Seija Musou | The Great Cleric
Volume 01 Capítulo 04
[Treinamento Parte 1: Talento Marcial]
O tempo voou. Já fazia uma semana desde que entrei para a Guilda dos Aventureiros. Achei que fosse me acostumar aos poucos com esse estilo de vida brutal, mas a realidade não foi tão gentil.
— Ugh, dolorido de novo hoje.
Naquela manhã, acordei mais uma vez sentindo dores nas articulações. Depois dos dois primeiros dias, elas me atormentaram durante toda a semana.
Mas eu não estava em posição de reclamar. No fim das contas, a culpa desse sofrimento era toda minha... No segundo dia, continuei com meu treino independente, mas a sessão não foi muito diferente do primeiro dia. Depois de tomar a Substancia X e perceber que meus músculos não estavam doendo, comecei a pensar em intensificar o treinamento. Acabei me deixando levar, achando que, com esse corpo jovem e novo, eu poderia aumentar meu nível de treino e ficar ainda mais forte.
— Treinador Brod, o treino de ontem foi bem puxado, mas eu não estou sentindo dor muscular. Será que dá pra pegar mais pesado? — soltei feito um idiota.
— Hmph, você é mais resistente do que eu imaginava... pra um curandeiro.
Nunca vou esquecer aqueles olhos, a intensidade deles, a forma como me perfuraram como uma lança. Só descobri no início da sessão da tarde que, até então, ele tinha pegado leve comigo, permitindo que até um curandeiro como eu avançasse no treinamento de forma gradual.
Por quê, Deus, por que eu tinha que ser tão convencido? Por mais que eu me arrependesse da minha estupidez, não podia voltar no tempo. O treino continuou o mesmo, mas agora havia punições. Se eu diminuísse o ritmo durante a corrida, ele não teria piedade nos alongamentos, não importava o quanto eu implorasse. Ou então, durante os combates, ele parava de apenas desviar e começava a aparar meus golpes. Meus socos e chutes desajeitados eram rebatidos com ainda mais força, só para me ensinar uma lição.
Foi nessa época que comecei a chamá-lo de Treinador Brod. Isso parecia deixá-lo satisfeito, então eu esperava que isso o amolecesse... mas o treinamento não ficou nem um pouco mais fácil. Muito pelo contrário. Ele continuou intensificando as coisas aos poucos.
Minha rotina começava às sete da manhã e terminava às sete da noite, com doze horas de instrução. Contando os intervalos, eram um pouco mais de oito horas de treino contínuo.
Setenta por cento desse tempo era dedicado ao condicionamento físico e o restante ao treinamento de artes marciais. O resto do meu dia era gasto treinando magia. O pequeno alívio que eu tinha sentido na Guilda dos Curandeiros havia desaparecido por completo. Mas eu tinha me colocado nessa situação. Talvez fosse otimismo da minha parte esperar que as coisas melhorassem depois do primeiro mês.
— Não descanse. Não pense. Apenas corra. O mais rápido que puder.
E lá estava eu de novo, correndo pelo campo de treinamento. Não por obrigação, mas por desespero de passar dessa fase o quanto antes.
— Você acha que esses punhos moles vão derrubar um monstro? Abaixe a postura. Use os quadris. Não pare depois de um golpe, nenhum monstro cai tão fácil! — Brod gritava. — O quê, você quer morrer? Hein?! Tá quieto, então quer dizer que quer morrer, né?!
No começo, as broncas do Brod pesavam no meu espírito, mas agora eu enxergava nelas uma visão imparcial da realidade. Isso não significava que eu tinha me acostumado, claro. Sempre que meu ritmo caía, eu sentia aquela aura ameaçadora dele. Se ele aumentasse aquilo até virar pura sede de sangue, minhas pernas provavelmente tremeriam demais para correr, mas, felizmente, ele mantinha num nível "aceitável".
Quanta folga esse cara tinha no dia? No primeiro dia, ele só me instruiu. Agora, ele corria comigo. Começava no meu ritmo, mas logo me ultrapassava e dava a volta, me alcançando por trás como um predador. Eu sabia que era o Brod, mas meu instinto de sobrevivência não conseguia diferenciar e me fazia correr ainda mais.
Ele me alcançava, gritava mais uns insultos e acelerava de novo. Repetia o processo sem perder o fôlego. Enquanto isso, eu questionava se éramos realmente da mesma espécie.
Se havia um lado positivo nisso tudo, era que os aventureiros normais já não pareciam tão assustadores. Isso tinha que valer de alguma coisa.
Depois, vinham os alongamentos. Essa rotina mudou pouco ao longo da semana. Basicamente, consistia em dobrar meus braços e pernas em ângulos que claramente não eram naturais. Pelo menos ele me deixava usar Cura quando algo se deslocava.
Mas de longe, a pior parte do treino era o combate. Durante as lutas, Brod nunca aliviava no olhar intimidador e nas posturas ameaçadoras. Segundo os aventureiros que eu curava, ele se tornava uma pessoa completamente diferente no treinamento. Todo mundo evitava aquela sessão infernal como se fosse a peste.
Eu bem que gostaria de ter descoberto isso antes.
Se foi por saber disso ou pelo próprio medo constante do Brod, minha resistência despencou e meu corpo parecia cada vez mais pesado. Meus socos saíam trêmulos, meus chutes pareciam lançados por troncos rígidos.
O momento em que eu desistisse seria o momento em que Brod começaria a me atacar de verdade. Ele me avisou disso. Então eu não podia parar. Tinha que continuar.
Cada golpe esquivado drenava minhas energias, mas esse nem era meu maior problema. O pior era a dor intensa que percorria meus braços e pernas sempre que ele rebatia meus golpes. E mesmo ele pegando leve, o dano se acumulava. Como alguém podia ser tão injusto assim? Continuei atacando, resistindo à dor, até cair de cara no chão. Mas não tinha acabado ainda.
— O quê, já era? Prefere morrer? Se é assim, então acho que vou parar de pegar leve. Fique de olhos abertos e tome sua postura. Agora vou atacar. Se puder, bloqueie. Se não, desvie.
Ele não perdeu mais tempo falando e partiu para o ataque. Bem típico do Brod.
Eu estava sem energia. Todo machucado. Movimentar o corpo era um esforço imenso. Nessa situação, a única coisa que eu podia fazer era usar a cabeça para sobreviver.
Brod sabia disso e começou a atacar num ritmo mais lento, como se quisesse que eu aprendesse com os movimentos. Sim, essa postura perfeita, com certeza dava pra...
— Ah!
Me peguei encarando o punho que vinha em minha direção um segundo tarde demais. Um golpe certeiro e caí inconsciente. Até que um balde de água gelada me trouxe de volta à realidade.
— Tá muito cheio de si pra ficar aí sentado no chão sonhando acordado, garoto.
— D-desculpa... — murmurei, segurando o nariz. Eu podia me curar com Cura, mas ele não deu permissão, então fiquei na minha. Provavelmente era para o meu próprio bem.
— Estou de pé. Vamos tentar de novo, por favor.
Não era como se eu gostasse da dor ou algo assim... Mas o treinador Brod ficaria de mau humor se eu não continuasse, e isso não era nada bom para o aprendizado. Em vez de perder tempo reclamando, era melhor aproveitar para tentar superá-lo. Ele estava atacando dentro dos meus limites, então, se eu conseguisse ir além, talvez conseguisse acertar um golpe nele. Cerrei os punhos.
— Você me dá arrepios sorrindo depois de tudo isso, sabia?
— Isso me motiva. Vou acertar um golpe em você, pode apostar.
— Hmph. Se tem energia pra falar merda, então tá bom. Vou te quebrar, mas só o suficiente pra não te partir ao meio.
Soltei uma risada nervosa.
— Era só uma piada!
Minha boca grande me meteu em mais uma encrenca, mas minha salvação veio na forma de aventureiros descendo as escadas — feridos.
Depois dos meus primeiros pacientes, meus serviços de cura se espalharam pelo boca a boca. Antes que eu percebesse, tinha uma fila de aventureiros tímidos vindo testar o terreno. Muitos acabavam voltando quando sofriam ferimentos mais graves que atrapalhavam seus movimentos. Brod, sem surpresa alguma, não deixava os ferimentos leves passarem despercebidos. Ele também parecia estar registrando quem vinha e quantas vezes, mas eu apenas focava na tarefa de curar. Obviamente, não podíamos treinar durante esse tempo, então também servia como um pequeno descanso. Os aventureiros saíam restaurados, e eu ganhava um momento de folga — um verdadeiro ganha-ganha.
A paciente à minha frente hoje era uma mulher-gato, algo raro. E além disso, uma garota. Pelo jeito que seu grupo me olhava, no entanto, parecia que uma conversa casual estava fora de questão.
— O que está incomodando você hoje?
— Você... vai mesmo me curar? — ela perguntou desconfiada.
Sendo sincero, o que mais me chamou atenção nem foi o tom suspeito dela, mas sim o fato de que ela não soltou um “miau” no meio da frase. Sim, talvez nos meus sonhos. As pessoas não colocavam palavras estranhas na fala sem motivo. Me senti um pouco mais culto agora.
Assenti. — Vou sim. É para isso que estou aqui. O que aconteceu?
— Fui atacada por um Ratofera. Ele mordeu minhas costas e minhas pernas.
Um Ratofera, hein? Este mundo tinha envenenamento e paralisia, mas o que aconteceria se uma ferida fosse infectada por bactérias?
— A cura deve fechar o ferimento — expliquei —, mas pode estar infectado, então recomendo que procure um médico se começar a se sentir mal. Posso curá-la?
— Sim, por favor.
Fiz a cura como prometido, e a garota começou a chorar. Ah não, fiz algo errado?
— Hum, o que foi? — perguntei.
— Ei, curandeiro, qual é o seu nome? — um dos aventureiros perguntou.
— Sou Luciel. — Opa, melhor manter a compostura aqui.
— Luciel... você usa magia em homens-fera.
— Hã? Não estou entendendo. Humanos, homens-fera... no fim das contas, todos são pacientes. Não é óbvio?
Pelo jeito que esse homem, que parecia ser o líder, falava, parecia bastante claro que os homens-fera sofriam discriminação, mas eu nunca senti nada do tipo com os funcionários da guilda. Seria um problema específico da mentalidade dos curandeiros?
— Você é um bom sujeito, Luciel. Podemos voltar se nos machucarmos de novo?
— Claro. Minhas portas estão sempre abertas.
Sorri e fiz uma leve reverência, mas então, de repente, a garota que chorava me abraçou forte, e meu coração parou por um instante.
— Obrigada. Vou voltar da próxima vez que me machucar, tá? — ela sussurrou no meu ouvido antes de me soltar.
— Se um dia estiver em apuros, nos avise — disse o líder, enquanto subiam as escadas.
— Brod, quem eram eles?
— Vou investigar depois.
Bem, sim, eu não podia esperar que ele memorizasse todos os membros de cada grupo. Com a pausa encerrada, voltamos ao treinamento. Nem por um segundo passou pela minha cabeça que, com esse único ato de curar um homem-fera, meu número de pacientes aumentaria drasticamente.
— Então você sobreviveu à sua primeira semana.
Brod deu um tapinha no meu ombro enquanto terminávamos, parecendo satisfeito. Suponho que não fosse comum as pessoas durarem tanto tempo.
— De alguma forma. E sinto meu corpo melhorando pouco a pouco, então não pretendo fugir.
— Claro que não. Agora vamos, não quero ver nenhum resto nesse prato hoje.
Ele começou a caminhar em direção ao refeitório, e eu o segui, me perguntando se ele realmente estava preocupado que eu fosse fugir.
Se curar aventureiros era um alívio, a hora das refeições era o paraíso. Mesmo comparando com a comida da minha vida passada, a culinária do Gulgar não era algo a se menosprezar. Aquele homem-lobo tinha um repertório impressionante, e cada prato que preparava era diferente do anterior. De bifes a hambúrgueres, passando por um tipo de ensopado que misturava carne cozida e pot-au-feu, até algo parecido com udon frito, todos (para minha surpresa) faziam uso generoso de temperos.
Infelizmente, não havia doces, mas não seria exagero dizer que essa comida deliciosa era o que me sustentava no inferno do treinamento. Se nada fosse minimamente saboroso, eu provavelmente já teria desistido. Não sabia exatamente para onde iria, mas ainda assim.
De qualquer forma, esse paraíso que intercalava meus treinos mantinha minha motivação bem alta. Se eu tivesse que reclamar de algo, seria da quantidade absurda de comida, mas sempre que eu mencionava isso, recebia a mesma resposta:
— Comer faz parte de ser aventureiro. Não deixe nada no prato.
Os pratos principais normalmente não vinham com vegetais, mas Gulgar sempre tinha a gentileza de preparar uma salada morna e nutritiva para mim no café da manhã. Ele era um homem de poucas palavras, mas muitos aventureiros vinham até ele em busca de conselhos.
— E aí, como foi o treinamento hoje?
— Difícil dizer — Brod respondeu. — Ele ainda não está pronto… Vai levar um mês ou mais até chegar na parte séria.
— Um mês, é? Acha que ele sobrevive ao seu treinamento infernal?
— Pergunta pro garoto.
Os dois olharam para mim.
— T-Tudo o que posso fazer agora é o meu melhor. Só passou uma semana, mas estou melhorando, mesmo que seja pouco a pouco. Sinto que estou. Mas, pra ser sincero, o que me mantém de pé é a comida do Gulgar.
— Você sabe falar direitinho. Oh, já terminou? Que tal repetir?
— Não, obrigado, estou cheio.
— Ah, é?
Gulgar voltou para a cozinha, deixando Brod e eu sozinhos. Silêncio constrangedor...
Meu instrutor tomou um gole de cerveja e ficou pensativo por um momento.
— Escuta, garoto. Pessoalmente, acho que ainda é cedo pra começar com armas, mas o que acha? Quer tentar?
Ele estava hesitando sobre qual caminho tomar no meu treinamento? Eu certamente ficaria preocupado em ter apenas opções de combate corpo a corpo caso realmente saísse da cidade. Seria bom aprender algumas técnicas de longo alcance também.
— Não pretendo me meter em brigas, mas, caso acabe envolvido em uma, gostaria de ter opções de médio a longo alcance para poder escapar.
— Médio a longo alcance. Entendido. Estou indo na frente. Avise o Gulgar.
— Vou sim. Obrigado por hoje.
— É isso aí.
Ele saiu do refeitório. Pouco depois, Gulgar voltou carregando uma caneca de Substância X.
— Eu realmente preciso beber tudo isso?
— Precisa. Quer ficar mais forte, não quer?
Não havia como argumentar contra isso, então aceitei a caneca e engoli o líquido.
A comida do Gulgar era deliciosa. Uma pena que eu nunca conseguia saboreá-la direito, já que precisava destruir meu nariz e língua depois de cada refeição. "Nojento" nem começava a descrever aquilo. Beber a solução exigia esforço físico real para não desmaiar, e eu poderia viver sem isso. Mas, de certa forma, isso fazia parte da minha alimentação, então, se eu recusasse, Gulgar provavelmente me obrigaria a beber de qualquer jeito, detonando completamente nosso relacionamento.
Alguns dias antes, vi um grupo de aventureiros que não conseguiu terminar as montanhas de comida empilhadas em seus pratos. Gulgar explodiu.
— Olha essa comida toda desperdiçada! Se não podiam comer tudo, por que pediram? Ninguém sai desse refeitório até limpar os pratos!
Os aventureiros tentaram reclamar, mas rapidamente se calaram quando o cozinheiro lançou um olhar furioso digno de um urso enfurecido. Seus protestos se transformaram em soluços abafados por bocas cheias de comida. Desde então, eu fiz disso uma regra de vida: nunca, jamais, deixar restos.
Depois de recusar cuidadosamente outra dose de Substância X, voltei para meu quarto, me joguei na cama, abri minha tela de status e revisei meu progresso.
— Acho que eu nem teria conseguido aprender Cura sem essa habilidade de Domínio de Avaliação. Bom saber que estou fazendo as coisas direito.
No fim de cada dia, eu tirava o máximo de proveito dessa habilidade especial, depois praticava Controle de Magia e Manipulação Mágica antes de dormir. Essa era minha rotina agora. Uma rotina cheia, apesar de um pequeno problema… Eu continuava com a sensação de que estava sendo observado.
No começo, achei que era coisa da minha cabeça, mas, com o passar dos dias, essa sensação foi ficando mais forte. No início, suspeitei que fosse um perseguidor, mas, nesse caso, não parecia algo crescente, então descartei essa ideia. Ainda assim, isso me deixava inquieto. Decidi mencionar para Brod no dia seguinte.
Na manhã seguinte, expus minha preocupação.
— Ultimamente, sinto que estou sendo observado… Não, por várias pessoas. Sempre acontece quando saio do meu quarto e quando estou no primeiro andar.
Nem Brod nem Gulgar disseram nada. Pelo modo como desviaram o olhar em vez de responder como de costume, ficou claro quem eram os culpados: o pessoal da guilda e os aventureiros.
— Podem me explicar por que estou sendo vigiado?
A única privacidade que eu tinha era dentro do meu próprio quarto, e isso estava começando a me desgastar.
— Desculpa, garoto. Sei que isso não justifica, mas prometo que ninguém tem más intenções — Brod disse. — A maioria dos aventureiros não nasceu em famílias ricas. Eles não sabem como fazer melhor, então aceitam trabalhos imprudentes e acabam se machucando. Mas isso não importa pra eles. Eles precisam de dinheiro pra viver, então se levantam e aceitam mais missões, porque é tudo o que podem fazer. Esse ciclo se repete até que, antes que percebam, não têm escolha além de se aposentar cedo.
Começar como aventureiro definitivamente tinha altos custos iniciais, então se virar no começo devia exigir todo o esforço possível. Se eu não fosse um curandeiro, provavelmente estaria no mesmo barco. Será que não existia um curso de treinamento para iniciantes? Não me lembrava de ter ouvido falar de nada assim quando me registrei.
— A guilda não oferece nenhum treinamento ou orientação para novos aventureiros?
— Nada obrigatório.
A opressão por trás de suas palavras me fez perceber algo. Para estabilizar a renda mínima e instável que novos e fracos aventureiros conseguiam obter, eu, um curandeiro, era uma necessidade. Quando inevitavelmente se machucavam, minha cura permitia que voltassem ao campo e ganhassem dinheiro novamente no dia seguinte. As vidas dessas pessoas haviam sido forçadas para minhas mãos sem que eu sequer percebesse. Pelo menos, agora eu entendia por que ele não queria que eu fosse embora. Evidentemente, a confiança entre nós ainda tinha um longo caminho a percorrer.
— Não é justo da minha parte dizer tudo isso. Só queria que você entendesse a situação desses novatos.
— Não vou a lugar nenhum este mês, então, por favor, pode parar com essa espionagem? É só isso que eu peço.
Brod fez uma pausa antes de responder.
— Certo.
Eu havia confirmado minha intenção de ficar por um mês, mas uma sombra ainda pairava sobre seu rosto. Ver um homem normalmente tão impiedoso durante o treinamento de repente parecer tão abatido era demais para o meu coração aguentar, então deixei que minha promessa encerrasse o assunto.
— E eu falo sério. Da próxima vez que eu sentir que alguém está me vigiando, vou fazer essa pessoa tomar uma caneca do "você-sabe-o-quê" comigo.
Ele abriu um sorriso seco.
— Isso é golpe baixo, moleque.
— Só para deixar claro, isso inclui você também — respondi com um sorriso travesso. O olhar de desespero que se espalhou pelo seu rosto me fez cair na gargalhada.
Brod parecia ter mais a dizer, mas permaneceu em silêncio. Gulgar colocou uma caneca de "Substância X" na minha frente e logo desapareceu de volta para a cozinha sem dizer uma palavra.
A partir daquele momento, meus relacionamentos com a equipe e meus laços com os aventureiros começariam a mudar.
— Ei, valeu pela cura mais cedo, chefe. Se precisar de mais, eu volto.
— Só toma cuidado e tenta manter isso no mínimo, tá bom?
Os olhares que eu sentia sobre mim desapareceram no dia seguinte à minha conversa com Brod. Agora, todos começaram a vir falar comigo diretamente. Felizmente, não para me intimidar ou algo do tipo, mas ia levar um tempo para eu me acostumar com isso. Na verdade, até pediram desculpas pela hostilidade anterior. Ainda não conseguia acreditar na rapidez com que passei de mal conseguir perguntar por que estava sendo vigiado para simplesmente dizer a eles para pararem.
Nem todos os aventureiros tinham aparência assustadora, longe disso. Muitos pareciam bastante tranquilos, embora um particularmente teimoso e cabeça-quente pudesse facilmente me colocar no meu lugar. No entanto, comecei a gostar da minha estadia na Guilda dos Aventureiros. Roupas e outros pequenos presentes começaram a chegar até mim como forma de agradecimento.
— Obrigado por tudo.
— Ouvi dizer que você estava sem roupas.
— Valeu por tornar a guilda um lugar mais agradável.
E assim por diante.
E não eram apenas os aventureiros que me presenteavam. Até mesmo os funcionários da guilda entraram na onda. Porém, fiquei um pouco triste ao perceber que nenhum desses presentes veio de uma garota. Muito triste, de fato.
Mas, no geral, meus relacionamentos estavam melhorando, e eu já estava ficando sem espaço para guardar tanta coisa nova. Quando mencionei isso para Brod, ele mandou remover as camas extras do meu quarto e me arranjou um baú e uma cômoda. Esse tratamento privilegiado me deixou completamente perplexo. Eu estava determinado a fazer tudo o que pudesse para retribuir essa gentileza.
Em poucos dias, eu tinha tudo o que poderia precisar e percebi que não havia mais razão para sair da guilda. Bem, exceto para fugir do treinamento, mas o treinador Brod certamente viria atrás de mim, então isso seria o próprio significado de perda de tempo. Eu estava confortável ali. Sair dos portões da guilda já não parecia necessário.
— Eles não estão tentando me bajular, estão? — pensei comigo mesmo. — Nah, estou pensando demais.
Convencido de que era apenas paranoia, terminei meu treino matinal de Cura, Meditação, Controle Mágico e Manipulação de Magia, e fui para o refeitório.
— Ei, moleque. Hoje você chegou cedo.
Brod já estava sentado no balcão quando cheguei.
— Bom dia. O mesmo para você, treinador Brod. Ah, bom dia, Gulgar. Posso tomar café da manhã?
— Saindo já. A partir de hoje, vou começar a te dar um pouco mais.
— Hã? Acho que já estamos no limite do que eu consigo comer.
— Você está prestes a aprender o verdadeiro significado da palavra "limite" — zombou o homem-lobo. Depois de colocar os pratos na minha frente, ele sumiu na cozinha para buscar a Substância X.
Brod começou a falar devagar.
— Olha, moleque, vou ser honesto com você. No que se trata de combate, você não tem um pingo de talento natural.
Eu não me lembrava de ter pedido uma porção de depressão junto com minha refeição matinal. Minha resistência mental já não era grande coisa para começo de conversa, então suas palavras me acertaram em cheio. No entanto, seus olhos eram sinceros e inabaláveis. Havia um motivo para ele estar me dizendo isso.
— Eu já suspeitava — confessei, com a voz trêmula. Minha maestria estava aumentando, então eu estava melhorando. Usei essa linha de pensamento como desculpa para ignorar a verdade—eu não tinha talento algum. E não era só um desequilíbrio entre ataque e defesa. Eu não queria atacar. Eu não queria ser atingido. Meu coração e minha mente estavam em conflito.
Quando cheguei a este mundo, queria poder—especificamente, o poder de evitar uma morte injusta. Mas, na minha vida passada, nunca havia me envolvido em uma única briga. No fundo, eu tinha medo de machucar alguém. Isso ficou claro durante meus treinos diários com Brod. Para piorar, eu nem conseguia acompanhar seus ataques, muito menos desenvolver alguma habilidade para artes marciais.
Aguardei Brod continuar. Ele fechou os olhos e assentiu.
— Mas o que você tem é talento para se esforçar. Você tem uma mentalidade resistente que te faz continuar.
— O-Oh, hã, obrigado.
Fiquei aliviado, embora um pouco envergonhado, por ele não ter dito que ia desistir de mim. Cocei a bochecha, sem jeito.
Ele abriu os olhos e me encarou.
— Enquanto você continuar tentando, eu não vou te abandonar, moleque. Não desista e, no mínimo, você vai aprender a se defender. Eu sei que vai.
Me virei para ele e fiz uma reverência.
— Conto com o seu ensino até lá.
— Certo, termine de comer e volte pro treino. A partir de agora, vamos começar a fortalecer seu corpo de verdade. E vamos incluir armas no currículo.
— Armas? Do tipo afiado?
— Sim. Mas não se preocupe, vou ter certeza de cortar só de leve — disse ele, com um brilho nos olhos.
Previ muitas experiências de quase morte no meu futuro se baixasse a guarda. Minha cabeça começou a girar.
— Anda logo e termina esse prato, moleque — ele pressionou.
Para ser sincero, eu tinha perdido completamente o apetite, mas o medo do Gulgar era maior do que essa preocupação. Falando no diabo, lá vem ele agora, carregando uma caneca de Substância X.
— Hã? Ainda não terminou? Aqui, é isso que você vai beber a partir de agora. — Ele colocou a caneca no balcão.
A natureza sinistra da bebida não tinha mudado, exceto pelo fato de que agora havia mais dela. Muito mais. Pelo que parecia, tinha pelo menos uma vez e meia a quantidade normal.
— Isso é uma piada, né?
— Dá pra beber, não dá? Se beber, vai ficar mais forte.
Como se eu fosse cair nessa. Terminei meu café da manhã.
— Eu realmente não suporto essa coisa, então se puder fazer como de costume...
— Moleque, só bebe logo. Temos trabalho a fazer.
— Sim, senhor.
Então, o Brod também estava envolvido nisso. Tornar esses caras meus inimigos seria um desastre. Eles tinham controle sobre meu tempo de descanso. Mas isso não era só uma caneca de cerveja, era um jarro inteiro! Decidi que um dia eu daria o troco neles e, então, engoli aquela solução horrenda de uma vez. Brod disse que me encontraria no campo de treinamento e saiu.
A Substância X não enchia o estômago nem um pouco, então eu não precisava me preocupar em ficar pesado antes do treino. Na verdade, o cheiro e o gosto eram tão ruins que quase fizeram minha refeição inteira voltar, se não fosse pela presença intimidadora do Gulgar me forçando a manter tudo no lugar.
— Ufa, essa foi por pouco. Você deve ser bem forte também, Gulgar, já que tem essa aura insana igual à do treinador Brod.
— Me chama se um dia quiser testar a sorte! — ele uivou enquanto limpava os pratos.
Esse cara deve ser um monstro... Jurei para mim mesmo que nunca, sob nenhuma circunstância, enfrentaria ele.
— Acho que vou passar. Até mais.
Gulgar soltou outra gargalhada enquanto eu saía.
Quando cheguei ao campo de treinamento, Brod estava no meio, imponente como sempre, mas tinha algo diferente naquele dia.
— Desculpa a demora. Então, hum... por que tem uma montanha de pedras aqui?
E esse "algo" era a pilha gigantesca de pedras ao lado dele.
— A partir de hoje, você não vai mais correr depois do café da manhã. Vai praticar arremessar essas pedras no alvo ali. Quando se acostumar, vai conseguir adquirir a habilidade Arremesso.
— Isso é aquilo que eu tinha pedido antes, né?
— Exato. Não importa o quanto aprimorarmos suas habilidades de combate pra você conseguir se virar de perto, sempre vai ter gente — e coisas — mais fortes do que você. Então vou fazer você dominar a habilidade de Arremesso a um nível que pelo menos faça os inimigos hesitarem. Algo que possa te dar uma chance.
Ele pegou uma pedra e jogou casualmente. Um segundo depois, um estrondo alto, como um disparo de arma de fogo, ecoou pelo campo, e um buraco apareceu no meio do alvo. Isso era o que a habilidade Arremesso era capaz de fazer... mas eu não consegui nem ver o movimento. O som fez meu coração disparar. Parece que as memórias da morte não desaparecem tão fácil assim.
— Eventualmente, você vai conseguir fazer o mesmo. O que foi? Parece que viu um fantasma.
Por mais que ele parecesse preocupado comigo, eu não podia simplesmente sair falando sobre outro mundo. Eles iam me chamar de maluco. Forçando um sorriso, balancei a cabeça.
— Não é nada. Então eu só preciso jogar pedras?
— Isso. Primeiro, começa com pedras, depois passa pra adagas e, por fim, lanças. Mas por enquanto, só pedras.
Ele me entregou uma pedra lisa e arredondada. Era leve e fácil de segurar. Devia ter sido escolhida especificamente para o treino.
— Tem algo que eu deva saber antes?
— Por agora, joga com toda a força que puder, como se estivesse tentando causar dano de verdade. Depois, vai descobrindo sozinho como aumentar a velocidade, a distância e a força dos seus arremessos.
— Sim, senhor.
Eu entendia que a prática independente também era importante. Quando criança, eu jogava muito beisebol, então sabia uma coisa ou outra sobre arremessos, mas levaria anos pra alcançar o nível do treinador Brod. Meu ânimo já estava começando a cair. Mas sem esforço, sem progresso.
Peguei a pedra e joguei, tentando aproveitar os anos de experiência jogando bola. Ela descreveu uma parábola no ar e acertou o alvo, menos de trinta centímetros distante do centro.
— Tá de brincadeira, moleque?! Você acha que o inimigo vai se jogar no chão chorando pela mamãe só porque você jogou uma porcaria num alvo?!
Mais uma vez, eu tinha irritado meu instrutor. Graças a Deus não havia outros aventureiros por perto. Já até dava pra ouvir as risadinhas.
— Desculpa, só queria sentir o peso e a distância.
— A gente não tem o dia todo. E as pedras nunca vão ser todas do mesmo tamanho ou peso, entendeu?
— Sim, senhor.
— Como eu disse, vamos aumentar a dificuldade aos poucos. De pedras para adagas, depois lanças. Assim, até mesmo um curandeiro como você vai conseguir manter distância caso seja atacado.
— Obrigado, vou dar o meu melhor.
— Agora escuta bem. Não pense nisso como uma forma de derrubar alguém. Esse não é o objetivo. Coloca isso na sua cabeça.
— Sim, senhor.
— Certo. Quero ver todas essas pedras sumirem na próxima hora.
— Tudo isso...?
— Não é o suficiente?
— N-não, senhor... Já vou começar.
Peguei um pedaço da pilha de pedras montanhosa e comecei a arremessar com toda a força que conseguia. Alguns lançamentos acertavam o alvo, outros não. Esse processo se repetia, e repetia. Então, algo me ocorreu. Um mês de treinamento não era nem de longe tempo suficiente para aprender alguma coisa. Eu mesmo havia pedido para renovar nosso acordo mensalmente, mas minha suposição de que ficaria forte o bastante para me virar em tão pouco tempo era tão equivocada que doía.
— Agi como se entendesse, mas, no fundo, ainda devia achar que era o protagonista.
Como eu deveria progredir para lançar lanças em apenas duas semanas? Eu não podia. Era impossível. Para falar a verdade, um mês nem sequer era tempo suficiente para fortalecer e condicionar meu corpo. Brod certamente sabia disso e mesmo assim aceitou meus termos. Talvez ele não esperasse que eu fosse aguentar a pressão.
— Devagar e sempre, é isso? — murmurei, pensativo. — Três anos... Talvez esse seja o tempo suficiente para aprender a sobreviver neste mundo.
Conforme os dias passavam, eu me dividia entre o meu quarto, o refeitório e o campo de treinamento, agarrado a essa determinação.
Acordava e praticava meu Controle Mágico enquanto alongava. Depois de treinar arremessos sozinho, comia até me fartar da comida do Gulgar e tomava uma dose de Substância X. Mais uma hora de arremessos e começava a correr voltas no campo de treinamento enquanto suportava a pressão habitual do treinador Brod.
Em vez de alongamentos, nosso tempo de combate aumentou, assim como o número de aventureiros que vinham me procurar para serviços de cura. Alguns até começaram a aparecer timidamente de fora de Merratoni, aumentando a população de aventureiros na cidade.
Olhei para Brod, que estava de lado, conversando animadamente com Gulgar sobre isso. Embora me deixasse um pouco envergonhado, aquilo me fazia feliz também. Era como se tivesse sido aceito, de certa forma. Brod nunca me elogiava diretamente; era sempre de maneira indireta, aquele cabeça-dura.
Os outros aventureiros também passaram a me ver como um verdadeiro curandeiro afiliado à guilda, já que eu praticamente não saía do lado dele. Fiquei feliz por ter o apoio deles. Assim, pelo menos, eles não ficariam me olhando torto. Por enquanto, pelo menos.
— Agora eu fui realmente aceito. Ou pelo menos é o que eu gostaria de pensar, mas a vida nunca é tão simples, né? — Provavelmente, essa aceitação se devia ao fato de eu ser membro da equipe da guilda.
— O que tá murmurando aí, moleque?
— Ah, me desculpe. Só estava pensando em como esse primeiro mês passou rápido. — Não podia simplesmente sair dizendo que estava ficando sentimental relembrando tudo.
Brod e Gulgar estavam tomando café juntos. Hoje marcava o fim do nosso contrato. A ansiedade se misturava com o alívio que eu sentia. Não fazia ideia de como as coisas ficariam daqui para frente ou se conseguiria renovar nosso acordo. A aura intimidadora que emanava constantemente do meu treinador não ajudava em nada.
— Bom, primeiro mês concluído, moleque. Você aguentou firme — ele disse.
— Obrigado. De alguma forma, graças à comida do Gulgar, consegui sobreviver sem enlouquecer. Sério, obrigado por tudo.
— Não precisa agradecer — ele sorriu. — Ainda não acredito que vi você engolindo aquela porcaria depois de cada refeição. Já tô satisfeito só com isso.
— Não me entenda mal, aquilo era horrível. Mas, de novo, treinador, obrigado.
— Esquece isso.
— Sobre daqui para frente... Vou trabalhar em uma clínica para juntar mais dinheiro. Depois disso, adoraria treinar com você de novo.
Ele fez uma pausa.
— Dinheiro?
— Sim. A guilda cuidou de todas as minhas necessidades até agora, mas eu praticamente não tenho nada. Preciso pagar minhas taxas na Guilda dos Curandeiros e comprar grimórios para aprender novos feitiços.
— É pra isso que você precisa de dinheiro?
— Isso mesmo. Não posso ser colocado na lista negra da guilda por não pagar minhas taxas a tempo.
— Então, digamos que alguém pagasse suas taxas do ano. O que faria?
— Hã? Bom, eu não tenho esse dinheiro, é por isso que estou trazendo isso à tona.
— Suponha que alguém pagasse para você. O que faria então?
— Difícil dizer, mas acho que perguntaria se você continuaria me treinando. Ainda não consigo me defender nem um pouco.
Brod sorriu de canto e puxou um saquinho de couro do bolso do casaco.
— Ah, é? Bom, aqui está sua recompensa por aguentar firme por um mês. E por salvar tantas vidas. Pegue. Use para pagar suas taxas e volte logo pra cá.
Dentro havia doze moedas de prata.
— O q-quê? Isso... Como assim?! — Fiquei completamente pasmo. Eu é que deveria estar pagando, mas quem estava sendo pago era eu?
— Você trabalhou duro curando todos aqueles aventureiros. Graças a você, menos deles morreram. Achei que merecia algo.
Francamente, eu queria aceitar sem pensar duas vezes, mas isso seria de mau gosto. Recusar uma vez por educação era o certo a se fazer.
— Sou extremamente grato, mas doze moedas de prata é muito dinheiro, não é? Não posso simplesmente aceitar isso de você. Ainda mais depois de já ter recebido comida e abrigo esse tempo todo.
Dizer isso em voz alta realmente me fez perceber o quão ridiculamente sortudo eu fui nesse mês.
— Apenas aceite. Você ainda tem um longo caminho pela frente, fedelho, então seu treinamento não termina hoje. Agora vá para a Guilda dos Curandeiros e faça o que precisa fazer. — Ele sorriu novamente, e nem preciso dizer que aquele olhar me deu arrepios.
Peguei a bolsa.
— Entendido. Aceito com gratidão. Vou sair assim que terminar esse copo.
— Faça isso.
Para marcar a aquisição da minha anuidade, graças à generosidade de Brod, engoli a dose de Substância X e soltei um suspiro satisfeito.
— Certo, estou indo.
— Acho bom esperar uns trinta minutos, moleque.
Agora que ele mencionou, talvez não fosse uma boa ideia ir até a Guilda dos Curandeiros com o hálito do jeito que estava, então segui o conselho e esperei.
Trinta minutos depois, com o hálito mais fresco e o entusiasmo um pouco reduzido, finalmente deixei a Guilda dos Aventureiros. Fazia tanto tempo que não pisava nas ruas de Merratoni que me senti um pouco desnorteado.
— Pensando bem, não conheço quase nada desse lugar, né? Só o caminho dos portões da cidade até a Guilda dos Curandeiros e de lá até a Guilda dos Aventureiros. E só.
Olhei para o céu. O clima agradável me deu vontade de relaxar e aproveitar o momento, mas me contentei com um bom alongamento antes de começar a andar. Ver todas aquelas pessoas se movimentando pelas ruas me lembrou que meus medos ainda estavam ali.
— Bem, se não é o Luciel! — chamou um dos funcionários da guilda.
— Pra onde você tá indo?
— Você não tá saindo da guilda, tá? — outro perguntou.
— O quê?! — os outros exclamaram em uníssono.
— Calma aí, pessoal. Hoje era o último dia da sua solicitação, senhor Luciel?
Eu sabia que a Nanaella entenderia a situação.
— Isso mesmo. Estou indo para a Guilda dos Curandeiros agora. Mas volto depois.
Cortei a explicação para economizar tempo e passei por eles.
— É bom mesmo! — ouvi eles gritarem atrás de mim. Aquilo aqueceu meu coração. Agradeci em silêncio e apressei o passo.
Ao longo do caminho, não encontrei nenhum aventureiro, mas o fato de ainda estar tão consciente dessas interações provava que meu medo continuava vivo.
Suspirei.
— Quanto tempo será que vai levar para eu conseguir falar com essas pessoas normalmente?
Assim que entrei na guilda dos curandeiros, uma voz feminina soou atrás do balcão.
— Bem-vindo à Guilda dos Curandeiros da Igreja de Saint Shurule, filial de Merratoni!
Olhei na direção da voz e vi que era Monica.

— Bom dia, Monica.
— Ah, você é o senhor Luciel, se bem me lembro.
— Fico lisonjeado que se lembre de mim. Desde quando a guilda começou a receber as pessoas dessa forma?
— Bem recentemente, na verdade.
— Parece que vocês estão trabalhando duro.
— Sim, estamos. — Ela forçou um sorriso, mas logo retomou a postura profissional de recepcionista. — Então, no que posso ajudá-lo?
— Quero pagar minhas taxas. Pelos próximos onze meses, para ser exato, se estiver tudo certo.
— Sim, senhor, muito obrigada. Posso ver sua carta da guilda, por favor?
— Aqui. — Entreguei a ela.
— Senhor Luciel, curandeiro de rank G. As taxas restantes do ano totalizam onze moedas de prata.
— Certo. — Coloquei sobre o balcão a prata que havia recebido de Brod.
— Obrigada. Mas preciso perguntar, tem certeza? Seu rank ainda é baixo, e se for promovido dentro do ano, precisaremos cobrar uma taxa adicional.
Que gentileza dela em me avisar. O valor de um curandeiro muda conforme o rank, e pagar um ano inteiro na classificação mais baixa era como dizer que eu não tinha intenção de crescer. Além disso, precisava subir de rank para aprender mais magia. Como o rank de um curandeiro e sua habilidade em Magia Sagrada são proporcionais, minha habilidade de nível dois me permitiria alcançar o rank F, mas isso também significaria um aumento nas taxas. Como planejava passar pelo menos um ano na Guilda dos Aventureiros, aumentar meus gastos não parecia uma boa ideia. Embora, claro, a possibilidade de aprender novas magias fosse tentadora.
— Sim, tenho certeza. Aprender mais magia é importante, mas primeiro preciso conseguir me sustentar.
— Entendo. Abrir uma clínica é bem caro, mas ainda assim recomendo que aprenda novos feitiços.
— Vou considerar isso assim que juntar dinheiro suficiente para lidar com uma promoção.
Ela riu.
— Você é bem interessante, senhor Luciel. Entendido. Obrigada pelo pagamento, e aqui está sua carta de volta.
— Obrigado.
— Continue se esforçando, ok? — Ela se despediu com um sorriso.
No caminho de volta para a Guilda dos Aventureiros, pensei no silêncio absoluto da base dos curandeiros. Ficar sentado ali, sem uma alma por perto, devia ser difícil. No meu mundo anterior, o ambiente do escritório sempre tinha uma certa energia, mas ali não havia nada disso.
Talvez eu devesse levar alguma coisa comigo da próxima vez.
Quando cheguei a esse mundo, nem sequer percebia essas coisas. Talvez fosse graças à Lumina ou à Kururu. Mais provável ainda, era porque não tive tempo nem espaço para pensar nisso. Muito menos do que agora.
Acelerei o passo de volta à Guilda dos Aventureiros.
— Ora, você conseguiu. — Brod sorriu de canto. Foi a primeira coisa que disse assim que botei os pés na guilda. Ele claramente estava esperando para ver quanto tempo eu demoraria.
— Hã... Você ficou me esperando o tempo todo?
Atrás dele, Nanaella e outras duas recepcionistas humanas, Melina e Mernell, riam como colegiais.
— Nem um pouco. Vamos, temos treino pra fazer.
— Não deveríamos estabelecer um novo acordo antes?
— Nanaella, a carta dele?
— Está bem aqui! — ela respondeu animada.
— Renove-a.
— Certo!
— O consentimento faz parte desse processo? — perguntei.
— Pronto, contrato resolvido. — Brod agarrou meu braço e me arrastou em direção ao campo de treinamento.
— Ai, ei, treinador! Isso dói!
Procurei alguém, qualquer alma bondosa que me salvasse, mas todos me abandonaram. As recepcionistas apenas acenaram enquanto eu era arrastado.
Depois de suportar um treinamento ainda pior que o de costume e terminar o almoço, Brod tirou um grimório da bolsa: Guia de Magia Sagrada de Baixo Nível. Estava um pouco gasto, mas era o primeiro grimório que eu via fora da Guilda dos Curandeiros, onde aprendi meu primeiro feitiço. Fiquei até um pouco empolgado.
— Pensei em te dar isso por ter voltado. Pode ser útil.
— O que eu sou, um cachorro perdido?! — retruquei. — Por que você tem um grimório de Magia Sagrada?
Pelo termo baixo nível, presumi que não fosse algo muito caro, mas ainda assim era estranho que uma Guilda dos Aventureiros tivesse algo assim.
— O feitiço Curar para ferimentos e o feitiço Purificar para venenos são o básico de um curandeiro. No momento, você só tem o Curar. Estude isso e complete o conjunto.
Ele não respondeu à minha pergunta, mas pelo menos descobri que o livro continha o feitiço Purificar. Gulgar, que estava no balcão, ria sozinho do jeito rabugento de Brod, mas se eu fizesse o mesmo, acabaria vendo estrelas no treinamento da noite.
— Obrigado. Fico feliz que tenha pensado em mim. Vou continuar me esforçando, então agradeço pela orientação contínua. — Fiz uma reverência.
— Certo. — Brod respondeu secamente, e Gulgar caiu na gargalhada.
— Tá animado, hein? Beba isso e vá direto ao trabalho! — O homem-lobo colocou diante de mim uma caneca da famigerada Substância X, como fazia em toda refeição, e sumiu na cozinha para fugir do cheiro.
— Beba — ordenou Brod. — Temos trabalho a fazer.
— Fácil falar quando não é você que tem que sentir o gosto disso — resmunguei.
— Não tenho motivo pra isso. Tô indo na frente. — E saiu sem olhar para trás.
— Se eu me atrasar, nunca vou ouvir o fim disso... — Suspirei. — Lá vai.
Engoli aquele líquido horrível e corri atrás de Brod, certo de que, dentro de um ano, conseguiria acertar pelo menos um golpe nele.
E assim começou, de fato, minha vida na Guilda dos Aventureiros.
Tradução: Carpeado
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