Seija Musou | The Great Cleric
Volume 01 Intermissão 03
[A Linhagem do Lobo Branco — Um Curandeiro
Rebelde]
Nome é Bazan. Eu faço parte de um grupo com meus velhos camaradas, Basura e Sekiros, chamado Linhagem do Lobo Branco. O nome vem de mim, o mais forte do bando e descendente do sagrado Lobo Branco.
Nós três estávamos relaxando no salão da Guilda dos Aventureiros de Merratoni. Não havia muitos lugares onde os homem-fera podiam viver bem. Dependendo dos genes, alguns de nós tinham muito pelo no corpo, outros trocavam de pelo o tempo todo, alguns tinham caudas... e isso já era suficiente pra maioria dos humanos agir como se a gente fosse portador de uma praga. Os que tinham uma aparência mais “aceitável” eram tratados como animais de estimação.
Tínhamos acabado de concluir uma escolta e estávamos voltando para a estalagem depois de alcançar o ranque B na guilda, quando vi um humano com quem eu tinha esbarrado uns dias antes. Ele olhava ao redor, murmurando pra si mesmo.
— ...isso é meio bizarro — ouvi ele sussurrar.
Eu senti vontade de assustá-lo um pouco.
— Quer repetir isso? De quem você tá falando, hein?
— O quê...
— Ei, você é aquele curandeiro em quem eu esbarrei outro dia, não é?
— E-Eu sinto muito por aquilo — ele gaguejou. — Desde então, tenho me esforçado bastante e finalmente aprendi Cura, então posso usar em você como um pedido de desculpas, se quiser.
Eu não esperava que ele ficasse tão assustado. O desgraçado baixou a cabeça e se ofereceu pra curar um homem-fera. De repente, perdi a vontade de zoar o coitado. Isso já seria só uma covardia. O Lobo Branco não faria isso.
— Como se eu estivesse tão ferrado a ponto de precisar dessa porcaria! Somos aventureiros, cara — rosnei. Bom, tentei. Eu estava irritado, então não deu pra evitar o tom. Que diabos esse cara tava tentando fazer?
Sekiros e Basura finalmente apareceram pra salvar minha pele.
— Bazan, o moleque tá tremendo nas botas. Você fez alguma coisa com ele? — Sekiros perguntou.
— Ah, ouvi ele falando sobre aventureiros e algo ser bizarro, então achei que tava tirando sarro, mas acho que entendi errado.
— Hah! Quem pode culpar o cara? Sua cara é bem intimidadora.
— Cala a boca, Basura. E você, baixinho, o que tá fazendo aqui?
— E-Er... bom, eu tava tentando chegar na Guilda dos Aventureiros, mas não sei o caminho, então resolvi dar uma olhada na cidade.
No instante em que ouvi isso, senti uma dor de cabeça chegando. A gente estava indo pros becos da cidade, e esse idiota tava indo na mesma direção. Ele não sairia de lá vivo se fosse longe demais, e se conseguisse sair, não esqueceriam a cara dele. Não era o melhor jeito de começar a virar um curandeiro decente.
— Você ia pro submundo vestido assim? Tá querendo morrer? Ou acabar sendo enganado e vendido como escravo? Escravidão pode ser ilegal aqui, mas isso não significa que você não vai ser roubado e largado numa vala — Sekiros alertou.
— U-Um, vocês são todos aventureiros, certo? Podem me dizer onde fica a guilda? Eu agradeceria muito.
Um humano, um curandeiro, se curvou diante de Sekiros. Trocamos olhares e depois olhamos de volta pro moleque. Com certeza, ele era humano.
— Você é humano... certo? — Basura confirmou. — Não é meio homem-fera nem nada?
— Não, sou humano. Falei algo estranho?
— Você sabe que somos homens-fera, né?
— Sei. Essa é minha primeira vez conhecendo algum.
— Sua primeira vez?
— Isso mesmo, então peço desculpas se fiz algo ignorante e ofendi vocês.
Quantas vezes esse humano ia se desculpar? Ele me lembrava dos homems-fera dos becos. E se essa era a primeira vez dele conhecendo alguns, talvez a gente pudesse fazer ele nos dever um favor. Talvez ele pudesse curar alguns de nós. Pelo menos, era o que eu esperava.
— Bazan, esse moleque não bate bem.
Eu estalei a língua em resignação.
— Beleza. Se somos sua primeira impressão, vamos te levar até a guilda.
— Muito obrigado!
— Para de se curvar o tempo todo!
— S-Sim, senhor!
Ele parecia prestes a cair no choro, mas tudo o que eu tinha feito era gritar um pouco. Aí vem minha dor de cabeça...
— Você vai fazer o moleque chorar, Bazan.
— Ele tem um rosto que só uma mãe amaria.
— Basura, cala a boca. Sekiros, guia ele.
Esses dois palhaços podiam cuidar das coisas se quisessem agir feito idiotas. Mas peraí... por que diabos um curandeiro tava indo pra Guilda dos Aventureiros?
— Certo. Aliás, qual é seu nome, moleque? — Sekiros perguntou.
— Luciel. Acabei de me tornar adulto, e minha ocupação é curandeiro.
— Luciel, né? Somos a Linhagem do Lobo Branco, um grupo de aventureiros de ranque B.
— Ranque B? Vocês devem ser bem fortes, então.
— Ah, você sabe. Bom, sem perder mais tempo, vamos nessa.
— Sim, vamos.
— Você é esquisito, sabia, Luciel?
E como era. Um curandeiro humano tinha acabado de se apresentar a um grupo de homens-fera... educadamente.
Levamos ele até a guilda e fingimos que íamos embora só pra ficar observando um pouco mais. Não tinha como aquele palito de dente estar planejando virar aventureiro. Será que ele ia fazer um pedido?
Ele chegou até o balcão de recepção e começou a perguntar alguma coisa pra Nanaella.
— Se ele tentar algo, a gente entra — ordenei.
— Não exagera. A gente mataria o moleque.
— Melhor não matar o moleque.
— Relaxa, vocês dois. Eu sei.
Eu... quer dizer, nós não deixaríamos ninguém colocar Nanaella em perigo. O Furacão também não deixaria, e ninguém ousaria tentar algo com ele por perto. A Guilda dos Aventureiros de Merratoni era uma raridade, pois empregava muitos homems-fera.
O Furacão, o chefe, não tolerava discriminação racial. Ele estava anos-luz à frente de todo mundo, um homem de talento inalcançável. E com o Urso Chef e o Eremita—lendas entre os homens-fera—ao lado dele, aquelas guildas esnobes de Curandeiros e Magos não podiam encostar na gente.
Nanaella se levantou e deixou o moleque ali sozinho. Claramente, era só um pedido normal da guilda e ela saiu por um motivo. Se estivesse fugindo, alguns caras teriam ido atrás dela pra ajudar. Ela parecia um pouco incomodada com alguma coisa, mas o sorriso nunca vacilou. Talvez ele não fosse do tipo que discriminava... Raro entre humanos. Depois de alguns minutos, ela voltou com Brod.
Será que... ele vai sair dessa inteiro?
O moleque continuou falando, como se Brod não estivesse pressionando ele com aquela aura absurda. Mas eu tinha certeza que estava.
— Ei, esse tampinha é mais forte do que parece? — ouvi alguns curiosos comentando.
— Ele tem que ser, se consegue aguentar a pressão do Brod. Talvez seja um mago.
Claro, eles estavam errados. Como reagiriam se eu dissesse que ele era um curandeiro? O Furacão não levaria essa informação de ânimo leve.
O garoto tinha coragem de aventureiro, isso era certo. O contraste entre sua bravura e o quanto ele era um medroso despertou meu interesse.
Depois que ele saiu, a guilda fez um anúncio... Algo raro de acontecer. Daqui a três dias, um curandeiro seria designado para a nossa filial. Era um novato e só conseguia lançar Cura, mas atenderia pacientes de qualquer raça ou gênero por uma única prata. Novos aventureiros seriam tratados de graça.
Era aquele garoto. Não poderia ser mais ninguém.
Junto com essa informação, havia um aviso em letras grandes e diretas: qualquer um que começasse uma briga com o curandeiro teria sua patente rebaixada e possivelmente receberia uma multa. Reclamações deveriam ser levadas ao Brod.
Para os padrões de anúncios da Guilda dos Aventureiros, esse era bem fora do comum. Rebaixar um rank como punição era extremamente irregular e, na prática, significava que o garoto estava recebendo um tratamento VIP. E pelo próprio mestre da guilda, o Furacão, nada menos. Isso era o mais chocante.
De qualquer forma, esse curandeiro não era um garoto comum se estava disposto a curar qualquer um, independentemente da raça. Num mundo onde gente como nós podia ser negada tratamento ou cobrada preços abusivos, era um sonho se tornando realidade.
— Sem dúvida. Ele tá falando daquele tal de Luciel, né?
— Provavelmente.
— Sei não, um curandeiro com essa coragem toda? Vou ficar na dúvida até ver com meus próprios olhos.
Os outros aventureiros tinham suas próprias opiniões, mas nós sabíamos a verdade.
— Pelo menos isso significa que a Nanaella não tava em perigo.
— Isso mesmo.
E foi assim que o conhecemos. Luciel, o curandeiro magricela. Antes de partirmos para uma missão escoltando uma caravana de Merratoni até o Império de Illumasia, fizemos uma aposta sobre quanto tempo ele duraria.
Voltamos para Merratoni três meses depois.
— Essa viagem foi longa — comentou Sekiros, despreocupado.
— Aquele mercador era um pão-duro desgraçado — resmungou Basura.
— Ah, mas ficou quietinho quando derrubamos o monstro, não foi?
— É, talvez.
— Ah, e quem aposta que aquele curandeiro ainda tá na guilda? — perguntei.
— Eu não — respondeu Sekiros.
Basura pensou por um momento.
— Acho que ele ainda vai estar lá — disse finalmente, o que me surpreendeu.
— Eu acho que não — falei. — E por que você acha que sim, Basura?
— Não importa o que o curandeiro quer. O Brod nunca deixaria ele sair.
— Essa é sua teoria, hein? Beleza, o perdedor paga a rodada assim que terminarmos essa missão.
Basura e Sekiros concordaram, e fomos direto para a Guilda dos Aventureiros.
— Não vejo o pivete, vocês veem? Cara, tô sentindo cheiro de bebida grátis — gargalhei.
Basura estalou a língua, irritado.
— Bem-vindos, Linhagem do Lobo Branco — Nanaella nos cumprimentou. — Vieram relatar a missão?
— Ei, Nanaella. Você lembra daquele curandeiro que apareceu aqui três meses atrás? Quanto tempo ele acabou ficando?
— Ah, você quer dizer o Luciel? — ela sorriu alegremente.
— Sem “Senhor”? Não são muitos que têm esse privilégio. Então, o quê? Um mês? — perguntou Sekiros.
Nanaella deu uma risadinha, seu sorriso crescendo ainda mais.
Senti um mau pressentimento.
— Então... — Basura abriu um sorriso malicioso. — Ele ainda tá aqui?
Nanaella riu baixinho por um momento.
— D-desculpem, mas sim. Ele tá morando na sala de descanso do andar de baixo.
— O quê?! — gritamos em uníssono.
Ela explicou que, na verdade, ele estava vivendo na guilda esse tempo todo e bebendo uma certa poção que Gulgar fazia todo novato experimentar. Todos os dias. Só de pensar nisso, meu estômago revirou.
Além disso, ele estava treinando com o Furacão, dia após dia, sem sair da guilda por três meses. O pessoal já estava dizendo que ele era viciado em treinamento.
— Cara, e tão chamando ele de Língua Defeituosa, o Masoquista, Zumbi... Esses apelidos tão ficando cada vez mais insanos.
— Hoje você tá falante — gemi.
— Claro, não sou eu que vou pagar.
— Aproveita enquanto pode. Pelo menos o cara parece ser gente boa. Vamos ver como ele se sai se a gente se machucar.
Na época, Luciel era só um curandeiro esquisito pra mim... pra todos nós. Ninguém esperava o que aconteceria dali a meio ano.
Estávamos cortando monstros numa mina em uma missão urgente. “Eliminem todos os monstros saindo da mina”, eram nossas únicas ordens. Todos eram fracos, fácil demais. Exceto por uma criatura que estava mais no fundo.
Sekiros e eu tossimos sem parar. Aquela fumaça, ou névoa inflamável, ou seja lá o que fosse aquilo que o monstro cuspiu, nos pegou em cheio.
— Aguentem firme, pessoal! Estamos quase lá! Fiquem comigo!
— Por que essa cara? — resmunguei. — A gente vai ficar bem.
— Acha mesmo que vamos bater as botas assim tão fácil? — Sekiros tossiu. — É só dormir que melhora.
— Não, vocês vão direto pra uma clínica.
Basura tinha uma aptidão rara para magia (pelo menos para um homem-besta), então era mais resistente a doenças e venenos. Sekiros e eu ficamos quietos e deixamos ele nos levar a um curandeiro, mas o resultado não foi surpreendente.
— O que esses cães são pra mim? Se quer forçar minha mão, digamos... cinquenta moedas de ouro.
— O quê?! Quem diabos tem esse tipo de dinheiro?!
— Problema seu, amigo. Sou um homem ocupado. Se não gostou, pode ir embora.
— Por favor, tem que ter alguma coisa que possa fazer.
— Tudo bem. Cães fazem bons escravos. Isso deve cobrir o custo.
— Você tá brincando comigo?
— Não gostou? Então saia.
A clínica foi um fracasso. De volta à estalagem, Sekiros e eu descansamos enquanto Basura correu até a Guilda dos Aventureiros. Assim que ele saiu, apaguei.
Um calor estranho me envolveu enquanto a névoa começava a se dissipar.
— Eles devem ficar bem agora. Se acontecer mais alguma coisa, por favor, tragam eles... pra... guilda...
— Ei, calma aí. Você fez um bom trabalho, garoto — Brod o segurou antes que caísse. — Isso vai dar duas pratas pra vocês.
— Só isso? Só isso mesmo? — Basura perguntou, incrédulo.
— Só isso. É o que ele quer.
— Quem diabos é esse curandeiro?
— Um esquisitão. É isso que ele é. Sei lá que tipo de vida ele levou, mas ele treina pra caramba. Tudo pra ‘sobreviver’, segundo ele.
— Dois pratas sequer dão lucro?
— Ele diz que ainda é inexperiente. Se acha que deve mais a ele, então esteja lá pra ajudar caso ele precise.
O Furacão não disse mais nada e saiu, carregando o curandeiro nas costas.
— Basura? Aquele era o Furacão?
— Sim. O curandeiro da guilda veio.
— Entendi. ‘Inexperiente’... Você acha que ele conseguiu curar todo o veneno?
— Bazan, vou ser direto com você. Sem ele, sem aquele curandeiro, você taria morto.
— O-O quê? Espera, eu estaria?
— O Furacão disse que aquele monstro que derrotamos era um gastle mutado. O veneno teria te matado sem o antídoto certo ou magia de cura.
— Huh... Magia é bem impressionante, né?
— Eu uso magia, e magia não é impressionante. O que é impressionante é ter a habilidade de usá-la e usá-la direito.
— Qual é o seu ponto?
— Eu já disse, sem aquele curandeiro, vocês dois tavam mortos. Quantas vezes você acha que ele conjurou feitiços em vocês? Eu nem consegui contar. De novo e de novo, até não conseguir mais... e mesmo assim ele continuou.
— E isso é... o que é impressionante.
— Não acredito que ele não desmaiou. Ele simplesmente cerrou os dentes e continuou. Ele estava sangrando, Bazan. E por duas pratas. Você acredita nisso?
— Devemos nossas vidas a ele, não devemos?
— O que você acha que eu estou tentando dizer? Se menosprezar aquele curandeiro, vou começar a duvidar de você. E é isso.
— Qual era o nome dele mesmo? — Sekiros gemeu. — Luciel? Nunca na minha vida vi um curandeiro como ele.
— Sekiros, você está acordado? — perguntei.
— Sim. Eu o ouvi enquanto estava inconsciente. Ele me disse para continuar aguentando firme. Foi como se uma luz quente estivesse afastando a escuridão.
— Eu senti o mesmo.
— Precisamos agradecê-lo na próxima vez que o virmos — disse Basura.
— Eu sei.
— Isso mesmo.
No dia seguinte, foi exatamente o que fizemos.
— Vocês estão vivos porque lutaram por isso. Nunca desistam da vida. Vocês só tem uma.
Isso foi tudo que ele disse antes de voltar ao treino com o Furacão.
— Esse garoto é um santo?
— Quando você vê o inferno que ele mesmo se impõe, começa a se perguntar se ele não vai acabar como o fundador da Guilda dos Curandeiros um dia.
— Precisamos estar lá pra ele se quisermos retribuir o que fez por nós. O Furacão disse isso.
— Certo. A Linhagem do Lobo Branco nunca esquece uma dívida.
Eu... ou melhor, todo o meu grupo estava incrivelmente grato por termos conhecido aquele cara. Durante três meses depois disso, observamos seu progresso de longe, torcendo por ele. Então, finalmente alcançamos o Rank A. E assim veio nosso tão esperado encontro com as recepcionistas, menos Nanaella... Supostamente porque não podiam deixar a guilda vazia, mas eu sabia que era pelo menos em parte porque ela queria evitar casar e ter que largar o emprego tão jovem. Ela não estar lá foi uma pena, mas ainda assim foi um bom momento. E devíamos isso a Luciel.
Quando Bottaculli começou a causar problemas, achei que finalmente teríamos a chance de retribuir o favor. Mas isso era ilusão. A maldita guilda inteira já tinha Luciel sob proteção total. O Furacão estava com ele vinte e quatro horas por dia, o Urso Chef verificava todas as suas refeições, e o Recluso reunia informações externas no tempo livre.
O Recluso, em particular, trabalhou bastante. Ele eliminou mercenários, manipulou informações para ameaçar o mestre da Guilda dos Curandeiros e repassou dados aos escravos de Bottaculli. Em um mês, Bottaculli estava de mãos atadas. Não podia agir abertamente mais.
Luciel, sem saber de nada, apenas continuou treinando. Ninguém contou a ele que estava seguro e que o perigo havia passado. Mas nós também não dissemos nada. Afinal, ele treinava porque queria. Quem éramos nós para atrapalhar?
Todos esperavam que ele se tornasse um membro permanente da guilda, até que Bottaculli puxou alguns fios nos bastidores para enviá-lo para a Cidade Santa, fazendo o Furacão intensificar ainda mais os treinos.
Isso tornou conversar com o garoto um pouco difícil, pra dizer o mínimo. Todo dia, ele ficava exausto, mas ainda assim dava total atenção a cada paciente. O que o motivava tanto? Como seu espírito não estava destruído? Chamavam-no de “zumbi masoquista”, mas ele só fazia aquilo para ficar mais forte. Ele estava obstinado. Mas por quê? Por que se esforçava tanto?
Eu descobriria a resposta para essa pergunta no dia em que aceitamos o pedido para escoltá-lo em segurança até a Cidade Sagrada.
Havia sido postado um trabalho na guilda para uma escolta até a Cidade Sagrada. O pedido vinha da própria guilda, e o alvo a ser protegido era Luciel. O único requisito: apenas grupos de Rank C ou superior. Não havia pagamento listado.
— Aqueles que desejam aceitar o trabalho de escoltar o Senhor Luciel até a Cidade Sagrada, por favor, apresentem uma proposta para seu plano de escolta — informou Nanaella.
— Mencionem também a compensação que consideram apropriada para a proposta — acrescentou Mônica, uma recepcionista que Luciel havia arrastado da Guilda dos Curandeiros.
Era um pedido, no mínimo, bizarro. De carroça, não levaria mais que dois dias para chegar à capital. Qualquer trabalho normal pagaria, no máximo, vinte pratas. Mas esse não era um trabalho normal. Seria esse o preço certo?
Decidi perguntar para os caras o que achavam.
— O que vocês acham desse pedido?
— Acho que o preço não é o mais importante aqui — disse Sekiros.
— Tem um monte de vilarejos entre aqui e a Cidade Sagrada, né? — comentou Basura. — Que tal fazermos várias paradas e espalharmos o nome do Luciel?
— Tipo, diferenciá-lo dos outros curandeiros? Isso parece estar usando ele, não acha?
— Então por que não perguntamos pra ele? — rebateu Basura.
— Tenho certeza de que ele concordaria, só que provavelmente não conseguiríamos o trabalho com um plano assim.
Pensei por um momento.
— E então, qual é a dele? Por que ele treina tanto só pra curar sem praticamente nenhum pagamento? O Furacão não tá obrigando ele a fazer isso, tá?
— É porque ele conhece a dor.
Me virei e vi Nanaella.
— Quando ele vê alguém ferido, ele não consegue evitar querer ajudar.
Mônica estava com ela, como sempre.
— Ele odeia mortes prematuras. Me disse que ninguém merece morrer de outra forma que não seja de velhice.
Ouvi dizer que essas duas andavam bastante com ele. Provavelmente eram as que mais o conheciam.
— Sekiros, Basura. Vamos com esse plano.
Ninguém se opôs.
Uma jornada bondosa para um homem bondoso. Talvez, um dia, todos esses vilarejos estivessem lá por ele. Talvez o ajudassem, assim como ele ajudou os outros.
Anotei tudo: nosso plano de passar pelos vilarejos e o preço que cobramos: duas pratas. Só o suficiente para cobrir comida e suprimentos.
No dia seguinte, conseguimos o trabalho. Eu estava grato ao Furacão por nos dar essa chance, e iria retribuir garantindo que Luciel chegasse em segurança à capital. Não importava o que acontecesse.
Tradução: Carpeado
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