Nageki no Bourei wa Intai shitai |
Let This Grieving Soul Retire
Volume 01 Capítulo 05:
[A Grieving Soul]
Assim que todos estavam conscientes e minimamente descansados, começamos nossa jornada condenada para casa. Até mesmo em tempos de guerra, era na retirada que aconteciam mais baixas. Com metade de nós feridos e o cofre do tesouro claramente fora de controle, nosso destino não estava mais em nossas mãos.
O Grande Greg carregava dois dos caçadores mais pesados, pequeno Gilbert levava um dos homens, e Rhuda, a garota mais leve do grupo de Rudolph. Os caçadores que estávamos resgatando até poderiam andar por conta própria, se forçassem, mas era melhor que guardassem forças para quando realmente precisassem.
Como Rudolph era o único com alguma chance de ser útil numa luta, gastei até a última gota de mana no Healing Faith para fazê-lo andar por conta própria. Ele estava longe de estar bem, mas conseguia dar passos pesados com sua armadura robusta, usando a lança como uma bengala.
Seguimos adiante sob o olhar atento de Tino. Eu, sem força nem resistência, era um peso morto completo, apesar de ter o nível mais alto entre todos ali.
Mesmo parecendo prestes a desabar de novo, Rudolph falou com clareza.
— Se aquele chefe aparecer, eu seguro ele. Vou ganhar o máximo de tempo possível.
— Não vamos te deixar para trás — respondeu Tino, parecendo cada vez mais uma verdadeira caçadora.
Rudolph soltou um grunhido arrependido, sem reconhecer a resposta.
— Cuidem deles. Levem-nos para Zebrudia. Por favor...
Se pudesse escolher entre talento e sorte, qualquer caçador escolheria a segunda. Era comum caçadores de alto nível, abençoados com talento, simplesmente desaparecerem de um dia para o outro. Ninguém sabia ao certo o que Rudolph e seu grupo estavam fazendo na toca, mas, pelo que parecia, eles haviam sido cuidadosos. O que os colocou nessa situação foi pura falta de sorte.
As chances estavam contra nós. Se encontrássemos um daqueles lobos gigantes de pelo prateado — sem falar no que usava a máscara de caveira completa —, a possibilidade de sairmos todos vivos era mínima.
Rudolph devia estar mais ciente disso do que qualquer um. Resgatados exaustos eram sempre os primeiros a serem deixados para trás. Nenhum caçador chegava ao nível 5 sem ver alguns companheiros morrerem pelo caminho.
— Não se preocupe — disse Tino simplesmente. — O mestre não vai deixar nada acontecer com a gente.
A confiança dela em mim passava dos limites. A única coisa que eu podia fazer era fugir. O Night Hiker era um veículo para uma pessoa só, mas talvez eu conseguisse voar carregando alguém. Felizmente, Tino era pequena o suficiente para isso. No pior dos casos, eu já estava pronto para abandonar os resgatados e o resto do grupo de Tino e sair voando dali.
Claro, eu tentaria tirar todo mundo vivo. Daria o meu melhor. Mas eu também sabia quais eram minhas prioridades.
Rudolph se virou para mim e fez uma reverência profunda. Orar para mim não adiantaria nada. Eu não era um deus.
Ele continuou falando enquanto atravessávamos os corredores estreitos, como se tentasse afastar o terror que espreitava ao virar a próxima curva.
— Só sobrevivemos porque aquilo estava brincando com a gente.
— Brincando como? — perguntou pequeno Gilbert.
— Ele tinha uma espada, e era absurdamente habilidoso com ela. Desviou do meu melhor golpe. Cada ataque que fez rasgou meu escudo, minha armadura, minha carne e meus ossos. Não há dúvida: se quisesse nos matar, teria feito isso em segundos. Nos feriu e nos deixou ir, provavelmente para nos enfraquecer e torturar até a morte. Ou talvez só quisesse que morrêssemos de fome. Aquilo era mais esperto, mais forte e mais cruel do que qualquer espectro que já vi.
Até mesmo pequeno Gilbert escutava com uma expressão sombria.
Espectros ficavam mais fortes e inteligentes conforme absorviam mana. Em cofres de nível baixo, eles eram quase indistinguíveis de bestas selvagens, mas em níveis superiores, não era incomum que entendessem nossa língua. Ainda assim, esse tipo de espectro não deveria aparecer em um cofre como aquele.
— Já estive num cofre de nível 6 uma vez — Rudolph continuou. — Para falar a verdade, fugi sem nem terminar a missão. Mas aquele espectro que vimos lá atrás... Era muito, muito mais forte do que qualquer coisa que vi naquele dia. Sem dúvida.
Isso era ridículo. Não havia como um cofre de nível 3 se tornar tão mais difícil só por uma pequena mudança no ambiente. Era possível que surgissem espectros poderosos por mutação, mas eu nunca ouvira falar de algo tão acima do esperado.
— Sei que é difícil de acreditar — disse Rudolph —, mas eu vi com meus próprios olhos. Não tivemos chance alguma. Aquele estilo de luta... era tão feroz que podia até...
O rosto de Rudolph se contorceu de medo, e seu corpo tremeu levemente.
— Podia até se igualar à Espada Metamórfica.
— A Espada Metamórfica?! — O Grande Greg arregalou os olhos. Não existia espadachim que não conhecesse esse nome.
Pequeno Gilbert ouvia atentamente. Enquanto isso, Tino ficava me encarando. Não precisava se preocupar tanto.
A Espada Metamórfica era o título do espadachim considerado o melhor da capital. Ele estudou esgrima tradicional com o Santo da Espada e usou essa base para aprender praticamente todas as técnicas de espada existentes. Esse espadachim mestre (ou melhor, fanático por espadas) não era ninguém menos que Luke Sykol, um dos Grievers. Hilário.
Provavelmente eu era o único ali que não ficou abalado com a menção do nome. Diferente do meu, o título de Luke não era apenas um enfeite. No quesito luta com espadas, ele realmente era o melhor dos melhores. Até mesmo Ark não teria chance contra ele. Eu me recusava a acreditar que esse espectro estivesse no mesmo nível.
Se existisse um espectro assim, Luke já teria dado um jeito nele.
Ainda assim, Rudolph parecia estar falando sério. Talvez o medo estivesse influenciando suas palavras, mas ele pelo menos me convenceu de que aquela coisa era absurdamente forte. O melhor que podíamos fazer era evitar encontrá-la. Sem dúvida, Tino não teria chance contra aquilo.
Merda, pensei. Eu devia ter esperado pelo Ark.
Os uivos dos lobos ecoavam sem parar pelos corredores, quase me fazendo ter um infarto cada vez que soavam. Pior ainda, a reverberação nas paredes da toca tornava impossível calcular a distância entre nós e eles — não que eu soubesse fazer esse tipo de cálculo. Se ao menos o Red Alert detectasse lobos assassinos na esquina... mas essa Relíquia era bem imprevisível.
— Era pequeno — Rudolph continuou. — Menos da metade do tamanho dos cavaleiros-lobo de meia máscara. E imensamente mais forte do que eles.
O Grande Greg soltou um longo suspiro.
— Bom, parece que hoje é nosso dia de azar.
Eu não poderia ter dito melhor. Queria muito tomar um drink com esse cara... se saíssemos dessa vivos, claro.
[...]
Então, ele apareceu.
Rudolph ficou boquiaberto. A poucos passos atrás de mim, ele estava pálido, sem cor alguma.
Diante de nós, havia um espectro de forma humanoide, com o rosto completamente coberto por um crânio humano. Era metade do tamanho de um cavaleiro-lobo, mais ou menos da minha altura, mas exalava uma aura tão intimidadora que enfrentar os cavaleiros-lobo parecia brincadeira em comparação.
Então, surgiu outro. Esse usava um crânio sorridente e tinha duas Relíquias familiares em mãos: Hounding Chain e Silent Air.
Tino, tremendo de medo, agarrou meu braço.
— M-Mestre... não. Por favor, me ajude. Eu não quero morrer...
A caveira sorridente virou-se para mim lentamente.
Sem nem pensar, deixei escapar a primeira coisa que veio à mente.
— Ei, é a Liz.
O que diabos ela tá fazendo aqui?!
***
A vasta abundância de mana materializou uma existência digna da Toca do Lobo Branco. Sua mente despertou; sinapses dispararam em seu cérebro, e ele ganhou consciência. A primeira emoção que essa criatura experimentou não foi ódio, mas sim êxtase.
Todos os seus cinco sentidos entraram em ação, sobrecarregando seu cérebro com informações. Ele enxergava longe na escuridão e identificava sons entre os ecos distantes da caverna. A força percorria seu corpo, e ele já sabia como brandir com maestria a espada em seu cinto.
Metaforicamente falando, essa criatura poderia ser descrita como o rei das Luas Prateadas: um produto do ódio sem limites e da idolatria da espécie pela humanidade. O rei se assemelhava muito a um humano, mas era inconfundivelmente diferente de um. Ainda assim, usava um crânio humano sobre o focinho—uma manifestação de sua identidade como lobo.
A imensa concentração de mana acumulada na toca havia transformado a Lua Vermelha em um ser superior. Inúmeros cavaleiros-lobo prateados surgiram—inteligentes e empunhando armas. Eram seus servos: cavaleiros leais e poderosos que serviam ao rei.
Mais de uma década depois que todos os traços das Luas Prateadas, exceto sua maldição de rancor, foram extintos, a toca havia voltado ao seu estado legítimo. Se as Luas Prateadas tivessem sido tão poderosas quanto esses espectros, nunca teriam sido caçadas.
Esses lobos eram fortes. Os cinco caçadores que haviam invadido a toca recentemente eram mais ameaçadores do que aqueles que caçavam as Luas Prateadas por lucro, mas ainda assim não foram páreo para os espectros. Até mesmo o mais forte do quinteto humano, o que empunhava a lança, não representou uma ameaça contra a matilha de lobos prateados. Cada golpe de sua lança teria força suficiente para perfurar sua armadura, mas sequer conseguiu acertá-los.
O rei dos lobos superava os caçadores—e toda a humanidade—em força, agilidade e até inteligência. Mas, diferente dos outros lobos, o rei não sentia animosidade pelos humanos. Apenas êxtase. Ele saboreava cada momento da luta, se divertindo ao vê-los lutar com todas as forças contra um inimigo insuperável, e se deleitava ao ver toda esperança desaparecer de seus rostos. O rei estava se divertindo tanto com a caçada que até permitiu que os caçadores "escapassem" para um corredor sem saída.
A Toca do Lobo Branco era um campo de caça. Para as presas infelizes que vagavam para dentro dela, havia apenas uma saída: a morte. Nada escapava da lâmina do rei. O sofrimento dos invasores tolos—matá-los, encurralá-los, dar-lhes uma falsa esperança de fuga só para arrancá-la—era o que preenchia o vazio dentro dos lobos. Um dia, eles expandiriam a toca, mas somente quando seus números aumentassem.
O rei havia se afastado propositalmente da câmara do chefe, onde os caçadores certamente voltariam, e esperava o momento certo para atacar quando ouviu os uivos agonizantes de seus companheiros.
Então, ele se deparou com uma Grieving Soul usando um sorriso radiante.
***
Era como um vendaval, uma sombra, um raio, uma explosão de chamas—ou melhor, uma tempestade furiosa.
— Hã? — pequeno Gilbert murmurou, atônito.
Eu não pisquei nem nada, mas parecia que o chefe espectral havia sido lançado longe. Antes que percebesse, ele já estava quicando pelo chão e, quando parou, o crânio sorridente estava bem diante dos meus olhos.
— O quê...? — Ao meu lado, os olhos de Rudolph estavam arregalados. O cabo de sua lança caiu no chão com um baque. Ele tinha aquela expressão vazia, como se não conseguisse entender o que estava acontecendo.
Ninguém conseguia acompanhar o que havia acabado de acontecer. Antes que os caçadores experientes ao meu lado pudessem sequer reagir, o crânio sorridente se aproximou ainda mais, com longos cabelos rosa brilhando atrás da máscara.
Uma voz soprano e fofa escapou de trás dela, um pouco abafada.
— Só quero confirmar uma coisinha, Krai, querido.
Tino, ainda agarrada ao meu braço, tentou se esconder atrás de mim. O crânio sorridente a ignorou completamente e usou o polegar para apontar para o chefe do outro lado do túnel.
— Ele não é um recruta novo nosso, é?
Liz falava com a mesma tranquilidade de sempre, e eu não pude evitar sentir um alívio por vê-la agindo como de costume.
O rei dos lobos se ergueu sobre um joelho e depois se levantou por completo, encarando o crânio sorridente. Eu certamente não me lembrava de conhecer um lobisomem violento como aquele, embora conhecesse muitos humanos bem mais assustadores.
Todos os caçadores, exceto eu, estavam mais apavorados com o crânio sorridente do que com o próprio chefe lobo. Mas, de todos, a pior era Tino.
Me forcei a sorrir.
— Não. Que tal tirarmos a máscara, hein?
— Foi o que eu pensei. Ufa. Eu já imaginava, mas, sei lá, tava usando essa máscara e tudo mais... Ah, achei isso aqui. São seus, não são?
Liz perguntou com um tom doce até demais. Então, apresentou Silent Air e a Hounding Chain.
Ela estava furiosa. Sem dúvida alguma.
Liz levou a mão até a máscara e a retirou com um movimento teatral. Ninguém ousou se mexer. Até mesmo o chefe lobo permaneceu imóvel atrás dela.
Seus longos cabelos rosa esvoaçaram no ar. Sua pele corada, os lábios pequenos, o nariz simétrico e, acima de tudo, seus brilhantes olhos cor de pêssego compunham uma aparência adorável—mas eu podia sentir a fúria prestes a explodir por trás daquela fachada.
Rhuda engoliu seco.
— U-uma humana? O que está acontecendo?
— Não pode ser! — O Grande Greg deu um passo para trás, chocado com a revelação. Se ele reconheceu Liz, talvez fosse um fã dela.
Foi só então que Liz pareceu notar os outros caçadores pela primeira vez.
— O quê? Não me diga que vocês não sabem quem nós somos?
Seus olhos brilharam perigosamente, e seu sorriso obviamente falso não escondia sua intenção nem um pouco.
— Vocês se dizem caçadores? Sério? Ainda não perceberam, mesmo com o meu Krai aqui? Não acredito nisso. Que bando de impostores. Eu achei que não existia mais ninguém na capital que não conhecesse as Grieving Souls.
Liz deixou a máscara sorridente—o símbolo das Grieving Souls—cair no chão e soltou uma risada de puro desprezo.
***
Era como um vendaval, uma sombra, um raio, uma explosão de chamas—ou melhor, uma tempestade furiosa. Cada um desses elementos representava Liz Smart.
Seu pequeno corpo irradiava energia, como se fosse o próprio sol. Mas a questão era: por que ela estava aqui? Pelo rosto e pelo jeito, era definitivamente ela. Minha mente estava cheia de perguntas, enquanto os outros ficaram simplesmente sem palavras.
— Desculpa, Krai Baby — sussurrou Liz, sem o menor traço de sinceridade. Seus lábios tremiam, como se ela estivesse segurando uma avalanche de emoções. Parecia até que ia chorar... Mas eu achei que isso nunca aconteceria.
— Sua querida Lizzy está muito triste. Eu corri de volta depois de limpar o Palácio da Noite, mas você não estava lá. Aí ouvi que tinha ido até um cofre do tesouro... — Suas palavras falharam. O rubor começou a subir pelo rosto dela, e seus olhos ardiam como fogo. O ar ao redor distorcia com o calor.
O calor emanando de Liz começou a se espalhar pelo frio da caverna. A ideia de lidar com aquele cofre do tesouro provavelmente a tinha deixado furiosa. Não era incomum que altas concentrações de mana fizessem caçadores terem mudanças drásticas de humor. Ainda assim, eu não conseguia ignorar o fato de que o Palácio da Noite não ficava nem perto o bastante para ela ter vindo correndo.
— Eu tô triste. Muito triste. E muito, MUITO envergonhada! — ela rosnou. Suas sobrancelhas se franziram, os olhos se estreitaram, e ela rangeu os dentes.
— Eu confiei em você. "Deve ser algum engano", eu disse. Achei que meu pequeno Krai Baby só tava sendo superprotetor de novo. Nunca, NUNCA, imaginei que uma aprendiz minha ia pisar na bola desse jeito ao se livrar do lixo!
Todos os caçadores estremeceram com a expressão de Liz. Tino parecia à beira da morte. Eu conseguia sentir seus dentes batendo através do aperto desesperado nas minhas costas. Tá certo que Liz estava exagerando um pouco, mas não é como se fosse matar ela...
— O-o que diabos—?! — Pequeno Gilbert tentou dizer, mas assim que as palavras saíram da boca dele, o garoto foi esmagado contra a parede.
— Hã? Some da minha frente! Não tá vendo que eu tô me desculpando agora?!

Um momento depois, ouvimos o som de uma armadura sendo perfurada. A caverna tremeu. Aparentemente, Liz havia superado as leis naturais da física.
Pequeno Gilbert se contorcia, os olhos revirados e a armadura amassada. Seu sacrifício não seria esquecido. O Grande Greg correu até ele, ajudou-o a se levantar e despejou um frasco de poção sobre o garoto. Eu admirava a coragem do cara, mas ele deveria ter pensado melhor. Liz tinha o pavio mais curto de qualquer pessoa que eu conhecia.
Sem nem ao menos lançar outro olhar para pequeno Gilbert, Liz se dirigiu a Tino, que ainda tremia atrás de mim.
— Ei, T, o que acha que sua querida mentora deve fazer? Eu sou uma professora ruim? Não estava te treinando o bastante? Ou será que você não tem talento? Talvez você simplesmente não tenha vontade o suficiente de se tornar mais forte. Ei, me responde, imbecil! Seu lixo! Eu te ensinei melhor que isso! Você vai fazer o meu Krai Baby me odiar! Seu maldito embaraço! Se mata! Não quer trabalhar duro? Então cai morta de uma vez! Se mata antes de atrapalhar ele! Morde a própria língua agora mesmo!
— Me desculpa, Lizzy. Me desculpa. É tudo culpa minha. Me desculpa por te envergonhar. É tudo culpa minha porque sou fraca. Por favor, me perdoa — Tino recitava como uma caixa de música quebrada.
— Nem pense em se desculpar comigo! — Liz rosnou. — Para quem você deveria pedir desculpas?! Pensa!
Todos naquele túnel estavam horrorizados, até mesmo o chefe fantasma. Tino se esforçava muito, de verdade, e Liz também não tinha feito tudo errado. A culpa era toda minha por escolher uma missão tão estúpida, mas se eu tentasse assumir a responsabilidade, Liz jogaria toda a culpa em Tino. Esse era o tipo de pessoa que ela era.
Enquanto Liz encarava Tino como se estivesse prestes a aniquilá-la, coloquei minhas mãos sobre os ombros dela.
— Liz, a Tino se esforçou muito. Ela derrotou um fantasma e encontrou essas pessoas para resgatar, que era o objetivo da missão. Isso mesmo. Ela arrasou.
Todos ali que sabiam da história real provavelmente me olhavam como se eu tivesse duas cabeças, mas Liz não fazia ideia do que havia acontecido na cova.
A voz de Liz voltou a um tom mais controlado.
— O quê? Ela fez um bom trabalho? Sério?
— Sim. Ouvi dizer que derrotaram um daqueles grandões brancos trabalhando em equipe. Foi incrível.
— Só um? — Liz inclinou a cabeça para o lado. — Vale mesmo a pena manter ela viva?
Seja lá o que estava incomodando Liz, eu sentia que estava tentando domar um predador de topo da cadeia alimentar.
— Com certeza. Eu quero manter ela viva, pra começo de conversa. E bom trabalho aprendendo a pegar leve, Liz. Tenho orgulho de você, de verdade.
— Ah, deu pra notar? Incrível, né? Pratiquei contato parcial só por você, Krai Baby. Sei que isso é muito importante pra você.
Toda aquela raiva havia desaparecido, e Liz agora se auto elogia animadamente.
Sem dúvida, pequeno Gilbert discordaria da ideia de “pegar leve”. Aquele golpe parecia bem letal da minha perspectiva.
Bem, o fato de Gilbert ainda estar vivo já era um grande avanço. A antiga Liz com certeza o teria matado. Eu devia ser algum tipo de gênio por ter ensinado a essa calamidade ambulante um pouco de autocontrole, mesmo sem ter feito nada de especial para isso.
— Me desculpa por ter te feito descer aqui, mestre — Tino disse baixinho. No momento certo. Ela sabia exatamente o que estava fazendo depois de tantos anos como aprendiz de Liz.
— T é talentosa, sabia? — Liz continuou. — Só falta mais determinação, coragem e disposição para morrer. Ela é cem vezes mais fraca do que eu, então tem que trabalhar cem vezes mais duro.
— Sim, com certeza — concordei, mesmo sem ter ideia do que ela estava falando. Ainda assim, sentia uma conexão entre Liz e Tino que vagamente lembrava a de uma mentora e sua aprendiz de confiança.
Embora Liz ainda estivesse pisoteando o chão de frustração, a maior parte de sua fúria parecia ter passado. Ela podia ser volátil e explodir sem aviso, mas seus surtos nunca duravam muito.
O chefe fantasma não deu um único passo durante toda a nossa discussão. Apenas segurava sua espada em posição, observando cada movimento de Liz. Embora tivesse sido atingido por ela antes, não demonstrava ter sofrido qualquer dano. Diferente da armadura de pequeno Gilbert, a do chefe fantasma estava impecável.
Ouvi passos. Outro fantasma virou a mesma esquina que Liz. Reconheci sua estrutura colossal enquanto se esgueirava pela passagem estreita. Era um dos cavaleiros lobo prateados que encontramos na sala do chefe—o que carregava uma arma gigantesca claramente projetada para disparos rápidos.
A maioria das armas usadas por fantasmas vinham de um período específico da história antiga, quando a tecnologia avançada prosperava. Essas armas não podiam ser recriadas com a tecnologia moderna e eram poderosas o suficiente para obliterar até os caçadores mais experientes. Eles não eram inimigos fáceis de lidar.
O chefe ergueu o olhar para o fantasma maior e fez um gesto com o queixo em nossa direção. O cavaleiro lobo não respondeu, apenas virou-se para nós.
Então me dei conta—o chefe não estava hesitando ou esperando uma abertura para atacar. Ele estava apenas aguardando reforços. Afinal, Liz era a única ameaça ali. O resto do grupo consistia em seis caçadores miseráveis, cada um com um pé na cova, alguns novatos ainda em plena força, e eu com meu inútil título de Nível 8. Meu nível era um bom blefe contra caçadores, mas totalmente inútil contra monstros e fantasmas.
Sem nem olhar para trás, Liz falou comigo.
— Tem mais? Então vou deixar um deles pra você, T — disse ela, sem o menor interesse.
— O quê? Lizzy...
— Não me decepcione.
Estávamos a dez metros do cavaleiro lobo, longe demais para lidar com aquela arma de fogo—sem mencionar o chefe bloqueando o caminho. Se Tino desse um único passo à frente, seria perfurada por balas. Em uma passagem tão estreita, o lobo nem precisaria mirar. Nem mesmo Tino conseguiria desviar dessas balas. Nenhum caçador sensato conseguiria.
O rangido da armadura interrompeu a conversa.
— Eu vou bloquear. Vou abrir uma brecha pra você, de alguma forma — Rudolph se posicionou ao lado de Liz, escudo em mãos.
Mas Liz lançou-lhe um olhar de canto e suspirou.
— Tanto faz. Acabou. Que jeito de estragar o clima.
— O quê? — Rudolph perguntou.
— Eu queria que a T fizesse isso, mas agora tô cansada. Preciso esfriar a cabeça. Não suporto a Tino nos fazendo passar vergonha... Ah, já sei.
Liz deslizou sua máscara sobre o rosto. No momento seguinte, tiros ecoaram pela caverna enquanto incontáveis balas rasgavam o ar. Alguém gritou, mas logo tudo ficou em silêncio novamente.
Liz abriu sua mão esquerda estendida, deixando as balas caírem no chão.
O cavaleiro lobo ergueu sua arma novamente, irritando Liz ainda mais.
— Você acha que pode me acertar com uma arminha dessas?! — ela rugiu. — Seu merda! Eu já transcendi essas porcarias! Estou além do seu nível! Não ouse me ridicularizar!
Outra tempestade de balas caiu sobre nós, sacudindo o corredor. Liz não parecia se mover nem um centímetro, mas os projéteis simplesmente caíam no chão, impotentes.
Liz continuou gritando sem demonstrar o menor sinal de esforço.
— Eu não preciso de escudo! T, você estava tentando derrotar essa coisa lenta pra caralho e fraca desse jeito?! Não aprendeu nada com seu querido mentor?! Vai me envergonhar de novo?! Seu pedaço de merda inútil! É bom que me mostre do que é capaz!
Seja razoável, Liz, pensei, ao notar Rhuda olhando para tudo, pálida. Talvez ela conseguisse realmente entender o que Liz estava fazendo. Rudolph apenas ficou parado, sem palavras.
Eu, por outro lado, observava com um sorriso leve no rosto enquanto Liz surtava. Eu não conseguia realmente acompanhar, mas sabia exatamente o que ela estava fazendo. Foi uma das razões que me fizeram, de uma vez por todas, desistir do sonho de me tornar um caçador.
Era simples, na verdade. Liz estava apenas pegando as balas e jogando-as para longe com as próprias mãos. Só isso. Claro, eu entendia a teoria, mas "rápida" não era nem de longe suficiente para descrever Liz.
Da primeira vez que Liz me mostrou esse truque, foi como se estivesse exibindo um brinquedo novo. Até hoje tenho pesadelos com o sorriso que ela deu naquele dia. E aquele bando ainda esperava que eu os acompanhasse em cofres de tesouro que exigiam esse tipo de façanha sobre-humana.
Os tiros cessaram. O lobo havia ficado sem balas. Eu estava curioso para ver como o cavaleiro lobo lutaria sem munição, mas nunca tive a chance de descobrir.
***
Liz bateu as mãos uma na outra, limpando a poeira, e se virou para os lobos. Eu não conseguia ver seu rosto por trás da máscara, mas podia facilmente imaginar sua expressão.
Então o massacre começou. Eu não vi nada além do resultado final.
Com um único passo, Liz se lançou sobre o cavaleiro lobo e rasgou sua armadura grossa antes mesmo que o fantasma pudesse reagir.
— Quando fantasmas estão vestindo armadura — ela rugiu —, você tem que esmigalhá-los! Isso não significa que eles são mais difíceis de atravessar! Acerte de cima! Arranque a cabeça deles! Eu não quero saber como—só mate logo! Isso aqui tem que ser a coisa mais divertida que você já fez!
O enorme lobo voou contra a parede e desapareceu, deixando para trás a marca do impacto. Em questão de segundos, uma das ameaças havia sido erradicada.
Sem sequer olhar para a parede, Liz virou seu sorriso de caveira para o rei lobo. A essa altura, ela parecia mais um fantasma do que a própria fera.
O chefe assumiu posição de guarda, claramente um mestre da espada, como Rudolph havia descrito. Mesmo à distância, eu sentia que seria partido ao meio se entrasse no alcance de sua lâmina. A expressão de Rudolph ficou tensa.
Mas Liz simplesmente deu um passo à frente como se estivesse passeando numa tarde tranquila. Com um estouro de energia, a espada do lobo desapareceu. Nenhum grito veio em seguida. Rudolph observava, incrédulo. Se ele tentasse contar o que estava acontecendo, qualquer um daria risada, achando que era uma piada ruim.
Mesmo diante da morte iminente, Liz não demonstrou hesitação. A lâmina do lobo cortava o ar numa velocidade absurda, mas nunca a atingia. Parecia até que Liz estava dançando com a espada. Como Ladina, ela não tinha muita defesa. Se fosse atingida uma única vez, estaria em apuros. Ainda assim, a lâmina continuava errando.
— Espada? Segura! Desvia! Esquiva! Qual é o seu problema?! Por que não consegue?! — ela gritou. Como se para demonstrar, ela pinçou a lâmina no ar. O lobo tentou recuar, mas a espada não se moveu.
No mesmo nível da Espada Metamórfica, hein? Liz já havia enfrentado a verdadeira Espada Metamórfica incontáveis vezes. Foi assim que os Grieving Souls se tornaram mais fortes. A batalha diante de nós já estava além da minha compreensão, mas era claro que Liz não via o lobo como uma ameaça. Ainda bem que ele não tinha dito nada nesse sentido para ela. Liz levava qualquer insulto a seus amigos de infância muito a sério.
Liz gritou de novo enquanto espancava o lobo sem esforço. Seus punhos nus passavam pelas defesas levantadas da criatura e esmurravam sua armadura.
— Só vai, whabam! Se você esquivar, eles não te acertam! Se você acertar, eles não podem desviar! Só faz direito! Coloque sua vida nisso! Você entende, não entende?! Entende, né?! Para de se apoiar no seu talento, idiota! Anda logo! Corre pela vida! Você não tem tempo, T! Trabalhe cem vezes mais que eu! Eu estou me distanciando mais a cada dia que você fica aí sentado sem fazer nada!
O que ela estava tentando dizer era um mistério, mas a enxurrada de xingamentos de Liz finalmente reduziu Tino a um pranto incontrolável. Coitada. Fosse qual fosse a vocação de Liz, ensinar definitivamente não era uma delas.
Usando sua Relíquia de bota, Apex Roots, Liz chutou o chefe no estômago.
— Eu estava nas nuvens, caralho!
Um estrondo ecoou pela caverna. Rhuda assistia horrorizada enquanto a perna de Liz atravessava a armadura do chefe e entrava direto em seu torso. O lobo se contorceu, uivando de dor nas profundezas da caverna enquanto seu sangue espirrava na máscara de Liz.
Eu deveria ter escolhido outro símbolo para o nosso grupo...
— Já botou tudo para fora, Liz? — perguntei.
— Sim... Um pouco. — Sua voz agora estava mais calma.
Tino silenciou o choro, como se temesse que qualquer som pudesse estragar o humor de Liz de novo. Liz puxou a perna para fora do fantasma e deixou o corpo cair no chão com um baque molhado.
O fato de que ele não desapareceu significava que ainda estava vivo, mas não por muito tempo; aquele ferimento era fatal. Já sem interesse no destino do lobo, Liz voltou saltitando até mim, os sapatos sujos e a pele salpicada de sangue.
Liz exibia uma força avassaladora e um desejo interminável por violência. Era uma bola de talento, mas nada além disso. Faltava-lhe algo fundamental para o desenvolvimento da emoção humana, e ainda assim lá estava Liz Smart, o genocídio ambulante do nosso grupo, alguém que eu simplesmente não conseguia acreditar que havia sido integrada à sociedade humana.
Rhuda e os outros afundaram no chão, largados como um monte de trapos. Eu sei, é difícil de acreditar. Ela era nossa Ladina. Agia mais como uma Bandida.
Liz tirou a máscara. Com um dedo ensanguentado na boca, olhou para mim. Havia um leve traço de timidez em sua expressão.
— Ah, quase esqueci. Estou em casa, Krai Baby.
— Bem-vinda de volta, Liz.
Liz saltou nos meus braços, e eu a envolvi num abraço. Ela estava quente, como fogo ao toque.
Tradução: Carpeado
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