Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Volume 10 Capítulo 01
[Os Corações Secretos das Presas]




Já conseguimos despistá-los. Haruhiro continuava pensando.

Será que estava sendo ingênuo?

Respirando silenciosamente apenas pelo nariz, ele fez uma leve careta.

Seu corpo não estava em más condições. Não sentia dor em lugar nenhum, e se sentia bem relaxado. Estava com fome, mas não faminto. O problema era psicológico.

Correr por aí daquele jeito era exaustivo. Ainda assim, ele finalmente tinha conseguido despistar o perseguidor. Mas, no momento em que sentiu aquele alívio...

U-ho, u-ho, u-ho, u-ho, u-ho...

Ouviu a voz. Parecia que ainda estava sendo perseguido. Aquilo ia além de mera persistência. Seu perseguidor tinha uma tenacidade inacreditável.

Devia estar a uns cinquenta metros. Não, mais perto que isso. Ele queria espiar por trás da árvore contra a qual estava encostado e ver com seus próprios olhos.

Mas não vou, certo?

O faro daquela coisa aparentemente era mais aguçado que o de um humano, mas não chegava ao nível de um urso. Não tinha a audição de um cão ou gato, e a visão provavelmente não era muito melhor que a de um humano. Mesmo assim, aquelas criaturas conseguiam detectar presenças que os humanos não percebiam. Talvez não fosse que fossem tão superiores, mas sim que os humanos eram simplesmente limitados.

Eles são superiores a nós.

Com isso em mente, Haruhiro teria que agir com cuidado, muita cautela e uma boa dose de prudência.

Movendo apenas os olhos e a cabeça, ele observou ao redor.

Verde.

Verde.

Verde.

Verde, verde, verde, verde, verde, verde, verde.

Havia outras cores por ali, mas as folhas verdes, a grama, as vinhas ou o musgo estavam por toda parte, então parecia que o lugar inteiro tinha sido pintado de verde.

Aquele era o sudoeste das Montanhas Kuaron. Os wyverns viviam no norte, então ele assumia que aquela área era relativamente segura. Não via wyverns voando pelo céu, então provavelmente estava certo. A encosta da montanha era densamente florestada. A inclinação era íngreme em alguns lugares e mais suave em outros, com galhos cobrindo boa parte, bloqueando a luz do sol e deixando o ambiente sombrio em alguns pontos. Havia pouca iluminação chegando ao chão, o que facilitava bastante.

Quando pensava nisso, as áreas ao redor de Altana e do Buraco das Maravilhas podiam ficar incrivelmente quentes ou frias às vezes, mas nunca permaneciam assim por muito tempo. Por conta disso, ele nunca tinha pensado muito sobre as estações. Além do mais, como estavam em Darunggar há mais de duzentos dias, Grimgar estava atualmente no meio de julho, aparentemente, mesmo que não parecesse para ele.

Era verão. Mesmo em silêncio, podia sentir o suor brotando na pele. Ele estava na sombra, então não era tão ruim quanto poderia ser. Ainda assim, estava bem úmido.

U-ho, u-ho, u-ho, u-ho, u-ho...

Seu perseguidor estava gritando de novo. Aquele chamado característico, feito vibrando o peito e a garganta, estaria passando informações para o restante do grupo? Ou estaria avaliando a reação de Haruhiro, seu alvo? Seja como for, os gritos estavam vindo de mais perto desta vez. A coisa estava se aproximando.

Onde estava o resto deles? Será que estavam bem ao lado dele? Seus próprios companheiros estavam a uns vinte e cinco metros dali, escondidos entre buracos no chão e arbustos.

Ele provavelmente estava com uma expressão de olhos sonolentos agora. Não estava cansado, claro. Nem um pouco.

Deveria voltar para junto de seus companheiros? Ele tinha alguma confiança em seu Sneaking, mas e se fosse detectado pelo perseguidor? Queria correr o menor risco possível, mas, se aquela coisa continuasse se aproximando, acabaria sendo encontrado de qualquer jeito. Não conseguiria lidar com aquilo sozinho, então, de uma forma ou de outra, teria que contar com a ajuda de seus aliados.

Hesitou por um ou dois segundos. Assim que decidiu e começou a usar o Sneaking, começou a ouvir passos e o som de algo colidindo violentamente com as árvores e as empurrando para o lado.

Ho, ho, ho, ho, ho! — seu perseguidor bradou.

Estava correndo. Corria em direção a ele. Será que tinha sido encontrado? Não era hora de se preocupar em agir com cautela ou usar Sneaking.

Corre. Corre. Corre, corre, corre!

Mas esta era uma floresta densa nas montanhas. O chão estava cheio de raízes de árvores, pedras salientes e musgo que cobria tudo isso, tornando fácil escorregar.

Os perseguidores se moviam de quatro, com as mãos no chão. Esse tipo de movimentação, apoiando-se nos nós dos dedos, permitia que mantivessem o equilíbrio, mesmo em terrenos ruins. Se estivessem em terreno plano, talvez a vantagem fosse menor, mas ali, ela era esmagadora.

Eles o alcançariam em instantes. Se desse as costas, estaria morto. O que fazer, então?

Virar-se e enfrentá-los. Chamar os companheiros. Resistir aos ataques do perseguidor. Ganhar tempo até que os companheiros chegassem. Era a única opção.

Quando parou, ouviu um som alto e agudo: — Funyaaaaaaow!

Kiichi?! — gritou Haruhiro.

Um nyaa. Aquilo era a voz de um nyaa. Ele se virou.

Seu perseguidor parecia surpreso também, porque olhava para cima e para a esquerda.

Haruhiro não pensou: Esta é a chance perfeita! Ainda assim, o foco do inimigo não estava mais nele. No momento em que percebeu isso, seu corpo se moveu sozinho. Sacando o estilete e a faca com guarda-mão, ele avançou contra o perseguidor.

A criatura tinha cerca de dois metros de altura. Não estava ereta, então sua cabeça ficava a cerca de um metro e meio do chão. Mesmo assim, era enorme. Um símio. Tinha o porte de um grande macaco, mas a superfície do corpo era coberta por uma pele semelhante a um exoesqueleto de coloração marrom-escura, quase negra. Era como se estivesse usando uma armadura.

Os machos tinham cabelos espessos, parecidos com uma juba, que cresciam da parte de trás da cabeça até as costas, ficando vermelhos quando amadureciam. Esses machos, chamados de redbacks, formavam um bando com várias fêmeas e seus filhotes, vivendo em conjunto e caçando.

Guorellas. Era assim que eram chamados.

As fêmeas eram menores que os machos, mas seu perseguidor era um redback macho. Seus braços, pescoço, ombros, peito, estômago, cintura e pernas eram assustadoramente fortes. Até à primeira vista, parecia ter uma enorme quantidade de músculos. Na verdade, até mesmo uma fêmea pequena seria capaz de despedaçar uma pessoa. Os redbacks eram insanos. Tão insanos que, se Haruhiro lutasse de forma justa, não teria a menor chance de vencer.

É claro que ele estava com medo. Mas isso não era verdade para a maioria dos inimigos? Em outras palavras, as coisas não eram tão diferentes do habitual.

Eu vou enfrentá-lo! — gritou, incentivando-se e chamando os companheiros. Então, avançou contra o redback.

O redback virou-se para ele e bradou: — Du-hoohhh!

Os braços. Ele estava balançando o braço direito. Se Haruhiro fosse atingido por um golpe daqueles, cairia com um único ataque.

Ele parou antes de entrar no alcance, como havia planejado. A mão direita da criatura passou bem diante de seus olhos. Sem tempo para descansar, o braço esquerdo também veio. Um golpe lateral. Estava esticando o braço. Se fosse atingido, seria o fim. Era por isso que precisava manter a calma.

Observe com atenção, disse a si mesmo. Desvie. Não recue. Direita. Avance e vá para a direita. Jogue-se nessa direção.

Passando raspando pelo braço esquerdo da criatura, ele foi para o lado esquerdo dela. Rolando, tentou posicionar-se atrás. Ela não deixaria. Saltou no lugar, girando rapidamente.

Sem perder o ritmo, Haruhiro mudou de direção. Quando rolou para trás, o redback foi um pouco lento.

Haruhiro atacou. Ou fingiu que ia atacar, e o redback se enrijeceu.

Mas logo percebeu que era uma finta. Que era uma ameaça sem substância. A presa não era algo a ser temido.

Percebendo isso, mostrou os dentes caninos e investiu com seriedade.

A essa altura, não havia espaço para ameaças e truques. Estava se aproximando. A uma velocidade incrível.

Haruhiro recuou. Talvez não conseguisse desviar da próxima. Mas, mesmo que fosse pouco, ele tinha conseguido ganhar tempo. Esse era o objetivo desde o começo.

Dark, vai! — Ele ouviu a voz de uma companheira.

Imediatamente abaixou a postura. Algo passou por cima de sua cabeça. Então, uma figura humanoide, ou melhor, em forma de estrela, Dark, o elemental, colidiu com o redback.

Ah! Fuh! — A criatura estremeceu por inteiro, e sua cabeça foi jogada para trás. Parecia que cairia, mas conseguiu se manter de pé.

Ainda assim, havia sofrido danos. Agora era a hora.

Haruhiro virou-se. Não para fugir. Precisava ganhar distância.

Haruhiro! — um homem alto gritou. Ele usava um elmo em forma de cabeça de falcão, carregava um escudo metálico e brandia uma grande katana com uma das mãos. Enquanto avançava, gritou: — Ohhhhhhhh!

Um homem grande, cujo corpo inteiro estava coberto por tecido escarlate e índigo, além de couro, veio logo atrás. Era um homem? Bem, provavelmente tinha sido em vida, mas não era mais humano. Era um golem de carne.

Kuzaku, Enba, conto com vocês! — gritou Haruhiro.

Sim, senhor! — respondeu Kuzaku com entusiasmo, enquanto Enba permaneceu em silêncio.

Os dois passaram por ele.

Quando Haruhiro se virou, viu Kuzaku balançando sua grande katana, e Enba usando seu longo e espesso braço esquerdo contra o redback.

Nurrrrraghhhhh! — gritou Kuzaku.

Nu-hoooohhhhh! — rugiu o redback.

O redback balançou os dois braços, repelindo tanto a katana de Kuzaku quanto o braço esquerdo de Enba. Enba recuou, mas Kuzaku se manteve firme. O braço direito do redback, seguido pelo esquerdo, desferiu golpes em rápida sucessão contra Kuzaku. Ele moveu o escudo da direita para a esquerda, bloqueando cada um.

Hah! Nuwah! Kwah!

Kuzaku estava defendendo tudo. Quando ele reforçava sua defesa assim, nada pequeno conseguia abalá-lo. Com mais de 1,90 metro de altura, mesmo com os quadris dobrados e a cintura abaixada, ele ainda parecia enorme.

Sem emitir som, Enba avançou pelo flanco do redback. Sem conseguir resistir, o redback deu um salto para trás, em diagonal.

Hah! — Kuzaku avançou com a katana estendida e o escudo erguido.

Ele conectou um combo de Thrust com Punishment. O redback recuou. Enba parecia planejar dar a volta e atacar por trás.

Eles estavam pressionando o redback.

Não. Ainda era cedo para pensar nisso.

O redback estava encurralado contra uma árvore, ou parecia estar, mas então ele saltou. Para trás. Depois, impulsionando-se na árvore, avançou em direção a Kuzaku.

Gah?! — Kuzaku mal conseguiu se defender do ataque surpresa do redback. No entanto, acabou sendo chutado, escudo e tudo, e foi derrubado.

Enba tentou intervir, mas o redback o afastou com um único golpe violento de seu braço. Kuzaku, percebendo que não conseguiria escapar, tentou proteger o torso com o escudo.

Ha! — exclamou o guorella.

O guorella era tenaz e inteligente. Para evitar um ferimento fatal, Kuzaku optou por proteger a cabeça, o pescoço e o torso onde estava o coração. Não era uma escolha errada. Era a decisão certa, mas isso deixou a parte inferior de seu corpo desprotegida. O redback não perdeu a oportunidade e agarrou Kuzaku pela perna direita, jogando-o com toda sua força.

Kuzaaaakuuuuuu! — Haruhiro gritou, sem se conter.

Kuzaku voou cerca de cinco metros antes de colidir com o tronco de uma árvore e cair no chão. Era impressionante que, mesmo depois disso, ele ainda segurava sua grande katana e o escudo.

Ele está bem, Haruhiro disse a si mesmo. Não sei se ele pode se levantar, mas enquanto estiver respirando, conseguiremos dar um jeito.

Mary, cuide do Kuzaku!

Certo!

Yume! — Haruhiro gritou.

Miau!

Nem precisava chamá-la, Haruhiro percebeu. A caçadora já estava abaixada, com suas longas tranças balançando enquanto se aproximava do redback.

Em suas mãos, ela segurava uma espada de lâmina única. Era uma katana, empunhada com as duas mãos. Yume a havia encontrado em um lugar chamado Monte das Katanas. As habilidades que conhecia eram feitas para uso com um facão, uma ferramenta originalmente projetada para partir lenha e cortar galhos. A katana não era uma arma de caçador. Contudo, as habilidades de Yume com a katana eram tão impressionantes que isso simplesmente não importava.

Primeiro, ela usou Brush Clearer, como se estivesse cortando plantas, e então conectou com Diagonal Cross. Essa combinação especial parecia ainda mais eficaz agora do que quando ela usava um facão ou a espada curva.

Quando o Redback saltou para o lado para desviar, Yume deu uma cambalhota para frente e desferiu um golpe com sua katana.

Gah!

Raging Tiger.

Intimidado pela ofensiva ousada e determinada de Yume, o Redback recuou ainda mais. Foi aí que Enba avançou com uma voadora.

O Redback recebeu o golpe no lado esquerdo e cambaleou.

Mary estava ajudando Kuzaku a se levantar. Graças a Yume e Enba mantendo o Redback afastado, Mary pôde se concentrar no tratamento de Kuzaku sem preocupações.

Hi-yah! — gritou Yume, enquanto Enba, em silêncio, continuava atacando o Redback.

Era o momento decisivo. Conseguiriam perfurar aquela pele semelhante a uma carapaça? O Redback se agachou, assumindo uma posição em que cobria a cabeça com os dois braços.

Ungyah... — A katana de Yume ricocheteou.

Enba acertou outro chute voador, mas desta vez o Redback nem se mexeu. Imediatamente, ele contra-atacou. Batendo as mãos no chão, usou o impulso para investir contra Enba.

Enba não conseguiu desviar e foi derrubado. O Redback tentou montar sobre Enba, mas Yume soltou outro grito estranho e o bombardeou com ataques cortantes.


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Isso não era bom. Sua pele semelhante a uma carapaça tinha desviado o ataque. O redback já não tinha mais medo da katana de Yume. Se continuasse assim, Enba estaria perdido.

Não vou deixar isso acontecer.

Haruhiro também não ficou parado o tempo todo. Guardou a faca com guarda-mão, analisou a situação do combate, apagou sua presença com Stealth e subiu em uma árvore. Não conseguiu chegar diretamente acima do redback e de Enba. Mas aquilo bastaria. Se pulasse na direção das duas horas, poderia alcançar.

Ele se lançou. A ponta de seu estilete era afiada. Normalmente mal cortava qualquer coisa, mas, com força suficiente e no ângulo certo, podia até perfurar uma armadura de placas sólida.

O redback pareceu notar Haruhiro. Tentou olhar acima de sua cabeça. Foi nesse momento que ele atacou.

Haruhiro cravou seu estilete no topo da cabeça da criatura, um pouco à esquerda do centro. Não pensou no pouso, mas acabou se agarrando ao corpo dela.

Ngggggggggggnnnnnnnnngggggg! — O redback soltou um grito incoerente enquanto se debatia. Balançava os braços, acertando Haruhiro. Os impactos eram incríveis, mas ele não soltaria. Nem pensar.

Ele tinha sentido. O estilete de Haruhiro não apenas atravessou a pele dura do redback, mas também seu crânio. Talvez até tivesse atingido o cérebro. Segurando o cabo do estilete com ambas as mãos, ele colocou toda sua força.

Gu-aaaaaaaahhhh!

O redback, ou estava sentindo mais dor do que podia suportar, ou tentava derrubar Haruhiro, porque começou a rolar.

Haru-kun! — gritou Yume.

Haru! — Essa voz não era de Mary, era de Shuro Setora. Ele não tinha tempo de olhar, mas conseguia ouvir as vozes de seus companheiros.

Ainda não. Ele ainda conseguia aguentar.

Haruhiro apertou as pernas com força ao redor do corpo do redback. Não importava quanto os chifres peludos da criatura o espetassem, ou onde acertasse sua cabeça, ombros, costas ou quadris, ele continuou girando o estilete na cabeça da criatura. Ele ia parar aquela coisa. Ou pelo menos desacelerá-la. Se pudesse fazer isso, seria suficiente. E queria que aquilo acabasse o mais rápido possível.

Se não conseguisse, estariam em sérios apuros.


***


Vale dos Mil, delimitado ao leste pelas Montanhas Kuaron, ao norte pelas Montanhas Whiterock, a oeste pelo Deserto de Nehi, e ao sul pelos Planaltos de Nargia e pelas Montanhas Rinstorm, tinha 250 quilômetros de norte a sul e 450 quilômetros de leste a oeste.

Havia vários rios principais e suas incontáveis ramificações. Esses rios se cruzavam nessa região, criando uma complexa série de vales e colinas que obstruíam o caminho dos viajantes.

No centro, havia uma área onde a névoa persistia durante todo o ano, cobrindo cerca de 100 quilômetros em todas as direções. A visibilidade era extremamente baixa, como se a própria natureza proibisse os humanos de entrar.

De acordo com uma teoria, há muito tempo, quando os deuses travaram uma batalha tão feroz que a lua azul ficou vermelha, o terreno teria sido dilacerado. Dizem que a névoa foi trazida pela maldição de um deus derrotado, que restou apenas como uma cabeça decepada.

Para encontrar a rota mais curta até Altana, bastava seguir diretamente para o sul. Depois de cruzarem os Planaltos de Nargia ou as Montanhas Rinstorm, passarem pelo antigo domínio do Reino de Arabakia, atravessarem as Planícies Bordo, que ficavam entre as Montanhas Kurogane e Dioze, e os Pântanos Cinzentos, chegariam às Planícies dos Ventos Rápidos. A partir dali, seria bem mais fácil.

Se fossem mais 300 e poucos quilômetros ao sul-sudoeste, chegariam a Altana. Pelo menos, era assim que parecia no mapa que Shuro Setora disse ter visto.

Mas havia um problema.

Ou melhor, vários.

Primeiro, era um caminho muito longo. Longo demais.

Se vamos ter que nos preparar para uma jornada de 700 a 800 quilômetros na rota mais curta, reclamar não vai adiantar muito. A distância é o que é. Teremos que aceitar.

Mas não era só a distância. Outro problema era que o antigo domínio de Arabakia, do outro lado dos Planaltos de Nargia, estava dividido entre aqueles que detinham o poder na época da Aliança dos Reis do No-Life King. Havia muitas fortalezas e grandes cidades na região.

O Vale dos Mil podia ser território inimigo para humanos, mas ainda assim não era nada comparado a outros locais. Os orcs daquele lugar, em particular, capturavam humanos à vista e os matavam sem hesitar ou fazer perguntas.

Para Haruhiro e sua party, que não conheciam o terreno, seria praticamente suicídio atravessar a área tateando às cegas, tentando entender o caminho. Havia a opção de evitar os terrenos planos e seguir pelas montanhas, onde os orcs não viviam, mas eles não poderiam seguir pelas montanhas até o sul, e, é claro, atravessar montanhas também trazia seus próprios riscos.

A rota mais curta precisava ser descartada de imediato. Se estavam com pressa, teriam que fazer um desvio. Mesmo que fosse um percurso mais longo, escolheriam o mais seguro possível.

As Montanhas Whiterock, ao norte, não eram apenas uma cordilheira massiva. Com seus picos cobertos de neve prateada que jamais derretia, abrigavam a capital do antigo Reino de Ishmal.

Esse reino, junto com as fortalezas e cidades espalhadas ao redor, compunha o chamado Undead DC; o principal reduto dos mortos-vivos.

Aparentemente, Soma e sua party estavam tramando uma invasão ao Undead DC em algum momento, mas isso significava que, se Haruhiro e sua party tentassem se aproximar da área, não sairiam impunes. Além disso, era o caminho errado, então o norte estava fora de questão.

O Deserto de Nehi tinha sido originalmente território do Reino de Nananka. A primeira vista, parecia haver apenas pedras e areia até onde os olhos alcançavam, mas, na realidade, havia oásis espalhados aqui e ali. A maioria dos oásis possuía uma cidade habitada por orcs ou outras raças alinhadas ao No-Life King. Também havia histórias sobre uma tribo humana, os Zafah, que viveriam no deserto há séculos e talvez ainda existissem.

Para Haruhiro e os outros, que não conheciam o deserto, seria insano tentar atravessá-lo. Portanto, o oeste também estava fora. Restava apenas o leste.

No início, Haruhiro chegou a considerar ir para o nordeste, contornando as Montanhas Kuaron. No entanto, aquele caminho aparentemente levava ao antigo território do Reino de Ishmal, infestado de mortos-vivos. Além disso, os wyverns viviam no norte das Montanhas Kuaron.

Os wyverns aparentemente não se alimentavam de mortos-vivos, mas Haruhiro e sua party seriam um banquete tentador para eles. Ele tinha ouvido dizer que, no passado, no Reino de Ishmal, existiam técnicas para tornar os wyverns inofensivos e domesticá-los.

Mas, segundo Setora, esse conhecimento se perdeu com a queda de Ishmal. De qualquer forma, eles tinham acabado de passar por um sufoco lutando contra uma dessas criaturas. Não havia a menor chance de quererem se aproximar do território onde elas habitavam.

Então, discutiram entre si: “E agora, o que faremos?” Foi quando Kuro, dos Typhoon Rocks, apareceu e arrastou Tsuga, o sacerdote de cabelo raspado.

Ei, Bonzo Tsuga, vamos embora!

Oh, claro, — Disse Tsuga. — Até mais, pessoal.

A separação entre eles foi tão abrupta que ficaram tão atordoados que se esqueceram de pedir conselhos a Kuro, que parecia mais familiarizado com a geografia. Isso foi um erro.

Agora, não tinham ideia de onde os Rocks haviam ido ou o que estavam fazendo. Se fosse possível, Haruhiro teria preferido seguir com eles. Afinal, também eram membros dos Day Breakers. A atitude dos Rocks parecia fria e distante.

Mesmo assim, considerando os problemas que poderiam surgir, talvez tê-los por perto não fosse tão vantajoso.

Com uma prece para que a névoa dissipasse, Haruhiro e os outros partiram rumo ao leste. Não demorou muito para que fossem perseguidos por membros da Forgan de Jumbo. Sem saber o que fazer, fugiram de um lado para o outro.

Em meio à fuga, chegaram a um grande rio, mas não conseguiram atravessá-lo. Para despistar os perseguidores, esconderam-se em uma caverna no fundo de um vale. Lá, foram atacados por feras desconhecidas e contraíram doenças misteriosas.

A verdade é que muita coisa aconteceu.

No fim, parecia um milagre não terem cruzado espadas com os perseguidores em momento algum. Kuzaku e Yume haviam perdido suas armas, então foi uma sorte conseguirem evitar combates. Se não estivessem no Vale dos Mil, com sua névoa densa e terreno complicado, isso não teria sido possível.

Por outro lado, o terreno dificultava tanto que até Setora se perdia às vezes, e eles não conseguiam seguir na direção desejada. Mesmo com apenas cinco quilômetros em linha reta para o destino, eram obrigados a caminhar o dobro ou o triplo da distância. Isso acontecia o tempo todo.

Ainda assim, mesmo que tivessem escolhido um destino claro, não havia garantia de que conseguiriam chegar até lá. Haviam decidido ir para o leste, mas talvez não fosse possível. O Vale dos Mil era uma terra selvagem e indomada.

A party se separou de Tsuga e Kuro no dia 15 de junho. No início de julho, chegaram a um lugar aparentemente chamado de Monte das Katanas. Segundo Setora, ficava quase ao sul da aldeia oculta, a menos de cinquenta quilômetros de distância.

Isso significava que, após dezesseis dias, haviam percorrido menos de cinquenta quilômetros. Para piorar, pretendiam ir para o leste, mas terminaram no sul...

No entanto, não haviam parado ali por acaso. O Monte das Katanas era um antigo campo de batalha, com uma enorme quantidade de corpos e equipamentos espalhados por um planalto de cerca de trinta quilômetros quadrados. Eram guerreiros que morreram antes da maldição do No-Life King começar a afetar a região, então seus corpos não se moviam.

Seja os cadáveres, seja o equipamento, quase tudo estava em estado avançado de deterioração.

Os habitantes da aldeia oculta evitavam o lugar, mas Haruhiro e sua party acharam que poderiam encontrar armas ainda utilizáveis ali. Além disso, o Monte das Katanas parecia ser um ponto de onde seria relativamente mais fácil seguir para o leste, oeste ou sul.

Era um lugar assustador de se olhar. Havia uma quantidade absurda de ossos entrelaçados por toda parte. Espadas, lanças e outras armas fincadas no chão pareciam marcar os túmulos dos guerreiros. A névoa ficou menos densa, e uma brisa úmida soprou.

Algo se mexeu ali? Haruhiro pensou, apertando os olhos para ver melhor. Mas era apenas um crânio pendurado em uma lança.

Era impossível caminhar sem pisar nos ossos.

Havia de tudo: katanas, espadas de dois gumes, lanças, machados, escudos e armaduras. No entanto, quase tudo estava enferrujado ou em péssimo estado, e muitos itens se desfaziam ao simples toque.

Não estava claro se era pela qualidade, pura coincidência ou algum outro fator, mas, em raríssimas ocasiões, havia equipamentos que, apesar de estarem sujos, não tinham se degradado. Se as katanas, que eram muito mais numerosas, fossem usadas como referência, isso ocorria em uma a cada cem... não, em uma a cada poucas centenas.

Explorando o Monte das Katanas, Haruhiro e a party encontraram uma grande e robusta katana, uma katana grossa e um pouco curta, e um grande escudo pesado. Ou melhor, eles as desenterraram da montanha de ossos.

Naturalmente, seria necessário afiá-las e repará-las. Isso deu um certo trabalho, mas colocar Kuzaku e Yume de volta em condições de lutar era algo importante.

Eles nunca esperaram que perderiam algo em troca. Nem mesmo Setora parecia ter previsto isso, então não havia o que fazer.

Ao longe, ouviu-se um grito agudo: “Gyahh!”

Era um nyaa. Eles souberam imediatamente.

Setora tinha criado centenas de nyaas na aldeia. Desses, ela havia enviado cerca de oitenta para o confronto com a Forgan, sacrificando pouco mais de dez ali, com outros dez ou mais desistindo durante a fuga após a batalha. Ainda assim, havia mais de cinquenta nyaas espalhados pela área, atuando como os olhos e ouvidos de Setora.

O nyaa cinzento chamado Kiichi era praticamente o único que aparecia com frequência diante de Haruhiro e dos outros, e eles nunca sabiam se os demais estavam por perto ou não.

De vez em quando, um nyaa soltava um grito, e Setora acenava com a cabeça. Quando isso acontecia, Haruhiro pensava: Oh, então eles realmente estão aqui.

Mesmo que ela não os alimentasse, os nyaas caçavam e coletavam comida por conta própria, continuando a servir sua mestra. Eles tinham sido treinados para serem mais leais do que cães, mas ainda mantinham um forte senso de independência, além de serem adoráveis.

A caminho do Monte das Katanas, os nyaas haviam reunido comida para eles. Não era exagero dizer que os nyaas eram a linha de vida da party. Sem eles, provavelmente teriam morrido de fome.

Agora, esses nyaas estavam em perigo. Naturalmente, isso significava que Haruhiro e os outros também não estavam seguros.

Quando Setora estalou a língua, uma resposta aguda de um nyaa veio da névoa.

Tch, tch, tch!

Com essa breve troca, Setora pareceu entender algo.

Vamos nos mexer, Haru. Rápido. Vou ordenar que os nyaas se dispersem e fujam. Por enquanto, não poderemos contar com o apoio deles. Agora!

Certo. — Haruhiro assentiu, e Setora soltou um som sibilante e agudo.

Shh, shh, shh!

Ela provavelmente deu uma ordem aos nyaas. Parecia que algo inesperado tinha acontecido. Pelo jeito que Setora agia, ele entendeu que era algo razoavelmente sério.

Mas, ao refletir sobre isso depois, Haruhiro percebeu que havia sido ingênuo.

Haruhiro e os outros deixaram imediatamente o Monte das Katanas e seguiram para o leste.

Agindo rápido, conseguiram minimizar as perdas, então pensaram que dariam um jeito de continuar.

Ou pelo menos foi o que ele pensou na hora.

Que tolo.


***


Finalmente, parou de se mexer.

É claro que parou. Provavelmente nem estava mais respirando. Muito provavelmente, estava morto.

Haruhiro estava agarrado às costas do redback caído. Seu estilete ainda estava cravado até o cabo no crânio da criatura.

Era incrivelmente pesado. Metade... não, dois terços do corpo de Haruhiro estavam presos sob ela. Além disso, os chifres peludos da criatura o estavam perfurando, causando uma dor intensa que tornava a situação insuportável.

Falando em dor, ele sentia o corpo todo latejar, a ponto de suspeitar que havia menos partes que não doíam do que as que doíam. Ele tinha realmente levado uma surra. Tinha sido jogado contra o chão e contra árvores também. Estava sangrando. Talvez tivesse quebrado um ou dois ossos.

Aguenta... — murmurou.

Estou impressionado por ainda estar vivo.

Ele quase sentiu uma onda de alívio, mas...

Não, não, não, espera, espera, espera, ainda não, ainda não, ele se alertou.

O redback. Será que essa coisa estava realmente morta? Com a mão ainda segurando o cabo do estilete, ele sentiu o pescoço da criatura. Estava tentando encontrar um pulso, mas não sabia direito como fazer isso. Na verdade, não fazia ideia. Para começar, era possível verificar o pulso de um guorella da mesma forma que o de um humano? Ele tinha aquela pele escamosa também. Parecia que talvez não fosse possível. O corpo todo da criatura estava relaxado, com certeza. E era absurdamente pesado. Viva ou morta, ela pesava muito mais que um humano, então o peso não era um indicador confiável.

Oh, claro. É óbvio que parecia pesada.

Está pesada. Não consigo respirar. Isso dói. Ah, não...

Haru! — Mary gritou. — Pessoal, ajudem ele!

Sua salvadora chegou. Com um grunhido, Kuzaku levantou o redback, e nesse espaço que se abriu, Yume puxou Haruhiro debaixo da criatura.

Miau! — exclamou Yume.

Mary estava agachada ao lado dele, com uma expressão incrédula no rosto. Parecia prestes a dizer algo como “Por favor!” ou “De novo?!”

Ela estava brava, talvez? Ele queria se defender. Não tinha feito nada muito imprudente. Achou que conseguiria resolver. Havia uma necessidade de acabar com aquilo rapidamente, também.

...Desculpa. Haruhiro pediu desculpas em pensamento. Por enquanto, ficaria quieto.

Mary fez o sinal do hexagrama sobre a testa.

Ó Luz, que a proteção divina de Lumiaris esteja sobre você! Sacrament!

Shihoru se agarrava ao seu cajado, olhando ao redor com inquietação. Setora estava fazendo Enba executar alguma tarefa para ela, e parecia irritada.

A luz os envolveu. Era ofuscante. Haruhiro fechou os olhos.


***


Pouco depois de seguirem para o leste, saindo do Monte das Katanas, descobriram que foram os guorellas que mataram o nyaa de Setora.

Que péssima sorte — disse Setora, com um tom de desagrado. — De todas as coisas, tivemos que ser alvos de um bando de guorellas. Eles podem ser incrivelmente persistentes. Não vão desistir de nós tão fácil.

Setora fez todos os outros nyaas fugirem, mas manteve Kiichi por perto. Ela dizia que Kiichi era o mais esperto, leal, cuidadoso e capaz de todos os seus nyaas. Ele também era respeitado pelos outros.

Assim que as coisas se acalmassem, ela mandaria Kiichi procurar pelos outros nyaas. Mas logo chegaram à conclusão de que as coisas dificilmente se acalmariam.

No dia seguinte à saída do Monte das Katanas, viram um guorella pela primeira vez, à distância. Era pequeno, e não conseguiam ver chifres peludos nele, o que aparentemente significava que era uma fêmea. Ela estava olhando na direção deles. Em outras palavras, tinham sido encontrados.

A fêmea começou a fazer sons explosivos: “Po, po, po, po, po, po, po.” Mesmo sem conhecer a ecologia dos guorellas, não era difícil adivinhar que aquilo era um alerta, ou um relatório, ou algum tipo de sinal.

Se um certo pedaço de lixo estivesse por perto, talvez tivesse sugerido interceptar e atacar. No entanto, aquele sujeito não era mais seu companheiro, e, segundo Setora, bandos de guorellas normalmente consistiam em cerca de vinte membros.

Havia apenas um dos assustadores redbacks por bando, mas as fêmeas ainda eram muito mais fortes que um humano, e os jovens machos eram travessos e agressivos.

Sempre que os habitantes da aldeia oculta eram forçados a expulsar um bando de guorellas, uma equipe composta por dezenas de samurais de elite, necromantes e espiões onmitsu era enviada para a tarefa.

Haruhiro e a party fugiram às pressas. Continuaram caminhando mesmo depois que anoiteceu e, pouco antes do amanhecer, quando acharam que era seguro parar e descansar, foram emboscados por um grupo de jovens guorellas machos.

Conseguiram matar um, mas os outros fugiram. Mesmo assim, era seguro assumir que ainda havia guorellas de olho neles. Isso significava que, mesmo que lutassem, não conseguiriam vencer. Suas opções eram correr ou se esconder.

Haruhiro não queria lembrar como tinham sido os dias que se seguiram.

Era doloroso demais.


***


Haruhiro abriu os olhos. Mary estava olhando para ele. Não, talvez não fosse bem olhando—sua expressão era assustadora.

Ele pensou: Provavelmente vou levar outra bronca.

Parecia que Mary ia dizer algo, e Haruhiro se preparou para isso.

Se terminou, saia do caminho. — Setora empurrou Mary para o lado.

Ah! — Mary quase caiu.

Como Setora podia fazer isso? Dessa vez, ele tinha motivo para reclamar. Mesmo que não tivesse sido com ele, aquilo o deixou irritado. Mary devia estar ainda mais furiosa.

Apesar disso, Mary abaixou o olhar, respirou fundo e, por alguma razão, disse: — Me desculpe — para Setora.

Contanto que entenda. — Setora se agachou bem na frente de Haruhiro. Com um ar de superioridade.

Sim, era típico dela. Setora sempre tinha essa atitude arrogante. Agia como se ele lhe devesse algo, falava de forma cortante e não tinha quase nenhuma compaixão ou consideração pelos outros.

Haruhiro estava prestes a dar uma resposta atravessada, mas Setora estendeu as mãos e segurou a parte de trás da cabeça dele.

Você está bem?

...Sim. Hm... Quer dizer, a Mary me curou. Estou sem ferimentos.

Mesmo que seus ferimentos tenham desaparecido, isso não significa que você voltou ao que era antes deles. — Setora inclinou levemente a cabeça para o lado.

Ela está meio perto. Muito perto. O rosto dela está a menos de quinze centímetros. Doze, treze talvez. Isso não é perto demais?

Se ele desviasse o olhar, não dava para saber o que ela poderia fazer. Mas olhar diretamente para ela a essa distância era... constrangedor.

De qualquer forma, os olhos dela eram muito grandes. Os olhos de Setora. Era um pouco tarde para notar, mas eram tão grandes que pareciam que iam saltar para fora. Ela também tinha olheiras. Seria por cansaço? Parecia que essas olheiras já estavam lá desde o início.

Huh? Ela se parece com alguém.

Quem seria?

Haru. — Seus lábios atrevidos se moveram, pronunciando o nome dele.

Ele não tinha perguntado diretamente, mas Setora provavelmente tinha a mesma idade que Haruhiro, talvez um pouco mais nova. Porém, desde que se conheceram, ela agia como se fosse mais velha.

Setora era assim com todos. Sua postura autoritária parecia estar enraizada nela.

...O-O quê?

Você é meu amante.

Mary tossiu.

Haruhiro quase olhou na direção dela, mas isso poderia irritar Setora, então se conteve. Não, espera! Ele não era amante dela; apenas estava fingindo até que Setora se cansasse disso.

Ele devia isso a Setora. Ela tinha ajudado. Haviam concordado que Haruhiro deixaria que ela removesse seu olho esquerdo e o levasse. Ele tinha aceitado isso. Também não tinha escolha além de fingir ser seu amante.

Se Setora perguntasse: “Você é meu amante, não é?” Haruhiro não teria outra opção a não ser responder: “Sim, exatamente.” No entanto, se fosse para responder se ele realmente era seu amante, a resposta seria um não categórico.

Era só uma atuação, como uma brincadeira de criança. Será que Setora entendia isso? Com certeza, sim.

Você vai agir como se fosse meu amante.

Foi isso que ela exigiu de Haruhiro. Eles tinham acabado de se conhecer, então seria totalmente inacreditável, mas, se ela tivesse sentido algo mais do que curiosidade em relação a Haruhiro, algo semelhante a sentimentos românticos, então as palavras: “seja meu amante” teriam sido suficientes.

Ou seja, aquilo era só uma forma dela brincar com ele.

Haru — disse Setora. — Estou preocupada com você.

Mesmo ela dizendo isso com a maior seriedade, Haruhiro teve dificuldade em responder.

...O-Obrigado...? — conseguiu dizer, com muito esforço.

Setora riu e bagunçou o cabelo dele com as duas mãos.

Você é realmente um homem estranho, sabia? Mas é isso que eu gosto em você.

E-Eu... Entendi.

Sim. Eu não suportaria se você morresse.

Naquele momento, ele teve uma vontade enorme de provocá-la. Ah, qual é, do que você está falando, Setora-san? Quase disse isso. Mas, se dissesse, provavelmente levaria um tapa. Então, não disse. Nem podia.

...É, eu também não quero morrer, sabe?

Você confia nos seus companheiros e age com alguma chance de vitória — disse Setora. — É isso que você quer dizer, não é?

Bem, é...

Mas, aos meus olhos, pareceu apenas uma aposta perigosa. Você não valoriza a si mesmo o suficiente. Por isso consegue se colocar em risco tão facilmente. Essa é a sua força, mas também sua fraqueza. Você entende isso?

Ele entendia muito bem, na verdade. Shihoru e Mary já haviam apontado isso também. Mas nunca imaginou que Setora, de todas as pessoas, diria algo assim.

Honestamente, era inesperado. Inesperado que ela fosse tão gentil e pensasse no que era melhor para ele.

Se você morresse... — Setora olhou para Mary, Shihoru, Yume e Kuzaku. — O que aconteceria com essa equipe? Eles podem ser úteis até certo ponto e bons em algumas coisas, mas, no fundo, são bem pouco confiáveis. Não conseguem se virar sem você.

Bem... — murmurou Kuzaku. — Ela meio que tem razão. Sério.

Se o Haru-kun não estivesse aqui, hein... — Yume murmurou.

Não quero nem imaginar isso... — concordou Shihoru.

Mary permaneceu em silêncio, mas o que será que ela pensava?

Setora ergueu uma sobrancelha, claramente exasperada.

Vejam só como são patéticos — disse ela, com um suspiro. — Estão completamente dependentes de você. Se você está pensando no que é melhor para eles, você é a única pessoa que não pode morrer. Se alguém deve ser sacrificado, você deveria ser o último da fila.

Eu não consigo fazer isso — ele respondeu imediatamente, sem pensar. — Em vez de morrer e deixar que eles sejam aniquilados, o certo é continuar vivo e, como líder, garantir que ninguém morra. É isso que você está tentando me dizer. Eu sei disso na teoria, mas, quando me vejo naquela situação, provavelmente vou colocar a vida de todos os outros antes da minha.

Mesmo que isso esteja errado?

Eu quero tomar as decisões certas, tanto quanto possível. Mas só consigo viver como eu mesmo. Não posso me transformar em outra pessoa. Posso dizer aos meus companheiros: “Esse sou eu, mas ainda quero que confiem em mim, se puderem.” Mas fingir ser alguém que não sou para ganhar a confiança deles? Isso não parece injusto? Afinal, estamos confiando nossas vidas uns aos outros, que são mais importantes do que qualquer coisa. Não quero mentir para meus companheiros. Eu não consigo.

Estou com inveja — disse Setora.

Whuh?

Quero roubá-lo para mim agora mesmo.

O quê...?

Foi um ataque surpresa. Setora puxou Haruhiro de repente para perto dela.

Felizmente, ou infelizmente, foi na testa. Setora pressionou os lábios contra a testa de Haruhiro, emitindo um som característico de beijo. Seus lábios eram frios, mas macios.

Mary tossiu novamente.

Será que ela está resfriada? Haruhiro se perguntou. Espere, Setora-san! O que está fazendo? Todo mundo está olhando, sabia...

Haruhiro pode não estar em posição de recusar, mas, pelo menos, não queria que seus companheiros vissem aquilo. Dizer para ela fazer isso quando estivessem sozinhos parecia errado também. Poderia causar mal-entendidos, talvez? Era isso que o incomodava?

Em algum lugar, Kiichi, o nyaa, miou.

Faremos o resto depois — Setora disse, empurrando Haruhiro gentilmente e se levantando.

O que ela queria dizer com “o resto”? Ele não queria saber, mas, se ela insistisse, ele não teria escolha a não ser aceitar... certo?

Haruhiro se levantou e olhou ao redor. Se os guorellas não os estivessem perseguindo, o que poderia ter acontecido?

Eles continuaram correndo, e os guorellas seguiram incansavelmente Haruhiro e a party. Após horas, talvez metade de um dia, sem sentirem a presença deles, quando finalmente Haruhiro achava que estava tudo bem, os guorellas os emboscavam ou gritavam para assustá-los.

Não eram apenas teimosos. As fêmeas eram comparativamente mais cautelosas e não atacavam com facilidade. Os que continuavam avançando contra eles eram os jovens machos, cheios de vigor. As fêmeas primeiro chamavam os outros, e eles só haviam visto o redback algumas vezes antes disso.

...Miau? — Yume inclinou a cabeça para o lado.

Por quê...? — sussurrou Shihoru.

Huh? — Kuzaku, com o escudo preso nas costas e apenas sua grande katana em mãos, perguntou. — O que foi?

Mary levou um dedo aos lábios enquanto olhava para o redback morto.

O redback...

Ah! — Haruhiro arregalou os olhos. Era isso. O redback. — Esse cara não era o líder do bando?

Ele deveria ser, mas... — Setora calou-se.

To, to, to, to, to, to, to, to, to, to to, to, to to, to, to to, to, to...

Esse som. Haruhiro já o ouvira várias vezes.

Isso é... Uma batida de tambor?

Os guorellas batiam no peito com ambas as mãos, como se estivessem tocando tambores. Era um comportamento observado apenas nos machos. Acreditava-se que faziam isso para intimidar e, quando começava a batucada entre dois machos, uma luta estava prestes a acontecer. No entanto, os jovens machos do bando normalmente eram controlados pelo redback, por isso não faziam isso com frequência. Normalmente, só o redback batucava.

Era isso que Setora havia explicado antes. Mas o redback estava ali, morto.

Ficar pensando nisso não vai nos levar a lugar algum. — Setora deu um tapa nas costas de Haruhiro, depois rapidamente pulou nos ombros de Enba. — Eu disse, eles podem ser bizarramente persistentes. Vamos, Enba.




Tradução: ParupiroH
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