Nageki no Bourei wa Intai shitai |
Let This Grieving Soul Retire
Volume 01 Capítulo 03:
[O Covil do Lobo Branco]



Pelo vasto bosque a noroeste de Zebrudia, havia uma trilha estreita e pouco explorada, serpenteando entre as árvores como uma rachadura no solo. No final desse caminho, encontrava-se o cofre do tesouro em questão: o Covil do Lobo Branco.

O local já havia sido o território de uma grande alcateia de monstros—os Luas Prateadas, lobos de pelagem brilhante como a lua, capazes de repelir todos os tipos de ataques mágicos. Com pernas poderosas para se moverem agilmente pela floresta e presas afiadas o suficiente para perfurar a carne e a armadura de um caçador bem preparado, essas feras eram um perigo mortal. Além disso, possuíam inteligência suficiente para lançar feitiços menores e caçar monstros mais fortes através de táticas coordenadas, o que lhes rendeu a reputação de ceifadores da floresta.

Embora os Luas Prateadas fossem adversários formidáveis, tinham duas fraquezas críticas: seu tamanho não ultrapassava um metro de comprimento e sua hipnotizante pelagem prateada—razão de seu nome—os tornava alvos cobiçados. Cada parte de um Lua Prateada—ossos, presas, pele—era extremamente valiosa no mercado de materiais monstruosos, o que levava muitos caçadores a arriscar suas vidas no covil em busca de fortuna. Assim, muitos desses lobos sucumbiram à ganância dos caçadores de tesouros. Nem mesmo uma espécie de monstros dotada de inteligência, força e números poderia competir contra caçadores que os superavam em todos esses aspectos.

Monstros eram feitos de carne e osso. Não importava quão poderosos fossem, não podiam simplesmente se materializar como os fantasmas que vagavam pelo cofre. Na verdade, estavam à beira da extinção. À medida que sua população diminuía em proporção inversa ao crescimento da capital, suas peles cada vez mais raras tornavam-se ainda mais valiosas. Os Luas Prateadas, que um dia foram os terrores da floresta, não passavam agora de uma fonte de lucro para qualquer caçador sortudo o bastante para encontrar um. Quando a capital passou a ser conhecida como a terra sagrada da caça ao tesouro, os Luas Prateadas desapareceram, deixando apenas os vestígios de sua outrora numerosa alcateia espalhados por seu vasto covil.

O covil supostamente estava vazio, mas, cerca de uma década atrás, começaram a circular rumores sobre um lobo ensanguentado que aparecia por lá.

***

Puxa! Só podem ser espíritos inquietos. Isso me dá arrepios.

Estremeci, jogando o arquivo para o lado. Só de pensar nisso já me dava vontade de vomitar.

Eu já era um covarde por natureza, mas os outros Grievers sabiam que, em criptas assombradas como essa, eu era ainda pior. Eu não era do tipo que testava sua coragem contando histórias de fantasmas ao redor da fogueira. Na verdade, eu nem tinha coragem pra testar.

Eva riu da minha desgraça.

Não precisa tremer tanto assim.

Tinha que ser um cofre que não consegue largar o passado. Essas coisas gritam "bagagem" em alto e bom som.

Os cofres do tesouro, que se materializavam onde havia uma abundância de mana, apareciam de três formas: aqueles completamente desconectados do local, aqueles fortemente influenciados pelo ambiente ou aqueles que refletiam eventos históricos que ocorreram ali. Nações do mundo inteiro estavam conduzindo pesquisas extensas para identificar padrões na materialização dos cofres, mas ainda não tinham resultados conclusivos. Seja como for, a Toca do Lobo Branco parecia ser uma combinação dos dois últimos tipos.

Um grande lobo carmesim surgiu do nada, vagando pela toca desolada de seus ancestrais, erradicados pela humanidade. Não que eu tivesse alguma pena dos Luas Prateadas ou algo assim, mas uma história dessas me deixava arrepiado.

De acordo com o depoimento de um caçador que enfrentou os Luas Prateadas, esse lobo é bem mais forte do que os do passado — explicou Eva.

Soltei uma risada forçada. — E nem dá pra pegar a pele dele. Tô fora.

Fantasmas eram aparições tangíveis que se manifestavam da mesma forma que os cofres do tesouro. Independentemente da força, tinham certas características que os diferenciavam dos monstros. Para começar, fantasmas não deixavam um corpo para trás. Quando destruídos, eles se desfaziam em mana, dissipando-se imediatamente no ar, como se nunca tivessem sido reais. Raramente, uma parte bem manifestada do corpo permanecia, mas arrancar a pele deles não era exatamente uma opção.

Se os caçadores estavam indo explorar o lugar e não voltavam, isso definitivamente não era problema meu.

Eva folheava o arquivo que tinha solicitado, parecendo mais contemplativa do que assustada. Talvez se considerasse muito longe da linha de frente.

Pelo que estou vendo aqui, o cofre deve ter recebido um nível 3 pela força dos fantasmas, e não pela dificuldade do layout ou das armadilhas.

Interessante. Bom, acho que eles vão se virar. Estamos falando da Tino.

O nível de um cofre do tesouro era determinado pela dificuldade geral e pela porcentagem de caçadores que conseguiam sair vivos de lá. Cofres mais fáceis de navegar normalmente geravam monstros e fantasmas mais fortes, e vice-versa. A maioria dos caçadores tinha sua preferência sobre o que enfrentar.

Levando em conta que o Pequenino Gilbert e a Tino eram uns brutamontes absolutos, eu não estava muito preocupado. Eles conseguiriam lidar com um fantasma poderoso ou dois. Na verdade, a Tino parecia ter colocado um pé no mundo dos malucos desde a última vez que a vi lutar. Isso era inevitável, mas agora não tinha mais volta pra ela.

Estou surpresa que o Gilbert tenha aceitado participar — disse Eva.

Sei lá. Ele provavelmente refletiu um pouco depois de apanhar da Tino. Ou talvez depois que perguntei sobre o último grupo dele, por causa daquela dica que você me deu.

Eva Renfied era uma pessoa incrível. Embora não tivesse experiência como caçadora, suas habilidades gerenciais eram impecáveis. Como ainda mantinha contato com a empresa de comércio para a qual trabalhava, conseguia cuidar de tudo, desde a compra de suprimentos para o clã até a coleta de informações por meio de suas conexões. Ela até lidava com as inspeções ocasionais dos superiores do império. Pesquisar os três novos membros do grupo da Tino tinha sido moleza para alguém como ela.

Na verdade, eu devia era beijar o chão onde ela pisava, assim como devia fazer com o Ark. Se não fosse pelo regulamento que exigia que o mestre de um clã fosse um caçador nível 5 ou superior, ela já teria assumido o posto de mestre dos Passos há muito tempo, e eu estaria aproveitando uma aposentadoria tranquila.

Ao lembrar da minha conversa com Gilbert, não consegui segurar uma risada.

Você devia ter visto a cara dele. Acho que existe mesmo um limite para ter talento demais.

Gilbert estava passando pelos cofres do tesouro como se fossem brincadeira, a ponto de o resto do grupo não conseguir acompanhar. Essa era uma história comum nesse ramo, especialmente porque as disparidades de talento ficavam ainda mais evidentes no campo de batalha. O que aconteceu com o meu grupo foi só mais um exemplo, e eu já tinha visto muitos outros passarem pelo mesmo.

Dito isso, havia duas diferenças entre os Grievers e o grupo do Gilbert: ele era o único membro com talento extraordinário, e ele escolheu sair do grupo em vez de tentar resolver as diferenças. Isso fazia de nós exatos opostos.

Você botou juízo nele? — perguntou Eva.

Nada. Só falei qualquer coisa que me veio à cabeça. Provavelmente fiz ele descer um pouco do salto, mas eu não sou ninguém para dar lição de moral em caçador.

Meu clã estava cheio de caçadores piores que o Pequenino Gilbert, como a Tino e sua adoração bizarra por mim, sem falar na Liz, que com certeza tinha sussurrado essas baboseiras no ouvido dela. Quem sou eu pra dar sermão sobre como administrar um grupo? Eu detestava quando os membros vinham me procurar pedindo conselhos sobre problemas interpessoais. Isso não era comigo. Façam o que quiserem e me deixem fora disso!

Se você diz — Eva respondeu, mantendo sua postura impecável.

Por mais excelente que fosse no trabalho, eu tinha a sensação de que ela nem sempre enxergava as coisas como eram — mas eu jamais ousaria reclamar com a mulher que basicamente segurava o clã sozinha.

Antes que a conversa ficasse cansativa, decidi mudar de assunto.

O Artefato do Pequenino Gilbert é bem legal, sabia?

A Espada Purgatório, certo?

Sorri, lembrando da enorme espada forjada na forma de uma chama ardente.

Eu amava Artefatos. Não tinha como negar o apelo deles. Na verdade, eram as únicas coisas que realmente me animava. Não era de se espantar que caçadores do mundo todo arriscassem a vida para conseguir um.

O melhor de tudo? Qualquer um podia usá-los. Absolutamente qualquer um, independentemente de talento ou habilidade, podia empunhar um Artefato e ter acesso a poderes miraculosos. Preciso dizer mais alguma coisa?

Esse mesmo. Será que ele me venderia? Concede afinidade com fogo e aumenta o alcance dos ataques, mas pode ter outros efeitos que eu poderia estudar.

Eva cruzou os braços.

Estamos tentando cortar gastos desnecessários, Krai.

Como isso seria desnecessário?

Eva suspirou e me lançou um olhar penetrante. Sabendo meu lugar, respondi de forma mais contida:

Tá bom, tá bom. Acho que essas são características comuns em Relíquias de armas.

Percebendo que não tinha mais saída, forcei um sorriso sem graça e joguei meu trunfo:

A-Aliás, que tal pegarmos algo doce?

Eva arqueou a sobrancelha.

Você só quer isso porque está com vontade, né?

Magina. Não tem nada a ver!

Droga. Quando foi que ela descobriu meu fraco por doces? Eu mantinha essa parte de mim em sigilo, apenas para quem realmente precisasse saber, para preservar minha imagem de durão. Eu realmente não podia baixar a guarda perto dela.

***

Os membros temporários da equipe estavam sentados juntos à mesa que Tino normalmente ocupava sozinha. Cada um deles a encarava, esperando por instruções. Ela teria preferido muito mais aceitar a missão sozinha, mas agora estava presa com esse bando de desajustados. Quando seu mestre sugeriu que eles se sairiam bem sem Gilbert, ela se permitiu ter um lampejo de esperança. Agora, percebia que tudo tinha saído exatamente como seu mestre planejara.

A missão que lhe foi dada era de busca e resgate, algo que exigia extrema urgência. Não havia tempo para fazer preparativos minuciosos.

Tino olhou de um membro ao outro de sua equipe, se preparando para dizer suas primeiras palavras oficiais como líder.

Primeiro, eu preciso escrever um testamento.

O quê?! Espere um minuto! — Rhuda gritou, se levantando de repente e batendo as mãos na mesa.

***

Tino já deve estar quase lá, né? Ah, droga.

Eu estava ali, preguiçosamente polindo minha Corrente Perseguidora, quando de repente me lembrei de que ela estava sem mana.

Relíquias eram ferramentas poderosas, mas seus efeitos não aconteciam sem condição alguma. Elas eram alimentadas por mana, a mesma fonte de energia que os magos usavam para lançar feitiços. Quanto mais poderosa a Relíquia, mais mana ela exigia para funcionar. Esse era um dos motivos pelos quais caçadores não saíam carregando uma tonelada delas.

Infundir Relíquias com mana era algo simples, já que a mana fluía em todo ser vivo. No entanto, a reserva de mana variava muito de indivíduo para indivíduo. Até mesmo magos, que possuíam mais mana do que a maioria dos seres vivos, só conseguiam carregar algumas Relíquias antes de esgotarem suas reservas.

Infelizmente, eu tinha menos mana do que a média das pessoas, então costumava pedir para meus amigos ou membros do clã carregarem minhas Relíquias para mim. A Associação recomendava que caçadores carregassem apenas o número de Relíquias que conseguissem recarregar sozinhos, mas que escolha eu tinha? Minha quantidade ridícula de mana era um dos motivos pelos quais eu desisti de caçar na linha de frente. Se ao menos eu fosse bom em alguma coisa...

Mana também não era um recurso gratuito. Normalmente, eu pedia para a Lucia, a Maga dos Grievings, carregar minhas Relíquias, mas ela não estava por perto. Eu teria que dar um jeito nisso por enquanto.

Enrolei minha Corrente Perseguidora e segui para o salão.

Os raios quentes do sol poente atravessavam as janelas panorâmicas, banhando o salão em um tom âmbar. Algumas das mesas estavam ocupadas por membros dos Passos que eu reconhecia, aparentemente voltando do trabalho do dia. Fui direto até um dos grupos, pronto para me intrometer na conversa animada.

Gastar mana era exaustivo, a ponto de magos mal conseguirem se mover quando esgotavam suas reservas. Normalmente, eu precisava pedir a um mago habilidoso para recarregar minhas Relíquias, mas dessa vez eu só precisava carregar a corrente.

O líder do grupo, um homem de cabelo preto desgrenhado e uma barba por fazer, me notou e abriu um sorriso. Ele parecia estar de bom humor.

Ei, MC. Noite louca, hein?

Carpeado: Mestre do Clã.

Acontece. Posso te incomodar para carregar uma Relíquia?

Acho que sim. Quantos caras você precisa?

É só para minha corrente, então um já basta.

Sem problema.

Apesar do pedido repentino, ele pegou a Corrente Perseguidora e passou para uma Maga sentada à mesa. Ela aceitou sem reclamar.

A mana de uma Relíquia naturalmente se esgotava com o tempo, fosse usada ou não. Eu pedia recargas com bastante frequência, então todos ali já estavam acostumados. Às vezes, magos recusavam gastar mana comigo se seu grupo estivesse prestes a explorar um cofre, mas na maioria das vezes, minha posição como mestre do clã era persuasiva o suficiente. Tudo isso graças à Eva, que fazia um ótimo trabalho priorizando a satisfação dos membros.

A Corrente Perseguidora brilhou levemente conforme a mana fluía para dentro dela. Enquanto isso, o líder começou a conversar comigo.

Você ficou sabendo? Apareceu um errante na estrada do norte. O ataque foi pequeno, mas a caravana de um mercador foi dizimada.

Zebrudia era uma cidade gigantesca. As estradas que levavam até ela eram muito mais bem cuidadas do que as de outras cidades, e os monstros na região eram abatidos regularmente. Mas, de vez em quando, ataques aconteciam.

Raramente, monstros e fantasmas chegavam até as estradas—eram esses que chamávamos de errantes, temidos pelos viajantes. Eles costumavam ser mais poderosos do que a maioria dos monstros ou fantasmas e sua aparição era difícil de prever. Não importava o quão desenvolvido fosse o local, contratar seguranças sempre era uma boa ideia. Sem escolta me protegendo, eu nunca colocaria os pés para fora da cidade. Vida difícil a dos mercadores.

Que assustador. Foi um monstro ou um fantasma? Se apareceu na estrada, deve ser um fantasma.

Ao norte da capital ficava uma floresta repleta de recursos. A chance de um monstro abandonar o conforto da mata para caçar uma caravana era relativamente baixa.

O líder me olhou e acenou com a cabeça.

Sim. A Terceira Ordem emitiu um alerta e está recrutando voluntários para eliminar a ameaça. É um osso duro de roer. A caravana tinha três caçadores de Nível 3.

Nenhum sobrevivente, mesmo com escolta? Que azar.

Os repelentes de monstros não funcionavam contra fantasmas, que eram feitos de material de mana. Normalmente, eles não saíam de seus cofres, mas a enorme quantidade de cofres nos arredores da capital fazia com que, a cada poucos meses, um deles vagasse até a civilização.

Ainda assim, não havia motivo para preocupação. O fantasma devia ser forte para ter eliminado três Nível 3, mas fantasmas não tinham corpos físicos e não duravam muito em lugares com pouco material de mana. Demorava um pouco para que se dissipassem naturalmente, mas com o tempo ficavam mais fracos. E com a Terceira Ordem—responsável pela segurança do império—cuidando disso, a situação seria resolvida rapidamente.

De qualquer forma, não era problema meu. A cidade, protegida por cavaleiros poderosos, muralhas resistentes e uma população robusta de caçadores, estava segura contra qualquer fantasma. Sem preocupação, esperei minha corrente terminar de carregar.

O líder continuou:

Segundo os caçadores que viram, é um fantasma lobo. Os caçadores que protegiam a caravana devem ter sido pegos de surpresa para serem derrubados assim, no meio da estrada.

Uhum... O quê?

Lobo? Ele disse lobo? Franzi a testa ao ouvir a palavra e visualizei um mapa da região. A Toca do Lobo Branco, o cofre onde eu joguei a Tino, ficava na floresta próxima à estrada do norte. Era fácil fazer a conexão, já que cada cofre produzia o mesmo tipo de fantasma, com poucas variações.

Alheio ao meu desespero crescente, o líder continuou:

Sem dúvida, evoluíram em um cofre negligenciado. Isso acontece quando há cofres demais por aí. Mas isso é ótimo para nós, caçadores.

B-Bem, há muitos cofres ao norte — murmurei. — A floresta sozinha tem vários. Se o fantasma é um lobo, deve ser de...

Com certeza da Toca do Lobo Branco — disse o líder. Caçadores dos Passos sabiam das coisas. Ele parecia bem informado sobre os cofres da região.

Meu estômago se revirou, mas forcei um sorriso.

Certo, pode ser a Toca do Lobo Branco, ou—

Ah? Tem outro lugar por aqui que gera fantasmas lobos? Não. Se encaixa perfeitamente. Aquele cofre é bem impopular por causa das baixas taxas de drop.

Sério...? Senti meu rosto endurecer, algo que a Maga carregando minha corrente percebeu com curiosidade.

Se um fantasma conseguiu sair de lá, então a caverna deve estar lotada. A Associação deveria emitir outro alerta. Na verdade, o governo pode até emitir um pedido de extermínio.

Matar fantasmas não era muito lucrativo, já que eles não deixavam um corpo para trás, mas quando começavam a se espalhar pelo mundo e atrapalhar o comércio, a história mudava. Dependendo da escala do problema, não era incomum o governo pagar uma boa quantia à Associação para resolver a situação.

Claro, ainda existia a possibilidade de que o lobo tivesse vindo de outro lugar. Mas mesmo que tivesse saído da Caverna do Lobo Branco, Tino estava indo para lá com um grupo de quatro pessoas, levando a relíquia do pequeno Gilbert. Eles dariam um jeito.

Esse lobo é forte, sabia? Não se deixe estraçalhar só pra ganhar um trocado rápido — brincou um dos membros do grupo.

Mal sabiam eles que esse comentário me gelou até os ossos. Estraçalhar? É tão perigoso assim? Nunca fui à Caverna do Lobo Branco, então qual é o nível de perigo? Um cofre de tesouro nível 3 teria fantasmas bem fortes, não? Parece razoável. E Tino também é bem forte.

Só para garantir, decidi pedir ao grupo que desse uma olhada no arquivo da missão. Só para garantir. Não tinha segundas intenções, juro. Sorrindo, tirei o pedido do bolso e o espalhei sobre a mesa.

Os olhos do líder se arregalaram ao ler o pedido de cima a baixo. Então, ele abriu um sorriso novamente, parecendo impressionado.

Você tá brincando comigo, MC. Fingindo que não sabia do lobo quando já deu conta dele.

Certo, uh-huh. Tino já está cuidando disso.

O rosto dele congelou imediatamente.

Tino? A Tino de nível 4? Você e essas suas provações de fogo...

Os companheiros dele se encolheram nas cadeiras, os sorrisos presos de forma estranha no rosto. Isso sempre acontecia comigo. Eu simplesmente tinha um azar terrível—e um péssimo timing.

Não fiz de propósito, tá?! Quando esse comboio foi atacado, afinal? Como eu poderia saber disso? Eu podia ser o mestre do clã, mas não era um capataz. Se soubesse, nunca teria passado essa missão para Tino. Se soubesse, teria escolhido outra missão.

O jovem de aparência furtiva do grupo, que analisava o arquivo, murmurou:

Bom, é um cofre de tesouro nível 3, mas quando caçadores de nível 5 desapareceram, você mandou uma solista de nível 4?

Sabe, pra ela ganhar experiência... Espera, nível 5?

Tendo terminado de recarregar minhas correntes, o mago apontou para uma linha no arquivo da missão.

Sim. Olha, bem aqui.

A seção do arquivo listava os caçadores que precisavam ser resgatados, um detalhe que eu havia ignorado completamente. Mas o mago aparentemente viu algo importante.

Esse Rudolph Davout não é um caçador de nível 5? Ele tem uma lança bem famosa. Vejo ele direto na Associação. Você não sabia—

Cala a boca, idiota. Nosso mestre do clã sabe tudo sobre cada caçador da capital e cada cofre de tesouro que existe! Heh, desculpa por isso, MC! Ena não quis dizer nada com isso.

O líder do grupo sorriu de maneira tensa. Ena, a maga, também se desculpou. Tudo que consegui foi um sorriso forçado e um aceno de mão, tentando encerrar o assunto.

O que é essa história de que eu sei tudo? Mal consigo ligar os nomes dos meus próprios membros de clã às suas caras. Quem tá espalhando esses boatos absurdos sobre mim? Tinha muitas suspeitas. Como diabos eu deveria saber sobre caçadores fora do clã? A única vez que eu pisava na filial da Associação era quando iam me dar um tapa na bunda. O quê? Eles realmente acham que eu conheço todos os caçadores da capital? Quantos caçadores acham que existem por aqui?

Respirei fundo e tentei me acalmar. Nunca teria enviado Tino se soubesse que um caçador de nível 5 tinha desaparecido, mas—tirando os defeitos de personalidade—Tino era uma caçadora confiável. Ainda não era hora de entrar em pânico.

Pensando bem, quando mostrei o arquivo para ela, Tino mencionou algo sobre ser apenas nível 4. Maldito Gark, jogando uma missão tão perigosa nas nossas costas! Se algo acontecer com Tino, a culpa será toda dele!

Respirei fundo de novo. Mais importante, eu precisava manter minha dignidade (por mais superficial que fosse) como mestre do clã. Não me importaria—na verdade, eu daria boas-vindas a ser deposto do cargo—mas havia muito mais em jogo agora.

Vai ser uma boa experiência de aprendizado — falei. — Não se preocupem, mandei ela com três pessoas de fora para dar suporte.

Até mesmo pequeno Gilbert já demonstrava sinais de seguir a liderança de Tino, e Rhuda e o Grande Greg eram, no mínimo, melhores do que nada.

O líder não reagiu como esperado, apenas estremeceu com o que restava do sorriso.

E-Entendi...

Você algemou ela a uma missão que já era difícil...

Então é assim que o infame líder fez os Grievers se tornarem o melhor grupo da capital...

Aqueles caçadores talentosos, aqueles malucos, estavam me olhando com uma mistura de medo e respeito.

Infame? Do que eles estão falando?! Me senti tão derrotado que não consegui mais manter o sorriso. O líder se levantou de repente, como se tivesse acabado de encarar um monstro na floresta.

Peguei minha Corrente Perseguidora, agora recarregada, da mesa e a prendi no cinto. Então, pigarreei, tentando recuperar meu ar de durão.

Desculpa, mas tem algo que preciso resolver. Vou nessa. Valeu pela carga.

N-Não foi nada. Me desculpe por ter tomado seu tempo com tudo isso — murmurou o líder, sua atitude antes amigável agora substituída por uma formalidade aterrorizada. Até os membros do clã estavam começando a nos encarar de outras mesas no salão.

Ah, droga. Agora vão achar que sou algum sádico que jogou Tino em uma missão suicida. Não foi assim! Eu não fiz isso de propósito!

Virei nos calcanhares e saí apressado para o escritório do mestre do clã, sem saber para onde mais ir. Ark não estava por perto quando eu mais precisava dele. O mesmo valia para os Grievers. Normalmente, caçadores se preparavam bastante antes de uma missão, mas como essa era uma missão de resgate, eu apressei o grupo de Tino. Eles já deviam ter chegado ao cofre de tesouro. Não havia mais tempo.

Vai dar certo — murmurei, enquanto minha mente rodava. — Vai dar certo. A Espada Purgatório. Eles têm a Espada Purgatório!

Então me ocorreu um detalhe. Durante a pequena briga entre Tino e Gilbert, eu tinha esgotado toda a mana da grande espada. Será que o pequeno Gilbert lembrou de recarregar sua relíquia antes de sair para o cofre de tesouro?

***

A lembrança mais profunda cravada na mente de Tino Shade era a de sua mentora, logo após o primeiro duelo real entre as duas, depois de vários meses de treinamento básico.

Entendeu, T? — perguntou sua mentora com um sorriso. Em total contraste com Tino, que estava caída no chão, ofegante e exausta, Liz não mostrava nem uma gota de suor.

Ela amarrou os cabelos rosados em um rabo de cavalo. Seus olhos cor de pêssego eram emoldurados por cílios volumosos, e sua pele impecável era bronzeada pelo sol. Ninguém poderia negar o quão adorável ela era.

De suas orelhas pendiam brincos metálicos em forma de coração. Seus membros eram finos, sem um traço de gordura desnecessária, e seus seios eram modestos, menores até do que os da própria Tino, que já não tinha muito para exibir. Ela era mais baixa que Tino, o que, quando Tino começou a treinar sob sua tutela, fazia com que algumas pessoas confundissem a aprendiz com a sênior entre as duas. Mas agora ninguém ousaria sugerir tal coisa.

Se Krai disser que corvos têm penas brancas, então eles têm penas brancas. Sacou o que eu quero dizer? — perguntou Liz, levantando o dedo indicador como se estivesse ensinando algo a uma criança.

O poder que emanava do pequeno corpo de sua mentora superava em muito qualquer coisa que Tino já tivesse visto. Era difícil acreditar que havia apenas alguns anos de diferença entre elas.

Houve um grupo de caçadores que ascendeu à glória mais rápido que qualquer outro—aberrações que, vez após vez, atravessaram covis mortais que haviam encerrado a carreira de inúmeros caçadores antes deles. Tino e os demais da "segunda geração" de caçadores talentosos apenas seguiam seus passos. Por isso, Tino nunca se orgulhou de seu próprio talento.

Sua mentora, Liz Smart, a Sombra Silenciosa, era membro daquele grupo lendário. Ver Liz correr como uma rajada de vento pela terra e pelo céu, como uma sombra na noite, enchia Tino de medo e admiração.

Apesar do sorriso, os olhos de Liz brilhavam com uma energia eletrizante.

Não estou falando de lealdade ou amor. O que eu quero de você, T, é obediência absoluta.

Uma frase dessas poderia ter enfurecido um caçador mais temperamental. Mas Liz falava sério. A nuca de Tino ardia com uma sensação incômoda.

Não quero que você questione uma única palavra do Krai. — Liz encarou Tino diretamente nos olhos, hipnotizando-a. Um momento se passou antes que Liz continuasse sua lição, quase como se estivesse cantando. — Não importa se parecer uma piada ridícula, uma ordem sem sentido ou até mesmo um comando que coloque sua vida em risco. Quero que obedeça à vontade dele sem questionar. Esmague qualquer inimigo que se oponha a Krai. Não importa se for um nobre poderoso, um caçador lendário ou até mesmo o imperador de Zebrudia. Eu não suporto a ideia desses desgraçados continuarem vivos nem por um segundo. É por isso que fiz de você minha aprendiz. Quando eu estiver por perto, eu mesma vou exterminá-los. Mas eu não posso estar com Krai vinte e quatro horas por dia. Você entende, não entende, T? Você é uma garota esperta.

Tino ainda arfava, caída no chão.

Sim, Lizzy.

Caçadores talentosos às vezes eram descritos como aberrações. Mas Tino sabia que nem todos eram igualmente monstruosos. Sua mentora, no entanto, era, sem dúvida, um monstro que fazia até outros caçadores tremerem.

Seu discurso, que ela deu em um tom quase brincalhão, carregava uma ferocidade ardente que queimava qualquer pensamento de desobediência.

Liz falava sério. Ela via tudo no mundo como inimigo e não havia espaço para concessões. Se Tino tivesse demonstrado qualquer hostilidade contra Krai, sua mentora a teria matado na hora, arrancando-a do caminho como uma erva daninha.

Menor e mais esguia que Tino, Liz parecia uma humana normal, mas essa semelhança se limitava apenas à aparência. Tino só percebeu isso algum tempo depois, quando adquiriu um pouco mais de experiência como caçadora.

***

O grupo cauteloso percorria a estreita trilha da floresta, a caminho da Toca do Lobo Branco. Tino liderava a equipe, seguida por Gilbert, Greg e, por fim, Rhuda na retaguarda.

Grupos de caçadores eram formados com um equilíbrio de funções em mente. Normalmente, um time precisava de um combatente da linha de frente, um combatente de longo alcance, um batedor e um curandeiro. O grupo improvisado de Tino não tinha um mago capaz de dizimar hordas inteiras de inimigos com um único feitiço, nem um clérigo para curar ferimentos graves—ambos considerados essenciais para sobreviver a calabouços de alto nível.

Greg e Gilbert eram combatentes da linha de frente: Greg, um Guerreiro versátil no manuseio de diversas armas, e Gilbert, um Espadachim especializado em combates individuais com sua imensa espada. Ambos eram lutadores exemplares, com força física suficiente para resistir aos poderes sobrenaturais de um fantasma, mas sem a agilidade necessária para lidar com ataques mágicos ou enxames de espectros de uma só vez.

Enquanto isso, Rhuda e Tino eram Ladinas. Faltava-lhes força bruta, mas compensavam com suas habilidades de rastreamento e reconhecimento. Apesar da gritante falta de equilíbrio na formação do grupo, as duas Ladinas eram a única vantagem que tinham.

Rhuda, acostumada a caçar sozinha, era extremamente cautelosa e atenta—uma qualidade que Tino também possuía. Mesmo que a visão do grupo fosse obscurecida, um fantasma hostil não as pegaria desprevenidas. Emboscadas eram o maior perigo ao explorar um calabouço desconhecido. Pelo menos, nesse aspecto, o grupo improvisado de Tino não precisava se preocupar.

A primeira preocupação do grupo era entender o que estava acontecendo dentro da masmorra. Mas, mesmo antes de chegarem lá, um ar estranho envolvia a floresta. O avanço era tenso. Algo pairava no ar, algo que apenas caçadores habituados a enfrentar monstros e espectros conseguiriam sentir.

Então, um uivo reverberou entre as árvores.

Greg varreu os arredores com o olhar e resmungou:

Estranho. Vocês sentiram isso? Seja lá o que for, não é nada bom. E nem chegamos ao calabouço ainda, droga.

É por isso que eu deixei um testamento — disse Tino, apertando os olhos ao encarar as árvores grossas demais para serem abraçadas. — Não tive escolha.

Caçadores desenvolviam um sexto sentido para o perigo. Quando seus sentidos ficavam aguçados demais por causa da energia mágica, seus cérebros processavam o perigo iminente como intuições. Se tiver um mau pressentimento, corra. Essa era uma das regras fundamentais da caça ao tesouro. Tino e seus companheiros tinham aprendido isso da pior forma.

O grupo estava inquieto com a presença que espreitava a floresta. Tino, no entanto, não demonstrava medo—apenas determinação. Assim que percebeu o perigo, ela deveria ter priorizado a sobrevivência do grupo, especialmente porque a anormalidade era forte o bastante para que os outros também a percebessem. Mas, nesse caso específico, Tino e sua equipe sabiam exatamente no que estavam se metendo. Ela havia alertado sobre os perigos com antecedência, mesmo que ninguém tivesse levado suas palavras a sério.

Rhuda, que vinha caminhando cuidadosamente na retaguarda, se lembrou das palavras e da expressão séria de Tino.

Se ele me deu essa missão, não vai ser fácil. Não pretendo morrer, mas escrevi isso só por precaução.

Na época, Rhuda achou que fosse uma piada, mas o perigo palpável entre as sombras não deixava dúvidas.

Você tá dizendo que o Krai sabia o que estava acontecendo e nos mandou mesmo assim? — perguntou ela.

Tino assentiu.

A composição do nosso time também não é coincidência.

Você só pode estar brincando — Greg retrucou, cético. — Isso é um baita exagero.

Krai tinha agido como se tivesse escolhido os membros do time ao acaso, sem planejamento. Mas Tino, que conhecia seu mestre como ninguém, enxergava além.

Ela era uma das membros originais dos Passos. Mesmo antes da formação do clã, já tinha bastante contato com os Grievers. Sua carreira de caçadora de tesouros foi construída com treinamento árduo e provações ainda mais exaustivas. Não era a primeira vez que Krai lhe confiava uma missão. Agora, por mais difícil que fosse acreditar, Tino finalmente compreendia que os Grieving Souls não conquistaram fama e reconhecimento apenas pelo talento individual dos membros, mas sim pelo gênio que os guiava.

O Mestre sabe tudo o que acontece no calabouço e reuniu os membros necessários para formar esse grupo — disse ela, olhando para Gilbert. — Até mesmo aquele seu teste de força fez parte do plano.

Gilbert arregalou os olhos. O desafio de luta do dia anterior agora fazia mais sentido.

Rhuda interveio, desesperada:

Espera aí! Os membros necessários? Eu só apareci no recrutamento por coincidência! O seu clã tem vários caçadores mais talentosos do que eu!

Isso mesmo — acrescentou Gilbert. — Eu nunca tinha visto o Mil Truques antes de ontem.

Eles continuaram protestando, recusando-se a acreditar.

Tino soltou um pequeno suspiro. Ainda nem haviam chegado ao calabouço e já estavam fazendo barulho o suficiente para atrair monstros ou espectros. Talvez até isso fizesse parte dos cálculos de seu mestre. De qualquer forma, ela queria terminar logo essa missão e voltar para o clã. Viva. Para isso, precisava fazer seus novos companheiros entenderem que nada naquela situação era coincidência. Tino não sabia o que estava prestes a enfrentar, mas compreender a seriedade da missão era fundamental.

O Mestre tem conhecimento sobre todos os calabouços e caçadores da capital. Ele pode prever suas ações, mesmo sem conhecê-los pessoalmente — disse ela, demonstrando uma ponta de frustração.

Todos nos Passos sabiamos disso. Krai nunca fazia nada sem um motivo. Por que mais um Rank 8 chegaria atrasado ao próprio recrutamento, atiçaria a multidão até quase transformar o bar em ruínas e ainda se divertiria com a fúria de Gilbert, delegando a luta a Tino? Krai não era um idiota. Tudo era meticulosamente calculado. Mil Truques estava sempre dez passos à frente.

Gilbert engoliu em seco. Ele já havia sentido algo insondável em Krai. Talvez ele realmente fosse capaz de manipular tudo isso com a maior facilidade. A Espada Purgatório pesava em suas costas.

Entre os diversos tipos de magia, existia a técnica de adicionar elementos como fogo ou água a uma arma para aumentar seu poder e alcance. Relíquias do tipo arma frequentemente possuíam afinidades elementais que concediam o mesmo efeito sem necessidade de um feitiço. A Espada Purgatório tinha afinidade com o fogo, permitindo ao usuário incendiar sua lâmina e queimar os inimigos ao cortar. Até agora, a espada havia sido eficaz contra todos os adversários. Mas agora...

Mil Truques manipulou as chamas da lâmina com mais maestria do que Gilbert jamais havia conseguido. Se aquele era um vislumbre do verdadeiro poder da espada, Gilbert tinha domínio apenas de uma fração de seu potencial. Ele não era novato em explorar calabouços, mas nunca sentiu um pressentimento tão sombrio como aquele.

Vendo o quão nervosos estavam os outros membros do grupo, Tino decidiu adotar uma abordagem mais tranquilizadora.

Não se preocupem. O Mestre sabe de tudo. Ele não nos daria uma missão que não pudéssemos completar. Se estamos prontos para arriscar nossas vidas, vamos conseguir. Não há como voltar atrás, não importa o que aconteça. Por isso escrevi meu testamento.

Ah... certo. Claro. — Greg tentou forçar um sorriso. Ele não ia deixar aqueles garotos perceberem que cada fibra do seu ser estava gritando para que ele fugisse dali. Por que Tino estava tão determinada a arriscar suas vidas por um trabalho de coleta de carcaças?

Uma sombra caiu sobre eles, bloqueando a luz do sol. Tino foi a primeira a perceber algo caindo do céu e empurrou Greg para fora do caminho. Um segundo depois, um brilho opaco acinzentado passou exatamente onde o pescoço dele estivera instantes antes.

Gilbert e Rhuda saltaram para trás, se preparando para o combate. Greg, ainda cambaleando, apoiou-se no chão para não cair. Foi então que avistaram seu agressor: uma silhueta que se aproximara sem deixar cheiro ou som algum.

De olhos arregalados, Rhuda observou a besta carmesim, agora ajoelhada silenciosamente no chão.

Achei que o fantasma fosse um lobo... — sussurrou.

Gilbert encarou os olhos dourados cintilantes voltados para ele e, então, apontou a Espada Purgatória para a criatura. A figura carmesim, tendo falhado em seu ataque surpresa, ergueu-se lentamente sobre as patas traseiras. Sua pelagem vermelha era áspera, suas orelhas caninas afiadas. Um rabo espesso, da mesma cor do pelo, estendia-se de suas costas. Seu nariz se contraiu, como se estivesse farejando o grupo de caçadores.

Inacreditavelmente, a besta estava quase inteiramente coberta por uma armadura vermelho-sangue. Por baixo das manoplas, segurava uma arma. A lâmina cortou o ar, como um aviso silencioso.

Está usando armadura! Isso não faz sentido! — Gilbert exclamou, incrédulo.

Ele está segurando uma espada... — Tino murmurou, com um toque de pesar na voz. — Toque, Mestre. Eu jamais esperaria por isso...

Diziam que os fantasmas da Toca do Lobo Branco assumiam a forma de um lobo gigante. Apenas o rosto e a cor da criatura combinavam com a descrição que haviam recebido.

Como se quisesse silenciar as palavras de Tino, o cavaleiro lobo carmesim rugiu.

***

Ugh, vou vomitar. Já passou da hora de largar isso.

Dez minutos se passaram desde que me contaram sobre os perigos inesperados de um trabalho que qualquer um acharia simples: coletar carcaças. Agora, sozinho, eu andava de um lado para o outro no escritório do mestre do clã, resmungando para o nada. Ainda bem que Eva não estava ali para me julgar. Se a Tino simplesmente tivesse recusado o pedido e me explicado o motivo, eu teria...

Será que reclamar era tudo que eu conseguia fazer? Que perda de tempo. Tino era muito mais importante para mim do que qualquer um dos randoms que eu tinha mandado ela resgatar. Quero dizer, por tudo que eu sabia, eles já podiam estar mortos.

Dito isso, Tino era nível 4—ela conhecia o básico da caça. Se as coisas ficassem feias, ela traria o grupo de volta. Por outro lado, todo mundo nos Passos já tinha provado ser incrivelmente imprudente, ignorando completamente as diretrizes básicas que mantinham a maioria dos caçadores vivos. Não importava quão assustador fosse o inimigo, um membro dos Passos não recuaria tão facilmente.

Tino deve ter sido corrompida por eles. Bem, os caçadores mais imprudentes que eu conhecia eram os Grievers, então provavelmente foi influência do mentor dela.

Só usa o pequeno Gilbert e o Grande Greg como escudos de carne se precisar! — implorei ao nada. Com certeza, eles não teriam arrependimentos de morrer para proteger a Tino.

Fui descuidado na escolha dos membros do grupo dela. No mínimo, devia ter colocado alguns membros confiáveis dos Passos. Maldito Gark. Por que não me deu um aviso?

Na verdade, não. Não tinha desculpa para isso. Nenhuma ginástica mental me faria escapar dessa. A culpa era toda minha. Tudo que eu podia fazer era me jogar no chão e berrar desculpas silenciosas.

Mas, bem, eu tinha certeza de que ficariam bem. Tino sabia que a Toca do Lobo Branco gerava lobos grandes. Ela estaria bem preparada. Os lobos eram só um pouco mais assustadores do que um lobo comum na natureza. Não eram exatamente fantasmas complicados de lidar. Tino ia conseguir... Tino devia conseguir. Era o que eu ficava repetindo para mim mesmo, mas isso não me tranquilizava nem um pouco.

Já estava escuro lá fora. Os lampiões iluminavam as ruas da capital, mas não havia luz artificial na floresta.

Será que eu podia pedir reforços para alguém do clã no salão? Nem pensar. Monstros e animais selvagens eram mais ativos à noite, então ninguém queria viajar nesse horário. Além disso, mesmo que eu mandasse alguém imediatamente, não alcançariam Tino a tempo.

Eu sabia. Sou inútil sem o Ark.

Quase em negação, tomei minha decisão e me aproximei da estante que cobria uma das paredes do escritório, repleta de livros sobre gestão de clãs e a história da capital. Procurei por um pequeno puxador mal posicionado e o puxei. O mecanismo entrou em ação, e a estante girou silenciosamente para dentro. A abertura revelava uma escada que descia.

Desci os degraus apressadamente. No final, tateei a parede até encontrar o interruptor da luz. Quando o acionei, uma iluminação suave revelou um cômodo com o dobro do tamanho do escritório acima. Esse era meu quarto particular.

O espaço não tinha janelas e continha uma cama grande o suficiente para um grupo inteiro dormir, uma estante, uma mesa de centro, uma escrivaninha e um sofá. Pelas paredes, havia pinturas bizarras que me deram de presente, além de um pôster que exibia as três regras do clã.

O mais chamativo, no entanto, era que o cômodo estava abarrotado de Relíquias—espadas, lanças, armaduras, casacos, correntes, anéis e muito mais, de todas as formas e tamanhos. Algumas eu comprei, outras ganhei de presente e, claro, várias foram conquistadas em cofres de tesouro.

O que eu via diante de mim era o fruto da jornada dos Grieving Souls. Só de vender todas as Relíquias pelo preço certo, os Grievers poderiam se aposentar na mais absoluta riqueza, mas ainda não tínhamos terminado o que começamos.

Com o estômago revirando, comecei a revirar o arsenal em busca de uma Relíquia que me tirasse dessa enrascada impossível.

***

Assim que voltei para o escritório, trombei com Eva. Ela olhou para a porta aberta da estante e depois piscou para mim. Agora que eu estava coberto das Relíquias que escolhi tão rápido quanto meticulosamente, parecia um verdadeiro cofre ambulante.

Eu vestia meu sobretudo índigo e carregava uma Relíquia de besta e uma Relíquia de espada de um comprimento meio estranho nas costas. Havia uma Relíquia de anel em cada dedo e, como se não bastasse, mais alguns pendurados na corrente Relíquias presa à minha cintura. E ainda mais anéis estavam enfiados na bolsa presa ao meu cinto. Existiam Relíquias de anel pra caramba por aí, mas vamos lá — um homem só tem dez dedos!

As roupas por baixo do casaco eram trajes comuns de caçador, duráveis e leves. Provavelmente, eram as únicas coisas em mim que não eram Relíquias.

Ainda assim, mesmo com todo esse arsenal, eu continuava com aquela sensação de enjoo, temendo o que poderia acontecer. Pela experiência, aprendi que nenhum número de Relíquias fazia diferença quando se tratava de transformar um zero à esquerda em alguém competente. Mas e daí? Eu ia fazer tudo ao meu alcance. Isso era minha responsabilidade.

A vice-mestre da guilda vestia seu uniforme branco habitual, parecendo tão alerta como sempre, apesar da hora avançada. Como a administradora dedicada que era, Eva devia estar trabalhando até tarde, mas seu olhar para a estante aberta não mostrava surpresa. A essa altura, quase todo mundo na guilda sabia onde ficavam meus aposentos.

O que é toda essa parafernália, Krai?

Heh heh heh heh... Só vou dar uma volta.

Eva me olhou com exasperação.

Se ia se preocupar tanto, não devia ter dado essa missão pra ela.

Desmoronando sob a pressão da situação, não consegui conter meu riso nervoso.

Heh heh heh heh... Não sei do que você está falando.

Eva me decifrou na hora, e não foi por causa do meu arsenal de Relíquias. Eu vivia coberto deles, afinal. Depois de anos trabalhando juntos, ela me lia como um livro aberto.

Por que não leva outro grupo como reforço? — sugeriu.

A ideia era tentadora, mas pedir um favor a outro grupo era diferente de pedir para o seu próprio time, mesmo que estivéssemos na mesma guilda. A essa hora, duvidava que alguém estivesse disposto a se aventurar em uma câmara perigosa, e eu não podia esperar que estivessem.

Respirei fundo e tentei tranquilizar Eva.

Sem problema. Tudo conforme o plano.

Espera.

Ignorando completamente minha bravata desesperada, Eva se aproximou rapidamente, seus olhos fixos no colar que eu usava: um simples colar com uma cápsula metálica na ponta. Não era um Relíquia, mas era muito mais perigoso do que qualquer Relíquia guardado no meu quarto.

Let This Grieving Soul Retire! Woe Is the Weakling Who Leads the Strongest Party | Nageki no Bōrei wa Intai Shitai: Saijaku Hunter ni Yoru Saikyō Party Ikusei-jutsu Volume 01 Ilustrações

Esse não é o slime da Sitri? — perguntou Eva.

Não respondi.

Não é aquele que você não deveria tocar porque pode destruir a cidade inteira?

Ela olhou para a cápsula sem se aproximar, demonstrando um senso saudável de cautela.

Fiquei me perguntando quem tinha contado isso para Eva. Alguns rostos vieram à mente, mas eu lidaria com isso depois. A cápsula estava guardada em um Relíquia do tipo cofre, bem no meio do meu quarto. Supostamente, havia um slime modificado dentro dela, mas eu mesmo nunca o tinha visto.

Slimes eram, de longe, os monstros mais fracos de todos os tempos. Seus corpos líquidos eram basicamente sacos de órgãos internos. Cortá-los, fatiá-los, esmagá-los ou queimá-los — qualquer coisa os derrubava com facilidade. Eles existiam em várias formas, mas a maioria não tinha nada de especial. Até eu, Krai Andrey, o mais fraco dos fracos, conseguia lidar com um slime comum sem problemas. Mas o que estava dentro da cápsula era diferente — pelo menos, segundo seu criador.

Eu tentava manter meus Relíquias sempre carregados para usá-los quando precisasse, mas a maioria já estava no limite, sem recarga desde que os Grievers partiram para a câmara há duas semanas. Escolhi a cápsula para compensar. Tino era uma ótima caçadora e ficaria totalmente bem, e eu evitaria qualquer combate a todo custo. Ainda assim, como o cuidadoso badass que sou, decidi levar uma carta na manga.

Eu não queria trazer a cápsula. Na verdade, odiava a ideia. Mas as outras armas sem Relíquia do meu arsenal não eram leves o suficiente para carregar. E, para piorar, eu nem sabia exatamente como usar o slime, caso precisasse. Mas eu estaria em uma câmara, então imaginei que poderia simplesmente jogá-lo e correr. Eu faria qualquer coisa para salvar nossa querida mascote.

Muito engraçado, Eva. Isso seria uma violação descarada da lei imperial.

Eu me orgulhava de ser um cidadão exemplar. Meus amigos, por outro lado, viam as leis mais como desafios do que regras estritas.

Antes que Eva visse através do meu teatro, corri até a grande janela atrás da minha mesa e a abri, deixando entrar uma rajada de vento mais fria do que eu esperava. As janelas do prédio foram feitas para abrir, ou algumas pessoas simplesmente as quebrariam. Dessa vez, isso jogou a meu favor.

Eva me observou, incomumente preocupada, seus olhos fixos no slime da Sitri. Aquela preocupação provavelmente era de ordem profissional — se minhas ações poderiam prejudicar a guilda.

Tem certeza de que vai ficar bem? — perguntou.

Com toda a força que tinha, mantive meu sorriso radiante.

Eu estava ferrado.

Acredite, se pudesse, eu levaria reforços. Mas meu Night Hiker só podia ser usado por uma pessoa.

***

Depois de se provar um guerreiro temível, o cavaleiro lobo se dissolveu no ar, desaparecendo sem deixar rastros.

Rhuda encarou o lugar onde o lobo estava. 

— Hum, você não acha que deveríamos voltar?

Greg abaixou sua fiel espada longa, que havia usado completamente contra a criatura. 

— Sim. Sabíamos que as coisas poderiam ficar complicadas, mas ninguém poderia prever isso. De qualquer forma, não há chance daqueles caçadores perdidos terem sobrevivido. Não vou arriscar minha vida à toa.

O cavaleiro lobo tinha sido realmente difícil. A armadura que cobria todo o seu corpo o protegia da maioria dos ataques, e cada golpe de sua lâmina, impulsionado por seus braços robustos, era fatal. Fantasmas do tipo bestial costumavam ser poderosos e ágeis, mas a armadura do lobo o tornava um inimigo perigoso demais para um Cofre de Tesouro de nível 3. Mesmo Greg, que era nível 4 e tinha bastante experiência, teria tido dificuldades para enfrentá-lo sozinho.

O grupo conseguiu derrotar o fantasma e saiu praticamente ileso apenas porque o superava em número. Além disso, Tino havia atraído sua atenção o tempo todo, mantendo seus ataques focados nela. Se alguém do grupo tivesse se ferido, a situação teria sido bem diferente; talvez não fossem dizimados, mas a batalha teria se arrastado por muito mais tempo.

Sem demonstrar qualquer hesitação, o líder do grupo olhou para Greg e Rhuda. 

— Nada muda. Ainda nem chegamos ao cofre.

Essa não é hora para teimosia — disse Greg. — Sua vida vale mais do que isso! Aquele bicho claramente veio da Toca do Lobo Branco. Não é todo dia que um fantasma sai do seu cofre, mas o lugar deve estar infestado dessas coisas.

Rhuda estremeceu, olhando na direção do Cofre de Tesouro. — Quando estive aqui outro dia, só havia lobos normais.

Os fantasmas que esperavam encontrar na Toca do Lobo Branco eram chamados de Luas Vermelhas, lobos grandes nomeados em homenagem às extintas Luas Prateadas. Esses eram os fantasmas que Rhuda encontrou quando entrou no cofre sozinha algumas semanas antes. Ela conseguia lidar com uma Lua Vermelha sozinha sem grandes problemas, mas logo percebeu que não teria chance alguma se fosse cercada por uma matilha e fugiu do cofre.

O cavaleiro lobo que acabaram de enfrentar era muito mais desafiador do que uma Lua Vermelha. A adaga de Rhuda não conseguia atravessar a pesada armadura do lobo. Para causar dano, ela precisaria mirar na cabeça descoberta ou nas juntas sem proteção. No nível em que estava, teria dificuldades para acertar a cabeça da criatura enquanto se esquivava de seus ataques velozes. Talvez com prática isso mudasse, mas ela preferia não treinar suas habilidades enquanto corria risco de vida.

Tino deu de ombros, como se já esperasse aquele desfecho. — Isso é apenas um treinamento.

Treinamento?! — Greg e Rhuda repetiram.

Rhuda sentiu um abismo entre ela e Tino, que permanecia incrivelmente calma apesar da situação absurda. A atitude da garota sugeria que já havia superado desafios como aquele várias vezes. Rhuda percebia em Tino o verdadeiro motivo da prosperidade da Primeiros Passos.

E o Grande Greg está errado — disse Tino.

Só me chama de Greg.

Você está errado, Greg.

Tino lançou um olhar para Gilbert, que estava observando sua espada com curiosidade. Aquela Relíquia era a arma mais poderosa do grupo. Personalidade à parte, ele provavelmente seria o melhor combatente deles. Seu mestre não teria colocado um garoto imprudente no grupo sem motivo.

Observar Greg e Rhuda lutando confirmou para Tino que o grupo tinha potencial. O suficiente, pelo menos, para que ela não os abandonasse. Seu mestre havia dado todas as peças necessárias para completar a missão. Como sempre, ele estava certo.

Tino olhou na direção do Cofre de Tesouro, de onde os uivos continuavam intermitentes. — O Mestre nos designou para essa missão porque os caçadores que estamos resgatando ainda estão vivos.

O queixo de Greg caiu. A afirmação de Tino desafiava toda a lógica.

Cofres de Tesouro eram terrenos mortais. Quando um caçador desaparecia, nove em cada dez vezes significava que estava morto. As chances eram ainda piores em cofres pouco explorados como a Toca do Lobo Branco, onde não podiam contar com a ajuda de outros caçadores na região. Mesmo que houvesse uma pequena chance de um caçador perdido estar vivo, a única maneira de ter certeza era verificando o cofre pessoalmente.

Agora, Tino estava afirmando que seu mestre sabia, sem sequer sair da capital, que aqueles caçadores estavam vivos, enquanto o máximo que qualquer um poderia fazer era calcular as chances de sobrevivência com base no tempo que estavam desaparecidos. Se fosse qualquer outra pessoa dizendo isso, Greg jamais acreditaria.

Tino devolveu a ele um olhar frio. — Cada movimento do meu mestre tem um significado. Greg, o que você acha que significa ser um dos poucos caçadores de nível 8 da capital?

Romper os limites da caça a tesouros e tornar o impossível possível era o que fazia de Krai Andrey um caçador de nível 8.

Certo — disse Rhuda, forçando um tom esperançoso. — Se os alvos ainda estão vivos, temos que continuar. Certo, Gilbert?

Gilbert não respondeu. Em vez disso, franziu a testa ao encarar sua espada. 

— A Espada Purgatória está sem energia — resmungou. — Eu a recarreguei outro dia. Não posso recarregá-la sozinho, sabia?

O quê?!

Todo caçador sabia que precisava recarregar suas Relíquias com antecedência. A Espada Purgatória, em especial, consumia grandes quantidades de mana. Como Gilbert não tinha mana suficiente para recarregá-la sozinho, costumava levar a espada a um dos Magos da cidade especializados nisso.

A última vez que Gilbert recarregou sua espada foi há alguns dias, em preparação para a campanha de recrutamento da Primeiros Passos. Ele nem sequer entrou em um Cofre de Tesouro desde então, então a espada deveria ter energia de sobra. No entanto, ao examiná-la agora, percebeu que não restava uma única gota. Se tivessem um mago no grupo, isso não seria um problema, mas nenhum deles tinha mana suficiente para recarregá-la.

Prevendo o que estava por vir, Tino murmurou: — Mestre, por que você me odeia?

Eles ainda nem tinham chegado ao cofre.

***

A Toca do Lobo Branco era um tipo de câmara subterrânea. Os Luas de Prata eram uma espécie altamente inteligente e social, que formava grandes matilhas e compartilhava tocas subterrâneas. No auge da espécie, essa toca em particular abrigava mais de mil lobos. Ela se estendia larga e profunda como um formigueiro do tamanho de uma pequena vila. Mesmo depois que os Luas de Prata foram extintos e sua toca se transformou em um cofre do tesouro, a caverna manteve em grande parte sua estrutura original.

Tino suspirou de trás de um arbusto, onde observava a imensa entrada do vasto cofre do tesouro.

Antes da extinção dos Luas de Prata, eles sempre guardavam a entrada de sua toca. Agora, no entanto, essa mesma entrada era protegida por cavaleiros-lobo de pelagem carmesim e armadura completa.

Mesmo de onde estava agachada, a cerca de cinquenta metros de distância, Tino podia sentir o cheiro das bestas no ar. Seus olhos ardentes brilhavam de forma assustadora na escuridão, e suas lâminas desembainhadas refletiam fracamente a luz da lua.

Olhem, não é só espadas, alguns deles têm arcos e armas de fogo — disse Gilbert em um tom baixo.

Greg franziu a testa.

Droga. Então não parece que aquele vira-lata era um caso isolado. Eles foram reforçados com material de mana? O que aconteceu aqui?

Quando o material de mana que permeava o mundo se acumulava e atingia altos níveis de concentração, ele gerava cofres do tesouro e fantasmas. Por algum motivo, o material de mana podia se tornar ainda mais concentrado em certas áreas, elevando os cofres e fantasmas a um nível superior. Esse fenômeno irregular, temido pelos caçadores, era chamado de evolução.

A evolução era um evento raro. Como o material de mana geralmente circulava pelo mundo através da vasta rede de linhas de energia sob a terra, havia limitações quanto à quantidade de mana que podia se acumular em qualquer local. A evolução era considerada um resultado de mudanças ambientais ou do movimento das linhas de energia, que levavam a concentrações mais altas de mana.

O Império Zebrudian, que acumulava uma fortuna com os cofres do tesouro ao redor, mantinha um olhar atento a qualquer mudança nas linhas de energia. Se qualquer sinal de evolução fosse detectado, os caçadores deveriam ser informados. No entanto, nem Tino nem seu grupo haviam recebido qualquer aviso. Mesmo assim, com a área repleta de numerosos fantasmas mais fortes do que esperavam enfrentar, tiveram que encarar a realidade.

Controlando sua respiração, Tino avaliou a ameaça. Os fantasmas guardando a entrada eram significativamente maiores do que os Luas Vermelhas que haviam esperado encontrar. Como os cavaleiros-lobo estavam em pé sobre as patas traseiras, eram duas vezes mais altos do que os Luas Vermelhas.

Na batalha anterior, o grupo descobriu que a força e a resistência dos fantasmas haviam sido amplificadas proporcionalmente ao aumento de tamanho. Nesse sentido, tiveram sorte de poder avaliar a ameaça antes de chegar ao cofre. Na verdade, até mesmo aquele encontro inicial provavelmente fazia parte do plano de seu mestre.

A toca foi escavada pelos Luas de Prata para acomodar seu tamanho — ela disse. — Os lobos com armadura não vão conseguir saltar lá dentro... acho.

Então seria melhor correr para dentro da caverna do que enfrentá-los a céu aberto — respondeu Gilbert. — O problema é que eu não tenho como atacá-los a longa distância.

Cinco lobos-humanóides montavam guarda do lado de fora da toca. Apesar de vestirem armaduras idênticas e espessas, carregavam armas diferentes: três portavam espadas, um empunhava um arco e flechas, e o último segurava uma arma de cano longo que ninguém do grupo reconhecia. Pelo número de lobos e sua formação, não havia como entrar na caverna sem ser notado por um deles. Para evitar o risco de ficarem presos entre os lobos da entrada e os que espreitavam dentro do cofre, atravessar correndo os guardas era uma péssima ideia.

Os caçadores perdidos estão lá dentro? — perguntou Greg. — Está me dizendo que esses sinais de alerta gritantes não os fizeram recuar?

É possível que eles não tenham notado a mudança até estarem lá dentro — disse Tino. — E um cofre evoluído não é totalmente ruim. Ele também produz Relíquias melhores.

Relíquias materializavam-se da mesma maneira que fantasmas. Quanto maior a concentração de mana, mais poderosas eram as Relíquias dentro do cofre. A impopularidade do local tornava-o ainda mais atraente — menos concorrência significava uma chance maior de conseguir uma boa Relíquia.

Alguém tem ataques de longa distância? — perguntou Tino.

Greg e Rhuda trocaram olhares.

Por ataques de longa distância, Tino queria dizer aqueles que poderiam realmente causar dano aos cavaleiros-lobo, apesar de suas armaduras. Rhuda poderia atirar sua adaga, por exemplo, mas isso não deixaria um arranhão na pelagem e armadura espessa dos lobos.

O silêncio do grupo disse tudo para Tino, que percebeu o quão desequilibrado seu time realmente era. Qualquer grupo normal teria pelo menos um membro especializado em ataques de longa distância.

Com ambas as mãos, Gilbert segurou a Espada Purgatória em suas costas, mudando seu peso.

Certo, eu vou atacar. Se eu eliminar primeiro o arqueiro e o atirador, conseguimos lidar com o resto.

Como é? Você realmente é um idiota — disse Tino.

Respirando o ar frio da noite, Tino acalmou seu coração acelerado. Então, olhou para cada membro do grupo e declarou com a resolução de uma verdadeira líder:

Rhuda e eu somos mais rápidas, então vamos atraí-los para longe. Treinamos para desviar de ataques à distância. Greg e Gilbert, embosquem o arqueiro e o atirador por trás. Arcos e armas de fogo não são um problema quando se está perto o suficiente.

***

Por favor, que pelo menos a Tino sobreviva. Faça ela usar os outros como escudo, se for preciso.

Cerrei os dentes enquanto voava pelo céu iluminado pela lua, rompendo o ar que me castigava. Graças ao manto relíquia nas minhas costas, eu disparava como uma flecha solta do arco. E, assim como uma flecha solta, não havia como voltar atrás. Tudo o que eu podia fazer era tentar me guiar no meio da escuridão.

Num piscar de olhos, já havia cruzado os portões aninhados nos altos muros que cercavam a capital. Agora, só havia um trecho de estrada sem iluminação e campos intermináveis abaixo de mim. Apesar da paisagem pitoresca, tudo o que eu conseguia fazer era me segurar para não vomitar.

O Night Hiker era uma relíquia do tipo manto, de um azul profundo como a meia-noite, com um forro de pedras brancas alinhadas na gola. Como o nome sugeria, essa relíquia concedia ao usuário o poder de voar, algo extremamente raro entre as relíquias.

Relíquias que concediam voo e não eram veículos eram particularmente populares e caras. O meu Night Hiker era o único desse tipo na minha coleção, mas vinha com alguns problemas sérios. O “Incidente do Míssil Humano” envolvendo o antigo dono dessa relíquia foi uma tragédia que deixou claro para o público tanto a conveniência quanto o perigo do item. Com uma propulsão insana, o caçador foi lançado contra o teto e mandado direto para o além. Antes que fosse destruído, o Night Hiker, ainda com o sangue de um caçador talentoso em seu fecho, acabou parando nas minhas mãos.

Não dava para negar que essa relíquia era defeituosa, mas também não dava para negar que ela me fazia voar. Ela tinha vários problemas: eu não conseguia controlá-lo com precisão, e ela priorizava propulsão em vez de manipulação da gravidade, então pairar no ar estava fora de questão (ao contrário de outras relíquia de voo). Mas, ei, pelo menos eu podia voar, e essa coisa era absurdamente rápida. Rápida demais para qualquer um usar com segurança.

Cada relíquia era baseado em algum item da história. Eu realmente gostaria de sentar com o inventor do item original e dar uma boa palestra sobre noções básicas de segurança no voo.

Quando percebi, já tinha percorrido uma distância que levaria uma aberração qualquer cerca de uma hora para correr, mesmo no ritmo sobre-humano deles. Agora, eu estava voando sobre a floresta. Percorrer esse matagal a pé—desviando das árvores densas, pulando sobre pedras, raízes e galhos—seria exaustivo. Mas esse não era o meu problema. Eu simplesmente cortava o céu acima das copas. Os pássaros e animais da floresta piavam e guinchavam quando eu passava zunindo, mas quem deveria estar gritando era eu.

Logo, com minha visão trêmula, de algum jeito consegui avistar o cofre do tesouro: um buraco enorme no meio de uma clareira. Não havia outros cofres em formato de caverna na região, então não podia ser outro. O problema era que... o meu manto não tinha freios.

Cravando os dentes, desviei para a esquerda e mergulhei direto no buraco.

***

Fantasmas não eram criados aleatoriamente nem eram invencíveis. Assim como cada Relíquia se materializava com base em um item que já existiu em algum lugar do mundo, cada fantasma nascia à imagem de uma criatura que um dia vagou pelo mundo. Isso significava que aqueles lobisomens enormes e suas lâminas realmente existiram antes.

Gilbert bloqueou uma das lâminas com sua espada grande. Seus braços rangeram e suas pernas quase cederam sob a força do golpe descendente do lobo, mas mesmo assim, Gilbert se manteve firme.

Os cavaleiros-lobo, os fantasmas lupinos armados com várias armas, possuíam uma força terrível e uma resistência impressionante, além de uma destreza que não combinava com seus corpos enormes. Embora o grupo tivesse enfrentado apenas alguns deles, logo perceberam que a força dos lobos superava a de Gilbert e que sua destreza era comparável à de Rhuda.

Os fantasmas superavam os caçadores humanos tanto em resistência quanto em vigor. Cada ataque dos lobos representava um sério risco de ferimento. Embora Tino estivesse mais acostumada a lidar com ameaças desse nível, o mesmo não podia ser dito sobre os outros membros do grupo, que normalmente exploravam covis mais seguros. Ainda assim, havia uma vantagem que o grupo de Tino possuía sobre seus temíveis inimigos: trabalho em equipe.

Enquanto Gilbert segurava a lâmina do cavaleiro-lobo com a sua, Greg avançou e usou sua espada longa para perfurar a junta entre a manopla e o bracelete da criatura. Quando o fantasma afrouxou a pegada na espada grande, Gilbert a desviou para a esquerda, fazendo com que a lâmina do lobo atingisse o chão ao lado dele.

O cavaleiro-lobo rugiu de raiva, olhando para os dois espadachins com puro ódio assassino. Então, de repente, a fera colossal tombou, seus olhos ainda arregalados. Tino havia se aproximado sorrateiramente por trás do cavaleiro, saltado quase até o teto e cravado sua lâmina na parte de trás do pescoço dele. A adaga vermelho-escura que segurava com as duas mãos era um item de sorte, um troféu deixado por um dos cavaleiros-lobo derrotados no covil.

Tino colocou todo o seu peso no golpe, cortando através da pele espessa, músculos e ossos, atravessando metade do pescoço do cavaleiro-lobo. Morto no impacto, o fantasma se dissipou sem nem mesmo soltar um uivo. Tino pousou silenciosamente no chão.

Gilbert observou o cavaleiro-lobo desaparecer e soltou um suspiro de alívio, seu rosto demonstrando um leve cansaço.

Ha, conseguimos.

Greg franziu a testa ao ver suas mãos avermelhadas pelo esforço de perfurar a pele resistente do lobo.

Essa missão está ficando menos vantajosa a cada minuto — resmungou.

Todos estavam se esforçando ao máximo para conseguir cortar a pele dura dos lobos.

Como Tino havia previsto, o interior do covil era pequeno demais para que os cavaleiros-lobo se movessem livremente. Além da largura limitada, o teto era tão baixo que as cabeças dos lobos quase raspavam nele. Isso significava que os lobos não podiam saltar como o vira-lata que emboscara o grupo anteriormente. Por outro lado, a pressão de enfrentar fantasmas gigantes em um espaço escuro e claustrofóbico corroía a moral do grupo.

Depois de acertar o golpe certeiro no pescoço do lobo, Tino avaliou a batalha com a mesma expressão inalterada de sempre.

Não é difícil derrotá-los com os quatro de nós. Eles podem ser poderosos, mas não pensam em lutar juntos.

Essa era a maior fraqueza dos cavaleiros-lobo e a chave para a vitória do grupo. Por mais temíveis que fossem, eles não possuíam senso de cooperação. Ignoravam os companheiros feridos e simplesmente avançavam contra o inimigo. Mesmo quando vários cavaleiros-lobo apareciam ao mesmo tempo, Tino conseguia atrair todos, exceto um, para longe, permitindo que os outros três eliminassem o lobo isolado. Essa tática era arriscada por si só, mas eficaz em um ambiente como aquele, onde feras perigosas espreitavam a cada canto.

E eu já consegui uma arma — acrescentou Tino.

Se ao menos conseguissem deixar cair mais uma… — Greg resmungou.

Tino preferia lutar de mãos vazias, mas isso não funcionava contra os cavaleiros-lobo. Embora carregasse uma adaga curta para não atrapalhar seus movimentos, nesse caso, a lâmina não tinha poder nem alcance suficientes. Encontrar uma arma capaz de eliminar um cavaleiro-lobo com um golpe certeiro em um ponto fraco foi uma grande sorte.

Rhuda suspirou aliviada, depois de ter se dedicado a vigiar os arredores e identificar aberturas.

Apesar da tensão e do cansaço, a exploração do grupo estava indo bem. Com dois Ladrões na equipe, eles não precisavam se preocupar com emboscadas. Evitar os cavaleiros-lobo não era difícil, já que as feras normalmente vagavam sozinhas pelo covil.

Mesmo quando precisavam lutar, a improvisada cooperação do grupo os ajudava a sair vivos. Gilbert tinha a resistência necessária para sustentar sua postura, e Greg possuía experiência suficiente para acompanhar o ritmo dos companheiros. Tudo o que a dupla precisava fazer era impedir o avanço de um cavaleiro-lobo para que Tino pudesse finalizá-lo. Alternativamente, se Tino distraísse um cavaleiro-lobo, eles assumiam a execução.

Rhuda, embora não participasse diretamente do combate, tinha um papel fundamental. Se não fosse por Tino, ela seria a única batedora do grupo, e sua presença permitia que Tino focasse exclusivamente na luta. O equilíbrio da equipe era frágil e poderia ruir se qualquer um deles se ferisse, mas, até o momento, estavam avançando pelo covil sem maiores problemas.

Tudo parecia calculado e premeditado, até mesmo a arma caída antes. Por mais absurda que essa ideia parecesse, Tino não conseguia evitar esse pensamento.

O Mestre estava certo. O Mestre é o melhor — murmurou para si mesma.

E-Er… certo — Greg respondeu hesitante.

Líderes de grupos e clãs, que precisavam comandar caçadores acostumados a agir por conta própria, tinham que ser carismáticos. A confiança cega de Tino em seu mestre parecia exagerada para Greg, que não havia sentido nem um pingo de carisma no homem quando o conheceu. Greg confiava nos olhos treinados que desenvolveu ao longo dos anos caçando tesouros e não percebeu nele o brilho que grandes caçadores costumavam ter. No evento de recrutamento, quando disseram a ele quem era Krai, ele achou que fosse uma piada.

Mesmo agora, depois de descobrir que Krai era o lendário “Mil Truques”, Greg ainda não conseguia acreditar—nem levar a sério a ideia de que cada passo dessa missão havia sido calculado. Ele até teria pensado que Krai alcançou o nível 8 através de contatos e subornos, mas a confiança inabalável de Tino—uma caçadora extremamente habilidosa—no mestre impedia Greg de argumentar.

Greg não queria causar conflito durante a caçada, então engoliu suas palavras. Se o grupo voltasse vivo, ele teria oportunidades para testar por si mesmo o suposto “gênio” de Krai. Por enquanto, precisava focar em sobreviver àquele bizarro cofre do tesouro.

Os ombros de Tino tremeram enquanto ela olhava para Greg, que guardava sua espada longa na bainha.

Tem que ter mais. Isso não é nada comparado às provações normais do Mestre.

Hã? Do que você tá falando? — Gilbert perguntou, expressando a dúvida dele e de Greg.

Qualquer caçador em sã consciência já teria fugido daquele covil. Caçadores esperam o inesperado ao entrar em um cofre do tesouro desconhecido, mas eventos como aqueles eram sinais de uma grande anomalia. Nem Rhuda, nem Greg, nem Gilbert conseguiam imaginar uma provação mais difícil do que essa.

Vamos continuar com cautela — declarou Tino. 

Não havia sinal de ninguém perto da entrada—nem corpos, nem pertences. Eles deveriam estar mais adiante.

***

Todos os sentidos de Gilbert Bush estavam em alerta máximo, desobstruídos pelo cansaço. O ar eletrizante do campo de batalha, o fedor pútrido e os poderosos espectros nunca antes vistos lhe causavam mais euforia do que medo.

Eu não aguento mais. Não consigo te acompanhar. Eu desisto. — disse um jovem do antigo grupo de Gilbert no dia anterior à sua partida. Eles estavam juntos desde o primeiro dia de Gilbert na cidade. O rapaz era três anos mais velho e mais experiente, mas também notavelmente menos habilidoso. Ele se dedicava ao máximo, sempre buscando melhorar e pedindo conselhos a outros caçadores. Mesmo assim, Gilbert o deixou para trás.

Gilbert também sempre se esforçava ao máximo. Na época, desprezou a decisão do companheiro, assim como a dos demais membros do grupo que seguiram o mesmo caminho. Mas agora, se encontrando em um cofre de tesouros muito acima do seu nível, começava a entender o que eles sentiram. A decisão dos seus ex-companheiros foi por todos, e agora Gilbert achava que deveria ter sido mais compreensivo com os sentimentos deles.

Mais do que isso, porém, lutar ao lado de companheiros de igual ou maior habilidade era uma emoção indescritível. Até então, ele sempre caçara com o mesmo grupo, exceto por algumas colaborações temporárias, e todos eram mais fracos do que ele. Mas agora, ele tinha aliados em quem podia confiar.

Greg não era tão hábil com a espada quanto Gilbert, mas era ágil o suficiente para acertar as juntas na armadura dos lobos. O salto de Tino para o golpe decisivo no pescoço da criatura havia sido simplesmente espetacular. Rhuda, por sua vez, não conseguiu causar dano significativo aos lobos com sua arma modesta, mas cumpriu perfeitamente seu papel como Ladina — identificando inimigos, distraindo-os e executando manobras que exigiam um nível de destreza que Gilbert simplesmente não possuía.

Enfrentar o formidável cavaleiro lobo em equipe reacendeu algo dentro de Gilbert, uma sensação que ele não experimentava havia muito tempo. Seu coração disparava com a adrenalina, alimentando sua determinação conforme avançava. A cada batalha, sua espada parecia mais leve. Já haviam se passado algumas horas desde que entraram no cofre, mas Gilbert não demonstrava sinais de cansaço.

Se divertindo, garoto? — Greg perguntou.

Ha! Eu só estou começando.

No início, Gilbert teve dificuldade para segurar os golpes de um cavaleiro lobo, mas agora, quando suas espadas se chocavam, ele já conseguia revidar. Não era que ele estivesse se segurando antes — tanto fisicamente quanto mentalmente, Gilbert estava ficando mais forte.

Outro cavaleiro lobo desabou no chão, e Gilbert respirou pesadamente, seus ombros subindo e descendo com o esforço. Ele olhou para sua espada com um suspiro de frustração.

Se ao menos houvesse mana aqui dentro!

A Espada Purgatória havia perdido completamente sua utilidade como uma Relíquia, mas nem Gilbert nem ninguém no grupo tinha mana suficiente para recarregá-la. Se ele pudesse ativar a habilidade da espada, seria muito mais fácil lidar com os cavaleiros lobo. Mesmo que não fosse capaz de realizar façanhas como as do Mil Truques, ao menos conseguiria queimar as lâminas espectrais dos inimigos. Isso tornaria a exploração muito mais tranquila.

Você nem deveria estar usando uma Relíquia ainda — Tino zombou. — Depender de uma relíquia só te deixa enferrujado. É por isso que eu não uso uma.

Gilbert já estava acostumado com a condescendência da sua pequena líder.

Então você não tem uma? — ele perguntou simplesmente.

Agora que pensava nisso, nunca vira Tino usando uma relíquia. Para alcançar o Nível 4, um caçador geralmente precisava explorar cofres de tesouro suficientes para encontrar algumas relíquias, independentemente da qualidade. Como membro de um grande clã, ela também poderia ter recebido um de presente de um companheiro. Ele a observou com curiosidade.

Tino se sacudiu para tirar a poeira.

Uma relíquia é um trunfo. Não deve ser usado em batalhas normais, e você não deve se jogar em lutas onde precise dele para vencer. Parte dessa missão é para te ensinar isso. Eu tenho certeza. O Mestre não drenou a mana da sua espada por capricho.

Que professor maravilhoso… — Gilbert resmungou. Ele achava essa história um tanto absurda, mas o fato de Tino nunca usar uma relíquia parecia dar crédito à sua explicação. Além disso, ela já havia passado por cima dele quando lutaram apenas com as mãos. Ele olhou novamente para a Espada Purgatória.

Por isso, todas as relíquias que eu encontro em cofres são entregues ao Mestre através da Lizzy, minha mentora. O Mestre avalia a Relíquia e, se for bom, ele me leva para tomar sorvete. O Mestre sabe de tudo.

A pálpebra de Greg se contraiu.

Parece que ele só está te usando para pegar relíquias.

Não. O Mestre não gosta de doces, mas me leva mesmo assim. O Mestre é o melhor.

Gilbert concordava com Greg, mas ao ver a seriedade de Tino, decidiu ficar calado.

***

Depois de quase uma hora de caminhada, o grupo chegou a um espaço aberto. A exausta Rhuda usou as costas da mão para enxugar o suor da testa antes de observar lentamente a área. Era grande o suficiente para que vários cavaleiros-lobo ficassem lado a lado.

Tino respirava calmamente, suas roupas impecáveis e sua expressão tão serena quanto quando entraram na câmara. 

— Devemos estar perto do covil do alfa. Antes, este era o domínio do alfa Lua Prateada, antes da toca se tornar um cofre do tesouro — disse ela.

Greg fez uma careta. — A sala do chefe... Querem descansar um pouco?

"Sala do chefe" era um termo usado pelos caçadores para se referir ao coração de um cofre do tesouro, onde um fantasma especialmente poderoso tinha maior probabilidade de aparecer. Afinal, fantasmas não se materializavam aleatoriamente.

De modo geral, quanto mais fundo alguém avançava em um cofre, mais fortes os fantasmas se tornavam devido à alta concentração de matéria de mana. Cofres históricos, em especial, tinham locais específicos que geravam os fantasmas mais poderosos. Se o cofre fosse um castelo, a sala do chefe provavelmente seria a sala do trono; se fosse uma torre, estariam no andar mais alto; e se fosse um navio, o melhor palpite seria os aposentos do capitão. Neste caso, a sala do chefe era o covil do alfa. Não havia garantia de que um "chefe" realmente apareceria, mas era preciso cautela ao se aproximar do local.

Tino reavaliou seu grupo. Rhuda estava no Nível 3, enquanto o restante estava no Nível 4. Quando um caçador alcançava o Nível 3, sua resistência física era reforçada pela absorção contínua da matéria de mana. Cada batalha no cofre, até aquele momento, havia sido uma luta pela sobrevivência, mas Gilbert e Rhuda ainda podiam continuar. Suas expressões mostravam certo cansaço, mas não o suficiente para que parassem.

Gilbert notou o olhar de Tino e ergueu o punho. — Posso continuar por dias.

Aguento mais algumas batalhas — acrescentou Rhuda.

Nenhum lugar dentro de um cofre do tesouro era realmente seguro. Se alguém no grupo tivesse a habilidade de erguer uma barreira, poderiam garantir um certo grau de proteção para descansar, mas nenhum deles possuía essa capacidade. Além disso, havia uma boa chance de que um cavaleiro-lobo patrulheiro os encontrasse. Descansar ali não significava, necessariamente, recuperar as energias.

Tino tomou sua decisão—eles avançariam. Descansar quando possível era essencial para a sobrevivência do grupo, mas, naquele momento, todos estavam bem. O melhor era resolver a questão da sala do chefe enquanto ainda estavam em boa forma.

Vamos verificar a sala do chefe primeiro — declarou Tino. — Os caçadores perdidos devem estar por perto, então é melhor pegá-los e sair daqui.

Tudo bem, chefe. Vamos nessa.

Greg respirou fundo e virou-se para a sala do chefe.

Cuidadosamente, sem fazer barulho, o grupo seguiu pela lateral do caminho em direção à sala do chefe. A única iluminação no covil vinha de uma série de pedras brilhantes colocadas a alguns metros de distância uma da outra, provavelmente deixadas por caçadores que estiveram ali antes.

A cerca de dez metros da sala do chefe, Tino parou. Ela fechou os olhos e pressionou a palma da mão contra a parede de terra. Concentrou-se inteiramente nos sons e cheiros do covil, buscando qualquer sinal de vida à distância. Sentiu o fluxo de ar frio passando por seu rosto e ouviu os batimentos cardíacos e as respirações contidas de seus aliados.

Depois de um tempo, soltou um longo suspiro. — Tem alguma coisa lá.

Greg resmungou. — Alguma chance de serem os caçadores perdidos?

Provavelmente é o chefe. As missões do mestre geralmente envolvem um grande chefe.

Sério?

Greg não sabia se deveria estar surpreso ou desconfiado.

Os fantasmas que apareciam em salas de chefe eram sempre um ou dois níveis acima dos outros encontrados nos cofres. Julgando pela força dos cavaleiros-lobo que enfrentaram até ali, o chefe não deveria ser impossível de derrotar.

Mas, de acordo com os padrões de caça ao tesouro, essa era uma jogada arriscada. Normalmente, a sala do chefe seria habitada por uma Lua Vermelha especialmente grande e poderosa, mas desta vez, o grupo não podia contar com isso. Para piorar, não haviam encontrado uma única relíquia no cofre. Outros caçadores certamente não estavam perdendo tempo.

Não deveríamos fugir? — sugeriu Greg.

As sobrancelhas bem desenhadas de Tino se franziram levemente. — Você já disse isso. Mas, até agora, passamos por tudo sem problemas. Podemos lidar com o chefe.

Greg fez uma careta, digerindo as palavras de Tino. Ela tinha razão, mas ele ainda hesitava em concordar. Os cavaleiros-lobo eram muito mais fortes do que os fantasmas que ele costumava enfrentar. A maior preocupação de um caçador era a própria segurança. Uma regra básica para decidir se valia a pena entrar em um cofre era avaliar se conseguiriam derrotar os fantasmas sozinhos.

Se Greg soubesse do estado atual do Covil do Lobo Branco, ele não teria se juntado ao grupo. A missão em que se meteram era praticamente um favor, sem grandes recompensas em dinheiro ou relíquias. Ele havia aceitado o convite mais por curiosidade, já que um membro dos Primeiros Passos o chamou. Se um caçador aleatório tivesse feito o mesmo convite, ele teria rido da cara deles no bar—especialmente se soubesse que enfrentaria fantasmas tão acima do seu nível habitual.

Greg passou a mão pelo cabo da espada longa presa ao cinto. Não era uma espada de qualidade excepcional, mas ele a cuidava bem há anos.

Você é cauteloso demais para alguém com essa cara — disse Tino.

O restante do grupo olhou para ela.

Não crescemos com missões fáceis. Você é um bom caçador, Greg. Ser cauteloso não é ruim, mas se quiser fazer mais do que apenas sobreviver, precisa correr riscos.

Mas eu...

Greg ficou sem palavras. Ele tinha que admitir, a garota tinha um ponto.

A taxa de mortalidade entre caçadores de tesouros era alta, especialmente entre iniciantes. Quanto mais tempo alguém permanecia na profissão, menos provável era que morresse. Em parte, isso acontecia porque melhoravam suas habilidades, mas, principalmente, porque caçadores experientes evitavam riscos, jogavam pelo seguro e nunca enfrentavam inimigos que tinham chances de derrotá-los. Muitos ficavam presos no Nível 3, enquanto caçadores mais jovens subiam rapidamente nas classificações, como Gilbert.

Tino olhou nos olhos de Greg. — Greg, acho que você veio para os Primeiros Passos porque queria mudar isso.

Eu...

Greg mordeu o lábio, incapaz de responder.

Tino então se virou para o restante do grupo. — Não me digam que acham que meu mestre escolheu vocês aleatoriamente. Ele nunca faria isso. Tudo isso está de acordo com seus cálculos meticulosos. Como eu disse, meu mestre é o melhor.

Greg estremeceu ao lembrar do título: Mil Truques, o lendário caçador de Nível 8.

Rhuda levantou a mão timidamente. — Então... por que eu fui convidada?

Tino a encarou de cima a baixo, seus olhos pousando nos seios fartos de Rhuda. Sua expressão ficou mais séria do que quando enfrentava os fantasmas.

No fim, Tino resmungou. — Não sei. Provavelmente por causa desses peitos enormes. Eu ainda vou crescer. Diferente da Lizzy, que já parou.

O quê?!

Chega de papo. Vamos acabar logo com o chefe. Eu vou na frente.

Ei, espera! O que você quer dizer com isso?!

Ignorando a indignação de Rhuda, Tino avançou em direção à sala do chefe.

Cavaleiros-lobo eram fantasmas imponentes — poderosos, resistentes e ágeis. Sua agressividade os tornava adversários temíveis, mas em termos de agilidade, eles estavam muito abaixo de Tino.

Tino havia sido treinada por Liz Smart, uma Ladina habilidosa, e já havia lutado incontáveis vezes contra sua mentora. Depois de tantas surras de alguém muito mais rápida que ela, seus olhos conseguiam acompanhar cada movimento dos cavaleiros-lobo, cujos ataques eram bem mais lentos do que os que enfrentava em seus treinamentos. Mesmo que o chefe fosse alguns níveis acima, ela ainda conseguia acompanhá-lo.

O problema era saber se o grupo conseguiria atravessar aquela pelagem grossa e resistente como uma armadura. Derrotar fantasmas não era exatamente o trabalho de uma Ladina. Por isso, a maior parte do treinamento de Tino havia sido focada em aprimorar sua agilidade, e não em aprender a matar.

Acho que ele está sozinho. Vamos acabar com isso antes que outros fantasmas apareçam.

Seu grupo se preparou. Os dois combatentes da linha de frente sacaram suas armas, enquanto Rhuda desembainhou sua adaga e deu um passo para trás, assumindo a posição de vigia para impedir qualquer ataque surpresa. Era um papel essencial para evitar que o grupo ficasse encurralado entre dois grupos de fantasmas, já que nenhum deles conseguiria lidar sozinho com um cavaleiro-lobo.

Não sabemos o que tem lá dentro. Por que não deixamos que eu vá na frente? — sugeriu Gilbert.

Tino respirou fundo e sorriu.

Não precisa se preocupar. Lizzy sempre diz que o primeiro golpe define o ritmo da batalha, então esse é meu.

Ritmo? Essa é a parte mais perigosa! Por que importa quem ataca primeiro?

Tino alongou os braços e as pernas. Depois de terminar seu aquecimento, assentiu.

Porque eu sou uma caçadora.

Dizendo isso, ela disparou em direção à sala do chefe.

***

A sala do chefe era espaçosa, com pelo menos dez metros de diâmetro. Além do túnel por onde Tino entrou, passagens estreitas se ramificavam para a esquerda e para a direita. O teto era muito mais alto do que o restante da toca, o suficiente para acomodar dois cavaleiros lobo empilhados um sobre o outro. O grupo havia descido muito mais do que Tino havia percebido.

No entanto, mesmo essa ampla sala parecia apertada ao redor da figura colossal no centro: um lobo gigantesco empunhando um machado de batalha carmesim do tamanho do corpo inteiro de Tino.

O próprio lobo, coberto dos ombros até as juntas com uma armadura negra de placas, era substancialmente maior do que os cavaleiros lobo que o grupo havia enfrentado até então. Combinado com sua estatura imponente, prometia uma batalha ainda mais perigosa do que qualquer uma das que haviam travado na toca. O que mais o diferenciava, porém, era sua pelagem prateada como a lua, brilhando de forma sinistra em contraste com o pelo vermelho-sangue dos cavaleiros lobo. Seu feroz rosto prateado estava parcialmente coberto por um crânio humano, como se quisesse demonstrar seu desprezo por toda a humanidade.

As orelhas caninas do espectro se moveram. Sem pressa, o cavaleiro lobo prateado, reminiscente dos extintos Luas Prateadas, fixou Tino com seu olhar. O lobo carregava a dignidade de um rei.

Nos olhos da fera, Tino viu sua intenção selvagem de despedaçar e massacrar os invasores. O lobo uivou no momento em que Tino disparou para o lado. Comparada àquela criatura imensa, Tino era apenas um rato correndo a uma velocidade irritante.

O olhar do lobo a seguiu, e seus olhos encontraram os de Tino mais uma vez. O rei lobo girou seu machado, as placas de sua armadura rangendo com o atrito. Tino controlou a respiração, sentindo o fedor bestial no ar.

Ela já esperava enfrentar um lobo completamente coberto de armadura, mas isso não tornava suas chances melhores. Nem mesmo seus chutes mais poderosos seriam capazes de quebrar aquela proteção. Se tentasse um golpe contra aquelas placas impenetráveis e machucasse sua perna, estaria acabada. Uma queda em sua agilidade agora significaria morte certa. Com o tamanho colossal da criatura, Tino nem sequer tinha certeza se conseguiria desequilibrá-la. Seu coração se apertou em apreensão — e ainda mais em excitação.

A lâmina do machado, com pelo menos um metro de comprimento, veio em sua direção. Machados de batalha eram armas difíceis de controlar, pois a maior parte do peso ficava concentrada na lâmina. Manter a postura enquanto brandia a arma exigia uma força descomunal, mas o rei lobo a manejava como se fosse um mero galho de madeira.

Com um movimento preciso, Tino se esquivou para o lado. Como um pêndulo, a lâmina passou zunindo ao seu lado, cortando o ar e soltando uma rajada de vento poderoso. Se um golpe tão forte sequer a roçasse, Tino seria arremessada pelo impacto.

Os olhos vermelho-sangue do lobo, transbordando de ódio visceral, seguiram cada movimento de Tino. A fera imponente girou o corpo, e um único passo seu fez as paredes tremerem. Apesar de seu tamanho, o lobo estava longe de ser lento. Aquele monstro era forte.

Ainda abalada pelo ataque brutal, Tino tentava encontrar uma estratégia para vencer. Ela tinha certeza de que poderia fugir, se quisesse. Mas derrotá-lo? Essa era outra história. Mesmo Gilbert teria dificuldades para bloquear aquele machado, e a Espada Purgatória não teria a menor chance de atravessar sua armadura.

Tino deslizou por baixo do braço erguido do lobo e desferiu um golpe com sua adaga curta contra sua perna blindada. O som metálico ecoou pela sala, mas tudo o que restou foi um arranhão insignificante. O lobo sequer se moveu.

Pior ainda: ele era inteligente. Mesmo com os olhos ardendo em fúria, o lobo mantinha sua guarda erguida. Diferente dos outros cavaleiros lobo que haviam enfrentado, um ataque surpresa não surtiria efeito.

O restante do grupo de Tino chegou à sala do trono e parou ao ver o rei lobo de costas. O plano era que Tino distraísse o chefe enquanto os outros atacavam, mas assim que viram a criatura, perceberam que ela estava alerta demais para cair em uma armadilha tão simples.

Gilbert e Greg rapidamente mudaram de abordagem. Sacando suas espadas, dividiram-se para cercar o lobo pelos flancos.

O que diabos é essa coisa?! — gritou Gilbert, arregalando os olhos ao encarar o machado balançando no ar.

Greg vasculhava o oponente em busca de uma abertura. — Nunca vi nada parecido! — exclamou.

Em alerta total, Rhuda manteve alguns passos de distância, analisando o monstro dos pés à cabeça.

Mesmo cercado por quatro inimigos, o lobo prateado permaneceu impassível, como um rei em seu tribunal.

Tino chegou a uma conclusão: eles teriam que mirar na cabeça. Embora o chefe fosse muito mais forte que os cavaleiros lobo comuns, ele não usava um capacete. Isso significava que sua fraqueza provavelmente era a mesma.

O problema era que ele era muito mais alto do que qualquer inimigo que haviam enfrentado até então. Tino precisaria dar um salto tremendo para alcançar sua cabeça — e, nesse momento, ficaria totalmente vulnerável. Atacar por trás também não funcionaria, pois o lobo os afastaria com um único golpe.

O rei lobo mantinha os olhos em todos os humanos presentes, mas sua atenção estava, em grande parte, focada em Tino. Seu comportamento revelava uma inteligência quase humana.

Qual é o plano? — perguntou Gilbert.

Quer recuar? — Greg sugeriu.

Felizmente, nenhum deles estava dominado pelo medo. Tino já havia visto sua coragem diversas vezes durante a jornada até ali. Se seus companheiros fossem covardes, teriam fugido muito antes de entrarem na toca. Se tinham alguma chance de vitória, era graças a essa coragem.

Tino conseguia lidar com um cavaleiro lobo sozinha, mas contra esse chefe, não havia chance. Mas agora, ela não estava sozinha. Ela tinha aliados — companheiros que haviam lutado ao seu lado para chegarem até ali. E ao encarar o lobo ardendo em fúria, Tino compreendeu o significado daquela provação.

Krai Andrey frequentemente enviava membros do clã para testes de vida ou morte. Os Pranteadores chamavam esses desafios de os Mil Desafios. Essas provações eram o primeiro passo para a glória.

Tino sabia o que precisava fazer.

Segurem um golpe. Eu resolvo o resto.

***

Gilbert rugiu, sinalizando o início da luta.

Rhuda nunca havia experimentado uma batalha tão turbulenta. O enorme machado de batalha cortava o ar como um tornado. Armado com a Espada Purgatória, Gilbert aparava os golpes do machado que vinham de cima e dos lados. Seus nós dos dedos ficavam mais brancos a cada choque da lâmina.

Embora a espada de Gilbert fosse grande por si só, ela parecia pequena em comparação com o machado de batalha do rei lobo. Os golpes eram relativamente lentos, mas incrivelmente poderosos, forçando Gilbert a recuar um pouco a cada defesa.

Bloqueá-lo de frente não era uma opção. Por mais imprudente que fosse, em seus vários anos como caçador, Gilbert tinha alguma experiência enfrentando inimigos mais fortes do que ele. Seu rosto estava coberto de suor e sua respiração era pesada, mas ele conseguiu se manter firme, desviando golpe após golpe mortal.

Enquanto isso, Greg cortava e perfurava o lobo entre os parries de Gilbert. No entanto, os ataques rápidos de Greg contra o pulso, o cotovelo e o cabo do machado do lobo não faziam mais do que desacelerá-lo por uma fração de segundo.

Droga, a armadura dele é muito resistente! — gritou ele.

O rei lobo não era um lutador particularmente habilidoso—pelo menos, menos hábil que os quatro humanos que o enfrentavam. Ainda assim, a besta usava sua força bruta, agilidade e tamanho para sobrepujar os caçadores. Seu machado de batalha girava no ar em direção a Greg e Gilbert, enquanto mantinha Tino à distância, presa no ponto cego do lobo.

Não havia dúvidas—aquele cavaleiro lobo prateado estava avaliando seus oponentes. Sua prioridade não era nem Gilbert, com sua grande espada, nem Greg, o maior membro do grupo, mas sim Tino, a líder esguia da equipe. Rhuda estremeceu diante desse nível de inteligência—inteligência que nunca vira antes em um fantasma—mas, ao mesmo tempo, admirou seus companheiros ao vê-los enfrentando o lobo.

Tino desviou do machado de batalha por um fio de cabelo. Algumas mechas de seu cabelo negro e brilhante foram cortadas pela lâmina. O suor reluzia em seu rosto enquanto o machado passava, mas seus olhos continuavam abertos. Ela não sentia medo, e Rhuda não conseguia entender como isso era possível.

Como Tino conseguia se mover assim? Como conseguia se abaixar com tanta calma sob um ataque que teria arrancado sua cabeça se ela tivesse se movido um segundo depois? Tino não era tão rápida. Não importava o quão ágil fosse, ela não conseguia ser mais veloz do que o machado oscilante.

Enquanto Tino dançava ao redor do enorme machado e da ameaça iminente da morte, Rhuda viu nela a verdadeira coragem. Aquilo a tocou. Até então, sempre trabalhara sozinha e nunca havia testemunhado um Ladrão superior em ação, exceto nos campos de treinamento da Associação. Mesmo assim, havia visto talento, mas nada que a tivesse impactado tão profundamente. Algo em Tino, na maneira como ela se recusava a recuar diante de um inimigo tão assustador, ressoou em Rhuda como nada antes.

O trabalho de um Ladrão não era lutar. Na verdade, talvez Tino sequer devesse ter entrado em combate. Ainda assim, Rhuda estremeceu de admiração pela garota um pouco mais jovem que ela.

Droga! Ele não tá diminuindo o ritmo! — rosnou Gilbert, entre os dentes cerrados, depois de desviar de incontáveis golpes do machado.

Fantasmas, assim como pessoas, tinham resistência limitada, mas os golpes do lobo não mostravam sinais de enfraquecer. A cada aparo, os braços de Gilbert sofriam uma tensão inimaginável. Se sua espada não fosse uma relíquia, já teria se despedaçado.

Os violentos choques de metal contra metal ecoavam pela caverna mal iluminada. Gilbert e Greg esquivavam-se do machado de batalha a cada oscilação. Era uma luta equilibrada, mas mesmo Rhuda conseguia perceber, de longe, que o rei lobo estava em vantagem. Era um milagre que nenhum deles tivesse sofrido ferimentos graves. Mas milagres não duram para sempre.

O quê?! — alguém exclamou.

Um estalo metálico foi seguido por metade de uma lâmina voando pelo ar. De olhos arregalados, Gilbert e Tino seguiram a lâmina, mas Greg estava ainda mais surpreso do que eles. Ele segurava metade de sua espada longa em uma das mãos. A outra metade caiu no chão próximo.

Rhuda e o lobo prateado foram os primeiros a reagir.

O tempo desacelerou. Rhuda viu o focinho do lobo se contorcer em um sorriso sinistro, seus olhos fixos em Greg. O machado de batalha se ergueu no ar.

Por instinto, Rhuda atirou sua adaga, que voou em direção ao rosto do lobo. Foi um movimento impulsivo. Mesmo que a adaga atingisse o rei lobo, o crânio humano que ele usava e sua pelagem espessa impediriam que o golpe causasse qualquer dano real.

No entanto, o cavaleiro lobo reagiu rapidamente ao projétil. Inclinando o machado de batalha, ele desviou a adaga, dando aos humanos um segundo precioso—tempo suficiente para Gilbert sair de seu estado de choque e interceptar o machado em queda.

Aparar o machado significaria jogá-lo contra Greg, então Gilbert bloqueou a lâmina de frente, usando cada gota de sua força para segurá-la. A luta durou apenas um instante antes de os joelhos de Gilbert cederem, lançando-o para trás. No entanto, ele havia comprado mais um segundo.

Quando o machado caiu novamente, Rhuda já havia cruzado a sala em disparada. Ela não podia se abster de lutar quando o grupo mais precisava dela. A lâmina do machado passou sobre suas costas, cortando o ar onde Greg estava um segundo antes. A lâmina fez um estrondo alto ao cravar-se no chão. Greg e Rhuda caíram rolando, virando-se para encarar o rei lobo. Agora estavam completamente vulneráveis e teriam sido eliminados... se Tino não tivesse entrado em ação.

A Ladrão já estava no ar, tendo saltado da extremidade do machado antes que o lobo pudesse levantá-lo.

Let This Grieving Soul Retire! Woe Is the Weakling Who Leads the Strongest Party | Nageki no Bōrei wa Intai Shitai: Saijaku Hunter ni Yoru Saikyō Party Ikusei-jutsu Volume 01 Ilustrações

O choque obscureceu a expressão de ódio no rosto do cavaleiro lobo. O rei tomou uma decisão em um piscar de olhos, soltando o machado em sua pata esquerda para golpear Tino, que já estava acima de sua cabeça. As garras da criatura se estenderam em direção à garota em pleno ar, atingindo sua perna direita.

O rosto de Tino se contorceu de dor enquanto o sangue espirrava do corte raso. Mesmo assim, seu movimento continuou, descrevendo um arco sobre o cavaleiro lobo até aterrissar em suas costas. O curto florete carmesim brilhou em sua mão enquanto a criatura se debatia. Então, sem soltar um único grito, Tino cravou a lâmina no pescoço do fantasma com um golpe rápido e preciso.

O enorme corpo da besta se ergueu num espasmo. Seus olhos injetados de sangue reviraram, e seus braços se agitaram freneticamente na tentativa de agarrá-la. Mas, no fim, suas garras nunca a alcançaram. O lobo caiu de joelhos. Assim que Tino soltou suas costas e pousou em segurança no chão, o colossal fantasma se desfez em poeira.

***

Conseguimos? — murmurou Gilbert, incrédulo, seus ombros subindo e descendo com a respiração pesada. Pela primeira vez desde o início da missão, ele soava tão jovem quanto aparentava. Com um estrondo metálico, a Espada Purgatória caiu no chão.

Vencemos... — declarou Tino em um tom monótono, segurando sua coxa direita ferida. Sentada no chão, ela examinava o longo corte em sua pele clara. A garra, afiada como qualquer lâmina, por sorte não atingiu suas artérias, mas aquilo precisava de tratamento.

Tino soltou um breve suspiro, cerrando os dentes para suportar a dor surda do sangue escorrendo.

Foi por pouco — disse ela.

Se não tivesse derrotado o rei lobo naquele momento, o ferimento a impediria de correr, muito menos de vencer a criatura.

Ela estendeu a mão até seu cinto, onde carregava um estojo com cinco frascos, e pegou um contendo um líquido rosado. Era uma poção de cura feita por um Alquimista. Criadas por meio da junção de magia e ciência, essas poções curavam ferimentos instantaneamente, embora não fossem tão potentes quanto um feitiço de cura de um Clérigo. Poções como essas eram indispensáveis para grupos sem um curandeiro.

Tino abriu a tampa do frasco, puxou um pouco o short para expor a coxa e despejou o líquido sobre o corte. Gemeu com a ardência, mas logo o ferimento que atravessava quase toda sua perna se fechou.

Greg se ergueu, olhando para a espada quebrada que ainda segurava. A cor sumiu de seu rosto ao perceber o que havia acontecido.

Droga, achei que estava morto. Mas que azar o meu, a espada quebrar justo agora.

Você teve muita sorte de estar vivo, velho — disse Gilbert.

Greg riu, forçando um sorriso.

Pode repetir isso. — E então, virou-se para Rhuda. — Você me salvou dessa, garota.

Que nada. Só fico feliz de ter chegado a tempo. Tino, você está bem? — Rhuda perguntou, olhando para a companheira Ladina.

Estou. Ainda consigo andar. Com o tempo, vai melhorar.

A poção que Tino usara era cara e podia curar a maioria dos ferimentos não letais com o passar do tempo. Limpando o sangue da perna, ela se levantou lentamente.

Gilbert suspirou aliviado ao ver sua líder de pé. O inimigo que enfrentaram era muito mais temível do que qualquer coisa que ele já havia combatido. Se estivesse com seu antigo grupo, dificilmente teria sobrevivido à batalha, mesmo com sua espada carregada. O fato de saírem praticamente ilesos era nada menos que um milagre.

Agora que o perigo passara, o medo da morte tomou conta de Gilbert. Ele soltou o ar devagar, tentando controlar os batimentos.

Nem o chefe deixou nada para trás, hein?

Má sorte pra gente — respondeu Greg, com um suspiro. — Chefes costumam deixar mais recompensas do que outros fantasmas. — Ele pegou a ponta da espada partida e cuidadosamente embainhou ambas as metades.

Reforjar uma espada partida ao meio era difícil e pouco recomendável. O melhor que Greg poderia fazer era fundi-la, o que o deixaria no prejuízo depois do pagamento irrisório da missão.

Rhuda forçou um sorriso.

Pelo lado bom, você está vivo. Pode comprar outra espada.

É... Não dá pra discutir com isso.

Aqui — disse Tino, estendendo um gládio carmesim para Greg. — É mais curto que o seu, mas deve servir.

Valeu. — Ele pegou a arma e fez alguns movimentos de teste para sentir o peso.

O grupo derrotou o chefe, mas ainda não havia cumprido seu objetivo. Além disso, precisavam sair vivos do cofre. Diferente de monstros, os fantasmas eram feitos de mana, o que significava que até mesmo o caminho de volta poderia estar repleto de inimigos antes que conseguissem sair.

Greg e Gilbert sentaram-se no chão, exaustos, engolindo a água de seus cantis.

Rhuda, por sua vez, começou a relembrar a batalha.

Com um chefe desses por aqui, os caçadores desaparecidos ainda correm perigo.

Greg piscou.

Hã? Ah, os Rank 5, né? O chefe provavelmente pegou eles.

Rank 5... — Tino franziu a testa.

O rei lobo fora um adversário formidável, muito além do pior cenário que ela havia previsto. Com três Rank 4 e um Rank 3 no grupo, mal conseguiram vencer, e isso só aconteceu porque Gilbert e Greg superaram suas expectativas. Se tivesse enfrentado o chefe sozinha, poderia ter morrido. Era possível que os caçadores Rank 5 tivessem perdido.

Tino reavaliou a sala do chefe. O espaço era amplo, com um teto alto iluminado por pedras brilhantes nas paredes. As pedras iluminavam fracamente o chão, mas não havia sangue ou qualquer sinal dos caçadores desaparecidos.

Como a Toca do Lobo Branco não era tão grande, era difícil imaginar que os caçadores tivessem desaparecido sem deixar rastros. Mesmo que tivessem enfrentado dificuldades contra os fantasmas, caçadores Rank 5 deixariam algum sinal para a equipe de resgate. Mas não havia nada.

Tino refletiu. Aquela era uma provação—uma que seu mestre julgou adequada para ela. Se era um desafio que até ela poderia superar, então havia uma explicação.

Mestre, eu não entendo... — sussurrou.

Foi então que ouviu um som. Ao levantar o olhar para identificá-lo, notou os olhares atentos de seus companheiros.

O que foi, chefe? — perguntou Greg.

Levantem-se. Algo está vindo — disse Tino.

Mais fantasmas? — Greg se pôs de pé com dificuldade, assim como os outros.

Algo voou pelo ar. Tino deu um meio-passo para o lado, desviando. Uma flecha carmesim passou zunindo e se cravou na parede atrás dela. Pela primeira vez desde que entrara na masmorra, Tino empalideceu.

Mas o quê...? — murmurou Gilbert.

Bloqueando o caminho por onde haviam entrado, estava um cavaleiro lobo prateado trajando uma armadura negra. Mas não era só um. O brilho de quatro pares de olhos vermelhos os encarava.

O chefe que derrotaram estava esperando reforços? Em retrospecto, o fantasma parecia estar apenas ganhando tempo.

O chão tremeu quando os quatro lobos marcharam na direção deles.

Os lábios de Greg tremeram diante do pesadelo à sua frente.

Isso é impossível...

Cada cavaleiro lobo era idêntico ao que haviam acabado de derrotar, exceto pelas armas: uma grande espada, um enorme porrete que quase tocava o teto, um arco desproporcional para um ambiente fechado e... uma metralhadora, com uma longa fita de munição se arrastando pelo chão.

Os lobos não atacaram de imediato, parecendo saborear sua superioridade. Ainda assim, seus olhos queimavam com a mesma intensidade do primeiro chefe.

Como isso é possível? — Rhuda tremeu. — Acabamos de derrotá-lo.

Aquele agora era mesmo o chefe? — Gilbert perguntou.

Eles sabiam que um cofre poderia ter mais de um chefe, mas não esperavam por isso.

Mestre, isso é demais. Eu não posso...

Tino não conseguia acreditar. Sua provação havia sido mais tranquila que as anteriores, mas agora não via saída.

Engolindo a aflição, ela analisou o ambiente. Havia um túnel à direita—estreito e de teto baixo. Os lobos teriam dificuldades ali.

Inspirando fundo, ela se dirigiu ao grupo:

Aqui é muito aberto. Precisamos ir pelo túnel à direita. Lá, enfrentamos menos de cada vez, e as armas deles vão se atrapalhar. Eu fico na retaguarda.

E assim, a batalha desesperada começou.

***

Uivos estrondosos estremeceram a sala. A harmonia dos quatro lobos era comparável a um ataque físico. Os humanos se inclinaram para frente, resistindo às ondas sonoras.

Os movimentos dos quatro lobos prateados eram assustadoramente calculados. Talvez soubessem que seus semelhantes haviam sido derrotados pelos humanos à sua frente. Como se quisessem prender o grupo, os lobos se posicionaram para bloquear todas as saídas da sala do chefe.

O lobo com o tacape se moveu para bloquear o caminho à direita, e Gilbert deu um passo em sua direção. Derrotá-los de uma vez era impossível, e ficar preso ali significava morte certa. Como se quisesse espantar sua própria desesperança, ele rugiu e brandiu a Espada Purgatória.

Nenhum vestígio de cansaço se refletia em seu golpe. Na verdade, talvez tivesse sido o golpe mais afiado do dia. Uma labareda tremulante subiu pela lâmina carmesim espessa. Instintivamente, Gilbert infundiu um sopro de magia na espada. A lâmina em chamas era forte o suficiente para cortar uma armadura metálica.

O cavaleiro lobo prateado golpeou com seu tacape. A força destrutiva do impacto atingiu a espada de Gilbert e o lançou para trás. Rhuda gritou ao vê-lo rolar pelo chão.

Felizmente, ele ainda estava consciente. Gilbert se ergueu, sentindo toda a esperança drenada de seu corpo. 

— Eu não consigo aparar isso!

O golpe era forte demais—simplesmente impossível de bloquear ou repelir. Com sua espada sem mana, Gilbert nem sequer podia tentar cortar o tacape.

Empunhando sua adaga curta, Greg correu em direção ao mesmo cavaleiro lobo. O lobo ergueu o tacape novamente. Um vendaval varreu Greg, que recuou no último instante ao ver o pilar cravejado de espinhos passar bem diante de seus olhos.

O tacape era ainda mais pesado que a machadinha de batalha. Com um simples balanço da arma gigante, o lobo seria capaz de rasgar uma armadura de couro e o caçador dentro dela. Greg duvidava que uma armadura de metal oferecesse mais proteção.

Rhuda sacou outra adaga e a lançou. Não havia mais tempo para apenas observar.

O lobo com a espada longa uivou e deu um passo à frente. Tino, em um movimento arriscado, correu direto para ele. No último segundo, desviou para o lado, escapando da lâmina que descia do alto, e recuou de novo para evitar o golpe ascendente do lobo. Embora a espada longa fosse mais rápida que a machadinha, Tino ainda conseguia esquivar—mas um único golpe daquela arma a cortaria em pedaços.

Seus olhos se encontraram com os do lobo. Ela não via um caminho para a vitória. Agora que havia dado sua adaga curta para Greg, não tinha meios de feri-los. Puxou uma adaga comum, mas duvidava que fosse capaz de perfurar a pele do inimigo.

Enquanto o grupo se preparava para o pior, Tino se esforçava para pensar em uma solução. Havia um jeito de completar o teste de seu mestre. Considerou atrair os lobos arqueiro e atirador para que se acertassem mutuamente, mas não era possível. Nenhum dos dois demonstrava intenção de atacar, talvez prevendo essa tática, ou por confiança de que seus dois companheiros dariam conta dos humanos. Ainda assim, eles não precisavam derrotá-los. O primeiro passo era sair da sala do chefe.

Tino se movia entre os flashes da lâmina, sua coxa ferida latejando. Percebeu que o cavaleiro lobo com o tacape revestido de metal era muito mais lento que o lobo com a espada longa. Talvez ela e Rhuda pudessem passar por ele, deixando os homens para trás. Mas descartou a ideia imediatamente. Não havia tempo. Se parasse de desviar a atenção do lobo com a espada longa, ele mataria Greg e Gilbert antes que ela pudesse lidar com o outro. Suas capacidades ofensivas eram simplesmente insuficientes.

O cavaleiro lobo com o tacape permanecia em guarda, mantendo Gilbert e Greg afastados. Gilbert tentava atacar ocasionalmente, mas seus golpes eram sempre aparados com calma, sem retaliação. Tino se perguntou se o lobo estava apenas garantindo que eles não escapassem pelo corredor ou se estavam esperando que ela se esgotasse antes de atacar. De qualquer forma, os cavaleiros lobos eram assustadoramente meticulosos, apesar de sua óbvia vantagem.

O corpo inteiro de Tino ardia. Ela sabia que não conseguiria continuar desviando por muito mais tempo. Quanto mais o tempo passava, pior ficava sua situação. Mas o que poderiam fazer? Desesperada, forçava sua mente em busca de uma resposta.

Corra, Tino! Nós vamos segurá-los! — gritou Gilbert, apontando sua espada para o lobo imponente. Ele sabia muito bem o que isso significava para ele.

Greg concordou com amargura. — É a nossa única opção. Droga, que azar o meu.

Às vezes, caçadores enfrentavam escolhas impossíveis. Sacrificar companheiros era, por vezes, a única maneira de sobreviver.

Corram, Tino, Rhuda — acrescentou Greg. — Façam o que for preciso para escapar. Vocês precisam avisar a Associação sobre o que está acontecendo aqui embaixo.

Não...—Tino começou.

Greg continuou, sério. — Vão, antes que seja tarde. Ei, não se preocupem. Acontece o tempo todo. Hoje, é a nossa vez. Só um golpe de azar, nada mais. — Ele riu. Seu tom deixava claro que não guardava rancor de Tino. — Acho que devia ter treinado um pouco mais.

Como se entendessem a conversa dos humanos, os cavaleiros lobos entraram em ação. O arco e a arma foram erguidos, mirando no grupo. Cada disparo poderia significar uma morte.

Era esse o único caminho? Será que seu mestre não previu isso? Enquanto Tino se afundava nesses pensamentos, os sons da batalha pareciam se distanciar.

Grieving Souls era um dos raros grupos que nunca perdera um membro. Esse era um dos muitos motivos pelos quais Tino os idolatrava. O mesmo Krai, que mantivera seu grupo inteiro vivo por tantos anos, realmente forçaria uma escolha tão cruel a Tino? Não. Ela sabia que muitos caçadores enfrentavam decisões assim, mas hoje não era um desses dias.

Ela voltou à realidade. A espada longa do lobo abriu um sulco no chão ao seu lado. Um par de olhos carmesins brilhava com irritação. Naquele momento, Tino ouviu a voz de seu mestre em sua mente.

Não é nada especial, mas é seu.

Krai disse essas palavras quando ela exibiu, orgulhosa, o anel que pegou de Gilbert no evento de recrutamento. Então, tudo fez sentido. Ela sabia o que fazer.

Tino lançou um olhar para sua mão esquerda. Ela miraria nos olhos do cavaleiro lobo. Mesmo com sua pele grossa e armadura, os olhos continuavam desprotegidos.

Atacar os olhos de um monstro ou fantasma poderoso era um método bem comum. A única razão pela qual não tinha considerado isso antes era porque achava que não tinha meios para fazê-lo. Os cavaleiros lobo eram mais de duas vezes maiores que ela. Não tinha como alcançar seus olhos com segurança nem atacar à distância, mas agora…

Um brilho dourado reluziu em seu dedo anelar esquerdo. Era o Anel de Disparo que seu mestre lhe dera. Embora Tino não tivesse nenhuma Relíquia própria, tinha aprendido bastante sobre elas em suas conversas com Krai. Anéis de disparo não eram Relíquias populares, simplesmente porque suas balas mágicas eram fracas. Com certeza não tinham poder suficiente para derrubar um cavaleiro lobo.

Tino recuou para evitar o golpe da espada colossal enquanto movia o anel do dedo anelar esquerdo para o indicador direito. Ela sentiu que o anel estava carregado.

Normalmente, aprender a usar uma Relíquia exigia um treinamento árduo. Mesmo um Anel de disparo não era fácil de manejar para quem não tinha experiência. No entanto, Tino já havia praticado com um quando acompanhou seu mestre a uma loja de Relíquias por recomendação dele. A situação parecia quase como se tivesse sido preparada. Tudo o que ela precisava fazer era desejar que o anel disparasse.

Ei, Tino! — Greg gritou, implorando por uma decisão.

Miramos nos olhos — respondeu ela.

Disparar um Anel de Disparo exigia muito menos movimento do que disparar uma flecha, uma arma de fogo ou mesmo lançar uma adaga. Mesmo que o Anel de Disparo não fosse capaz de derrubar um lobo, se conseguisse cegá-lo, eles teriam uma chance de alcançar o corredor. Claro, os lobos não os deixariam passar sem lutar. Todo o grupo precisaria trabalhar junto.

Eu faço isso. Me deem cobertura — disse Tino.

Embora ninguém tenha respondido em voz alta, ela estava em sintonia com seu grupo. Gilbert e Greg correram para os lados do lobo com o porrete, alarmando-o.

Esse plano era ainda mais arriscado que o anterior. Tino não teria uma segunda chance de atirar. Ainda desviando dos ataques da espada gigante puramente por reflexo, ela voltou sua atenção para o lobo com o porrete, que estava fora de seu campo de visão. Quando finalmente o encontrou, controlou sua respiração e se concentrou. Não podia errar.

Gilbert rugiu ao atacar com sua espada colossal. Greg golpeou o cavaleiro lobo quando ele se moveu para contra-atacar. No mesmo instante, Rhuda prendeu a respiração e lançou sua adaga. Ela girou no ar em direção ao olho do lobo. Mas o cavaleiro lobo nem se preocupou em bloquear. Apenas fechou os olhos. A adaga ricocheteou contra suas pálpebras e caiu no chão, enquanto Rhuda via seu focinho se contorcer em desprezo.

Quando o lobo abriu os olhos, deparou-se com uma esfera de luz azul bem diante dele. O cavaleiro lobo congelou, incapaz de reagir ao projétil disparado no momento perfeito. A bala mágica perfurou seu olho.

Com um uivo, o lobo deixou cair seu porrete, o impacto tremendo no chão. No momento em que a arma bateu no solo, o grupo disparou para a saída.

Tino mergulhou para evitar a espada colossal. Rhuda e Greg correram. Foi então que Tino viu seu último companheiro.

Gilbert, não! — gritou ela.

Gilbert estava agindo por instinto? Achou que era uma oportunidade? Ou Tino não foi clara o suficiente na ordem? De qualquer forma, ele não estava correndo para o túnel. Ele ergueu sua espada contra o lobo cego.

O grito de Tino fez Gilbert perder toda a expressão. Mas já não havia como parar sua lâmina, que subia para partir o lobo ao meio. Com um golpe do braço, o lobo aparou a lâmina. O som metálico ecoou pela sala, deixando o bracelete do lobo amassado, mas intacto.

Furioso, o lobo saiu do transe. Agitou os braços às cegas, atingindo Greg e lançando-o para o outro lado da sala. Já não havia mais uma brecha.

A fera se ergueu. Seus olhos carmesins fuzilaram Tino, completamente indiferente à bala mágica. Não adiantava. A mesma estratégia não funcionaria duas vezes.

Tino hesitou, desviando da espada colossal por puro reflexo ao mergulhar para o lado. Estava sem fôlego. Se tivesse um instante para respirar, poderia se recuperar, mas os lobos não seriam tão gentis.

Eu… eu sinto muito! — exclamou Gilbert.

Tino não o culpava. A situação teria melhorado muito se ele tivesse conseguido, e ela também não havia sido clara o suficiente em sua instrução. Poderia ter dado certo.

Enquanto o lobo pegava seu porrete, Gilbert o golpeou de novo, como se quisesse compensar seu erro — como se estivesse dando uma chance para os outros fugirem. Greg se ergueu e se juntou ao ataque.

Percebendo a resistência desesperada dos humanos, os cavaleiros lobo uivaram. Agora, sabiam o que o grupo pretendia. Arcos e armas foram apontados para a entrada do túnel. Mesmo que conseguissem chegar lá dentro, provavelmente não sobreviveriam à saraivada de ataques. Estavam encurralados, sem mais truques na manga e com quase nenhuma resistência física ou mental para continuar lutando.

Quais eram suas chances de escapar com vida? Quão provável era derrotarem os quatro fantasmas ali e agora? Ambas as opções pareciam impossíveis, mas Tino se perguntou qual deveria escolher.

Ela encontrou o olhar de Rhuda. A expressão animada da Ladra novata agora estava manchada pelo cansaço. Todos no grupo, incluindo Tino, estavam à beira do colapso, diante de inimigos mais temíveis do que qualquer outro que já haviam enfrentado, com quase nenhuma chance de fuga.

Tino se lembrou dos ensinamentos de seu mestre. O que deveria fazer? Seu coração acelerou quando as palavras surgiram em sua mente sem esforço. Seu mestre as repetira inúmeras vezes:

Mate ou seja morto.

Eu não consigo, Lizzy… — Tino murmurou, derrotada, ao perceber o quão inútil era o conselho de seu mentor.

E então, como se fosse um sinal, algo derrubou um dos cavaleiros lobo.


Tradução: Carpeado
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