sobre os monstros, incinerando-os por completo. Não havia dúvida de que aquilo não era um fenômeno natural. O fogo engoliu os campos, transformando instantaneamente a área em um inferno. Os gritos de agonia dos monstros ecoaram pelo calor e pelos pilares de fumaça.

É claro que Arnold e seus companheiros também não saíram ilesos. Alguém deve ter erguido uma barreira, pois eles foram parcialmente protegidos do calor. No entanto, a luta havia terminado.

— O que foi isso?! — um deles gritou.

Olhando para o céu escuro da noite, chamas azuis brilhantes flutuavam no ar.

***

Era um milagre estarem vivos. Mesmo no dia seguinte, os acontecimentos daquela noite pareciam nada menos do que um pesadelo. Ainda assim, certas coisas eram esperadas de um caçador de primeira classe.

— Meu Deus, pode ter sido uma infelicidade para você, mas acho que ninguém discordaria que foi uma grande sorte para nós — disse o rechonchudo prefeito de Gula. — Que coincidência termos um caçador de Nível 7 nos visitando.

Arnold concordou, embora não tenha demonstrado em sua expressão. No centro da cidade ficava a prefeitura, e ali, em uma sala reservada para convidados especiais, estavam Arnold e seu grupo.

O prefeito e seus subordinados exibiam expressões radiantes—o completo oposto dos caçadores. Eles haviam sobrevivido a duas jornadas consecutivas pelo inferno e seu cansaço era evidente, impossível de esconder. A Chama Cortante era o grupo menos experiente, e mais da metade de seus membros dormia profundamente. Chloe também havia se recusado a comparecer.

Arnold se recostou em um luxuoso sofá.

— Derrotar um bando de orcs com tão poucos aliados ao seu lado… Você realmente faz jus ao seu nível — disse o prefeito, empilhando elogios. — Ouvi dizer que uma vez matou um dragão em Nebulanubes, mas agora também é um herói para esta cidade.

— Senhor prefeito, permita-me lembrá-lo de que enfrentamos muito mais do que apenas orcs.

— Ah, é verdade...

Os caçadores já haviam trocado suas vestimentas ensanguentadas e tratado seus ferimentos. No entanto, dentro de Arnold, ainda fervia uma fúria intensa, um espírito de luta incontrolável. O prefeito estava alheio a isso, mas os outros caçadores podiam ver em seus olhos que ele estava à beira de explodir a qualquer momento.

Caçadores de primeira classe se destacavam em muitas coisas, e uma delas era o controle sobre suas emoções. Mas toda vez que se lembrava do que aconteceu nos portões, a raiva quase tomava conta dele. Em momentos de fraqueza, sentia o desejo de largar tudo e continuar sua caçada, mas seus companheiros estavam feridos e ele não podia simplesmente abandonar Chloe, Rhuda e a Chama Cortante.

— Ouvi dizer que um elemental de fogo apareceu — disse o prefeito. Seus olhos estavam arregalados e sua voz tremia, como se estivesse diante de um herói incontrolável.

O prefeito estava certo, um havia aparecido. Arnold fechou os olhos e se lembrou claramente das chamas incandescentes queimando nos céus. Enquanto estavam presos em uma luta brutal contra orcs e outros monstros, um elemental apareceu. Sua força era comparável ao que haviam enfrentado no dia anterior. Era um elemental de fogo, ao contrário do de relâmpago, mas isso fazia pouca diferença.

Se isso fosse coincidência, então Arnold provavelmente estava enfrentando a pior sorte de sua vida. A única coisa que podia considerar como sorte era que Chloe havia sobrevivido. O brilhante elemental espalhou, de forma brincalhona, um manto de chamas sobre os orcs e caçadores e então simplesmente voou para longe.

Se quisesse, um alto-elemental poderia causar uma destruição que superaria até mesmo um Magus de primeira classe. Se ele tivesse continuado atacando, os caçadores teriam sido reduzidos a cinzas junto com os monstros. Mesmo que Arnold tivesse sobrevivido, era extremamente provável que muitos outros tivessem perecido.

A estrada e seus arredores haviam sido transformados em um incêndio. Qualquer um que passasse por ali encontraria a chocante visão de uma terra carbonizada coberta por uma pilha de cadáveres de monstros.

Uma careta se formou no rosto de Eigh, provavelmente lembrando-se da batalha.

— Que piada. Eu não conheço muito bem esta terra, mas elementais são tão comuns assim? Nunca encontramos dois em um intervalo tão curto — reclamou.

— Ah, não, de jeito nenhum... Os elementais de Zebrudia só podem ser encontrados nas profundezas da natureza selvagem. Caso contrário, estariam sob o comando de um Magus. Não me lembro de já ter visto um tão perto de um lugar tão...

— Ok. Eu entendi. Se fossem tão comuns, não haveria comércio por aqui, certo, Arnold?

Arnold assentiu, mas seus pensamentos já estavam em outro lugar. Estava preocupado em considerar como poderia se vingar do Mil Truques. A sequência de eventos e as palavras dos orcs deixavam claro que ele havia jogado os monstros contra Arnold e seus companheiros. A batalha havia terminado sem uma tragédia, mas o que ele fez ainda ia contra a ética dos caçadores. Mesmo que não fosse, ficar em silêncio mancharia o nome Relâmpago Estrondoso.

Arnold rangeu os dentes.

— Seja como for, os orcs que ameaçavam a cidade se foram e os danos foram mínimos — disse o prefeito com um sorriso exageradamente grande. — Não é um agradecimento suficiente, mas gostaríamos de expressar nossa gratidão. Claro, podemos oferecer alguma recompensa...

— Não — disse Arnold. — Partiremos imediatamente.

Os olhos do prefeito se arregalaram. Não era todo dia que se recebia a gratidão coletiva de uma cidade tão grande como Gula. Também era uma oportunidade para espalhar o bom nome da Névoa Caída e do Redemoinho Abrasador. Normalmente, Arnold teria aceitado a oferta de bom grado, mas a provocação da Sombra Partida o deixara agitado demais para aproveitar tal ocasião.

Mais do que isso, no entanto, o Mil Truques os havia visto cobertos de ferimentos. Manter o corpo em perfeitas condições era fundamental para a caça ao tesouro; até mesmo alguém tão astuto quanto o Mil Truques não esperaria que continuassem a persegui-lo. Em outras palavras, ele baixaria a guarda.

A prioridade máxima de Arnold era fazê-lo se arrepender de ter subestimado a Névoa Caída. O Mil Truques não estava viajando a pé, mas se Arnold partisse agora, ainda poderia alcançá-lo. Na verdade, precisava partir agora se quisesse alcançá-lo. Mesmo que o Mil Truques não cobrisse seus rastros, quanto mais tempo passasse, maior seria sua vantagem.

— Peço desculpas, mas tenho algo que preciso fazer. Não posso ficar muito tempo — disse Arnold com firmeza.

Os olhos confusos do prefeito se arregalaram. Ele olhou para Arnold, que estava carrancudo e mal conseguia conter sua raiva.

— Entendo — disse o prefeito. — Como um caçador de Nível 7, você deve não ter muito tempo para descansar. Você está no meio de uma missão, por acaso?

— A-Arnold, perseguir esses caras não vai ser fácil no nosso estado atual. Precisamos descansar, três de nós quase morreram ali atrás — sussurrou Eigh. — Estamos sem consumíveis e nosso equipamento está destruído. Mesmo os que estão em melhores condições ainda estão exaustos. Chloe, Rhuda, todos no Redemoinho Abrasador também estão no limite.

Embora tivessem conseguido sobreviver, serem atacados por uma horda de monstros enquanto ainda carregavam o cansaço de Elan os desgastou muito. A carruagem que haviam comprado logo após chegarem à capital estava quase inutilizável, seus cavalos foram mortos e suas armas e armaduras estavam seriamente danificadas. Mal estavam em condições de viajar, muito menos de lutar contra inimigos poderosos. O mesmo valia para Chloe e o Redemoinho Abrasador. Era quase um milagre que tivessem conseguido caminhar o restante do caminho até Gula.

O prefeito pareceu entender mal qual era o objetivo deles, pois assumiu uma expressão séria e disse:

— Permitam-nos ajudá-los no que for possível. Se precisarem de algo, podemos providenciar.

Reabastecer consumíveis e preparar uma carruagem poderia ser possível, mas a manutenção completa do equipamento seria difícil em uma cidade desse tamanho e levaria tempo. As medidas emergenciais que haviam tomado em Elan não seriam suficientes ali.

Na balança, Arnold pesou a vida de seus companheiros contra seus ferimentos, seu orgulho e seu futuro. Após alguns momentos de silêncio, ele estalou a língua e se virou.

— Droga. Façam o que puderem em dois... não, um dia. Eigh, comece o reabastecimento imediatamente. Pegue muitos consumíveis e uma carruagem grande. E cavalos melhores também. Vamos terminar isso logo.

Não importava para onde o Mil Truques tivesse fugido, Arnold tinha certeza de que o alcançaria e faria com que ele pagasse por tudo o que havia acontecido até agora. Mesmo depois de encará-lo nos olhos, o Mil Truques virou-se com indiferença. Em meio àquela multidão, a Sombra Contida gritou coisas humilhantes para eles.

A simples lembrança da visão de seu inimigo fez Arnold cerrar os dentes.

***


Do topo da carruagem, ouvi uma voz baixa e ligeiramente distorcida.

— Hm, parece que os perdemos. Não detecto nenhum perseguidor. Estamos viajando pela mesma estrada que eles, então acho que podem nos alcançar.

Eles provavelmente não estavam acostumados a falar de maneira polida, pois pareciam desajeitados. Ainda assim, soltei um suspiro de alívio. Ao meu lado, Liz cruzou as pernas e sorriu, genuinamente divertida.

— Viu aquilo? Viu, Krai Baby? O rosto dele ficou completamente vermelho — disse Liz, rindo. — Ele é só um Ladino de Nível 7 do interior e eu botei ele no lugar dele!

Eu queria que ela me desse um tempo. Se ela queria arrumar briga, era problema dela, mas por algum motivo além da minha compreensão, eu sempre acabava sendo o responsável. E ela estava provocando um Nível 7. Um Nível 7! Isso era mais alto que ela! Era alguém que eu não podia sequer me comparar, já que, na prática, eu era um caçador de Nível 1 (não existia Nível 0).

— Para de arrumar confusão — falei. — Você não devia estar fazendo isso, mesmo que fosse de alguma forma minha culpa que eles tivessem acabado lutando contra um bando de orcs. E não foi minha culpa.

— Muito bem, Krai. Não foi sua culpa. Foi graças a você — disse Sitri com um sorriso, apoiando Liz de um jeito estranho.

Não foi minha culpa e nem foi graças a mim. Foi azar deles e responsabilidade deles, assim como meu azar era minha responsabilidade.

Eu não tinha aliados nessa discussão. Se tivesse um, seria Tino, mas ela estava completamente exausta no momento.

— Você acha que eles vão vir atrás de nós? — perguntei.

— Imagino que sim — respondeu Sitri. — Se não vierem, estão faltando com algo essencial para um caçador.

Concordei com isso. Um bom caçador era como um bom cão de caça; uma vez que pegava um alvo, o perseguia para sempre e não desistia mesmo depois de um revés. Alguns bem irritantes estavam no meu encalço. Eu me perguntava como Arty havia resolvido as coisas com eles lá no café.

Parecia possível que continuassem me perseguindo, mesmo que Liz ou Sitri lhes dessem uma surra. Se fosse o caso, o jeito mais rápido seria matá-los, mas essa era a única coisa que eu queria evitar. Isso significaria o meu fim, não apenas como caçador, mas também como ser humano.

Não sabia o porquê, mas Sitri exibia um sorriso radiante, mesmo entendendo completamente a situação em que estávamos.

— Hm, no entanto, eles pareciam bem exaustos. Não me parece provável que nos persigam imediatamente — disse ela com uma voz que me fazia querer desistir de pensar e simplesmente relaxar.

Ela estava certa. Se tivessem vindo atrás de nós imediatamente, nos teriam alcançado antes de chegarmos à carruagem.

Eu consegui me acalmar um pouco. Do lado de fora da carruagem, Drink e Matadinho corriam junto conosco.

Caçadores precisavam se preparar bem antes de fazer qualquer coisa, e alguns membros do grupo deles estavam feridos. Nessas condições, eu não achava que tentariam enfrentar Liz.

Além disso, eu não via como poderiam saber para onde estávamos indo; as únicas pessoas que sabiam do nosso destino estavam na carruagem comigo. E estávamos escondendo nossas identidades com documentos falsos (mas reais). Talvez eu devesse ter escondido meu rosto com Forma de Miragem também. Estávamos em uma carruagem, o que significava que nossas rodas deixariam rastros. Mas essa era uma estrada, havia muitas marcas de carruagem.

Liz esticou as pernas e as balançou para frente e para trás, franzindo os lábios.

— Tô entediada. Vamos brincar de pega-congela?

Eu queria ter te congelado lá atrás. Arnold parecia querer esmagar minha cabeça como uma fruta. Tenho certeza disso.

A cabeça de Tino oscilava de um lado para o outro enquanto ela me olhava com os olhos inchados. Ela estava no limite.

Tomei minha decisão. Não parecia nada provável que pudéssemos ser pegos, mas decidi tomar as precauções possíveis. Abri o mapa. Inicialmente, planejei seguir por estradas seguras e passar por várias cidades a caminho do Palácio da Noite. Afinal, eu não estava com pressa e considerava a segurança minha maior prioridade.

No entanto, se estávamos sendo perseguidos, teríamos que mudar nossa rota. Mesmo que fosse difícil para nossos perseguidores nos alcançarem, ainda era possível enquanto estivéssemos apenas seguindo a estrada. Então, decidi que pegaríamos um atalho. Sair da estrada aumentaria nossas chances de encontrar monstros, mas tínhamos Liz, Sitri, Drink, Matadinho e os contratados de Sitri conosco. Enfrentar monstros parecia melhor do que me preocupar com um caçador de alto nível.

— Droga, queria que Ark tivesse vindo junto. Aquele dandy nunca está por perto quando eu preciso dele. Talvez ele não goste de mim? — murmurei. Qual era o ponto de ser o mais forte da capital se ele não podia me ajudar?

Minhas reclamações fizeram a autoproclamada rival de Ark, Liz, inflar as bochechas, fazendo-a parecer ainda mais infantil que o normal.

— O quê, eu não sou boa o bastante pra você, Krai Baby? Se não sou, é só falar! Você sabe que eu te amo.

— Não, você é ótima, sí, mais do que o suficiente. Bem forte — respondi. — Muito bem, hora de mudar de curso. Não vamos mais seguir pela estrada!

Os olhos de Liz brilharam e ela se inclinou para frente com um sorriso largo.

Você vai ver, Arnold. Eu vou aproveitar minhas férias, não importa o quê. Vou te mostrar que eu posso fugir ainda melhor do que um Nível 8 (provavelmente).

***

Ele está falando sério? Black pensou. Sentada no banco do motorista, ela recebeu ordens que a fizeram duvidar momentaneamente de seus próprios ouvidos. Todas as ordens que recebera até agora tinham sido benignas. Não haviam encontrado nenhum monstro particularmente forte e, com exceção do primeiro dia, o clima tinha sido bom. O incidente de Drink fugindo foi preocupante, mas a quimera acabou voltando ao amanhecer, embora coberta de sangue. Ainda assim, era muito melhor do que o tipo de tratamento que ela esperava quando colocaram o colar nela.

As estradas geralmente eram seguras, pois os monstros tendiam a manter distância. Além disso, tinham a temível quimera ao seu lado. Nas raras ocasiões em que avistava um monstro, ele nunca se aproximava.

Mas sair da estrada aumentaria drasticamente o perigo potencial.

— B-Mas as montanhas Galest estão infestadas de... Digo, sua quimera é forte, mas é perigoso demais para nós entrarmos nessas montanhas com tão poucas pessoas — disse ela.

Uma janela se abriu, e uma garota sorridente colocou a cabeça para fora.

— E o que tem isso? — perguntou.

Sua pele impecável como porcelana e seus traços delicados poderiam tê-la tornado um alvo para Black e seus companheiros em outras circunstâncias, mas agora aquele sorriso parecia demoníaco.

A Cordilheira Galest atravessava as regiões do norte do império. Não era extremamente íngreme, mas havia linhas ley atravessando as montanhas e, fora das câmaras do tesouro, os monstros locais estavam entre os mais fortes de Zebrudia. Uma floresta se espalhava aos pés da cordilheira, e dizia-se que ali viviam monstros que não podiam ser encontrados em nenhum outro lugar.

— Existe um caminho, embora no sentido mais básico da palavra — disse Sitri. — As montanhas Galest não são nada comparadas a algumas das câmaras do tesouro que já limpamos no passado. Se despacharmos os monstros rápido, isso será um bom atalho. Além disso, já fizemos isso antes.

— Um ata...lho?

Inacreditável. Black abriu seu mapa e olhou para ele com os olhos arregalados. Atravessar as montanhas realmente seria um atalho. Deixar a segurança da estrada, passar pela floresta e depois pelas montanhas encurtaria a viagem em um ou dois dias. Mas também se poderia dizer que encurtaria apenas um ou dois dias.

Viajantes normalmente evitavam passar pelas montanhas Galest. Caçadores fortes o suficiente para abrir caminho por elas também as evitavam. O risco era alto demais e os benefícios muito baixos. Black, White e Gray confiavam em sua força e era possível que conseguissem atravessar, mas ainda assim preferiam evitar essas montanhas a todo custo.

— Qual é o nosso destino? Nosso destino final? — Black perguntou, apesar de sua surpresa.

Eles nem sequer sabiam para onde estavam indo. Até então, simplesmente haviam recebido ordens para seguir pela estrada e lhes foram dados os nomes de algumas cidades pelo caminho.

— Você precisa mesmo saber? Apenas siga. Isso foi decidido por Krai, pelo Mil Truques — Sitri Smart disse com um sorriso significativo.

***

— Eles não estavam aqui? — Chloe Welter perguntou ao oficial de admissão municipal. Essa não era a resposta que ela esperava.

— Correto. Verifiquei todos os registros e não encontrei os nomes que você pediu...

Toda entrada e saída de cada cidade em Zebrudia era registrada em um livro. Se alguém tivesse entrado ou saído de uma cidade, então era razoável presumir que seu nome havia sido anotado, e Arnold tinha visto o Mil Truques com seus próprios olhos. Isso não fazia sentido.

— Se um caçador de alto nível tivesse entrado em nossa cidade, teríamos solicitado sua ajuda. Em uma situação de emergência, não os teríamos deixado passar sem pelo menos tentar recrutá-los — disse o oficial.

— Entendo — Chloe respondeu.

Uma das funções dos soldados estacionados nos portões das cidades era identificar os visitantes com capacidade de combate. Eles teriam notado um caçador de alto nível passando por ali. Enquanto Krai Andrey frequentemente se disfarçava de civil, os outros membros de seu grupo não o faziam. Se não tinham sido parados nos portões, então isso significava que o Mil Truques estava intencionalmente escondendo sua identidade e, aparentemente, até usando uma identificação falsa.

O que diabos você está aprontando, Krai? Chloe se perguntou.

Falsificar a própria identidade era uma violação da lei imperial. Tornar-se um Caçador de Nível 8 vinha com privilégios especiais, e ele provavelmente não seria punido desde que tivesse um bom motivo para suas ações. No entanto, isso não tornava seu comportamento aceitável.

Inicialmente, ela deveria apenas acompanhar o Mil Truques e monitorar seu progresso. Mas, de alguma forma, as coisas tinham chegado a esse ponto. Ela soltou um suspiro profundo. Aquela batalha havia sido como uma cena do inferno. Embora um dia tivesse aspirado a ser caçadora, acabou se tornando funcionária da Associação dos Exploradores. Para alguém como ela, aquele tipo de batalha era inédito.

Ela deveria ter sido protegida, mas a situação não permitiu. Em vez disso, sacou sua espada e lutou por sua vida, abatendo vários monstros no processo. Mas então a morte veio até ela. O monstro negro como breu era mais do que apenas um orc superior. Quando aquela lâmina foi brandida contra ela, teve certeza de que seria seu fim. Foi um milagre que esse destino tenha sido evitado.

Apenas lembrar daquele momento fez um arrepio percorrer sua espinha. Arnold não tinha chegado a tempo para salvá-la — se não fosse pelo elemental de fogo, ela teria perecido.

O elemental de fogo era azul, um indicativo de que era excepcionalmente forte. Assim como seus equivalentes elétricos, elementais de fogo eram seres elusivos e pouquíssimas pessoas em Zebrudia podiam comandar um. A única pessoa que veio à mente de Chloe foi o Inferno Abissal, o mestre do clã Maldição Oculta e um dos três Níveis 8 da capital. No entanto, ele deveria estar na capital, e Chloe não havia visto nenhum sinal de sua presença nas proximidades.

Arnold havia dito que era um milagre ninguém ter morrido, mas Chloe não tinha tanta certeza. Ela viu o elemental carbonizar tanto a matilha de orcs quanto a Névoa Caída. Ela e o Furacão Escaldante nem sequer foram alvos. Talvez tenha sido apenas coincidência, mas, se fosse, era uma coincidência que os salvou de queimaduras graves.

Ela não sabia o motivo ou a razão para terem sido poupados. Claro, também não tinha provas. Nem tinha evidências que explicassem o que expulsou os orcs de seu forte, por que os monstros correram em direção a eles ou quem enviou o elemental de fogo. Nada. Tudo o que possuía eram fatos sem um significado claro. Ela não sabia se deveria defender o Mil Truques ou se juntar ao Relâmpago Retumbante em sua busca por vingança.

Na estalagem, todos do Furacão Escaldante estavam completamente exaustos. Isso era o que acontecia quando você mal escapava da aniquilação. Gilbert e Rhuda não estavam tão mal quanto os outros, mas a exaustão ainda estava estampada em seus rostos.

— Você só pode estar brincando. A Tino passa por esse tipo de coisa toda vez?

— A Toca do Lobo Branco foi ruim, mas isso...

Eles nem tinham energia para ficarem bravos. O que era perfeitamente compreensível; aquela batalha não era algo que a maioria dos caçadores intermediários conseguia enfrentar. Apenas porque os outros caçadores aliviaram sua carga que Chloe ainda conseguia se mover.

Mas eles não podiam se separar agora. Arnold ainda planejava ir atrás de Krai e ela ainda não tinha completado seu objetivo. Parecia que teriam que permanecer juntos por um tempo. Depois de pensar um pouco, ela forçou um sorriso e entrou no quarto. Caçadores de tesouros realmente tinham uma vida difícil.

***

Existem lugares tão perigosos que devem ser evitados a todo custo. No topo dessa lista estão montanhas e florestas que não pertencem a nenhum estado. Pelo menos, para viajantes normais. Caçadores de tesouros aventureiros tendem a esquecer disso.

Áreas atravessadas por linhas ley , as veias por onde flui o material de mana, são especialmente ricas em recursos valiosos. Como são habitadas por monstros poderosos e fantasmas, os itens recuperados dessas regiões costumam ter preços elevados.

A Cordilheira de Galest, no extremo norte do império, era um desses lugares perigosos que os humanos evitavam. A estrada quase inexistente era antiga e não recebia manutenção há muito tempo. Era estreita demais, mal permitindo a passagem de uma única carruagem. Além disso, mesmo dentro da carruagem, eu podia sentir o quão irregular era o terreno. Quase não era usada.

Enquanto era balançado de um lado para o outro, eu afastei minha mente da realidade ponderando sobre a ideia de que essa trilha poderia desaparecer um dia, assim como tudo desaparece.

Gritos altos ecoavam lá fora. As cortinas estavam fechadas, então eu não conseguia ver, mas podia ouvir os rugidos horríveis e os gritos dos monstros, além de sentir a carruagem balançar. Os relinchos dos cavalos se misturavam com algum tipo de som metálico. Drink uivava e Matadinho parecia empolgado.

Liz estava deitada, esfregando a barriga com um sorriso preguiçoso.

— Ei, Krai querido, o que eu devo dizer para aqueles caras da próxima vez? O que vai deixá-los realmente furiosos? O que vai fazer eles voarem pra cima da gente de raiva? Vamos pensar nisso!

— Ah, é mesmo, Krai — disse Sitri. — Ouvi dizer que há um ogro errante vivendo nas montanhas de Galest. Mas não passa de um rumor. Poucos encontraram um e sobreviveram para contar a história. No entanto, esses rumores podem ser o motivo de tão poucas pessoas passarem por aqui.

Eu também poderia mencionar a razão pela qual caçadores de tesouros tendem a esquecer os perigos das florestas e montanhas: eles estão sempre limpando relíquias, alguns dos lugares mais traiçoeiros que existem. Suponho que monstros, que ao menos deixam para trás carne lucrativa quando mortos, sejam preferíveis a fantasmas, que se manifestam quase sem fim e não deixam nada. Faz sentido, mas acho que ambos exigem cautela.

Eu sabia que não conseguiria convencer Liz, então olhei para Sitri e tentei mudar o assunto de suas ideias aterrorizantes.

— Ei, ah... vamos ficar bem? — perguntei.

— Vamos. Acho. Não estamos muito longe da floresta, sabe. Algo te preocupa? — respondeu Sitri.

— Huh. Não, se você acha que está tudo bem, então isso já basta.

— Esta também é uma boa oportunidade para o treinamento de combate de Drink! Eu estava bastante incerta sobre quando começar. Na sede do clã, pude deixá-lo treinar contra humanos, mas tive dificuldade em encontrar uma boa chance para fazê-lo lutar contra monstros. Orcs são covardes e não serviriam de nada, mas os monstros agressivos das montanhas de Galest são um desafio perfeito!

— Ah. Então aquele sangue... era sangue de orc?

— Sim! Drink adora carne de orc! Estar de barriga cheia parece tê-lo deixado de muito bom humor! — Sitri disse, batendo as mãos alegremente.

Aparentemente, quando nos encontramos com a carruagem e vimos Drink e Matadinho cobertos de sangue, era porque tinham acabado de devorar orcs. Me pergunto se talvez eles tenham atacado a matilha de orcs que fugiu do forte. Nem todos conseguiriam fazer isso e voltar inteiros.

Estamos encontrando muitos monstros. Engraçado pensar que não encontramos nenhum no caminho até aqui. Não que eu queira impedir Drink de treinar, mas não são monstros demais?

A única pessoa que talvez compartilhasse esse sentimento era Tino, que olhava para baixo e segurava os joelhos. Ela não me encarava e seus únicos movimentos eram os tremores da carruagem. Os gritos constantes e os sons de batalha não deviam estar fazendo bem para sua paz de espírito. Tudo que eu podia fazer era fingir calma.

As montanhas de Galest pareciam ter muito mais monstros do que eu imaginava. Além disso, eram monstros ferozes, que viam Drink e ainda assim nos consideravam presas.

— Há muito mais monstros do que eu previa — Siddy disse com um sorriso. — Talvez isso seja um sinal de que algo muito mais forte pode aparecer!

Você parece feliz com isso.

A carruagem parava de repente de tempos em tempos e, julgando pelos gritos lá fora, parecia que não tínhamos guardas o bastante. Eu já esperava ataques de monstros—talvez não tantos assim, mas ainda era uma possibilidade que eu havia considerado. O que eu não esperava era...

Olhei para Liz, rolando de um lado para o outro e descansando a bochecha nos meus joelhos. Olhei para Sitri, seus olhos brilhando de empolgação. Olhei para Tino, abraçando os joelhos e completamente em seu próprio mundo.

Por que vocês três não estão ajudando?

Escolhi a rota da montanha porque não achei que os monstros fossem um problema. Afinal, tínhamos não apenas Drink, Matadinho e os mercenários da Sitri, mas também Liz, Sitri e Tino. Normalmente, Liz estaria louca para se jogar na batalha.

Eu ia perguntar quando elas planejavam sair para lutar, mas perdi a chance. A carruagem sacudiu violentamente e ouvi rugidos e xingamentos altos. Mesmo que fôssemos os clientes, achei que Black, White e Gray estavam sendo tratados de forma bem cruel. Talvez os termos do contrato deles não tivessem sido preto no branco o suficiente?

Hesitei por um momento antes de criar coragem e perguntar algo para Sitri.

— Ei, Sitri, sobre o que está acontecendo lá fora...

— Ah, sim. O treinamento de combate e as refeições do Drink estão sendo realizados junto com meus testes de capacidade para aqueles três. É incrivelmente eficiente! Eu queria descobrir como Matadinho e Drink operam em conjunto. Você sempre me surpreende, Krai!

Ela parecia envergonhada ao dar essa resposta bizarra. Talvez essa fosse a mentalidade correta para um Alquimista, e eu sabia que eles valorizavam eficiência, mas ainda assim achei um pouco exagerado. Drink e Matadinho provavelmente ficariam bem, mas não achava que os mercenários dela teriam a mesma sorte.

— Eu poderia suportar perder Matadinho, mas e se seus mercenários morrerem?

— Hm? Uhm...

Claro, a morte e os caçadores nunca estavam muito distantes, mas isso não significava que essa ideia fosse boa. Confusa, Sitri pensou por alguns segundos. Colocou um dedo nos lábios e inclinou a cabeça.

— Eu... procuro mais?

— Acho que você não entendeu a pergunta.

— Hã? P-Perdoe-me. Uhm, você está sugerindo que há outro uso para eles?

Que tipo de lógica era essa?

Desviei o olhar e encarei Liz, que continuava deitada na carruagem. Seus olhos cor-de-rosa claros me olharam com curiosidade. Ela estava vestindo sua roupa de combate habitual, Apex Roots, equipada nas pernas balançando para fora do assento.

— Hm? O que foi? — ela perguntou. — Ah, quer esfregar minha barriga? Aqui.

Ela passou o dedo pelo abdômen exposto, mas eu recusei participar dessa palhaçada.

Fui direto ao ponto.

— Liz, você não quer lutar?

— Mmm, claro que quero. Ficar sem fazer nada assim me faz sentir que vou amolecer.

Então por que—

Ainda deitada, Liz levantou a cabeça com um sorriso e a apoiou no meu colo.

— Mas — ela disse — eu consigo me segurar. Você proibiu violência nessa viagem, certo? Olha como estou me comportando bem. Eu sou incrível? Não sou incrível?

Ah, é mesmo.

Finalmente lembrei do que eu tinha dito alguns dias atrás. De fato, proibi a violência e o treinamento, mas isso era para termos umas férias divertidas. Convidei Liz e as outras porque queria que elas se divertissem. Mas também as queria como proteção.

Tive minhas dúvidas, mas, do jeito que as coisas iam, Black, White e Gray iam acabar mortos. Eu tinha que dizer.

— Uhm, a proibição não vale para lutar contra monstros.

— Hã?

Quando bani a violência, quis dizer violência contra humanos. Na verdade, só queria evitar que elas arrumassem briga. Só tentei impedir que arranjassem confusão com civis, caçadores ou aprendizes. Claro, queria que evitassem qualquer perigo desnecessário. Mas parecia contraproducente deixá-las deitadas na carruagem enquanto a defesa era deixada para alguns mercenários contratados que (muito provavelmente) estavam em desvantagem.

Além disso, Liz, você provocou Arnold antes, lembra? Isso foi violência verbal.

Os olhos de Liz se arregalaram. Até Sitri pareceu surpresa, uma expressão rara para ela.

Talvez fosse minha culpa por não ter deixado isso claro o bastante, mas era óbvio que— Hã? Liz achava que eu estava dizendo para ela nem sequer reagir caso monstros a atacassem? Não pode ser. Ela achava que eu era algum tipo de sádico?

Tino levantou a cabeça e me encarou. Deixei de lado minhas autocensuras e falei com um tom firme.

— Exterminar monstros não é violência, é só se livrar do que está no caminho. Não é?

A carruagem balançou violentamente, quase como se reforçasse meu argumento.

— Eu te amo, Krai Baby! — Liz disse com os olhos brilhando. — Já voltooooo!

Ela devia estar se segurando muito. Saiu voando pela porta, esquecendo-se completamente de levar Tino junto. A força da saída fez a carruagem derrapar no chão. Em seguida, veio uma enxurrada de gritos tão grosseiros quanto os xingamentos anteriores.

— Ei, seus merdas! Saiam da frente, isso aqui não é hora de amadorismo! Só protejam os cavalos, cacete!

— Desculpe, Krai — Sitri disse, um pouco envergonhada. — Lizzy estava, bem... segurando muito estresse.

Os sons lá fora ficaram ainda mais intensos. Também ouvi os gritos dos mercenários da Sitri. Liz devia estar indo com tudo.

Bem, fui eu quem deu essa ordem esquisita...

— Ah, eu também posso sair? — Sitri perguntou. — Gostaria de observar o progresso do Drink e talvez coletar alguns ingredientes. Existem recursos raros que não consigo pegar quando você está por perto.

— Claro, vai lá.

Sitri inclinou a cabeça em agradecimento e saltou para fora com a mesma energia de Liz. Me perguntei que tipo de material ela não conseguia coletar na minha presença.

Imaginei que as coisas fossem se acalmar logo. Soltei um bocejo e meus olhos encontraram os de Tino.

— Mestre, é agora que a verdadeira batalha começa? — ela perguntou, pálida.

— Hm? Não, não tem batalha nenhuma acontecendo — eu disse. — Certo, Tino, talvez você devesse dormir um pouco. Pode precisar do descanso.

— Tudo bem... — ela respondeu com a voz trêmula, abraçando os joelhos e fechando os olhos.

Me perguntei se ela realmente conseguiria descansar assim.

A batalha se intensificava, mas estávamos completamente seguros dentro da carruagem. Eu ouvia cada vez menos Black, White e Gray, e cada vez mais os rugidos de Liz e as ordens de Sitri. Talvez fosse só minha imaginação, mas a carruagem parecia estar acelerando.

Na próxima parada, chegamos a uma bifurcação que dividia a estrada para a esquerda e para a direita. Um dos caminhos levava a um trecho acidentado que, sendo generoso, poderia ser chamado de trilha. O outro estava coberto de ervas daninhas, mas parecia receber algum nível de manutenção.

— Krai, para onde vamos? — perguntou Sitri do lado de fora.

Era sempre meu trabalho tomar as decisões. Coloquei a cabeça para fora, dei uma olhada e apontei para o caminho relativamente limpo. É claro que eu fiz isso. Eu não ia escolher a trilha acidentada, que tinha árvores caídas que precisaríamos remover do caminho. Sitri me deu um sorriso puro e direcionou seus ajudantes.

Seguimos pela trilha solitária. Se não fosse pelos monstros, as árvores abundantes e o cheiro fresco da natureza teriam sido um alívio para mim depois de passar tanto tempo na capital. Infelizmente, era perigoso, então eu não podia ficar com a cabeça para fora da janela. Eu tinha meus Anéis de Segurança, mas ainda assim não queria ser atacado de surpresa.

Parece que, pela primeira vez, tomei a decisão certa, já que a taxa de aparição de monstros caiu drasticamente. Não que eu me importasse com o motivo, mas talvez eles estivessem com medo da Liz.

Sitri voltou para dentro da carruagem. Suas bochechas estavam coradas de empolgação, e ela exibia orgulhosamente uma presa negra de aproximadamente trinta centímetros, coberta de sangue e pedaços de carne.

— Olha, Krai! É a presa de um troll de classe general! Mesmo nas grandes montanhas de Galest, é difícil encontrar um exemplar tão valioso! Esses trolls são violentos e problemáticos até para caçadores, então você quase nunca encontra esses itens no mercado. Normalmente, eles vivem no interior da floresta, mas este veio até nós. Já era um velho, mas ainda assim, que sorte! Dá para ferver, cozinhar, triturar... é uma relíquia incrível!

Trolls eram monstros Sapiens, assim como goblins e orcs. Eram uma das variedades mais fortes de Sapiens, possuindo força, tamanho, resistência e poderes regenerativos excepcionais. Eu não sabia que havia trolls nas montanhas de Galest, mas não era algo tão surpreendente, já que eles viviam em florestas. E, se encontramos um troll, era pouco provável que encontrássemos outros viajantes.

Tino abriu os olhos levemente e recuou ao ver a presa... ou talvez fosse a empolgação da Sitri. Sitri colocou a presa cuidadosamente dentro de uma bolsa de couro e veio até mim. Ela sorria de orelha a orelha, como se estivesse de férias.

— Então, Krai, o que será que vamos encontrar no fim desta trilha?

— Hã?

— Não, não me diga! Já tenho uma ideia! Se for esperto o bastante para criar um caminho falso como parte de uma armadilha, então deve ser um monstro bem avançado! A quantidade de monstros diminuiu, então eu diria que seu território é bem grande...

Hã? O quê? Do que ela está falando? Isso é novidade para mim. Ela disse "falso". Este caminho é falso? Me avise essas coisas antes. Eu achava que essa trilha estava boa demais para um lugar supostamente intocado.

— No entanto, ele tentou esconder o outro caminho apenas com árvores caídas e alguns destroços, e este aqui está bem arrumado, então não deve ser muito inteligente. Talvez menos que um goblin? E isso não estava aqui quando passamos pela primeira vez indo para o Palácio Noturno, então provavelmente foi feito às pressas depois que passamos...

Menos que um goblin? Então o que isso faz de mim, que caí completamente na armadilha? E se isso não estava aqui na primeira vez que passaram, por que não me disseram antes? Não precisa proteger meus sentimentos.

O sorriso de Sitri era genuíno; não parecia que ela estava zombando de mim. No geral, eu teria preferido que estivesse.

— Bem, então — disse eu, forçando um sorriso. — Acho que é hora de dar meia-volta e pegar o outro caminho.

— Como desejar. Black, deem ré! Carruagens não dão ré? É difícil virar aqui? Bom, deem um jeito, é para isso que vocês estão aqui!

Sitri deu suas ordens absurdas sem um pingo de insatisfação. Tudo que pude fazer foi sorrir.

Me critique ou algo assim. Só não acredite em mim tão facilmente.

A carruagem parou. Quando ouvi alguém lá fora dar o sinal, pisei no chão pela primeira vez em horas. O sol estava se pondo, e a lua cintilava no céu vermelho e sem nuvens. Ouvi um rio próximo. Parecia que esse seria nosso local de descanso.

Foi bom termos voltado, já que não encontramos o grande monstro que Sitri estava esperando. Mas isso também significava que não avançamos tanto quanto havíamos planejado. Atravessar as montanhas depois do pôr do sol seria suicídio; nem mesmo Sitri insistiria nisso.

Estávamos em uma clareira com espaço suficiente para uma carruagem e algumas equipes acamparem. Parecia um ponto de parada comum para viajantes cruzando as montanhas de Galest. Drink cheirava o chão com atenção.

Sitri começou a descarregar as malas e me deu um sorriso radiante, apesar de eu não ter feito nada além de sentar na carruagem. Ao lado dela, Liz se espreguiçou com satisfação.

— Bom trabalho lá fora, Krai. Foi uma experiência muito boa.

— Mmm, ahhh. Valeu a espera! Da última vez, mal encontramos monstros. Você é o melhor, Krai Baby!

— Lizzy, isso foi porque da última vez tínhamos Ansem com a gente.

— É, ele realmente chama muita atenção. E, se algum monstro aparecesse, Luke cuidaria dele.

Liz estava radiante para alguém que tinha acabado de sair de um combate incessante. Enquanto isso, os três mercenários contratados por Sitri estavam sentados no chão, à beira da morte. Com as cabeças baixas, não dava para ver seus rostos, mas suas armaduras estavam cobertas de sangue, e seus corpos musculosos pareciam completamente exaustos. O contraste entre eles e as irmãs Smart era gritante.

Quando nos tornamos caçadores, acidentes como esses (monstros poderosos aparecendo, desastres naturais, etc.) os deixavam exaustos. Eu me perguntava quando foi que eles simplesmente pararam de se importar com isso. E então havia eu. Não sabia se deveria agradecer por ter amigos tão fortes ou me sentir deixado para trás.

— Ah, certo, Lizzy, você foi violenta demais. Não faça tanta bagunça, isso estraga o caminho para quem vier depois!

— Eu não me importo com isso! As próximas pessoas a passar por aqui vão ser só Arnold e sua gangue, não vão? Então tanto faz. Foi por isso que Krai Baby suspendeu a proibição de combate, certo?

— Não, não foi bem por isso.

Na verdade, nem era tão provável que eles conseguissem nos alcançar. Parecia muito mais provável que simplesmente nos esperassem na capital. O que era ainda mais razão para eu precisar do resto dos Grieving Souls comigo quando voltasse.

Mesmo enquanto conversava conosco, as mãos de Sitri não paravam. Ela acendeu uma fogueira, alimentou os cavalos cansados e montou o acampamento. Seus movimentos fluidos mostravam que fazia essas tarefas regularmente. Liz também não estava apenas brincando. Ela patrulhava o perímetro assobiando para si mesma. De qualquer forma, Sitri não gostava que interferissem no trabalho dela.

Quando viajávamos em grupo, Sitri e Lucia montavam o acampamento enquanto Liz, Luke e Ansem patrulhavam ou caçavam comida. Meu trabalho era checar como todos estavam, ou seja, eu não fazia nada.

— Krai, onde está a T? — perguntou Sitri.

— Dormindo. Ela parecia muito cansada, então é melhor deixarmos ela descansar um pouco.

Eu duvidava que ela conseguiria ficar acordada por muito mais tempo. De vez em quando, já estava cochilando, e não precisávamos de mais gente de guarda, então parecia um bom momento para ela descansar. Ela se remexia no sono, mas não havia muito que eu pudesse fazer quanto a isso.

— Hmm, se você diz, Krai Baby — disse Liz.

Surpreendentemente, até ela podia demonstrar compaixão.

Sitri armou um caldeirão portátil e puxou uma faca grande.

— Agora que Krai está conosco pela primeira vez em um tempo, tenho ainda mais motivos para preparar algo revigorante. Consegui ótimos ingredientes — disse Sitri com um sorriso.

— Tem razão — respondi. — Faz tempo que não comemos juntos assim.

Até Eliza se juntar a nós, Sitri era a única dos Grieving Souls que sabia cozinhar, e suas habilidades eram de primeira. No começo, pensei que levaria um tempo até que ela ficasse boa, mas ela desenvolveu suas técnicas num piscar de olhos.

Os temperos que usava eram comprados no mercado, e os outros ingredientes vinham principalmente de animais e vegetais que encontrava pelo caminho. Mesmo assim, a comida dela sempre parecia combinar comigo. Fazia tempo que eu não provava sua culinária, e só essa chance já poderia fazer essa viagem valer a pena.

Senti-me um pouco emocionado. Sorri e soltei um suspiro. Antes de formarmos um clã, quando ainda viajávamos como um grupo, eu sempre sentia que ia morrer de estresse por causa dos monstros, dos ambientes hostis e das relíquias. Mas não diria que só tenho memórias ruins daquela época. Sim, eu era um incompetente, a ponto de o Evolve Greed me rejeitar, mas naquela época, Krai Andrey era um caçador. Essa viagem me fez lembrar dessas aventuras como se tivessem sido ontem.

Minha viagem pelo passado foi interrompida quando percebi que Sitri estava me olhando.

— Ah, eu vou pegar um pouco de água — falei, coçando a bochecha. — Já que estou só parado mesmo.

— Oh. Por favor, faça isso.

— Ah, Krai Baby, eu vou com você! Talvez tenha peixes — disse Liz, casualmente entrelaçando seu braço no meu.

Depois de seguir o cheiro da água por alguns minutos, chegamos a um grande rio. Fontes de água eram essenciais para humanos, animais e monstros. Com exceção dos fantasmas, nada podia sobreviver sem elas.

— Uau! É tão lindo. Isso é a melhor parte de ser caçadora — disse Liz, olhando para o rio com os olhos brilhando.

Devemos ter chegado na hora certa, pois não havia monstros por perto. O rio era calmo, e a lua se refletia em sua superfície escura.

— Parece bom? — perguntei.

— Sim, e dá para ver um monte de peixes! — respondeu Liz, com os olhos cintilando.

Só porque parecia limpo, não significava que era seguro para beber. Caçadores com bastante mana material tinham estômagos fortes, mas eu não era um desses caçadores. Liz não hesitou em entrar na água. Deveria estar gelada, mas caçadores não se incomodavam com esse tipo de coisa.

Liz esticou os braços alegremente.

— Está tão geeeelada — disse ela. — Ainda tem um pouco de sangue em mim, acho que vou lavar!

Let This Grieving Soul Retire! Volume 4 13 Online em Português PT-BR

 Bem na minha frente, ela começou a se despir. Jogou suas manoplas na margem do rio e alcançou as costas. Tirou a armadura (que cobria apenas a parte superior do torso), o cinto e o short.

A luz da lua iluminava sua pele fina, embora eu só pudesse ver suas costas. Tudo o que restava nela era sua fina roupa de baixo preta. Eu gostaria que ela tivesse demonstrado um pouco mais de hesitação em se despir. Mesmo sendo uma caçadora, ela ainda era uma garota e poderia ser um pouco mais discreta. Seus dedos se moveram até o fecho em suas costas e, então, pararam.

Recuperei o autocontrole e a repreendi.

— Liz, você não devia fazer isso.

— Qual é o problema? Somos camaradas, não somos?

Claro, eu conhecia Liz desde a infância, mas isso não significava que as regras de decência não se aplicassem entre nós. Se ela queria apenas lavar o sangue, não precisava se despir ainda mais, e eu queria pegar água, não assisti-la se trocando.

Eu estava tentando pensar em uma forma de impedi-la, mas, de repente, ela olhou para mim.

— Ainda assim, talvez eu pare por agora — disse. — Isso é um pouco embaraçoso e faz tempo que não temos uma aventura juntos.

Com uma expressão envergonhada e ligeiramente sedutora, ela ergueu as mãos e desfez o rabo de cavalo, deixando seu cabelo rosa cair pelas costas. Sem esperar mais um momento, pulou no rio. Parecia que a água não era tão funda, pois ela conseguia ficar em pé com a água até o peito.

Ela se virou e me perguntou:

— Vai entrar também?

— Não, eu preciso pegar essa água.

— Ah. Que pena. Bem, vou pegar alguns peixes!

Ela rapidamente mergulhou na água, suas pernas chutando brevemente o ar. Mesmo em momentos assim, ela mantinha o Apex Roots ativado.

Talvez ela tenha amadurecido um pouco.

Com sentimentos que eu não sabia descrever, comecei a encher o cantil de Sitri com água.

Me sentia em dívida com eles. Quando se opera em grupo, um erro pode decidir o destino de todos. A incompetência era um pecado, e eu era a manifestação dela. Mas o resto do grupo nunca jogou isso na minha cara. Quando abandonei a vida de aventureiro, eles nunca me pressionaram para saber o motivo. Isso me permitiu olhar para aqueles dias com carinho, mesmo que apenas um pouco. Liz podia parecer inconsequente, mas até ela pensava em mim. Eu não poderia agradecê-la o suficiente.

— É muito mais divertido quando você está por perto. Fico feliz que tenha vindo — disse Liz.

Estávamos aproveitando um breve descanso. Ela estava sentada na margem do rio e eu penteava seus cabelos volumosos com os dedos. Seus fios úmidos tinham um peso estranho, mas estavam impecáveis apesar de suas constantes batalhas. Ela estremecia sempre que meus dedos pressionavam seu couro cabeludo.

— Mm, parece bom. Parece que você tirou todo o sangue.

— Obrigada. Ficar com um cheiro estranho pode me fazer errar quando mais importa.

Ela parecia incrivelmente relaxada ao dizer isso.

Já tínhamos feito o que precisávamos, mas parecia um desperdício voltar imediatamente. Liz e eu não eramos amantes nem nada, mas ela não dizia nada sobre voltar, e era bom simplesmente ficar ali. O silêncio entre nós não era incômodo, e eu não me cansava de admirar a beleza intocada da natureza ao nosso redor.

Eu estava observando a água quando Liz falou de repente.

— Ei, Krai Baby — disse em um tom sério. — Eu vou me tornar uma caçadora poderosa.

— Mmm, eu sei.

Eu achava que ela já era bem poderosa, mas não duvidava da determinação em sua voz. Ela era forte, humilde, dedicada e bonita. Era temida na capital, mas também tinha muitos fãs.

Havia algo nela que capturava os corações das pessoas e a fazia se destacar. Era algo que todos os campeões possuíam e, portanto, algo que eu nunca teria. Eu sabia que não era adequado para ser um caçador, mas ainda sentia inveja da dedicação inabalável de Liz.

— E eu definitivamente vou transformar a Tino em uma caçadora — continuou. — Você a fez minha aprendiz, então apenas observe.

— Eu acredito em você. Tem meu total apoio.

Claro, não havia muito que eu pudesse fazer para ajudar, mas fiquei feliz em ver como Liz havia crescido.

Ela se levantou e se virou para mim, colocando seu corpo coberto apenas por roupa íntima bem na minha frente. Olhei para o lado reflexivamente, mas ela apenas sorriu.

— Você vai ficar comigo para sempre?

Claro.

Eu me sentia em dívida. Tinha certeza de que eu era uma das razões do crescimento explosivo dela e dos outros. Se eu tivesse talentos como os deles, talvez tivessem crescido de maneira um pouco mais "correta". Mas essa culpa não era o motivo pelo qual eu aceitava todos os convites deles, mesmo depois de ter parado de me aventurar. Mesmo que fossem temidos na capital, mesmo que houvesse uma diferença astronômica em nossa força, eles eram meus preciosos amigos, não importava quanto tempo passasse.

Com meu sorriso de sempre, eu estava prestes a dar minha resposta a Liz—

Quando o som de uma explosão veio da direção do nosso acampamento.

A floresta tremeu. A expressão radiante de Liz se tornou sombria.

— Ah, poxa! Que timing horrível, estávamos num clima tão bom!

— Hã?

— Foi na direção dos outros, pelo visto. Isso é difícil de captar... preciso treinar mais...

Eu fiquei ali, confuso. Liz soltou um pequeno suspiro enquanto espremia a água do cabelo e o amarrava novamente. Então vestiu suas roupas e armadura. Em poucos segundos, a garota encantadora havia se transformado em uma caçadora temível. Liz sorriu para mim, com aquele olhar confiante e brilhante de sempre.

Com Liz puxando minha mão, corremos pela escuridão. Ela conseguia enxergar no escuro, e eu havia ativado Owl’s Eye, então visibilidade não era um problema, mas a floresta noturna ainda me deixava inquieto. Provavelmente não conseguiria atravessar aquelas árvores se ela não estivesse segurando minha mão.

— Siddy já percebeu, acho que ficaremos bem! Ela é uma Alquimista, afinal!

Parecia que Sitri sabia que estávamos sendo seguidos por algo. Liz tinha dito que era “difícil de perceber.” Devia ser algo considerável se até um Ladino tinha dificuldade em detectá-lo. Seja como for, eu já estava acostumado a ser perseguido o tempo todo. Naquele exato momento, Arnold também estava atrás de mim.

Uma frase durona parecia uma boa maneira de escapar da realidade.

— É difícil ser tão popular.

— Ooh, isso foi incrível! — Liz exclamou com uma voz aguda.

O homem que soltou aquela frase cheia de estilo estava sendo puxado por ela e corria o risco de tropeçar a qualquer momento. Me perguntei se Liz ainda iria gostar de mim se eu fizesse algo tão patético.

Rápidos como o vento, retornamos ao nosso acampamento e vimos um verdadeiro embate de monstros acontecendo diante de nós.

— Demorou, hein, Lizzy! — Sitri gritou.

Matadinho arrancou uma árvore do chão e a lançou como uma lança. Drink soltou um rugido e partiu para o ataque. Ambos estavam lutando contra uma criatura que eu nunca tinha visto antes.

Ela tinha a pele verde-escura e membros anormalmente longos. Chifres saíam de vários pontos do seu corpo, que estava parcialmente coberto por um pano grosseiro. Seu rosto era peculiar, mas parecia algum tipo de goblin. Sua aparência era assustadora, mas o que realmente me incomodava eram seus movimentos rápidos e silenciosos.

Matadinho era forte, destacava-se pela força bruta e resistência, sendo o equivalente a pelo menos um Caçador de Nível 5. A forma leonina de Drink também indicava que era uma criatura formidável. E, no entanto, seus ataques não estavam causando nenhum arranhão no estranho monstro. Com movimentos escorregadios e sinistros, ele desviou da árvore que vinha em sua direção e defletiu Drink com uma precisão refinada, algo incomum para monstros.

Os três mercenários contratados por Sitri estavam encolhidos perto da carruagem. Tino havia acordado de seu sono e já estava em posição de combate, mas parecia incapaz de encontrar uma abertura para atacar. O monstro era rápido demais para que eu conseguisse acompanhá-lo com os olhos. Eu teria perdido ele de vista completamente se não fosse pela minha Relíquia de visão noturna.

— O que é isso? — Liz perguntou, de olhos arregalados.

— Um ogro errante — Sitri respondeu.

Entendi, então esse era o ogro errante do qual Sitri estava falando. Parece que acabei de adicionar mais um à minha lista de monstros raros que já encontrei.

— Parece que esse é o monstro que criou o caminho falso — Sitri continuou, sem tirar os olhos da criatura. — Imagino que tenha vindo atrás de nós porque invadimos seu território. Exatamente como Krai calculou.

Meus cálculos são uma droga.

Matadinho rugiu, cerrou os punhos e avançou. No entanto, a diferença de alcance era grande demais. Vários hematomas enormes surgiram em seu corpo cinza. O ogro errante nos encarou e, quase no mesmo instante, seus longos braços se moveram.

Ele tinha jogado algo. Era uma pedra. Quando percebi o que estava acontecendo, uma rocha vermelha em chamas já estava vindo direto para o meu rosto. Mas o projétil semelhante a um cometa parou antes de me atingir, e não foi graças a um Anel de Segurança.

O braço esguio de Liz entrou no meu campo de visão, sua pequena mão pegando a pedra flamejante.

— Morra.

Ela devolveu a pedra para o monstro com a mesma velocidade com que havia sido lançada contra mim. Sem esperar por um contra-ataque tão rápido, a rocha ardente acertou o ogro errante em cheio. Ele foi arremessado para trás, não parando nem mesmo depois de atravessar algumas árvores. Mais uma vez, Liz demonstrava uma força absurda para um Ladino.

O silêncio retornou. Matadinho olhou ao redor, atento, e Drink rosnou. Não parecia haver sinais de retaliação. Liz bateu as mãos uma na outra para se livrar da poeira e da sujeira.

Let This Grieving Soul Retire! Volume 4 14 Online em Português PT-BR

 — Tsk, isso mal causou dano — resmungou ela. — Deve ser resistente a ataques físicos. Explique isso, Siddy.

— Não tenho muitas informações, mas ouvi dizer que é um monstro cauteloso e tenaz. É seguro presumir que ainda não desistiu. Provavelmente está recuando para a escuridão para planejar uma emboscada.

Não consegui dizer de onde, mas ouvi o som assustador das folhas farfalhando. Não dava para saber se era apenas o vento ou um monstro sinistro nos espreitando. Se fosse um monstro capaz de me enganar, era seguro assumir que tinha uma inteligência razoável. E se conseguia atacar com tanta rapidez, precisaríamos ficar atentos.

— Até os ataques de Matadinho foram quase completamente ineficazes — disse Sitri, examinando os hematomas da criatura. — Provavelmente é um tipo de monstro revenant, já que ataques físicos não fazem muito efeito neles.

— Ah, e não temos Anssy ou Lucia. Droga.

Caçadores tinham seus próprios pontos fortes e fracos. Trabalhar em grupo normalmente resolvia esse problema, mas entre nós, não havia nenhum Magus que pudesse lidar com um inimigo resistente a ataques físicos. Eu tinha os Anéis de Tiro, mas não fariam muita diferença.

Liz, Sitri e Tino olharam para mim. Esperavam que eu tomasse uma decisão.

— Conseguimos afastá-lo por enquanto, vamos aproveitar para fugir — disse sem hesitar.

— Queria que não precisássemos, mas esse monstro é problemático. Acho que você tem razão, Krai — disse Sitri.

— Mmm, acho que é o melhor a se fazer? — disse Liz. — Provavelmente conseguiríamos vencê-lo, mas quem sabe o que poderia acontecer com a T? Ele é tão furtivo, e eu prometi ao Krai Baby que a transformaríamos numa caçadora de verdade.

— Lizzy, eu...

Não estávamos sendo pagos para estar ali, não havia motivo para enfrentarmos um monstro para o qual não estávamos preparados. Além disso, pela primeira vez, não estávamos cercados.

Tino parecia surpresa, mas aquele não era um monstro que deveríamos enfrentar. Ela não teria a menor chance contra o ogro errante, e nem preciso dizer que o maior peso morto ali era eu. Fiquei surpreso que Liz estivesse tão disposta a recuar, mas talvez ainda estivesse pensando em nossa conversa anterior.

Uma retirada rápida era ideal nessas situações. Mesmo que atravessar montanhas à noite não fosse a melhor opção, não tínhamos alternativas melhores.

***

Eles eram fortes. Sentado no alto do galho verdejante de uma árvore imensa, o ogro errante contemplava seus intrusos inesperados. Seu corpo ardia com a dor escaldante do impacto da pedra. O ferimento não era fatal, mas dor era algo que ele não sentia há muito tempo.

Nenhum humano ou outro monstro nas montanhas Galest jamais havia representado um desafio para o ogro errante. Ele era resistente a ataques físicos e conseguia mover seus longos membros com uma destreza e velocidade que ninguém conseguia acompanhar. Até mesmo aquele troll beligerante evitava seu território.

Mas aquele grupo de humanos era diferente. Precisava de cautela. Mesmo que fossem adversários poderosos, o ogro não podia simplesmente deixá-los escapar. Não era apenas por terem invadido seu território, mas porque haviam despertado seu interesse. Seus instintos o compeliam a capturar e massacrar qualquer presa que chamasse sua atenção.

Ele sentia prazer em usar sua inteligência para alcançar esse objetivo. Atacar de frente não era seu estilo de caçada. Ainda acreditava em sua capacidade de vencer em um confronto direto, mas essa simplesmente não era sua maneira de lutar.

Naturalmente, começou indo atrás dos mais fracos, mas aquele grupo tinha vários membros fortes. Quando arremessou uma pedra em um deles, não apenas foi pega, mas lançada de volta com uma velocidade que rivalizava a do próprio ogro errante.

Sua melhor opção era esperar por uma brecha. As montanhas Galest eram vastas; uma oportunidade para atacar apareceria eventualmente. Para ele, toda a cordilheira era como seu quintal. Conhecia todas as rotas e poderia seguir sua presa sem ser percebido, movendo-se de árvore em árvore.

O ogro errante havia se fundido às sombras no topo da árvore, mas, enfim, sua presa começou a se mover. E então ele também se moveu, deixando apenas o mais sutil dos ruídos em seu rastro.

***

A carroça chacoalhava violentamente. Tino abraçou os joelhos.

Ela se sentia patética. Sabia que ainda era inexperiente. Sabia da imensa diferença entre sua força e a de Lizzy. Mesmo assim, não conseguia aceitar que sua fraqueza havia sido o motivo para o grupo recuar diante de um monstro.

Ninguém na carroça falava com ela. Krai mantinha um olhar atento na janela. Saber que ele provavelmente estava tentando ser gentil só a fazia se sentir pior. Alguns obstáculos podiam ser superados com encorajamento, mas outros tinham que ser vencidos por esforço próprio. Essa Provação era, com certeza, do segundo tipo.

Aquele monstro era forte. Se conseguiu enfrentar Matadinho de igual para igual, então era demais para Tino enfrentar sozinha — ela simplesmente não era adequada para isso. Mas deveria ter reunido cada gota de força que possuía e lutado.

Ela percebeu que tinha sido mimada durante essa viagem. Não havia se envolvido em nenhuma luta e a única coisa realmente exaustiva que fez foi correr enquanto era atingida por raios.

Tino tinha sido cautelosa demais, preocupada com a possibilidade de ser atacada, e por isso não percebeu o verdadeiro significado daquela trégua momentânea. Caçadores não tinham o luxo de parar. O sucesso exigia um avanço constante. Foi assim que os Grieving Souls se tornaram um dos grupos mais renomados da capital.

Seu mestre havia decidido recuar, e Lizzy concordou com ele. Normalmente, isso seria impensável. Era tudo culpa de Tino; eles viram seu medo e sua fraqueza.

No fundo, Tino acreditava que, estando ao lado das irmãs Smart e do todo-poderoso Mil Truques, não precisaria lutar. A maioria das pessoas saberia que, sendo a mais fraca, deveria encarar aquele encontro como uma oportunidade de aprendizado.

— O que foi, Tino? Você se machucou lá atrás?

— Era seu mestre, olhando para ela com preocupação.

Como ela pôde ter sido atingida? Ela apenas ficou pronta para atacar. A pergunta dele era como esfregar sal na ferida. Ela queria dizer algo, mas manteve os lábios selados e apenas balançou a cabeça. Talvez ele também tivesse sido sarcástico mais cedo, quando disse que ela tinha “um longo caminho pela frente”. Ela queria que ele a repreendesse de forma mais clara.

— Não tinha jeito, aquele era um monstro complicado — ele disse.

— Monstros inteligentes são capazes de detectar material de mana e, por isso, geralmente vão primeiro atrás dos mais fracos — acrescentou Sitri.

As palavras de conforto deles penetraram no coração de Tino, embora essa provavelmente não fosse a intenção. Especialmente Siddy, que apenas falava de forma direta. Mas isso não fazia Tino se sentir melhor.

Ela tinha que lutar. No começo das férias, Lizzy mencionou que ela teria uma chance de redenção. Da próxima vez, ela teria que avançar. Precisava mostrar que era digna de se juntar aos Grieving Souls, mesmo que isso lhe custasse um braço ou dois. Tinha que fazer isso enquanto ainda esperavam algo dela.

Ela ouviu a voz animada de Lizzy no topo da carruagem.

— Parece que ainda está nos seguindo! Mas eu não sei onde está!

— Isso não é bom, talvez eu jogue uma poção explosiva.

— É, aham.

O ogro errante era incrivelmente persistente. Era difícil acreditar que ele não havia desistido após lutar contra Lizzy. A explosão da poção de Siddy derrubou árvores próximas, mas eles ainda estavam sendo perseguidos por um inimigo que nem conseguiam ver.

— Isso seria muito mais fácil se Lucia estivesse aqui — disse Sitri. — Isso faria toda a diferença—

— Podemos fugir dele? — perguntou Krai.

— Hm, consigo pensar em uma solução segura e uma arriscada — ela disse, então juntou as mãos. — Podemos usar um bode expiatório. Ogros errantes são persistentes e impiedosos, mas aparentemente têm o hábito de brincar com suas presas. Se oferecermos um bode expiatório, devemos conseguir escapar com facilidade. Na verdade, ouvi dizer que, sem exceção, todas as aldeias localizadas perto de territórios de ogros errantes têm uma lenda sobre uma fada exigindo sacrifícios...

Sitri queria jogar alguém para os lobos. Isso estava muito além do que Tino esperava. Ela não conseguia se imaginar vencendo um monstro que a superava tanto, mesmo que lutasse até seu último suspiro. Ela havia reunido a determinação para lutar, mas isso significava pouco diante da realidade.

Mestre, isso é demais para mim. Eu vou morrer, pensou.

— Então, qual é a solução segura? — perguntou Krai.

— Hm? Ah, Krai — Sitri disse, soltando uma risadinha. — Essa era a solução segura.

Krai riu com ela. Devia ser o tipo de piada que apenas caçadores de alto nível achavam graça. Tino não estava rindo nem um pouco.

— Diminuir a equipe seria matar dois coelhos com uma cajadada só, não acha, T?

Sitri olhou para Tino com um olhar cheio de segundas intenções. Seus olhos brilhavam com uma luz que queria Tino morta. Talvez Sitri ainda estivesse guardando rancor pelo encontro de Tino com Krai em Gula.

— Então, qual é a solução arriscada? — Krai perguntou, jogando uma boia salva-vidas para Tino.

— Hm, em vez de uma pessoa, podemos atrair monstros para servirem de isca. Não acho que seria tão eficaz quanto um chamariz humano, e o fator sorte teria um grande peso, então eu não recomendaria esse plano...

— Beleza, vamos com esse plano. Sitri, a vida humana é algo a ser valorizado.

— Em outras palavras, ainda podemos tirar mais proveito de Preto, Branco e Cinza. Entendi.

Parecendo imensamente decepcionada, Sitri olhou novamente para Tino e puxou com cuidado mais um frasco de Efeito Perigo, a poção que atrai monstros.

***

O sol começou a nascer. O prefeito e os moradores de Gula observaram a companhia de Arnold partir. Seus corpos ainda estavam cansados, mas o desgaste mental era ainda pior.

A nova carruagem era muito maior que as anteriores, então até mesmo alguém do tamanho de Arnold podia se acomodar confortavelmente. Os cavalos também eram muito mais fortes. Era uma melhora notável, mas ainda não havia garantia de que conseguiriam alcançar seu alvo.

— Quando se chega ao Nível 7, o tratamento realmente melhora — disse Gilbert, impressionado. Talvez por sua juventude, o cansaço não transparecesse em seu rosto.

— Salvamos uma cidade em crise, isso é o mínimo que podíamos esperar. Se tivéssemos mais tempo, poderíamos ter recebido mais agradecimentos — disse Eigh. Ele parecia nostálgico, mas sabia o que a vida de caçador implicava.

Caçadores não usavam carruagens luxuosas. Uma mais cara poderia ser mais confortável, mas as carruagens de caçadores estavam sempre sendo danificadas, e comprar uma nova aumentava os gastos. Como os caçadores já gastavam grandes quantias em poções e armas, as despesas com carruagens eram uma dor de cabeça constante.

Com apenas um dia de aviso, a cidade só conseguiu providenciar uma carruagem. Embora fosse grande, não era espaçosa o suficiente para acomodar todos. Como Chloe era a cliente deles, não podiam deixá-la caminhar, então os membros da vanguarda se revezavam entre andar e viajar na carruagem.

Os membros do Redemoinho Escaldante estavam especialmente exaustos. Com exceção de Gilbert, nenhum deles conseguia se mover ainda, então estavam amontoados na carruagem.

Tecnicamente, esses grupos eram equipes separadas; a Névoa Caída não tinha obrigação de deixar o Redemoinho Escaldante viajar na carruagem enquanto caminhavam. No entanto, sobreviver a batalhas ferozes juntos havia criado um laço entre eles. Ninguém reclamou do arranjo.

Eigh não se importava, já estava acostumado a caminhar. A questão maior era se conseguiriam alcançar o Mil Truques. Com tudo o que havia acontecido até ali, ele estava atento a problemas, mas nada parecia fora do comum. Parecia uma suposição segura que o Mil Truques havia tomado aquela estrada; as marcas de uma carruagem eram bem evidentes.

Eles estavam se movendo em um ritmo acelerado. Gilbert, que já tinha se acostumado com a Névoa Caída, fez uma pergunta.

— Ei, velhote, você matou um dragão, certo? O quão insano é lutar contra um dragão?

— Vamos. Vamos cruzar as montanhas.

***

Ousadia e audácia. Era isso que Chloe esperava de caçadores.

A antiga estrada que levava às montanhas Galest era apenas larga o suficiente para acomodar sua nova carruagem. As árvores densas ao redor limitavam sua visão, e ocasionalmente ouviam os gritos de monstros à distância. Mas o que realmente surpreendeu Chloe foi a quantidade absurda de monstros mortos.

Havia cadáveres frescos de uma grande variedade de criaturas espalhados por toda parte. O número era extraordinário, e isso sem contar os corpos que já deviam ter sido devorados. Não era só Chloe que achava aquilo estranho — até veteranos como Eigh e Arnold fizeram caretas ao ver a cena.

— Eles fizeram tudo isso? — Arnold se perguntou.

— As montanhas são cheias de monstros, mas isso aqui é exagerado. O que diabos aconteceu? — disse Eigh.

Os cadáveres de monstros podiam ser vendidos e aquela quantidade toda renderia um belo lucro, mas não havia nenhum sinal de que alguém tivesse levado sequer um corpo. Será que simplesmente consideraram que não valia o esforço?

Para deixar tudo ainda mais estranho, nenhum monstro atacou Chloe e seu grupo. Com tantos restos espalhados, normalmente haveria monstros atraídos pelo cheiro da carne, mas parecia que todos haviam fugido. Aquilo era o completo oposto do que estavam acostumados.

Era esperado que houvesse muitos monstros tolos nas montanhas. Será que fugiram do Mil Truques? Será que sentiram seu poder? A situação não fazia sentido, mas não era um bom sinal. Parecia uma espécie de mensagem. Claro, o Relâmpago Colidente também era capaz de fazer uma bagunça dessas, mas isso exigiria primeiro que ele fosse atacado por uma quantidade absurda de monstros.

Arnold teve um flashback do encontro com a matilha de orcs. Aquilo era o suficiente para até mesmo ele se surpreender.

— O que você fez? — ele sussurrou. — O que você quer, Mil Truques?

— Arnold, devemos voltar? — perguntou Eigh, com a voz baixa.

O olhar de Arnold seguiu pelo caminho manchado de sangue. Ele balançou a cabeça em silêncio.

A estrada estava tão segura quanto possível, mas a ausência de monstros era inquietante. Eles avançaram muito mais rápido do que esperavam.

— A propósito, que tipo de monstros têm recompensas por aqui? — perguntou um dos membros da Névoa Caída do nada.

As recompensas vinham em duas categorias. Havia aquelas oferecidas por governos contra criaturas consideradas perigosas e as oferecidas por indivíduos. A administração dessas recompensas era responsabilidade da Associação dos Exploradores, que contava com muitos caçadores poderosos entre seus membros.

O rei orc em Gula, por exemplo, provavelmente tinha uma recompensa por sua cabeça (embora Chloe não tivesse tido tempo para confirmar isso). Qualquer recompensa nas montanhas Galest certamente seria por monstros. Não era incomum que criaturas poderosas de outros países fugissem para as montanhas para escapar dos caçadores.

— Há várias — disse Chloe, lembrando-se dos documentos que tinha lido. — Por exemplo, há um troll de classe general que fugiu depois de destruir uma vila inteira. Claro, não há garantia de que ele ainda esteja nestas montanhas. Afinal, os caçadores que enfrentam as montanhas Galest normalmente preferem cofres de tesouro.

— Igual em Nebulanubes, né?

— Recompensas por monstros… bem, o pagamento nunca corresponde à dificuldade.

Isso era inevitável na maioria das vezes. Os monstros que acabavam com recompensas por suas cabeças geralmente eram inteligentes. Mesmo que fossem fracos, um monstro esperto poderia se fortalecer com materiais de mana e se tornar algo que a maioria dos caçadores não conseguiria enfrentar.

Embora o Esquadrão de Bandidos Barrel não fosse composto por monstros, circunstâncias parecidas provavelmente levaram o conde a emitir uma missão nomeada. Além disso, o fato de Arnold ter derrotado aquele orc poderoso foi uma sorte tremenda para a Associação dos Exploradores, mas Chloe não tinha a intenção de contar isso para ele.

Nada se interpôs no caminho deles. Era seguro presumir que ninguém jamais havia cruzado a Cordilheira Galest tão rápido quanto eles. No caminho, encontraram uma bifurcação desconhecida, mas aquilo era uma armadilha óbvia. Provavelmente havia um monstro inteligente por perto.

Eles chegaram a uma clareira com sinais evidentes de uso recente. Eigh examinou uma árvore caída e uma fogueira apagada.

— Sinais de batalha e uma fogueira — ele disse. — Estiveram aqui há pouco tempo. Eu diria que há algumas horas.

— Hmm, finalmente os alcançamos? — disse Arnold.

Eles haviam conseguido. O sol já estava quase completamente abaixo do horizonte, mas o dia fácil na estrada deixara-os com bastante energia. Eles não pretendiam parar.

Como Chloe esperava, Arnold exibia um sorriso feroz.

— Vamos descansar. Apenas uma hora. Depois seguimos em frente, eles estão ao nosso alcance.

Eles nunca tiveram a intenção de entrar na Cordilheira Galest. Como é que isso aconteceu? Pela primeira vez em muito tempo, Chloe sentiu uma dor de cabeça causada pelo estresse e cansaço. Ela soltou um suspiro.

***

Quando a carruagem parou de chacoalhar e o chão abaixo de nós ficou nivelado, finalmente me permiti relaxar. Aquela tinha sido a pior noite da minha vida. O Efeito de Perigo da Sitri havia deixado todos os monstros da área em frenesi. O banho de sangue resultante engoliu nossa carruagem enquanto tentávamos desesperadamente descer a montanha.

Não conseguimos prever a brisa. Pouco depois de Sitri jogar a poção, o vento mudou de direção e espalhou o líquido por um raio muito maior. Infelizmente, foi muito mais eficaz do que ela tinha imaginado. Ficamos cercados por monstros de todos os lados. Se não fosse pelos esforços heroicos de todos (menos eu), teríamos morrido nas montanhas Galest e ninguém jamais saberia.

Mas conseguimos. Estou vivo.

Nos meus dias como caçador, já havia sobrevivido a dezenas de situações perigosas como essa, então consegui manter a calma. Tino, por outro lado, não estava tão acostumada e tremia no canto da carruagem, com o rosto pálido como a morte. Uma gosma estranha encharcava seu cabelo, e suas roupas estavam cobertas de sangue verde. Liz a tinha agarrado e jogado no meio da batalha.

No começo, achei que ela ficaria bem, já que lutava com tanta intensidade, mas o encontro com a morte realmente a deixou sem fôlego. Fiquei preocupado que isso pudesse causar um trauma duradouro.

A presença do ogro errante desapareceu no meio da confusão. E, olha, aquela briga não foi melhor do que enfrentar o ogro errante?

— Monstros. Assustador. Sombras. Assustador. Me salva, Mestre. Mestre... — murmurou Tino.

Enquanto isso, sua mentora não parecia nem um pouco incomodada.

— Uhuu, isso foi demais! Vamos fazer de novo alguma hora!

Assim como Tino, Liz estava coberta de sangue (e pensar que ela tinha acabado de lavar as manchas anteriores), mas parecia não se importar nem um pouco. Eu não tinha energia para discutir com ela.

— É, uh-huh — murmurei.

— Precisamos parar para tomar banho e lavar nossas roupas. E, principalmente por causa de Black, White e Gray, acho que precisamos descansar — disse Sitri, quase como se fosse uma boa empregadora ou algo assim.

Havia muito que eu queria dizer, mas, por enquanto, não podia negar que precisávamos descansar. Decidi usar essa pausa como uma chance para falar sobre a forma como Sitri tratava seus ajudantes.

— Boa ideia. O Palácio Noturno ainda está um pouco distante — respondi.

Então algo me ocorreu. Eu queria sair daquela montanha amaldiçoada o mais rápido possível, mas será que isso era realmente uma boa ideia? A poção de Sitri tinha sido extraordinariamente eficaz, a ponto de "atração de monstros" parecer um termo inadequado. Aqueles monstros tinham perdido completamente o controle e continuaram a atacar Liz cegamente, mesmo depois que ela já havia matado dezenas deles. Se aqueles monstros frenéticos descessem a montanha, poderiam atacar vilarejos próximos, e isso seria um grande problema.

Eu sabia que as montanhas Galest ficavam afastadas de qualquer assentamento, então era improvável que alguém se machucasse se simplesmente os deixássemos ali. Mas ainda assim, parecia irresponsável simplesmente ignorá-los. Eu queria pelo menos permanecer na área e observar os monstros até que o efeito da poção passasse, mesmo que eu não soubesse exatamente o que esperava conseguir com isso.

— Sitri, quanto tempo dura essa poção?

— Varia de indivíduo para indivíduo, mas cerca de um dia.

Isso não é tão ruim. Felizmente, o ogro errante parece ter desistido de nós.

Verifiquei o mapa e vi que havia um pequeno lago na base da montanha. Ele estava conectado ao rio onde Liz havia se banhado na noite anterior. Poderíamos conseguir água, seria um local ideal para acampar e ficava bem próximo. O sol tinha acabado de se pôr, mas nossos cavalos não conseguiriam ir muito mais longe. Considerando nossa situação e as condições ao redor, parecia o plano perfeito.

Estou afiado hoje.

— Certo, vamos descansar perto desse lago. De lá, podemos ter uma noção do que está acontecendo na montanha, ainda que vagamente.

— Hmm, então vamos descansar e esperar um pouco. Excelente ideia — disse Sitri.

Isso mesmo, você entendeu. Conseguiu perceber de imediato. Vamos esperar até que o efeito da poção passe. Quem dera você sempre fosse tão intuitiva assim.

— Sabia que você entenderia — falei. — Talvez eu esteja me preocupando demais, mas acho que devemos ficar parados por um tempo.

— Longe disso. Considerando a força de nossos valorosos inimigos, acho uma ideia sensata! Afinal, estamos bastante cansados.

"Valorosos inimigos". Que escolha estranha de palavras.

— Oh, Krai querido! — disse Liz, quebrando o silêncio. Ela estalou os dedos, os olhos brilhando. — Que tal fazermos uma fogueira? Faz tanto tempo. Vamos fazer uma bem grande, que dê para ver do topo da montanha. A T e eu podemos caçar algo para assar. Que tal? Não parece divertido?

Meu Deus, ela tem energia de sobra. Mas uma fogueira? Isso não parece tão ruim.

Quando eu ainda saía em aventuras com todos, fogueiras eram comuns. Se você está sempre alerta, não terá energia quando realmente precisar. Um caçador de primeira classe sabe que precisa descansar quando pode. Muitos monstros e animais têm medo do fogo, então fogueiras são ótimos locais para descansar. E, no mínimo, eu queria que Liz e Tino se lavassem.

— Está decidido. Vamos aproveitar o máximo que pudermos, mas garantindo que estamos preparados para partir se necessário.

— Água. Tem água. Conseguimos. Estamos vivos! — White gritou enquanto tropeçava em direção ao lago.

Ele parecia prestes a desabar a qualquer momento. Os outros dois se juntaram a ele e se jogaram na margem do lago. Eles tinham passado por uma situação pior do que qualquer um do grupo.

Obrigado pelo esforço de vocês. Vou tentar convencer a Sitri, então aguentem só mais um pouco.

A margem do lago era deslumbrante, e a água gelada era transparente. Era um local perfeito para acampar. Eu podia imaginar que seria um destino muito popular, se não fosse tão remoto. Não havia nenhum sinal de civilização ao nosso redor, e era quase luxuoso ter tudo só para nós. Drink olhava fascinado para seu reflexo na água.

Ao longe, eu via animais de todos os tamanhos bebendo no lago. Nem eles nem os monstros brigavam, criando uma pequena bolha de paz. Não havia nenhum sinal da confusão de ontem; parecia que os efeitos do atrativo de monstros não haviam chegado até aqui.

Olhei para cima e vi as montanhas que havíamos descido no dia anterior. A essa distância, eu não conseguia dizer o que havia acontecido com os monstros enlouquecidos ou com o ogro errante, mas pelo menos conseguiria notá-los imediatamente se viessem na nossa direção.

Liz soltou um grito animado ao largar suas bolsas e começar a tirar a roupa. Sua pele saudável brilhando sob o sol parecia algo saído de uma pintura.

— Yay! Krai Baby, olha, olha, é lindo! Eu vou nadar. Vamos, T!

— L-Lizzy?! O Mestre está bem ali!

Voltando a si, a jovem aprendiz, aflita, tentou impedir sua mestra, mas foi em vão. Num piscar de olhos, Liz já estava só de roupa íntima e pulava no lago.

Você esqueceu de alongar antes de entrar…

Tino olhou para mim, e eu lhe dei um leve aceno. Embora Liz pudesse ter sido um pouco mais discreta, era verdade que caçadores não podiam se deixar incomodar por algo como ver um companheiro de equipe de roupa de baixo. Nos meus primeiros dias como caçador, isso me afetava, mas em algum momento acabei me acostumando.

Tino hesitou por um momento, mas então levou a mão até o botão na gola.

— Não, Mestra, eu não consigo fazer iiiiiisso!

E então ela mergulhou no lago ainda vestida. Ela podia pelo menos ter tirado o cinto e os sapatos.

— Isso é bem a cara dela. — Sitri riu para si mesma. — O equipamento de Ladino prioriza mobilidade e não esconde muito o corpo, mas ela ainda tem vergonha por causa disso.

Eu nunca tinha pensado nisso até então, mas o equipamento de Ladino era o oposto das vestes volumosas usadas pelos Alquimistas. Provavelmente servia para ajudá-los a evitar ataques por um triz. Como Tino conseguia andar por aí assim sempre seria um mistério. Eu só esperava que ela nunca perdesse o senso de modéstia.

Como sempre, Sitri montou o acampamento com rapidez. Ela deixou os cavalos descansarem e os alimentou, depois acendeu uma fogueira. Com isso feito, veio até a margem e usou um graveto para desenhar uma pequena figura na areia, perto de mim.

— Sobre a nossa fogueira, Krai, e se fizermos nesse formato? E vamos posicioná-la de frente para a montanha.

— O que é isso?

Era um formato estranho e, além disso, estava dividido em três segmentos.

Um ponto, outro ponto e uma linha curva?

— É um rosto sorridente! — Sitri disse com um sorriso. — Vai dar um pouco de trabalho, mas o que acha?

Fazer uma fogueira já era um trabalho considerável, isso triplicaria o esforço necessário.

Muito brincalhona da sua parte, Sitri. Quem sequer veria esse rosto? Bem, não tenho nenhum motivo para recusar…

— É, por que não? Parece divertido.

— Acho que atingiremos o apogeu esta noite, então quero preparar um banquete à altura. Vamos garantir que toda a cordilheira nos ouça.

Apogeu? Que apogeu? Não acho que vamos atravessar picos mais altos do que os de ontem à noite.

Eu estava prestes a perguntar a Sitri o que ela queria dizer, mas ouvi Liz gritando do lago.

— Krai Baby! Olha, um crocodilo! Peguei um crocodilo com uma cara deliciosa! Olha, incrível, não é?

Um crocodilo? E você pretende comer isso? Deve ter algo mais gostoso por aqui!

Virei e vi Liz montada em um crocodilo de cinco metros que se debatia violentamente. Ela estava completamente selvagem. Tino tentou impedi-la. Black, White e Gray pareciam perplexos. Dominado pelo medo e pela confusão, soltei algo completamente inútil.

— Então tem crocodilos nesse lago.

A natureza é cheia de perigos. Ainda bem que não pulei cegamente na água. Um crocodilo era demais para mim.

As fogueiras não apenas crepitavam, mas rugiam e lançavam labaredas ao vento. Era tarde da noite, e a lua brilhava no céu, mas a margem do lago estava iluminada como se fosse dia. Simples fogueiras foram feitas com a madeira coletada por Black, White e Gray, que Sitri aprimorou com uma poção. Mesmo com o vento forte, as chamas continuavam ardendo intensamente.

Como Sitri sugeriu, organizamos as fogueiras para formar um rosto sorridente. O desenho não era perceptível de perto, mas alguém nas montanhas o veria imediatamente.

A essa hora, monstros noturnos normalmente estariam ativos, mas nenhum apareceu. Provavelmente porque Liz já havia matado tantos para o nosso jantar. Mesmo nesse ecossistema, nossa criança selvagem estava no topo da cadeia alimentar.

Não muito longe das fogueiras, as presas de Liz estavam empilhadas. As poças de sangue escorrido eram um tanto perturbadoras. Sitri habilmente esculpia as partes comestíveis, mas claramente havia carne demais para um grupo do nosso tamanho.

Sem dúvida, essa era a fogueira mais bizarra que eu já tinha vivenciado. As chamas pareciam queimar para sempre e eram exageradas para um grupo tão pequeno. O sangue escorria dos espetos de carne assando sobre o fogo, e um caldeirão borbulhava audivelmente.

O que mais contribuía para a atmosfera estranha era Black, White e Gray espalhados no chão e a expressão ansiosa de Tino. Um observador de fora poderia pensar que estávamos conduzindo algum ritual estranho ou um sabá suspeito. Claro, isso era apenas uma fogueira divertida, mas até eu estava tendo dificuldade em aproveitar com aqueles três desmaiados e Tino tão incerta.

Somente Liz e Sitri estavam normais; Sitri cozinhava e Liz brincava no lago.

— O que acha, Krai? Eu diria que as coisas saíram perfeitamente! — Sitri disse, assentindo orgulhosamente para as fogueiras. — Aposto que alguém lá na montanha pode olhar para cá e ver um grande sorriso.

Eu não tinha nada contra seu espírito brincalhão, mas havia outra coisa em minha mente. Estava preocupado com nossos três ajudantes, que foram forçados a reunir uma quantidade absurda de lenha e agora pareciam à beira da morte. Era totalmente razoável que coletar madeira depois de uma expedição pela montanha fosse exaustivo para eles. Era verdade que um dos nossos membros imediatamente começou a caçar animais grandes, mas ela não podia ser considerada dentro do normal.

Enquanto eu estava distraído observando Tino e Liz brincarem no lago, Sitri estava distribuindo ordens. Eu teria interrompido se tivesse percebido a tempo, mas quando me dei conta, já era tarde.

Era bom encontrar alegria em pequenas coisas. Em outras circunstâncias, eu mesmo poderia organizar fogueiras em forma de sorriso. Mas também acreditava em evitar ao máximo causar problemas para os outros. Mesmo que Sitri tivesse o direito de dar ordens como empregadora, achei horrível que ela estivesse forçando Black, White e Gray daquele jeito apenas por diversão.

Enquanto assava um espeto de carne de crocodilo para mim, Sitri sorriu — uma expressão de alegria genuína, sem nenhuma malícia. Um pouco melancólico, soltei um pequeno suspiro.

— Sitri, você não acha que está forçando aqueles três um pouco demais? — sussurrei para ela.

— Hã? Você acha? — ela perguntou, arregalando os olhos.

Desde o início, eu sabia que o tratamento dela com Black, White e Gray não era por maldade. Ela provavelmente só não considerava o cansaço deles como algo digno de nota. Nossas aventuras sempre nos colocavam em perigo mortal, então, para ela, recolher lenha depois de uma batalha provavelmente não parecia grande coisa.

A obsessão por caça ao tesouro havia afetado sua forma de pensar. Era nossa primeira viagem juntos em um tempo, e eu estava determinado a usar esse curto período para trazê-la de volta ao senso comum.

— Mas eles são, bem, criminosos? — ela disse, com um olhar levemente confuso.

Isso foi inesperado. Criminosos? Agora que ela mencionou, percebi que eles claramente não pareciam civis. Mas havia muitos caçadores que tinham cara de bandidos, então nunca imaginei que aqueles três realmente fossem criminosos.

Mas por que diabos ela estava contratando criminosos? O império os havia recrutado como parte de um programa de reintegração social? Eu não sabia muito sobre as conexões pessoais de Sitri, mas talvez isso fosse algum tipo de trabalho penal? Ainda assim, achei que ela estava exagerando. Mas se fosse trabalho penal de fato, eu não poderia me intrometer tão facilmente. Franzi a testa, mas Sitri apenas sorriu tranquilizadora.

— Mas se você quiser, eu paro de forçá-los tanto.

— Hã? Isso não é uma forma de punição para eles?

— É, claro. De certa forma. Mas, graças a você, eu já determinei as capacidades deles.

Com um sorriso, ela inclinou a cabeça e comentou algo sobre não valer a pena trocar peças ou se apegar demais a certas coisas. Eu não entendi muito bem, mas imaginei que as contribuições deles nos últimos dias já fossem punição suficiente. Era possível que eles nem tivessem feito nada tão grave, e, até agora, tinham cumprido tudo o que Sitri ordenou.

— Você não acha que já é hora de soltá-los? — sugeri.

Eu havia hesitado ao saber que eram criminosos, mas meu sentimento inicial não havia mudado. Já fui alvo de criminosos inúmeras vezes, e minha opinião era que todos deveriam apodrecer na prisão. Mas o esforço de Black, White e Gray despertou um pouco de simpatia em mim. Se fossem assassinos, seria diferente, mas se fossem apenas criminosos de menor grau, sentia que já tinham pagado o preço. Claro, não cabia a mim decidir se deveriam ser perdoados ou não.

Após um momento de contemplação, Sitri tirou uma chave do bolso e a pressionou em minha mão.

— Eles não fizeram nada sério — disse ela. — Você pode libertá-los. Tenho certeza de que ficarão muito gratos.

Sitri segurou minha mão por alguns segundos antes de soltá-la suavemente. Uma pequena chave dourada ficou em minha palma.

— Essa é a chave dos colares deles. Removê-los os libertará.

Aquele sorriso caloroso dela, que eu já tinha visto tantas vezes, não parecia carregar nenhuma mentira.

Uma chave é tudo o que basta? Segurei-a entre os dedos. Mas eles são criminosos? Hmm. Considerando o estado deles, eu gostaria de libertá-los o quanto antes. Mas eles são criminosos. Bem, mesmo que eu os solte, podem não conseguir chegar a uma cidade nesse estado. Soltá-los aqui seria crueldade. Ainda há tempo para… pensar melhor nisso.

— Vou esperar pelo momento certo — falei.

Sitri assentiu várias vezes, os olhos brilhando. Talvez ela já tivesse chegado à mesma conclusão que eu? Ou talvez só estivesse esperando que eu dissesse algo para tomar essa decisão? Era possível. Sitri, Liz, praticamente todos que eu conhecia, davam importância demais às palavras de um líder de clã figurativo.

— Pode deixar comigo — eu disse. — Eles parecem bem cansados, então vou deixá-los descansar. Tudo bem?

— Muito bem. Vou avisar Lizzy e aqueles três que deixei o assunto sob sua responsabilidade — disse Sitri, com o rosto levemente corado e a respiração um pouco pesada.

Agora então, o que vou dizer para Black, White e Gray?

***

Era enquanto o ogro errante reconsiderava sua abordagem para eliminar o primeiro grupo de humanos que notou a chegada de um novo grupo. O vento, os sons, cada parte das montanhas Galest era um aliado e informante do ogro errante. Mesmo à distância, ele podia dizer que esse novo grupo era capaz. Especialmente o homem grande na frente. Ele parecia estar no mesmo nível da garota que havia arremessado a rocha em chamas.

Claramente, um grupo entrando nessas montanhas remotas após o outro não era coincidência. O ogro errante sabia que precisava destruir os dois, mas não poderia fazer isso sozinho. Então, o que faria? A resposta era simples, não exigia nem um momento de consideração. Ele colocaria os dois grupos um contra o outro. O ogro errante era inteligente. Inteligente o suficiente para discernir as fraquezas de suas presas. Inteligente o suficiente para compreender a fala humana.

Do pico de uma montanha, o ogro errante estreitou seus pequenos olhos enquanto observava a grande carruagem se movendo ao longo do caminho. Seu corpo se contorceu e mudou, sua pele verde lentamente alterando de cor. Sua carne gemeu enquanto se expandia e brotava pelos. Depois de alguns segundos, sua transformação estava completa.

Silenciosamente, um sorriso selvagem surgiu nos lábios do monstro. Com seus longos membros, ele desceu a montanha em uma velocidade incrível.

***

Ser preso teria sido melhor do que isso. Eles estavam furiosos quando as algemas foram colocadas neles pela primeira vez. Quando lhes disseram que seriam cocheiros de carruagem, começaram a considerar maneiras de remover os colares e resistir caso surgisse a oportunidade. Agora, tudo o que sentiam era um profundo desespero e resignação.

Preto, Branco e Cinza tinham longas histórias de batalhas contra cavaleiros e caçadores. Eles nem se lembravam de quantas vidas haviam tirado e até riam ao acabar com aqueles que imploravam por suas vidas.

Mesmo assim, até eles consideravam os infames Grieving Souls insanos. Haviam perdido toda a vontade de resistir. Agora entendiam por que haviam sido capturados tão facilmente por aquelas irmãs—era uma questão simples de quantos desafios elas já haviam superado.

Os primeiros dias da "férias" sendo tratados como escravos agora pareciam paradisíacos em comparação com o inferno que foi a noite anterior. Após serem jogados em uma batalha de vida ou morte contra uma horda interminável de monstros, haviam atingido seus limites físicos e mentais.

Suas espadas estavam cobertas de sangue e gordura, as lâminas estavam cegas. Seus mantos haviam sido encharcados de sangue—uma boa lavagem provavelmente não seria o suficiente para remover as manchas e o cheiro.

Se eles se encontrassem naquela mesma situação de novo, um deles certamente morreria. Na verdade, os três poderiam morrer. Tinham certeza de que, mesmo que morressem, aquela carruagem provavelmente continuaria se movendo como se nada tivesse acontecido. Algo nessa ideia os aterrorizava profundamente.

Eles sabiam que o Mil Truques era um caçador de Nível 8 que havia resolvido inúmeros incidentes. E se lembravam disso conforme suas "férias" se transformavam em uma jornada brutal repleta de monstros e calamidades. Houve o elemental de raio, a horda de orcs e sua fortaleza. O número absurdamente alto de monstros atacando no caminho pela montanha. E então, havia aquele que atacava indiscriminadamente, o pior de todos—o ogro errante.

Diante da escolha, um encontro com qualquer um desses seria motivo para Preto, Branco e Cinza fugirem imediatamente. No entanto, para o Mil Truques e seus companheiros, aquilo era uma "férias".

Às vezes, evitavam o problema, outras vezes jogavam a encrenca para outros caçadores, e em algumas ocasiões simplesmente atravessavam a força. No caminho da montanha, riam enquanto rolavam morro abaixo, o mesmo caminho que Preto, Branco e Cinza haviam arriscado suas vidas para abrir. Durante a fuga do ogro errante, quase haviam sido entregues como sacrifício.

Preto havia sentido um forte ar de normalidade no comportamento deles. A Sombra partida, a outra caçadora, estava acostumada com encontros de quase morte. Provavelmente já havia passado por coisas ainda piores. Então, ela ria. Então, ela não parava.

A Sombra partida era registrada como Nível 6, mas isso obviamente não refletia com precisão sua força e experiência. Simplesmente não parecia possível. Não importava o quanto tentassem ver, sua aparência não traía sequer um indício de sua força, experiência, determinação ou até mesmo sua malícia.

Preto abraçou os joelhos e se entregou a pensamentos para evitar a realidade. Não havia saída daquele desespero. A única luz que os aguardava era a de sua própria morte. Mas aquela mulher, aquela mulher sorridente e impiedosa que os acorrentou, permitiria tal alívio?

— Hã, vocês estão bem?

Preto foi instantaneamente arrancada de seu torpor e soltou um pequeno grito. Branco, que estava imóvel como um cadáver, e Cinza, cuja consciência estava em debate, pularam como se a própria morte tivesse batido à porta.

A voz que os chamava era fraca, nada intimidadora. Mas essa voz era a mais aterrorizante de todas. Krai Andrey. O Mil Truques. O líder dos Grieving Souls e o homem que comandava a lealdade absoluta tanto da Sombra Partida quanto da Ignóbil. Ele era o único cuja força Preto e os outros não haviam conseguido avaliar.

Como sempre, ele não exibia sequer um traço de poder. Sua constituição era frágil, nada parecida com a de um caçador, nem possuía a aura distinta de alguém que havia absorvido grandes quantidades de material de mana. Ele não usava armadura nem carregava armas, e sua postura estava completamente aberta. Se o vissem na rua, apenas o tomariam por um civil qualquer.

Mas era isso que o tornava assustador. Seus olhos negros profundos eram serenos. Diferente da Sombra Contida, ele nunca gritava, e diferente da Ignóbil, ele não sorria para qualquer coisa. Mas também não era uma anomalia evidente como Matadinho.

Na estrada, eles o observavam constantemente. Ele não havia feito nada de notável. Nunca demonstrou nenhuma consideração especial pelos seus companheiros ou enfrentou as hordas de monstros. Não fez nada excepcional e não demonstrou nenhuma mudança nas suas emoções. Ele parecia comum.

No entanto, ele foi o responsável por estabelecer o objetivo das férias. A Sombra Contida e a Ignóbil eram, sem dúvida, suas amantes. Elas o olhavam com expressões tingidas de desejo, e suas ações eram feitas com o intuito de evitar sua ira.

Não havia como aquele homem ser são. Na primeira reunião, ele quase os liquidou sem motivo. Se ele tinha aquelas duas à sua disposição, então Black não queria nem imaginar o que aconteceria com aqueles que se opusessem a ele. O que fosse, provavelmente não terminaria rápido.

— O-Que foi, senhor? - sussurrou Gray, enquanto se prostrava diante de Mil Truques.

Esse era o homem que havia sido tão audacioso antes da partida. Black sabia como ele se sentia. As pessoas mais assustadoras eram aquelas que não explodiam de imediato. Ela seguiu o exemplo de Gray e baixou a cabeça. Mesmo que um pouco, ela tentava não reconhecer a situação, não olhar diretamente para ela.

— Não precisa se curvar nem nada, - disse Mil Truques. -Mas vou direto ao ponto. Decidi liberar todos vocês. Tenho permissão da Sitri.

Black levantou a cabeça surpresa. White e Gray também o olhavam com expressões vagas.

"Libertar"? Ele realmente disse "libertar"?

As sobrancelhas de Mil Truques se contraíram e ele estreitou os olhos. Uma pequena chave estava em sua mão, era a chave dos seus colares. Ele estava cheio de aberturas. Da sua posição, Gray poderia pegar a chave num piscar de olhos, mas ele não moveu um músculo.

— Claro, não vou deixar vocês irem já,- continuou Mil Truques. - Aqui fora é perigoso e ouvi dizer que vocês são criminosos, aparentemente. Não estariam realmente pagando sua dívida com a sociedade se eu deixasse vocês irem tão facilmente, certo?

Black quase perguntou de onde ele tirava tais palavras, mas se conteve. Eles eram de fato criminosos, e seria uma má notícia para eles se todos os seus crimes fossem expostos. Mas Sitri e Liz já tinham isso sob controle.

Mil Truques sorriu de leve. Era um sorriso completamente natural, genuíno. Ele ergueu a chave e a balançou na frente deles.

— Mas eu também sei que o que vocês fizeram não foi nada sério. Vocês fizeram um bom trabalho seguindo as ordens da Sitri nesses últimos dias e acho que isso é suficiente para pagar sua dívida com a sociedade. Se se comportarem, vou tirar os colares e liberar todos vocês assim que chegarmos a um lugar seguro.

Tomadas ao pé da letra, aquelas palavras pareciam incrivelmente bondosas. Mas Black viu a bochecha de White tremer de medo. Eles eram criminosos. Tinham sobrevivido quebrando leis de todos os tipos e até matando. Sabiam que suas ofensas eram graves. Mas aquele homem acabara de desconsiderar esses feitos como "nada sério."

Não podiam ter certeza de como Mil Truques interpretava o silêncio deles, mas ele rapidamente fez um gesto com as mãos.

— Ah, não se preocupem. O caminho daqui em diante é bem seguro e eu não acho que vamos lutar contra nada. Ainda preciso que vocês conduzam a carruagem, mas podem ir devagar, não temos pressa. Afinal, isso são férias. Entenderam?

Férias. Aquela palavra desprezível fez Black tremer. Era uma palavra doce. Uma palavra claramente feita para alimentar as chamas da esperança. Mas ela e seus companheiros nunca tiveram voz na questão. Tudo o que podiam fazer era acenar como soldados leais. White e Gray acenaram em silêncio. Ela seguiu o exemplo. Mil Truques viu as expressões deles e pareceu aliviado. E como se estivesse esperando aquele momento específico, uma luz brilhou da direção das montanhas.

***

— Aqui está. Faz tanto tempo desde que fiz a sopa. Eu tinha um número limitado de especiarias e poções à minha disposição, então não acho que esteja no ponto.

— Ooh, obrigado. - Dei uma mordida. — Hmm, está realmente boa.

— Graças a Deus. A Lizzy só me trouxe carne estranha. Misturar os sabores foi bem problemático.

O que teria causado aquele flash de luz nas montanhas? Eu me perguntei enquanto saboreava o delicioso guisado de Sitri. Ao lado da fogueira, Liz estava sentada com as pernas dobradas, comendo alguma carne não identificada diretamente do osso. Ao lado dela estava Tino, contrastando fortemente com sua mentora enquanto comia com maneiras impecáveis.

A luz havia sumido após apenas um segundo. Nada veio depois dela, o que me fez pensar que talvez estivesse dando muita atenção a isso, mas ainda assim me incomodava. Poderia ter sido um fenômeno natural? As irmãs Smart não pareciam preocupadas com isso.

Sitri era inteligente, ela seria capaz de dar um palpite educado. Eu me sentei ao lado dela, o que pareceu pegá-la de surpresa. Olhando estranhamente satisfeita, ela se moveu para que nossos ombros se roçassem. Um doce e suave aroma emanava de seus cabelos bem cuidados.

— Sitri, sobre aquela luz...

— Hm? Ah, sim, a luz de sempre.

Hm?! A luz de sempre. A luz de sempre, é?

O ar livre é realmente perigoso. Era para estarmos de férias, mas nossas paradas em Elan, Gula e nas montanhas Galest sempre nos colocaram por um fio do perigo. Como os mercadores viajantes e os que percorrem o caminho conseguem se safar? Se eu soubesse os segredos deles...

Elas estavam bem quietas. Se aquela luz é normal, realmente precisamos correr?

— Vamos correr?- Perguntei.

— Uuummm. Eu diria que ainda é um pouco cedo para nos movermos. E ainda estamos comendo.

Ao contrário de mim, Sitri não estava com medo. Ela estava acostumada a viajar.

Havia vários pedaços de carne assados sobre o fogo e também havia sopa e peixe. Era carne demais para colocarmos na carruagem. Meu plano era passar a noite no lago. Se levantássemos e partíssemos, significaria mais uma caminhada na escuridão. E eu acabara de dizer a Black, White e Gray que não os faria trabalhar duro demais.

Enquanto eu me perguntava o que fazer, fiz uma careta e comi meu ensopado. Então, Sitri teve uma ideia. Ela parecia realmente se divertir, considerando as circunstâncias.

— Pelo posicionamento da luz, acho que a chegada deles não deve demorar muito. Ah, sei! É só um pouco, mas eu tenho um pouco de bebida. Devo pegar para você? — ela perguntou.

Entendi. Então não vai demorar muito. Espera, por que ela está tão certa de que está vindo para cá? Pode ser só um fenômeno natural. E o que era aquela luz, afinal?

Engoli meu orgulho e perguntei para a onisciente Sitri.

— A propósito, Sitri, o que você acha que está lá fora? —

Ela tirou uma garrafa bem bonita e um copo, depois sorriu enquanto servia uma bebida.

— É o Arnold e companhia, — ela disse.

Sorri. Me vi aceitando a bebida que ela estava me oferecendo. Deve ter sido algo forte, porque senti um calor queimando no meu paladar. Sitri sorriu e olhou para o céu noturno, com as bochechas coradas.

O quê? Quêêêê? Por que o Arnold está aqui? Eu não entendo.

Eu não entendia por que Arnold estava nas montanhas. Não entendia como Sitri deduziu isso só de um flash de luz. Mesmo que eu de algum modo entendesse uma dessas coisas, ainda não conseguiria entender como Sitri podia estar ali, rindo disso. Sorri de volta para ela, minha cabeça cheia de interrogações.

— Imagino que aquela luz era da espada feita de um dragão trovão, — ela disse. — Os materiais recuperados de dragões realmente são de primeira classe. Segundo uma teoria, mesmo depois que dragões e seres mitológicos similares morrem, sua carne continua sem perceber e mantém seu poder. Não acha isso incrivelmente romântico? —

A voz de Sitri estava corada e enlevada, mas não posso dizer que compartilhei do mesmo sentimento. Acho que temos sensibilidades diferentes. Tudo o que eu sabia sobre dragões trovão é que eles eram imensamente poderosos, até mesmo para o padrão dos dragões, e que eram deliciosos quando Sitri os assava com teriyaki.

Espera um pouco. Ela acabou de dizer que Arnold está vindo para cá? E com uma arma super poderosa nas mãos? Isso pode ficar ainda pior?

Liz olhou para cima, da carne que estava comendo, e gritou para nós, balançando um espeto de crocodilo.

— Siddy! Sai de perto do Krai Baby, você está muito perto! Sai, sai. Eu tenho olhos nas costas, sabia! —

— Me desculpe, Krai. Vamos ter que continuar em outra hora. —

— Ah?! Como assim, continuar?! Você nasceu sem senso comum? Você também, Krai Baby! Por que está ficando tão íntimo dela, não tínhamos acabado de prometer que ficaríamos juntos para sempre?! —

O que ela quis dizer com "ficar íntimo"? Como posso fazer isso se a aproximação do Arnold me deixa tremendo?

Sem perceber meu estado de pânico, Liz empurrou Sitri para o lado. Como ela tinha acabado de sair do lago, estava um pouco gelada, o que me fez tremer ainda mais.

— Liz, suas roupas estão frias. Vai secar ou vai ficar doente, — eu disse.

— Hã? Como podem estar frias se eu as tirei antes de entrar no lago? Estão atrapalhando? Ah, entendi, devo tirá-las então? —

Liz não hesitou em começar, mas Tino reuniu coragem e saltou em cima dela de surpresa.

— Lizzy, para com isso, é impróprio! — ela gritou.

Ela foi imediatamente jogada para o lado, mas tão rápido quanto, se levantou e derrubou Liz. Era uma pena que precisassem brigar assim, mesmo depois de um banho no lago. Eu estava assistindo aquela briga de irmãos, sem saber o que fazer.

Então algo surgiu das árvores.

Tinha cabelo loiro, um corpo musculoso que devia medir quase dois metros, e os olhos brilhavam com um tom amarelado. Seus braços e pernas estavam bem desenvolvidos, mas estranhamente longos. O que me surpreendeu foi a falta de roupas. Um simples pedaço de pano amarrado na cintura era a única coisa que demonstrava algum bom senso. Sitri e Liz olharam com os olhos arregalados. Tino estava paralisado.

Instintivamente, sorri e fiz uma pergunta. Sorrisos eram uma das minhas técnicas de defesa.

— Quem é você? —

O misterioso loiro musculoso estreitou os olhos e pareceu estranhamente confiante.

— Arnold. Faz tempo. —

A-A-A-Arnold?! Saltei do meu lugar perto do fogo. Ele realmente mudou. Mas acho que aquele cabelo longo realmente parece o dele. Mesmo a cor dos olhos. Mas ainda assim ele está diferente o suficiente para que eu nunca teria adivinhado que era ele. Algo está estranho.

Olhei para ele e então me bateu.

— Você emagreceu? —

— Krai Baby, é isso mesmo que você deveria perguntar? — Liz interrompeu.

— O que aconteceu com a sua espada? —

— Joguei fora. Era uma porcaria. —

Parece que ele jogou fora uma espada ultrapoderosa feita com partes de um dragão trovão.

— Primeiro, precisamos te arrumar umas roupas, — Sitri interveio.

— Siddy?! — Tino gritou.

O que fazer? Eu estava de olho, mas não esperava que ele aparecesse sem roupa e desarmado.

O que aconteceu com o Arnold? Olhei com mais atenção, mas não conseguia aceitar que fosse ele. Me ocorreu que talvez eu estivesse cansado.

Calma, Krai Andrey. Se ele não fosse o Arnold, não estaria se chamando de Arnold. Se fosse alguém se fazendo passar por ele, provavelmente faria um trabalho melhor. Isso significa que deve ser o Arnold.

— Para começar, — eu disse. — Por que não come um pouco de ensopado? Tem carne também. —

— Krai Baby, eu adoro essa parte de você! —

— Devo anotar isso. —

— Mestre é deus. Mestre é deus. —

Matadinho, um comedor solitário, apareceu do nada.

— Kill, kill. —

— Miau? —

Arnold correu para frente, chutou a carne que estava assando com suas pernas longas e derrubou o caldeirão de ensopado. Apontou para mim e sorriu como uma besta selvagem.

— Essa noite, você morre. —

Ah, não tem dúvida, esse é o Arnold.

— Morrer! Morrer! Todos vocês! —

— Arnold, calma! Se eu fiz algo errado, vou pedir desculpas! —

Ele balançava os braços com uma fúria selvagem que não se vê com frequência. Quebrou nossas garrafas e derrubou nossos pratos no chão. Eu tentava desesperadamente pedir desculpas, mas ele não ouvia. Ele enfiou os braços em uma fogueira que tínhamos trabalhado tanto para acender e lançou a madeira em chamas pelo ar.

Ele realmente é humano?

— Lute. Lute comigo, — Arnold disse.

— Calma, Arnold! Nada do que eu fiz para você foi de propósito! Por que está tão bravo? A culpa é minha. A culpa é toda minha. Vou pedir desculpas, então me perdoe! —

— Cala a boca. Agora morra! —

Arnold balançava os braços com uma velocidade incrível, mas não me acertou. Ele parecia estar evitando me atingir deliberadamente. Nosso equipamento de camping estava sendo destruído, mas eu podia ver que a consciência dele estava o segurando. Mesmo assim, sua força era impressionante, mas de um jeito diferente de como eu já tinha visto antes. Achei que isso fosse o que acontece quando um Nível 7 da Terra da Névoa fica sério.

Enquanto ele se debatía com movimentos quase desumanos, eu tentava desesperadamente acalmá-lo.

— Arnold, isso não vai resolver nada! Se algo está te incomodando, eu vou te ouvir! Tudo bem? Não somos ambos homens da capital imperial? Devo rastejar? Eu posso rastejar. Vou rastejar, então pare com essa convulsão assustadora! —

Eu sou um pacifista. Quero resolver tudo sem lutar e não hesitarei em colocar minha testa no chão se for necessário.

Coloquei os braços para frente, dobrei os joelhos e rapidamente me prostei. Não sabia o que estava me desculpando, mas não precisava de uma razão. Coloquei toda a sinceridade que pude.

— Arnold, eu sinto muito por tudo! Por favor, me perdoe! —

— Q-Q-Q-Que está fazendo?! —

Let This Grieving Soul Retire! Volume 4 15 Online em Português PT-BR

 — Ouvi uma voz familiar. Uma voz irritada, como uma panela prestes a transbordar. Olhei para cima e vi—

— Ar...nold?

Era Arnold, como eu me lembrava dele, e seus amigos. Seu rosto estava tenso e vermelho de raiva, mas ele sempre tinha essa cara, então eu tinha certeza de que era ele. Em sua mão direita, havia uma espada tão longa quanto ele e brilhando em um tom amarelo. Era aquela espada super poderosa que ele tinha feito com partes do dragão do trovão.

Exceto que eu não estava com medo. Eu estava surpreso. Rapidamente me reposicionei para continuar me prostrando para o outro Arnold. O Arnold nu ficou ali, imponente, com os braços cruzados.

O que diabos está acontecendo?

O Arnold recém-aparecido tinha ares de um demônio. Vapor subia de seu corpo temperado enquanto ele tremia de raiva. Seus companheiros atrás dele pareciam igualmente inflamados, exceto por Chloe, que estava um pouco afastada, pálida e apenas observando.

— J-Quão idi...i...

— Idi...?

— ...iota você acha que eu sou?! Pereça!

Arnold rugiu com toda a força e avançou contra mim. Seu ódio puro parecia forte o suficiente para me apagar da existência. Uma luz ofuscante me envolveu e ouvi o estalo da eletricidade enquanto uma espada dourada descia em direção ao meu crânio.

O golpe foi desviado por um Anel de Segurança. Confuso, pedi ajuda ao Arnold molenga.

— Me salva, Arnold!

— Tá me tirando de novo?!

Aquele grito trovejante me informou, em um nível instintivo, que o Arnold com a espada era o verdadeiro. Era uma questão de quantidade de violência no comportamento.

Matadinho avançou na minha direção, mas alguns caçadores conhecidos bloquearam ele e Sitri. O braço direito de Arnold, A (acho que esse era o nome dele), ficou diante do grandalhão grisalho e riu. Os outros caçadores rapidamente assumiram posição.

— Segura aí, se quiser passar, vai ter que lidar com a gente primeiro — disse Eigh.

Por que as pessoas sempre atacam a gente tão rápido?

— Calma, Arnold de verdade. A gente pode resolver isso na conversa! — implorei.

— QUE NADA!

Ele queria sangue. Um oceano inteiro dele. Chloe nos observava nervosamente.

Arnold chutou meu estômago. Um Anel de Segurança me impediu de sofrer dano, mas qualquer golpe bem-sucedido de um nível 7 seria fatal para mim. A experiência já tinha me ensinado que eu não conseguia resistir a ataques de ninguém acima do nível 3. Em um combate direto, eu não conseguia esquivar, não importava para onde eu tentasse correr, e contra-atacar nem passava pela minha cabeça.

Minha única opção era aguentar os golpes. Ao invés de tentar desviar, deixei que meus Anéis de Segurança se ativassem. A lâmina e sua eletricidade eram desviadas por uma barreira fina ao redor do meu corpo. Pelo que parecia, o estilo de luta de Arnold priorizava menos golpes, mas cada um absurdamente forte. Mesmo assim, ele ainda desferiu múltiplos ataques em questão de segundos. Mas estava tudo bem. Eu já estava acostumado com a força dos caçadores.

Não importava quantas vezes ele atacasse, meu conhecimento sobre os Anéis de Segurança me mantinha ileso. Todos ficaram congelados, apenas observando seu furioso bombardeio de ataques. Mas ele não podia manter aquele ritmo para sempre.

Após um último golpe furioso, Arnold recuou. Seus olhos afiados refletiam não apenas raiva, mas também cautela. Finalmente, vi uma chance de negociar. Arnold era forte, mas eu tinha Liz e Sitri comigo, sem falar de Drink e Matadinho, então eu podia me dar ao luxo de ser mais ousado.

— Se sentiu melhor agora? — perguntei.

— Como você ainda está de pé? Eu não consigo entender — disse Arnold, ofegante.

Por que eu ainda estava de pé? Um sorriso surgiu em meus lábios.

A velocidade e a força de Arnold eram extraordinárias. Alguns caçadores tinham fama, mas não força para sustentá-la (como eu), mas esse não era o caso dele. Ainda assim, não era o suficiente. Ele não entendia, mas Arnold não estava lutando contra mim. Ele estava lutando contra a história dos Anéis de Segurança! Contra a história de uma Relíquia considerada uma das melhores defesas que existem!

Os Anéis de Segurança eram absolutos, inquebráveis. Pelo que eu sabia, nunca haviam sido rompidos. Os golpes mais fortes de Luke cortavam metal como se fosse queijo, mas nem isso era suficiente.

Eu era pequeno e insignificante, mas estava usando dezessete Anéis de Segurança absurdamente caros. Bom, dez tinham acabado de ser usados, me deixando com sete. Isso significava que eu só poderia aguentar mais sete golpes, mas também queria dizer que eu ainda estava seguro contra qualquer outro golpe dentro desse limite.

Fui atacado várias vezes por vilões assustadores e sempre saí vivo, segurando o enjoo. Não era algo para se gabar, mas eu ainda sentia certo orgulho por ter sobrevivido ao inferno e estar aqui para contar a história. Então acabei me gabando sem querer.

— Arnold, calma. Isso é uma questão de experiência. Já fui atacado tantas vezes, e ninguém nunca conseguiu me arranhar — falei.

Arnold me olhou com olhos que poderiam matar. Foi assustador pra caramba. Mas se eu aguentasse só um pouco mais, alguém viria me salvar.

Liz, que estava observando em silêncio até então, limpou a poeira das mãos e sorriu tão ferozmente quanto Arnold. Se isso não fosse o bastante, Tino estava por perto. Seria um dois contra um.

— Você entende o quanto está atrás de nós? — disse Liz. — Por que você acha que eu tive o trabalho de desenhar uma seta pra te mostrar o caminho? Porque eu sabia que você não conseguiria lidar com o Krai Baby!

— Foi você quem desenhou aquela maldita seta?! — Arnold retrucou.

— Você nem teria nos encontrado sem ela! Eu sou tão legal!

Espera, que seta?

Liz cerrou o punho. Em algum momento, já tinha colocado suas manoplas.

— Mas isso termina aqui — continuou. — Mesmo que seus golpes não estejam passando, ainda me irrita ver você atacando o Krai Baby. Mesmo que eu devesse estar de folga, acho que não posso ignorar isso agora.

O sangue subiu à cabeça dela. Suas bochechas estavam rígidas e seus olhos tremiam. Além disso, minha proibição da violência não era uma ordem para "ficar de folga".

Assim que Liz começou a se aproximar de Arnold, algo a lançou para trás. Era Arnold, ou melhor, o falso Arnold. Mas a criatura que eu havia assumido ser Arnold agora tinha pele verde e nenhum cabelo. O que estava ali era o ogro errante que nos atormentou por toda a travessia pelas montanhas.

O ogro praticamente desapareceu ao investir contra Liz. Ele balançou seus braços como chicotes, que Liz bloqueou antes de revidar com um chute em alta velocidade. O ogro contorceu seu corpo e evitou o ataque.

Eu não podia acreditar. O ogro podia mudar sua aparência e nós tínhamos sido enganados. Monstros capazes de enganar humanos não eram raros, mas eu nunca tinha visto um tão inteligente e capaz de transformações tão rápidas.

— Arnold, guarde sua espada! — falei, tentando soar o mais calmo possível. — Parece que esse monstro nos enganou esse tempo todo.

Recebi um chute como resposta. Um Anel de Segurança bloqueou o golpe.

— Acalme-se! Não há sentido em continuar lutando!

— Não brinque comigo! Quem diabos cairia numa dessas?!

Eu cairia numa dessas! Eu me prostro, então apenas me perdoe, ok?! Dá para me culpar por ter sido enganado por esse impostor? E não é como se eu tivesse feito algo ruim para o falso Arnold.

Arnold soltou um rugido. Como se respondesse ao seu grito, mais relâmpagos emanaram de sua espada com toda a calamidade de uma tempestade. Ninguém viria nos ajudar. Eu estava bem, tinha meus Anéis de Segurança, mas Tino ficou paralisada com a quantidade de energia que Arnold canalizava.

Ela estava perto o suficiente para ser atingida por uma onda de choque. Corri até ela. Correr nessas situações era algo a que eu já estava acostumado. No momento em que agarrei Tino, um dos meus anéis ativou. O relâmpago de Arnold nos atingiu com um estrondo ensurdecedor, algo a que você nunca se acostuma, não importa quantas vezes aconteça.

Tudo aconteceu em um instante. O trovão se dissipou. Eu estava ileso, e Tino também. Arnold nos olhava com olhos arregalados.

Não quero me gabar, mas eu tinha certeza de que ninguém era tão habilidoso com Anéis de Segurança quanto eu. Mesmo em uma era repleta de caçadores poderosos, duvido que alguém usasse essas Relíquias tanto quanto eu.

Os Anéis de Segurança eram amplamente conhecidos como Relíquias que ativavam barreiras inquebráveis para proteger contra ataques fatais, mas isso não era totalmente preciso. Era um detalhe pouco conhecido, mas os Anéis de Segurança possuíam múltiplas funções. Uma delas era a "Ativação Voluntária", que permitia ativar um anel por conta própria, ao invés de deixá-lo ser ativado automaticamente. Uma barreira ativada voluntariamente podia ser ajustada levemente, algo impossível com uma barreira automática.

Em resumo, o uso eficaz de uma dessas barreiras permitia proteger a si mesmo e a alguém próximo. Eu estava um pouco orgulhoso de mim mesmo por proteger outra pessoa pela primeira vez em muito tempo.

— Satisfeito agora? Vamos parar, não há sentido em continuarmos brigando assim — sugeri, agora que havia recuperado um pouco da compostura.

A luz na lâmina de Arnold diminuiu, mas sua vontade de lutar permanecia inalterada. Imaginei que ele só pudesse canalizar tanta energia em rápida sucessão através daquela arma. Mas se ele queimasse todos os meus Anéis de Segurança, não precisaria de um golpe forte para me matar. Eu precisava ganhar tempo, apenas alguns minutos bastariam.

— Saque sua lâmina, Mil Truques! — Arnold exigiu.

— Eu não tenho nada do tipo comigo.

Eu sabia que não era isso que ele queria dizer, mas ainda assim escolhi fugir da questão. Não existia caçador pacifista, essa era uma profissão que falava com os punhos. Se você não demonstrasse sua força, não seria levado a sério. Se eu realmente tivesse poderes dignos de um Nível 8 e mostrasse isso para Arnold, ele teria se acalmado muito antes. Esse era um dos motivos pelos quais eu queria deixar de ser caçador.

— Com toda essa força, ainda assim você não ataca? Por que ir tão longe?!

Não era que eu não atacava, eu não podia atacar.

— Porque eu acredito — disse com um sorriso.

Soltei essa frase ao acaso porque soava bem, mas Arnold ainda assim avançou contra mim. Ele realmente não sabia ler o clima.

Eu sabia que correr seria inútil, então soltei Tino e avancei. A experiência me ensinou que, se eu recuasse, apenas seria atingido. No entanto, se eu avançasse, talvez ele ficasse em alerta e poupasse um ataque. Essa era a minha estratégia de sobrevivência.

Notei um leve traço de cautela nos olhos de Arnold, mas ele não parou. Confiar em sua própria força quando necessário era o que fazia dele um caçador de primeira linha. Ele se preparou para estocar, mas antes que pudesse, foi forçado a tropeçar para frente.

— Nem pensar! — gritou uma voz trêmula.

Quando Arnold tropeçou, sua lâmina bateu em mim. Outro Anel de Segurança foi gasto.

Arnold estalou a língua e rapidamente recuou para se recompor.

Tino me protegeu. Seus ombros expostos. Suas fitas desgastadas e maltratadas. Seu corpo tremia, e eu não sabia se era de nervosismo ou excitação. Mas seus pés estavam firmemente plantados no chão.

— Saia da frente. Não tenho negócios com você — disse Arnold, encarando-a.

— Mas... eu tenho negócios com você — respondeu Tino.

— Hmph. Você não vai me impedir uma segunda vez.

Uma nuvem de poeira foi levantada, mas aparentemente ela tentou um golpe rasteiro. No fim, acabei sendo atingido pela espada de Arnold de qualquer forma, mas fiquei impressionado com sua boa sincronia.

— Não vou deixar você atacar o Mestre mais. Ele sempre me protegeu, mas isso muda agora. Se Lizzy não está aqui, então eu serei sua lâmina.

Me senti mal por pensar nisso enquanto ela tinha seu momento de destaque, mas já sabíamos que Tino sozinha não era páreo para Arnold. Ela simplesmente não estava equipada para enfrentá-lo; até mesmo ganhar tempo seria difícil para ela.

— Você tem coragem, mas não pode me vencer. Além disso, há algo nesse homem que vale a pena proteger?

— Claro que tem. Mas eu não vou dizer o quê.

Não havia hesitação alguma nela. Fiquei surpreso com a determinação que podia perceber. Mas determinação não era o suficiente para compensar a diferença de força entre eles, e Tino sabia disso.

— Você está certo. Eu não posso vencer assim. É por isso que—

Tino ergueu uma mão no ar— nela, segurava a Evolve Greed. Eu não podia ver seu rosto de onde estava, mas podia ver sua mão tremendo. Ainda assim, ela segurava a máscara com firmeza.

— Mestre, me empreste sua força.

E então, Tino pressionou a máscara contra o rosto.

***

— Ó valente guerreiro, sua alma anseia pelo meu poder?

Tino ouviu uma voz. Sentiu uma sensação pegajosa e incômoda cobrindo todo o seu rosto e penetrando sua carne. Uma força desconhecida surgiu dentro dela. Antes, ela resistia, mas agora aceitava cada pedaço desse poder, com seu amado mestre no centro de seus pensamentos.

Ela não tinha mais medo. O treinamento de seu mestre era rigoroso, mas era tudo para o bem dela. Isso significava que a única escolha de Tino era retribuir seus esforços. Sua falta de experiência a impediu de perceber algo tão simples até agora. Agora, ela entendia tudo. Tudo havia começado no início das férias, não, havia começado quando a máscara foi trazida para a capital.

Ela havia sido atingida por um raio em preparação para sua batalha contra Arnold. O treinamento servia para fortalecer seu espírito e lhe dar a determinação para usar a máscara. E atrair Arnold até eles foi feito em nome de seu próprio crescimento. Arnold foi levado ao acampamento e o comportamento farsesco de Krai serviu para extrair sua força total.

Parece simples quando colocado em palavras, mas, de fato, quantas pessoas seriam capazes de tal feito? Lizzy e Siddy provavelmente foram mantidas a distância, uma distância considerável, para evitar que Tino tentasse depender delas. Só depois que seu mestre usou o próprio corpo para protegê-la é que ela finalmente tomou sua decisão.

Ver seu mestre protegê-la causou um impacto maior do que o raio que a atingiu mais cedo na viagem. Seu mestre acreditava nela e, por isso, escolheu não lutar. Tino não podia mais depender dele do jeito que sempre fez.

— Deixe de lado suas dúvidas, não resista. Entregue-se ao caos.

Era uma voz perturbadora. Ela se lembrou da última vez que usou a máscara.

— Mestre, aquela não era a verdadeira eu — ela havia dito na época. — A máscara me fez fazer aquilo!

Vendo-a elevar a voz e se humilhar, seu mestre apenas sorriu e disse:

— Tudo bem, se acalme. Eu entendo que aquela não era você. Ah, certo. Aquela era a Tino Louca.

Depois disso, Lizzy pegou a máscara e a colocou casualmente, apenas para removê-la imediatamente.

— Eu não posso usá-la — disse. — Ela falou algo sobre um excesso de força inesperado e como não ativaria por questões de segurança.

A máscara não passava de uma Relíquia. Uma Relíquia perigosa e aberrante, mas ainda assim apenas uma Relíquia. Sua falta de experiência a impediu de suprimir os impulsos da máscara antes. Ela não conseguiu resistir àquelas sensações novas e foi dominada por elas. Mas desta vez seria diferente.

Tudo que precisava era de uma determinação inabalável, a determinação de usar a Relíquia por conta própria.

— Eu não vou me entregar. Você não passa de uma Relíquia que eu vou usar — disse para a máscara.

— Oh, você está absolutamente certa. No entanto, por questões de segurança, o modo automático é recomendado para novos usuários.

— Não. Eu vou manter o controle.

— Muito bem. Mudando para o modo manual. Por favor, esteja ciente de que efeitos colaterais físicos podem ocorrer devido ao uso em um corpo não acostumado.

Uma força ardente percorreu seu corpo, sua alma foi sacudida por uma sensação repentina de onipotência. Mas ela se manteve calma. Sua perspectiva estava mais alta do que o normal. A sensação apertada ao redor do corpo sugeria que ela havia crescido.

Arnold estava estupefato. Olhando para trás, viu que, pelo poder da máscara, seu cabelo curto havia crescido, com as pontas brancas como a neve. Levando as mãos ao rosto, quase parecia que estava tocando sua própria pele. A única diferença era um chifre que agora brotava acima de seu olho direito.

Da última vez que colocou a máscara, ela apenas cobriu seu rosto. Desta vez era diferente. Sua mente estava clara, tinha total controle sobre seu corpo, e sua força estava lá para ser usada. Era assim que a Evolve Greed deveria ser usada. A Relíquia era um dispositivo que despertava os poderes latentes de seu usuário, o que significava mais do que apenas pura força.

Agora eu posso vencer, pensou Tino. Não, eu vou vencer.

Seu amado mestre a observava e, como se contemplasse a prova de uma harmonia preestabelecida, murmurou:

— Super Tino.

Como sempre, ela não o entendeu. Sentindo uma forte, mas ambígua, sensação de satisfação, voou em direção ao Desafio que a aguardava.


Tradução: Carpeado 
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