Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Volume 11
Capítulo 03
[Jesus Novamente]
— Eu consigo continuar. — Kuzaku estava murmurando isso para si mesmo há algum tempo. — Eu consigo continuar. Eu consigo. Eu consigo continuar. Ainda consigo.
Enquanto repetia essas palavras, ele enfiou sua grande katana na boca de um guorella. Quando a ponta da espada atravessou a parte de trás da cabeça da criatura, Kuzaku a empurrou. Empurrou com força, derrubando-a. Em vez de puxar a katana para fora, ele girou o punho e deslizou a lâmina para o lado.
A grande katana saiu pela bochecha direita do guorella. Enquanto continuava murmurando, “Eu consigo continuar,” Kuzaku pisou na criatura caída e golpeou outro guorella que estava próximo.
— Eu consigo continuar. Ainda consigo. Eu consigo continuar. Eu consigo continuar, eu ainda consigo, ainda...
Ele estava ofegante fazia tempo. Kuzaku não se movia rápido. Na verdade, parecia estar indo lentamente.
Urgh... Sua cabeça inclinou-se para trás enquanto ele preparava mais um golpe com a grande katana.
Ngh...! Ele desceu a lâmina.
Não poderia ter sido um golpe mais amplo. Como um golpe assim poderia acertar? Como poderia romper tão facilmente a pele dura como uma carapaça que cobria os guorellas?
Ele arfava dolorosamente, sem dúvida tomado pela agonia, mas, entre aqueles suspiros ofegantes, ele sussurrava: — Eu consigo continuar. Eu consigo. Ainda consigo. Eu consigo. Eu consigo continuar. Eu consigo. Ainda...
Kuzaku não parava. Sua grande katana parecia ter vontade própria, buscando inimigos, como se puxasse Kuzaku junto com ela.
Ele estava tão exausto que não conseguia se conter ou se firmar. Parecia mais que a katana o balançava do que ele a manuseava.
Não, isso não era verdade. Não era isso.
Normalmente, paladinos eram cautelosos ao atacar. Em termos extremos, eles não usavam o corpo todo ao golpear, apenas os braços.
Se avançassem ao máximo, usando o corpo todo no ataque, o impacto seria maior, mas isso inevitavelmente abriria brechas e comprometeria a defesa. Por isso, os paladinos protegiam-se com seus escudos e atacavam com cortes e estocadas rápidas, cobrindo seus companheiros. Se a oportunidade perfeita não surgisse, eles não desferiam um golpe de força total. Essa era a forma sólida de combate de um paladino.
Mas esse não era o Kuzaku naquele momento.
Ele não só estava usando os braços, como também colocava o corpo inteiro em cada golpe, sem exceção, de forma desesperada, ignorando completamente sua própria segurança.
— Eu ainda... guh... consigo continuar...!
Kuzaku cortou outro guorella na diagonal. Era surpreendente, para dizer o mínimo. Sua grande katana traçou uma linha reta do ombro esquerdo até o quadril direito do guorella, dividindo-o ao meio.
Aquela criatura havia hesitado e tentado recuar um instante antes de ser atingida. Kuzaku a acertou com perfeição, partindo-a.
— Eu consigo... continuar... gah! Ainda! Eu consigo... hah! Eu consigo continuar...!
Os guorellas não estavam fugindo aterrorizados de Kuzaku, mas hesitavam em se aproximar. Ele estava dominando-os sozinho.
Mas aquilo não duraria. Não poderia durar.
— Oohrahh...! — Kuzaku arqueou para trás, levantando a grande katana com ambas as mãos.
E então ele parou.
Ele já havia ultrapassado seus limites há muito tempo. Lutou além do que era humanamente possível, alcançando um ponto que ninguém mais poderia atingir. Agora, suas pernas estavam vacilando. Não havia nada além disso. Apenas a queda. E se ele caísse, não sobreviveria.
※ ※ ※
Haruhiro já havia se preparado mentalmente para o dia em que as coisas terminariam assim. Mas como estava seu corpo? Honestamente, ele não sabia. Com toda a força que conseguia reunir, Haruhiro correu.
Até onde conseguiria ir?
Não era só Kuzaku. Todos—Haruhiro, Yume, Shihoru e Setora, que defendia Shihoru com um cajado que nem era dela—estavam dando o melhor de si. Ele tentou avançar, mas não conseguiu de imediato. Suas armas pareciam absurdamente pesadas, e sua visão estava estranhamente limitada. Sua mente também não funcionava direito. Provavelmente, era o mesmo para todos. Eles estavam usando cada gota de energia que tinham. Estavam realmente se esforçando ao máximo.
Haruhiro suspeitava que qualquer pensamento que tivesse nesse estado estaria errado. Ele acreditava que entendia a situação, mas talvez não fosse bem assim. Nada era certo. Talvez realmente não houvesse mais nada que pudesse fazer.
Ainda assim, Haruhiro correu. Ele não podia parar.
Os guorellas tentavam cercar Kuzaku. Haruhiro se lançou sobre ele. De alguma forma, ele conseguiu. Puxando Kuzaku com todas as forças, gritou: — Shihoru!
— Dark, grite!
Shihoru invocou o elemental Dark. Dark emitiu um som oscilante e de outro mundo enquanto voava, algo como: shuvuvuvu.
Enquanto os guorellas hesitavam, Haruhiro precisava tirar Kuzaku dali. Mas para onde? Ele não sabia. Ainda assim, tinham que ir.
— Haru-kun! — Yume o ajudou.
Oh...
— Haru! — Setora também.
Mesmo com os três, ele era pesado. Kuzaku era um cara grande e, ao contrário dos outros, usava uma armadura pesada. Até o elmo cobria completamente sua cabeça. Era impressionante que ele pudesse lutar assim com todo esse equipamento.
Por fim, Haruhiro, Yume e Setora carregaram Kuzaku até próximo à porta da prisão.
— Espalhe-se! — Shihoru ordenou.
Da porta, Shihoru balançou seu cajado. Dark, que voava intimidando os guorellas com seus sons sobrenaturais, explodiu, se espalhando rapidamente.
Dark assumiu a forma de névoa. Dark Mist.
Para os guorellas, aquele som bizarro, seguido pela cegueira da névoa negra, era demais. Haruhiro não conseguia vê-los através da névoa, mas parecia que estavam correndo em confusão. Se pudessem, ele queria que continuassem assim.
Claro, isso era pedir o impossível. Shihoru não poderia manter o Dark Mist para sempre. Ou melhor, ela não aguentaria por muito tempo.
Kuzaku estava sentado no chão, com as costas contra a parede da prisão. Talvez fosse mais correto dizer que eles o haviam colocado ali. Sem o apoio de Haruhiro e os outros, Kuzaku certamente desabaria. Mesmo assim, ele segurava sua grande katana como se tivesse se fundido ao seu braço, sem fazer menção de largá-la.
— ...Eu ainda consigo continuar. Ainda... ainda... consigo... — Kuzaku murmurava de dentro do elmo.
— Ainda consigo continuar. — Ele repetia as palavras que Haruhiro havia dito antes.
Está tudo bem, você já fez o suficiente, Haruhiro queria dizer.
Mas ele não conseguia.
Se dissesse isso, no exato momento em que o fizesse, Kuzaku se desligaria deles, e talvez nunca mais voltasse. Aquilo poderia cortar o fio que o mantinha junto à party.
Haruhiro estava com medo. Medo de chamá-lo. Medo de deixá-lo sozinho. Até mesmo naquele instante, Kuzaku poderia estar prestes a partir. Se fosse o caso, ele precisava trazê-lo de volta.
— Kuzakkun...! — Em momentos como esse, a determinação de Yume fazia toda a diferença.
Quando Yume chamou seu nome e sacudiu seu ombro, Kuzaku respirou fundo, assustado, e então tentou se levantar de surpresa.
Haruhiro ficou boquiaberto. Você está brincando comigo. Você consegue se levantar? Não, mais do que isso, consegue sequer se mover?
Parecia que ficar de pé era demais para ele, mas Kuzaku levantou a viseira com a mão esquerda e olhou ao redor.
— ...Haruhiro. Todos... Hã? Onde está a Mary-san?
— Está lá atrás, descansando.
Quem tinha dito isso? Haruhiro pensou. Quem havia falado?
Logo percebeu que fora ele. Apesar das palavras terem saído de forma reflexiva, ele se surpreendeu consigo mesmo por conseguir ser tão direto.
Haruhiro sentia-se envergonhado, mas também pensava: Está tudo bem assim. O fato era que ela estava descansando. Não era uma mentira... ou ao menos ele tentava se convencer disso. Talvez fosse apenas o que queria acreditar.
Yume olhou para dentro da prisão pela porta. Então, com um rápido olhar para o cajado que Setora carregava, voltou-se para Haruhiro.
Haruhiro desviou o olhar.
— Entendi... — Kuzaku assentiu repetidamente.
— Foooooooo, fooooooooo, foooooooooo!
Eles ouviram uma voz vinda da névoa negra. Estava bem perto. Não, estava muito perto.
Estava vindo?
Era aquele?
Quando um guorella macho amadurecia, os chifres peludos que cobriam densamente desde a parte de trás de sua cabeça até as costas, como uma juba, ficavam vermelhos. Normalmente, um bando de guorellas girava em torno de um desses poderosos redbacks, junto com várias fêmeas que eram suas companheiras e seus filhotes. Contudo, o bando que perseguiu a party de Haruhiro até ali, e que agora atacava Jessie Land, era diferente. Havia vários redbacks e um número assustadoramente grande de membros.
Seria um redback excepcionalmente grande e poderoso liderando vários bandos? Essa era a hipótese de Haruhiro. De fato, havia um redback excepcionalmente grande nesse bando, mas Kuzaku o havia derrubado.
Mesmo com aquele enorme redback morto, os guorellas não haviam se desestabilizado e continuavam a causar estragos. Aquele grande guorella não era o líder desse bando excepcional.
Provavelmente, era esse.
Um dos redbacks atravessou a cortina de névoa negra e apareceu. Não foi coincidência que seus olhos encontraram os de Haruhiro. Estava olhando diretamente para ele. Como se o estivesse procurando e finalmente o tivesse encontrado.
À pele semelhante a uma carapaça que cobria seu rosto se enrugou. Sorriu?
Outro sorriso.
Não havia dúvidas. Era o redback sorridente. Esse era o líder do bando.
Haruhiro tentou gritar para alertar os outros.
— Todo mun—Whuh...
O redback deu meia-volta. Desapareceu na névoa negra, e Haruhiro não conseguia mais vê-lo. Ele ficou paralisado. O que tinha sido aquilo agora?
— Fooooooo, fooooooooooo, foooooooooooooo!
Aquela voz voltou a ecoar na névoa negra.
— Ho!
— Heh!
— Hoh! Hoh!
— Heh, heh, heh!
— Ho! Ho! Ho! Ho!
Os guorellas começaram a gritar, e aquilo reverberou ao redor.
Oh. Então é assim que é.
Sentindo-se envergonhado por sua lerdeza, Haruhiro percebeu. Ele tinha vindo confirmar a localização deles por si mesmo. Depois, ao invés de atacá-los pessoalmente, estava ordenando que seus companheiros guorellas fizessem o trabalho.
Então? Ele se perguntou. E agora?
Não há tempo a perder. Tenho que fazer algo. Qualquer coisa.
Mas o quê? Há algo que eu possa fazer? Não consigo ver nada.
— Ninguém morra! — gritou Haruhiro.
Essas palavras não eram uma ordem. Nem mesmo um encorajamento. Eram apenas o desejo de Haruhiro. Um com poucas chances de se tornar realidade.
— Dispersar! — Shihoru girou seu cajado. A névoa negra que estava espalhada se dissipou. Shihoru não perdeu tempo antes de invocar Dark novamente. — Se matarmos aquele redback...!
— ...Certo! — Kuzaku tentou se levantar usando sua grande katana como apoio.
Quando parecia que não conseguiria, Yume o ajudou. — Miau!
— Você está me deixando impressionada... — disse Setora, sarcasticamente, enquanto preparava o cajado de Mary.
Aos seus pés estava Kiichi, que havia chegado ali em algum momento, com as costas arqueadas e os pelos eriçados. Era como se dissesse que estava pronto para lutar junto com sua mestra.
A névoa negra já havia desaparecido, e Haruhiro podia ver os guorellas claramente. Dois redback—não, três. Mais de dez machos jovens. Havia guorellas fêmeas atrás deles e também nos telhados das casas. Ele não via o redback sorridente.
Estou bastante calmo, refletiu Haruhiro.
— Gahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! — gritou Kuzaku, provavelmente tentando se animar, enquanto avançava.
Seus passos eram pesados e lentos. Com as duas mãos no cabo, ele arrastava sua grande katana atrás de si. A ponta deixava um rastro fino no chão.
De repente, a ponta voou para cima.
Sua grande katana desenhou um rastro como um relâmpago.
O braço direito do redback bem à sua frente caiu no chão, junto com sua cabeça.
Kuzaku quase tropeçou para frente depois disso. Ele conseguiu cravar os pés no chão a tempo, evitando a queda, e sua cabeça pendeu para baixo. Com os ombros caídos, soltou um suspiro profundo.
— Ufa...
Havia um jovem macho prestes a atacar Kuzaku. Haruhiro agarrou-o de frente. Mesmo sendo um macho jovem, que ainda não tinha ficado vermelho, sua juba de chifres peludos era dura e afiada, perfurando o corpo de Haruhiro.
Como se isso importasse. Haruhiro cravou seu estilete no olho esquerdo do jovem macho. Ele se contorceu. Haruhiro puxou o estilete e o enfiou de novo, repetidas vezes.
— Boooooooooooooooohhhhhhhhh! — o jovem macho gritou.
Ele tentou agarrar a cabeça de Haruhiro com a mão direita, enquanto a esquerda segurava seu lado esquerdo, tentando afastá-lo.
Tudo o que Haruhiro podia fazer era torcer o estilete. Ele o apunhalou várias vezes, tentando desferir um golpe fatal.
Morra, morra, morra. Por favor, morra logo.
A mão do jovem macho—não, seu corpo inteiro—ficou mole. Ele desabou no chão. Antes disso, Haruhiro conseguiu se afastar, mas não teve tempo para respirar.
— Haru! — gritou Setora.
Atrás dele, à esquerda. Outro guorella estava prestes a atacá-lo. Um redback, pelo visto.
— Vai! — gritou Shihoru.
Se Shihoru não tivesse enviado Dark no momento exato, Haruhiro talvez tivesse sido derrubado pelo redback e eliminado em instantes.
Dark atingiu o ombro esquerdo do redback. Ele estremeceu. Sangue escorreu dos olhos e do nariz da criatura. Ela cambaleou. Contudo, ainda não estava morta e poderia se recuperar.
Haruhiro correu até o redback e cravou seu estilete no olho direito, até o cabo.
Ainda não. Um golpe só não era suficiente. Ele precisava garantir que o mataria de vez. E era isso que faria.
— Gahhhh! — Kuzaku foi lançado para longe. Quando Haruhiro olhou, lá estava ele.
O redback sorridente.
Ele não estava ali antes. Mas agora estava de volta?
Parecia que Kuzaku tinha recebido um chute voador do redback sorridente.
Ele se virou para Haruhiro. Haruhiro achou que ele fosse sorrir, mas não. O redback bateu as mãos no chão. Então, dobrando as pernas, apoiou-se nos braços para balançar o corpo como um pêndulo e... lançou-se contra Haruhiro.
Haruhiro saltou desesperadamente para o lado.
Rolou e se levantou.
Tinha desviado? Se não tivesse, provavelmente estaria morto agora.
E o redback sorridente? Onde estava? Ele não podia se dar ao luxo de procurá-lo.
Um jovem guorella investiu contra ele, gritando alguma coisa.
Haruhiro girou para desviar por um triz—oh, caralho!
Haruhiro inclinou-se para trás no mesmo instante, e o golpe violento de outro guorella passou bem perto do seu nariz. Algo roçou sua perna direita, e ele caiu. Instintivamente, soltou um “Whoa!” enquanto rolava desesperadamente para fugir do guorella que tentava esmagá-lo, e bateu em alguma coisa.
A parede de uma construção? A prisão? Ele estava encurralado? Precisava reagir. Levantar-se. Ficar de pé e continuar dali. Talvez não conseguisse. Mesmo assim, tinha que tentar.
— Zahhhhh! — gritou Kuzaku.
Kuzaku.
Kuzaku, huh.
É o Kuzaku?
Kuzaku cravou sua grande katana no guorella macho que estava prestes a esmagar Haruhiro até a morte.
— Nuagh! — gritou Kuzaku. — Gahh! Dah! Rah! — Ele golpeou repetidamente. — Haru... — Até que o guorella caiu. — Hirohhhhhh!
— Sim! — Haruhiro ficou de pé.
Ainda não acabou, pensou Haruhiro. Eu ainda não morri, então não pode acabar. Mesmo se eu perder alguém, mesmo que eu fique triste, mesmo que doa e seja difícil... Ainda assim, se fosse para terminar, já teria terminado. Mas não pode terminar. O fim não vem tão fácil assim. Não podemos deixar que termine tão facilmente.
— Nghhhh! — Kuzaku brandiu sua grande katana. Ele provavelmente mirou em um guorella, mas errou, e aquele guorella o lançou para longe com um único golpe.
O guorella subiu em cima do caído Kuzaku.
— Gwah! — Kuzaku, desesperado, estocou sua katana para frente e, talvez por coincidência, perfurou o peito do guorella.
No entanto, não havia acabado. O guorella ainda estava vivo. Ele rugia, enfurecido.
— Gu, ho! Ga, hy! — Ele estendeu as duas mãos em direção a Kuzaku.
— Ngh! Gah! — Kuzaku tentou chutar o guorella para longe.
Haruhiro agarrou-se às costas do guorella, cravou seu estilete no olho direito da criatura, puxou de volta, e repetiu o movimento várias vezes. O corpo do guorella ficou mole.
Quando Haruhiro se afastou, Kuzaku chutou o corpo do guorella para longe.
— Grahhhh!
Haruhiro tentou puxar Kuzaku pelo braço, mas sentiu algo—algo indefinível. Quando olhou, viu que, a sete ou oito metros de distância, Yume estava caída de braços e pernas abertos.
— Yume!
Haruhiro soltou o braço de Kuzaku e tentou correr na direção de Yume. Um guorella surgiu pelo lado e bloqueou seu caminho.
Droga. Sai da minha frente. Não atrapalha. Preciso chegar até a Yume.
Mas Haruhiro não tinha força suficiente para enfrentar o guorella de frente, nem agilidade para escapar dele.
Dark voou com um vwooong, fazendo um guorella começar a convulsionar. No entanto, não era o guorella que Haruhiro enfrentava, mas outro, que Kuzaku tentava atacar.
O guorella avançou contra Haruhiro, que conseguiu desviar no último momento possível. Mas ele estava preocupado com Yume.
Enquanto evitava os ataques do guorella de alguma forma, Haruhiro espiou Yume.
Não foi uma boa ideia. Se ele não se concentrasse no inimigo à sua frente, seria atingido.
— Kuzaku, ajuda a Yume! — gritou.
Dizer aquilo era fácil, mas e Kuzaku? Ele ainda tinha condições de lutar? O guorella continuava atacando, e Haruhiro não conseguia verificar.
Ele achava que tinha visto Yume se levantando. No entanto, não tinha certeza. Talvez fosse porque o ataque do guorella era tão intenso que ele estava sempre um movimento atrás.
Se ele perdesse o equilíbrio agora, provavelmente seria atingido. Um único golpe seria fatal. Ele não podia perder tempo com aquele guorella, mas havia outros.
Muitos. Tantos.
— Delm, hel, en, giz, balk, zel, arve!
Alguém estava entoando um feitiço. Não era Shihoru. A voz era diferente. Além disso, fazia muito tempo que Shihoru não usava outra magia além do Dark. Mas Haruhiro conhecia aquele feitiço. Não, ele provavelmente já tinha ouvido algo semelhante.
Boom! Uma onda de choque incrível, seguida por uma explosão e calor, veio diretamente em sua direção, subindo também de baixo para cima.
Haruhiro não foi lançado para longe, mas sua cabeça foi jogada para trás, e ele quase caiu. Ele viu vários guorellas sendo arremessados para o ar.
Era uma explosão.
Uma explosão de grande escala. Ele percebeu imediatamente que era obra de magia. E tinha uma boa ideia de quem havia feito. Se não era Shihoru, só podia ser uma pessoa.
Jessie.
Haruhiro tinha quase... não, total certeza de que tinha sido ele.
— Droga! — gritou Haruhiro enquanto cravava seu estilete no guorella que se contorcia no chão, segurando a cabeça.
Porra, cara! se você podia usar esse tipo de magia, por que não usou desde o começo? Devia ter usado logo! Antes que o dano se espalhasse! Se tivesse feito isso...!
Enquanto finalizava os guorellas desorientados que haviam sido lançados por Blast—ou talvez por uma versão mais avançada do feitiço—Haruhiro não sabia se estava gritando ou apenas soltando palavras incoerentes.
Por todos os lados, ele via figuras de verde lançando garrafas contra os guorellas. Eram os rangers treinados por Jessie para defender Jessie Land. Originalmente, havia vinte e quatro rangers, mas houveram baixas durante o ataque dos guorellas. Mesmo assim, mais de dez ainda estavam vivos.
Os rangers não estavam apenas atirando garrafas. Alguns deles estavam com arcos prontos para disparar.
As flechas que estavam sendo disparadas não eram comuns. As pontas estavam em chamas. Eram flechas incendiárias.
As flechas incendiárias voaram. Sem um arco longo de alta potência ou uma besta, provavelmente seria impossível perfurar a pele parecida com uma carapaça dos guorellas. No entanto, aquelas flechas não precisavam disso.
Vários guorellas começaram a pegar fogo. Provavelmente, aquelas garrafas estavam cheias de algum tipo de líquido. Parecia ser óleo inflamável ou algo do tipo. O líquido havia sido incendiado pelas pontas das flechas em chamas.
Não era exatamente uma grande labareda. Mesmo assim, os guorellas gritavam e se contorciam enquanto eram consumidos pelas chamas. O fogo se espalhava de um guorella para outro, ou para o chão onde o líquido havia sido derramado, e continuava a se alastrar.
Haruhiro abaixou o corpo, puxando a gola da capa para cobrir a boca. A fumaça era intensa, e o fogo começava a alcançar as construções também.
As construções dessa aldeia, localizadas mais ou menos no centro de Jessie Land, eram em sua maioria feitas de madeira, com telhados de palha. Uma vez que o fogo começasse, elas queimariam quase completamente antes que houvesse tempo de apagá-lo.
Era difícil imaginar que os rangers tivessem feito aquilo por vontade própria. Eles estavam apenas seguindo as ordens de Jessie. Jessie pretendia incendiar a aldeia, guorellas e tudo.
Talvez ainda houvesse aldeões tremendo de medo em suas casas, incapazes de escapar, mas a grande maioria já havia sido morta pelos guorellas ou fugido. Se as casas queimassem, poderiam ser reconstruídas. Pensando assim, talvez não fosse uma má decisão—ou seria?
Certamente, se existisse outra forma de exterminar aquele bando de guorellas tão feroz e astuto, Haruhiro não conseguia pensar nela. Jessie talvez tivesse sido forçado a tomar essa decisão difícil por falta de alternativas, mas ainda assim era algo difícil de aceitar.
Jessie havia sugerido que Haruhiro usasse a prisão.
Haruhiro entendeu o motivo no mesmo instante e fez como Jessie havia dito. Se fossem cercados pelos guorellas em um lugar aberto, não teriam a menor chance. Se se trancassem na construção mais resistente possível e derrotassem apenas os guorellas que entrassem, poderiam resistir por um tempo.
No entanto, no final das contas, Haruhiro teve que admitir que isso havia sido um erro grave, doloroso e, no fim, fatal para eles.
E para Jessie, o que aquilo significava?
— ...Isca. Fomos isca.
Quando Jessie havia dito para usarem a prisão, aquilo não havia sido um conselho. Muito provavelmente, aquele homem tinha a intenção de usar Haruhiro e sua party.
Colocando-os como isca para atrair os guorellas e ganhar tempo, Jessie usou esse intervalo para preparar tudo.
Haruhiro e os outros foram iscas lançadas diante dos guorellas.
Você mesmo plantou as sementes disso, não foi? Ele pensou ter ouvido uma voz dizer e sentiu que as lágrimas poderiam começar a cair.
Haruhiro e sua party haviam trazido os guorellas até ali. Graças a eles, um grande número de moradores de Jessie Land havia morrido. Se fossem usados como parte do esforço para derrotar os guorellas, era esperado. Ele não estava em posição de reclamar com Jessie sobre isso. Será que achava que tinha o direito de criticar Jessie? Não havia como ter.
Mas... Ainda assim...
— Mary.
Ele chamou seu nome. Não queria. Não queria dizer seu nome. Haruhiro estava com medo.
Tinha a sensação de que, assim que aquilo que estava vago e borrado no momento se tornasse claro, ganharia uma forma indiscutível, erguer-se-ia diante dele e bloquearia seu caminho. Se possível, queria que aquilo permanecesse vago. Para sempre. Até o fim dos tempos, se fosse possível.
Se pudesse fazer com que aquilo não tivesse acontecido, ele faria. Se sua ausência permanecesse vaga e borrada, ele poderia continuar flutuando na ilusão de que talvez houvesse alguma maneira de reverter aquilo. Por exemplo, talvez tudo isso fosse apenas um sonho. Ele acordaria e ficaria aliviado, pensando: Ah, era só um sonho. Em algum lugar de seu coração, acreditava que isso não era completamente impossível.
Provavelmente teria vários desses sonhos depois. Sonhos onde ela ainda estava com eles. Nesses sonhos, ele pensaria: Veja, foi um engano, ela está aqui, por que pensei que nunca a veria de novo?, com um sorriso amargo. Então, ele acordaria. O pior despertar possível viria.
Haruhiro já tinha passado por esse tipo de experiência antes, então conseguia imaginar com clareza como se sentiria naquele momento.
Mas, ainda assim, Haruhiro tentou pensar. Se eu posso sonhar com ela, não é tão estranho que eu tenha sonhos onde ela não está. Então, já que essa sensação de que ela se foi é tão vaga e nebulosa, isso pode ser apenas um sonho. Quero dizer, não há como ela realmente ter partido.
É mentira que Mary morreu.
Ele tinha sido usado por Jessie, e Mary havia morrido como resultado.
Embora, para começar, se eles não tivessem trazido os guorellas para cá, isso nunca teria acontecido.
Haruhiro cometeu tantos erros.
Por causa disso, Mary estava morta.
Ela morreu bem na frente dos olhos de Haruhiro.
Ela foi morta.
Não.
Eu praticamente a matei, não foi?
No mínimo, eu deixei Mary morrer.
Fui eu.
É minha culpa.
Desculpe, Mary.
Você sorriu para mim no final, mas eu não faço ideia do motivo pelo qual você sorriu.
Foi minha culpa, não foi? Eu deixei você morrer.
Mesmo sendo minha preciosa companheira.
Mesmo eu gostando de você, Mary.
Eu te amava.
Eu não consegui proteger Mary. Pior ainda, se Mary não tivesse interceptado o guorella entrando na prisão naquele momento, eu poderia ter sido o único a morrer. Teria sido eu, com certeza. Mary me salvou.
É graças à Mary que eu ainda estou vivo.
Eu deixei Mary morrer, e aqui estou eu, com a ousadia de continuar vivendo.
— Hy, aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhh! — Um grito incrível ecoou.
Era óbvio que vinha dele.
O redback sorridente.
Estava a menos de dez metros de Haruhiro, gritando para o céu. Não estava sorrindo. Provavelmente, estava furioso.
Haruhiro conseguia entender seus sentimentos. Ele estava na mesma situação, afinal. Aquilo ia além de mera irritação ou raiva.
Embora houvesse muitos alvos para sua fúria, a maior parte da raiva do redback sorridente provavelmente era dirigida a si mesmo. Ele—assim como Haruhiro—tinha caído numa armadilha. Mais do que a pessoa que os enganou, eles não conseguiam perdoar a si mesmos por terem caído.
— Weruu, ruu, ruuuu, ruu, ruu, weruuuuuuu!
Mas aquele não era um guorella comum. O redback sorridente estava gritando para o céu vazio um momento antes, então, de repente, pulou e começou a emitir um som estranho. Aquele som, Haruhiro se lembrava, era o sinal de retirada.
Como se eu fosse deixar você escapar!
Haruhiro correu. Não conseguia correr rápido. O máximo que podia fazer era algo mais parecido com uma caminhada rápida, mas ele ainda assim não parava.
Eu sei. Eu te conheço. Mesmo que você recue agora, com certeza vai voltar.
Enquanto estivesse vivo, ele perseguiria Haruhiro e seus companheiros de forma obstinada. Só estava fazendo o que poderia ser chamado de retirada estratégica para poder continuar depois.
O que eu posso fazer para acabar com isso?
— Weruu, ruu, ruuuu, ruu, ruu, weruuuuuuu!
Enquanto chamava seus companheiros, o redback sorridente tentava fugir.
Ele lançou um olhar na direção de Haruhiro.
Ele notou Haruhiro.
Ainda faltavam cinco metros para Haruhiro alcançá-lo.
— Peguem aquele! — gritou Haruhiro enquanto corria.
Kuzaku, Jessie, os rangers, não importava quem. Aquele. Eles precisavam fazer algo com aquele desgraçado. Ele precisava morrer ali. Não podiam deixá-lo escapar. Ou seria tudo em vão.
A morte dela, de Mary, seria em vão.
Ter ou não ter significado não mudaria nada. Esse era o resultado, e os fatos não mudariam. Mas isso não era triste demais? Não deveria, pelo menos, ter servido para algo?
Mary tinha morrido, e por causa disso Haruhiro sobreviveu, e ele ia conseguir derrubar aquele Guorella.
Nunca, em toda a eternidade, uma história como essa traria qualquer conforto para ele, e essa ferida provavelmente nunca iria cicatrizar. Porque Mary, a única que curava suas feridas, estava morta. Nada poderia preencher esse vazio. Por isso, no fim, era sem sentido. Não importava o que Haruhiro fizesse ali, era impossível dar significado à morte de Mary.
Chega, ganhar ou perder, eu não me importo mais. Por enquanto, ou eu vou matar você, ou você vai me matar. Um ou outro.
Ele ia acabar com isso.
Era hora de resolver as coisas.
Mas o redback sorridente era rápido.
Ou Haruhiro era lento?
De qualquer forma, a distância entre eles dobrou em questão de instantes.
— Oorahhhhh! — Um dos rangers arremessou uma garrafa no rosto do guorella.
Pele cor de creme. Olhos vermelhos. Era aquela ranger. Yanni, ou algo assim.
A garrafa se estilhaçou, espalhando óleo por todo o lado, e o redback sorridente ficou encharcado. Mesmo assim, ignorando tudo, continuou correndo com sua peculiar caminhada apoiada nos punhos.
Outro ranger disparou duas ou três flechas incendiárias, mas nenhuma acertou o alvo.
— Delm, hel, en...
Ele reconheceu a voz de Jessie, mas onde aquele homem estava? Não conseguia vê-lo. Porém, Jessie estava conjurando magia. Magia Arve.
— Saras, trem, rig, arve!
No caminho que o redback sorridente seguia, uma grande coluna de fogo, que parecia capaz de queimar o céu, surgiu. A coluna de fogo não enfraqueceu, posicionando-se como um obstáculo no caminho do redback sorridente.
Firewall. Ou talvez uma versão mais avançada.
O que o redback sorridente faria?
Ele não parou.
Pretendia atravessar diretamente, mesmo estando coberto de óleo. Planejava romper a coluna de fogo sem desviar e escapar.
A coluna de fogo queimava com força, atingindo até algumas construções próximas. Se ele realmente atravessasse aquele fogo, onde sairia?
Haruhiro tentou prever para onde ele iria e tomou um caminho ao redor da coluna de fogo e das construções em chamas.
Ele encontrou.
Envolto em chamas, estava bem à frente, correndo como um borrão. Já quase fora da aldeia.
Agora estava fora.
— Espere...!
Mesmo que gritasse, aquilo jamais esperaria. Haruhiro correu. Tropeçou e quase caiu várias vezes, mas continuou se forçando a ir em frente.
Um vento úmido soprava.
Estava muito escuro.
Onde estavam os outros guorellas? Quantos tinham escapado?
Como se importasse.
Não—como não se importaria? Além disso, por que ele estava perseguindo aquele, afinal? Continuava correndo, mas era uma bola de fogo. Aquilo não era normal. Mesmo sendo um guorella, não sairia ileso disso. Pensando racionalmente, ele pararia de se mover em algum momento. Provavelmente, Jessie e seus rangers o rastreariam e o matariam. Haruhiro não precisava persegui-lo.
Antes disso, não havia outras coisas que ele deveria fazer? E seus companheiros? Eles estavam bem? Ele não deveria voltar e verificar isso primeiro? Por que estava fazendo isso?
Ele sabia. Estava fazendo algo sem sentido. Mesmo sabendo disso, não conseguia parar. Não queria parar.
Haruhiro saiu da aldeia também. O céu ressoava com estrondos, iluminado por relâmpagos.
O redback sorridente corria pelos campos. Os campos estavam densos com uma planta semelhante ao trigo, que produzia grãos. Enquanto avançava, incendiava aqueles grãos ou os chamuscava. Havia um rastro mais claro que pegadas mostrando para onde ele ia. Haruhiro só precisava segui-lo. Nos campos, mesmo que caísse, ele poderia se levantar novamente.
Quando Haruhiro deixou a aldeia, o redback sorridente estava a mais de dez metros, talvez vinte, à sua frente.
E agora? Dez metros? Não, mais perto. Cinco, talvez seis metros. Às vezes, ele sentia que, se estendesse a mão, poderia tocá-lo. A velocidade dele estava definitivamente diminuindo.
Haruhiro não havia olhado para trás nenhuma vez. Ele perseguia o redback sorridente sem desviar o olhar.
Jessie e seus companheiros estavam o seguindo? Não havia outros guorellas por perto? Ele não sabia. Não era que não se importasse com isso. Ele não queria saber. Ele sabia que agir assim era errado. Totalmente errado.
Mas ele queria terminar isso.
Ele iria alcançar aquela coisa, que ainda queimava aqui e ali, espalhando fumaça enquanto corria, e a eliminaria pessoalmente. Com isso, ele queria acabar com tudo.
Mary.
Mary certamente ficaria furiosa.
Se fosse Mary, ela o repreenderia. “Não diga isso”, ela diria. “Esqueça de mim. Você esteve comigo até agora, e isso foi o suficiente. Haru, continue avançando como estava antes.”
Era o tipo de coisa que Mary diria.
Você não entende nada, Mary, retrucou Haruhiro. Nada. Você não entende absolutamente nada.
Quero dizer, você é super atenciosa com seus companheiros, é uma boa pessoa, a melhor curandeira que poderíamos ter e... e, sério, você é ridiculamente bonita, tem um lado fofo também, mas, de alguma forma, Mary, às vezes você age como se não fosse boa o suficiente... mesmo que isso não seja verdade. Nunca poderia ser verdade.
Eu queria segurar sua mão com força.
É presunçoso da minha parte dizer isso, mas eu queria dar mais confiança a você.
Você estava sorrindo mais do que no passado, mas eu queria te fazer sorrir ainda mais
Pra ser honesto, eu queria te abraçar com toda a minha força.
Queria pegar sua mão e continuar caminhando ao seu lado para sempre.
Mary.
Mary.
Mary.
Não consigo imaginar um futuro sem você.
Mesmo em Darunggar, havia um sol que nascia. Mas sem você, Grimgar estará em completa escuridão. Não conseguirei ver nada. Nem ouvir nada, tenho certeza.
Não conseguirei seguir em frente.
Se esse é o futuro que me espera, eu não quero ele.
Já tive o suficiente.
— Assim que eu te matar...! — Haruhiro reuniu o resto de sua força e se forçou a correr mais rápido. Foi então que aconteceu.
O redback sorridente caiu para frente.
Graças a isso, Haruhiro finalmente o alcançou.
Logo ele se levantaria, recuperaria as forças, Haruhiro tinha certeza. Fugiria ou revidaria. Mas quem se importava? Ele não. Não importava.
O redback sorridente havia caído de bruços, com o rosto virado para o lado. Haruhiro pulou em suas costas. As chamas em seu corpo tinham quase se apagado completamente. Estavam apenas fumegando. Nem estava tão quente assim. Mas havia algo estranho.
Ele não se movia. Nem um pouco.
— Ei... — murmurou Haruhiro.
O que isso significava? Haruhiro montou em suas costas, em uma posição em que podia cravar seu estilete nos olhos vulneráveis do redback a qualquer momento. Apesar disso, não sentia nada.
Ei? Ei? Ei? Ei? O que houve, hein? Você está esperando o momento certo para contra-atacar? É isso, né? Diz que é isso, vai.
Mas ainda assim, era estranho. Era muito diferente de antes. Como se fosse algo completamente diferente agora.
Algo diferente.
Sim, era, de fato, um tipo completamente diferente de coisa. Não havia nenhum sinal de que fosse uma criatura viva. Era apenas uma coisa agora.
Haruhiro ajustou o aperto no estilete.
Não havia força em sua mão. Não apenas em sua mão. Em todo o seu corpo. Como se houvesse um buraco em algum lugar, e sua vitalidade estivesse escapando por ele. Ele precisava encontrar esse buraco rapidamente e tampá-lo.
Ele sabia o que precisava fazer. Isso já estava decidido, então só restava fazer. Era algo simples. Não era difícil. Ele podia fazer. Não havia como não conseguir.
Agora, faça, disse a si mesmo. Faça. Depressa.
A chuva começou a cair.
Eram gotas grandes.
Rapidamente aumentaram de intensidade.
Havia trovões ensurdecedores. A chuva desabava como uma cachoeira.
Por causa disso, ele não ouviu os passos. Um homem com um manto verde se aproximou dele e disse algo. Seja lá o que ele disse, Haruhiro não entendeu. Por isso, ele nem assentiu, nem balançou a cabeça.
Aquele homem de cabelos loiros e olhos azuis, Jessie, ajoelhou-se, não exatamente ao lado de Haruhiro, mas ao lado do redback sorridente. Ele observou o rosto da criatura com seriedade, especialmente os olhos abertos e o nariz. Então, Jessie agarrou o maxilar da criatura e o sacudiu.
— Sim... Essa coisa está morta.
A essa altura, a chuva havia diminuído um pouco. O trovão tinha parado, também. O céu começava a clarear.
— O interior da boca está queimado e inchado — disse Jessie. — Pelo que parece, as queimaduras devem chegar até a garganta. Ele não conseguia respirar direito. Estou impressionado que tenha chegado tão longe. Deve ter ficado sem forças.
— ...Mas que inferno? — murmurou Haruhiro.

Haruhiro rolou para fora das costas do guorella e caiu na lama. A chuva, agora mais leve, chicoteava suas bochechas.
O que diabos era isso?
Seguindo Jessie, vários rangers se reuniram ao redor.
— Haru-kun! — gritou Yume.
— Haru! — chamou Setora.
— ...Haruhiro-kun! — exclamou Shihoru.
— Haruhiro! — chamou Kuzaku.
Ao ouvir as vozes chamando seu nome, Haruhiro fechou os olhos e colocou a mão esquerda sobre as pálpebras cerradas.
Haru-kun. Haru. Haruhiro-kun. Haruhiro.
Eram quatro vozes. Quatro pessoas.
— O que aconteceu com sua sacerdotisa? — perguntou Jessie.
Haruhiro não conseguiu responder de imediato. Ele afastou a mão dos olhos.
Quando os abriu, Jessie estava olhando para ele. Como Haruhiro era refletido nos olhos azuis indecifráveis daquele homem, que não demonstravam o que ele pensava ou sentia?
É sua culpa, Haruhiro quase disse, mas logo pensou: Não, isso está errado, e cerrou os dentes. Talvez não estivesse completamente errado, mas ele sentia que estava.
— Entendo. — Jessie piscou e respirou curto. — Então ela morreu.
— ...Não diga isso.
— Hm?
— Não diga. Não diga isso.
— Eu só estava perguntando porque você parece bem machucado e achei que precisaria de cura.
Isso não importa. Eu não me importo mais. Você entende isso, não entende? Claro que não.
Você é estranho de qualquer forma. Você levou um golpe direto do meu Backstab e está bem. Não parece um mago, mas aparentemente era um caçador, e consegue usar magia. Magia incrível, aliás. Parece humano, mas claramente não é.
Haruhiro rolou para ficar de bruços e tentou se levantar. Seus companheiros estavam vindo. Ele não podia ficar ali caído.
Mas seu corpo parecia pesado. Tão pesado. Seus braços e pernas não tinham força para empurrá-lo para cima.
— Haru-kun! — chamou Yume.
No fim, Yume o ajudou a se levantar. Embora agora estivesse de pé, ele não conseguia se manter sem apoio. Não era apenas exaustão. Como Jessie havia dito, ele estava seriamente ferido. Não sentia muita dor, mas estava sangrando bastante, e parecia grave. Se não fosse tratado, acabaria desmaiando, e seu coração pararia.
— Haru... Sai da frente! — Setora empurrou Yume para o lado e segurou Haruhiro em seus braços. — Você está bem? Ei, Haru, mantenha os sentidos. O bando de guorellas se dispersou. Se esse aqui era o líder deles, então estamos seguros por enquanto. Ouça, Haru, aconteça o que acontecer, nós vencemos.
— ...Vencemos? — ele perguntou, sem emoção.
— Sim. Mesmo que você não acredite, pense que vencemos. Por enquanto...
— Vencemos...
Haruhiro queria empurrar Setora para longe. Mas, mesmo que buscasse a força de vontade para realizar uma tarefa tão monumental, provavelmente não a encontraria.
Por isso, Haruhiro apenas balançou a cabeça. Repetidas vezes.
Shihoru aproximou-se do cadáver do redback sorridente. Ela não estava apenas sem fôlego; estava quase completamente exausta. Shihoru sentou-se onde estava.
Kuzaku tropeçou a cerca de seis ou sete metros atrás de Shihoru, e não se levantou. Haruhiro conseguia ouvir sua respiração pesada e ofegante mesmo de longe. O ranger que se aproximou de Kuzaku provavelmente era Yanni.
— Yanni! — Jessie chamou por ela.
Ela correu apressadamente nessa direção, confirmando que era, de fato, Yanni.
Jessie deu alguma ordem a Yanni, em uma língua que Haruhiro não entendia, mas as palavras “vooloo yakah” ficaram gravadas em sua mente. Talvez porque, ao ouvi-las, Yanni demonstrou tensão e medo.
Quando Yanni reuniu os rangers e deu ordens, também usou as palavras “vooloo yakah”. Os rangers liderados por Yanni se dividiram em vários grupos e se dispersaram.
A chuva havia parado completamente, e o sol começava a aparecer entre as nuvens. Aparentemente, foi uma tempestade passageira.
— Bem, felizmente... — Jessie deu de ombros.
Felizmente?! Naquele momento, Haruhiro se irritou.
Jessie disse: — Nosso xamã sobreviveu, então, se tratarmos os feridos imediatamente, o único problema é sua sacerdotisa. Por enquanto, não podemos dizer nada até eu ver o estado dela, mas–
— A Mary está...! — Haruhiro empurrou Setora e avançou sobre Jessie. — Ela está morta! A Mary morreu! Eu... Eu a deixei morrer! Nada desse papo sobre o estado dela! O que—O que você está falando...?
— Não, ouça...
Mesmo com Haruhiro segurando-o pela gola, Jessie permanecia impassível. Ele não estava intimidado, mas também não exibia um traço de sorriso. Não era uma expressão vazia, tampouco. Será que esse homem sequer tinha emoções? Talvez não tivesse emoções humanas. O comportamento dele era tão antinatural que fazia alguém suspeitar disso. Haruhiro pensou nisso, e qualquer um que visse Jessie naquele momento concordaria.
— Não podemos dizer nada até eu ver o estado em que ela está — disse Jessie. — Eu não disse isso a você?
— Ela morreu! Não há estado para ser visto! Temos que nos apressar... Antes que a maldição do No-Life King afete a Mary... Antes que ela acabe como seus antigos companheiros... Certo, não podemos deixar isso acontecer com a Mary...
— A maldição de Enad George, o No-Life King, huh. — Jessie bufou, e então franziu o cenho.
Isso também parecia antinatural, de alguma forma. Talvez fosse melhor dizer que parecia algo desconexo.
— Enad George...? — repetiu Haruhiro.
— Solte-me. — Jessie acertou Haruhiro no queixo. Não, ele apenas pressionou a palma da mão contra o queixo de Haruhiro com força. Mesmo assim, Haruhiro perdeu o equilíbrio e caiu. Ele bateu o quadril e a parte de trás da cabeça, e toda a força deixou seu corpo.
Yume e Setora protestavam contra Jessie. Não importava o que dissessem, Jessie não levava nada a sério.
Haruhiro moveu apenas os olhos para olhar para o homem. Jessie estava estranhamente silencioso, observando Haruhiro com uma expressão que não revelava nenhuma intenção clara.

— O estado dela...
Sua voz era tão fraca quanto o zumbido de um mosquito, e o próprio Haruhiro não fazia ideia do que estava tentando dizer.
Não, na verdade ele sabia. Haruhiro estava tentando questionar Jessie. Mas era ridículo. Afinal, Mary havia morrido. Por que ele se agarrava a alguma esperança?
Não se prenda a isso, disse a si mesmo. Não pense em coisas estúpidas.
Era tolice ter esperança. De fato. Ele devia ser um tolo incrível. Se fosse esperto, isso nunca teria acontecido.
— Dependendo do estado dela, você está dizendo que há algo que pode ser feito...?
— Existe uma maneira — respondeu Jessie imediatamente. Então, com um bufar, acrescentou: — Apenas uma.
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