Capítulo 87

— Chefe, terminamos de reunir todas as tábuas.
— Chefe... eles estavam falando com o Douglas?
— Não, eles não estavam. Se fofocas se espalhassem tão lentamente até os confins dessa prisão, ela seria inabitável. Eu era o chefe. Eu, Kururi Helan. 
A sensação era quase a de estarmos vivendo em algum recinto do zoológico. Depois que mandei o antigo chefe voando para fora, tendo-o espancado até um ponto bem além da recuperação, seus seguidores tiveram uma mudança repentina e adotaram uma atitude bem mais agradável. Eles seguiam obedientemente as minhas ordens. Eu estava mais do que certo que cada um deles tinha feito algo que justificava seu encarceramento aqui, então não tive o menor escrúpulo em fazer o máximo de uso possível deles.
— Tudo terminado, então? Ótimo, tragam todas elas para a cela número 136.
— Entendi!
— Chefe! — Outro prisioneiro apareceu.
— O que foi?
— Temos camas, prateleiras e livros também. Deveríamos levar todos estes para lá?
— Bem lembrado. Leve todos eles para a cela 136. Ah, e o sofá também.
“Então eles tinham livros também, hein? Certamente a minha vida na prisão estava prestes a melhorar. Eles até tinham uma cama! Dependendo de quão macia ela for, eu posso até parar de chamar esse lugar de prisão!”
— O que iremos fazer quanto aquele bastardo fedorento do Doulas?
— Trate os ferimentos dele. Irei decidir o que fazer dependendo da atitude que ele tiver depois disso.
Esse foi o mesmo bastardo que aceitou suborno para me espancar na cadeia. Perdoá-lo de imediato estava obviamente fora de questão, mas ele ainda sabia de muitas coisas e usá-lo de maneira apropriada era a melhor opção. Construir uma conexão com os carcereiros — que provavelmente estavam sendo pagos pela família Dartanel —, era especialmente importante.
Uma vez que movemos tudo o que pudesse ser levado para a cela 136, começaríamos a construir as paredes. Nós tínhamos um ex-carpinteiro em nosso meio, então eu poderia deixar esse trabalho em suas mãos. Ele certamente não parecia uma pessoa amigável, mas sua habilidade era inquestionável e, enquanto isso, eu cuidaria do layout da sala. A cama seria colocada ao lado da janela e o sofá em algum lugar no meio. As prateleiras ficariam na parte de atrás, onde seriam mais discretas.
“Sim, isso deve ser bem feito. Eu também gostaria de algumas flores no parapeito da janela!”
— Chefe, está quase na hora do almoço. Coma primeiro, por favor.
— A partir de hoje, eu sou o Chefe e por isso estaremos mudando algumas regras. Certifique-se de que todos recebam uma parte igual dos alimentos e também iremos dividir os trabalhos aqui.
— Tem certeza? Você é o chefe, não nos incomodaremos caso você queira comer tanto quanto quiser...
— Estou dizendo que está tudo bem. A partir de hoje estaremos dividindo de maneira uniforme e punindo quem quebrar essa regra. Dê-lhes uma boa surra.
— Entendido. Vou contar para todo mundo!
Não era como se eu tivesse qualquer intenção de monopolizar toda a comida então inventei essa regra sem pensar muito. Isso aparentemente foi uma inovação revolucionária para essa prisão, de modo que, vários prisioneiros vieram um após o outro apenas para demonstrar sua gratidão. Apesar de todo o seu agradecimento, a maneira como nenhum deles me olhava nos olhos dava uma incômoda sensação. Aprendi assim que o chefe era uma figura para ser tanto reverenciada quanto temida. Eu realmente consegui adquirir um título bastante impressionante, não consegui? Embora meu único crime foi querer a qualquer custo um pouco de privacidade na minha cela...
As coisas estavam muito mais confortáveis agora. Eu tinha uma cama, um sofá, lia meus livros enquanto o dia estava claro e fazia alguns serviços quando anoitecia. A comida que tínhamos era bem mais ou menos, tanto em qualidade quanto em quantidade, mas como eu não era muito exigente com a comida foi o suficiente para me saciar. Considerando tudo, eu até que estava bem satisfeito. Tinha comida, livros mais do que suficientes para ler e nada contra o pôr do sol.
“Hã? Espere, eu não estava simplesmente tendo uma vida tranquila aqui?”
— Então, o que vocês normalmente fazem por aqui?
— Só posso falar por mim mesmo, mas passo a maior parte do meu tempo amolando os novatos. Desde que você se tornou o chefe, Kururi, não tenho recebido muitas ordens, então tenho tido muito tempo de sobra.
— E quanto aos outros prisioneiros?
— Até hoje, eles eram obrigados a fazer o trabalho que ninguém mais queria. Mas agora que todo mundo está se ajudando, eles estão bem entediados.
“É verdade que o tédio retiraria seu único propósito na vida... Se ao menos houvesse algo que valesse a pena fazer aqui na cadeia…”
— Tudo bem então, amanhã vamos começar algo novo. Eu já estou entediado de passar o dia lendo.
— Oh! O que o senhor tem em mente?
— Encontrei algumas pás e picaretas. Para o que vocês estavam utilizando elas?
— Bem, quando nós ainda tínhamos um carcereiro, nós as usávamos para cavar as paredes. Sabe, para expandir esse maldito buraco. Hoje em dia elas só servem como armas.
— Beleza, vamos voltar a usá-las de novo a partir de amanhã. Para não sobrecarregar o pessoal, apenas algumas horas por dia será o suficiente.
— Entendido, mas chefe, para que estaremos fazendo isso? Para ser bem sincero, não vejo razões…
— Dói-me ter que dizer isso, mas… não, vou ser bem franco! Vocês estão estagnados  aqui! Não estou dizendo isso por mal, mas vocês irão começar a apodrecer neste lugar! As pessoas precisam trabalhar, comer e dormir, e uma vez que elas consigam reduzir o tempo desse ciclo, elas podem começar a dedicar suas vidas em algo mais satisfatório. O olhar assustador de vocês me incomoda, mas, mais do que isso, a falta de vitalidade nele é ainda pior! Eu quero fazer com que todos aqui possam viver de maneira apropriada e reabilitá-los!
— Cer-certo…
No dia seguinte, todos os prisioneiros foram reunidos. Eu os fiz contarem quantas pessoas tínhamos e eles produziram o enorme número de 369 presidiários. Salvo aqueles que não podiam trabalhar, fiz com que todos cavassem às paredes.
— Este é um pedaço de terra seco e estéril. Normalmente se pensaria que não há sentido em tentar cultivá-lo, mas não saberemos disso até que tentemos. Por enquanto iremos apenas escavar as paredes para ganharmos um espaço maior e, quem sabe, talvez encontremos alguma outra coisa. No entanto existe algo muito mais importante: A feição de vocês parece morta. Deem duro e provem dos frutos de seu próprio trabalho!
Um dos prisioneiros levantou a mão.
— Fale, eu permito!
— Chefe, estamos muito agradecidos por você ter dividido a comida entre nós, mas se tivermos que fazer trabalho pesado, o que temos não será suficiente.
— Não se preocupe, irei falar com os carcereiros.
Uma chuva de aplausos explodiu entre eles. Todos ficaram encantados conversando e discutindo como o atual chefe estava disposto a persuadir com os carcereiros.
Desse modo,  o trabalho de desenvolvimento da prisão teve início. Ao meu redor, eu podia ouvir as vozes vibrantes e animadas dos presos ecoando. Sim, agora, finalmente senti como se tivesse encontrado seres humanos verdadeiramente vivos.
— Chefe! Doulas está aqui!
— É isso mesmo? Deixe-o passar.
Os prisioneiros estavam dizendo que Doulas estava pronto para jurar lealdade ao novo chefe. Se isso fosse verdade, então eu estava pronto para fazê-lo trabalhar com toda sua sinceridade.
— Chefe, por favor, perdoe minhas ações de antes. Eu era burro e jovem.
— Vamos esquecer sobre isso por enquanto, pois temos que nos concentrar em questões mais importantes. Você tem algum método para se comunicar com o mundo exterior, certo? Parece que você tinha até mesmo pessoas trazendo materiais e mercadorias para a prisão.
— Exatamente. Na mesma noite em que a comida é entregue aqui, um dos carcereiros subornados trazia os itens solicitados até aqui. Suprimentos e contato com o exterior são feitos através deles.
— E quando isso deverá acontecer?
— Certo, será hoje à noite.
Ótimo, isso vem em boa hora. Aquele carcereiro estava manchado com sua própria injustiça, portanto qualquer punição que os Céus tivessem lhe reservado, poderia esperar. Por enquanto, eu apenas o colocarei em bom uso.
Assim que os prisioneiros caíram no sono causado pela completa exaustão das atividades do dia, um único homem desceu pelo elevador. Tratava-se do carcereiro que foi subornado e, como de costume, ele se dirigiu até a cela onde o Doulas deveria estar aguardando. Foi então que ele descobriu pela primeira vez a situação atual da prisão. Percebeu que a única estrutura que deveria estar bem construída e mobiliada, agora nada mais era do que um barraco surrado.
— O que diabos aconteceu aqui!?
O criminoso que veio recebê-lo era aquele com a pior aparência entre todos eles.
— O chefe foi substituído por mim a partir de agora. Entregue o que foi prometido.
— Ah, então foi isso que aconteceu. Aqui está, doces, livros, e um pouco de bebida…
Ele se certificou de que tudo estava presente e as contabilizou.
— O Chefe pode ter mudado, mas vamos continuar nosso acordo com a família Dartanel. Deixo o resto com você.
— Claro, isso facilita as coisas para mim também. Voltando aos negócios, você cuidou do que pedi? O que o novato está fazendo?
— Foi tudo de acordo com o planejado, obviamente. Nós pisamos nele de uma forma que você nem imaginaria.
— Mesmo? Isso serve como relatório, então. Eu gostaria de dar uma olhada nas evidências, no entanto.
— Bem, não posso dizer que me importo… mas tem certeza de que quer ver? Tem mesmo?
— …Não, acho que vou ficar longe disso. Contanto que o trabalho tenha sido feito, não importa.
Foi quando o nosso dublê deu um longo suspiro, propositadamente, quase de maneira exagerada
— A propósito, sobre a recompensa... há algo que não estou satisfeito.
— O que foi? Estou entregando exatamente o que foi pedido, não estou?
— Precisamos de mais comida aqui! Muito mais!
— Isso me coloca numa situação complicada. Não tenho como responder até perguntar a família Dartanel.
— Não invente desculpas! Basta trazer mais comida aqui, toneladas de comida! Se você não fizer isso, nós vamos parar com o batismo de nosso nobrezinho!
— Não foi esse o acordo que fizemos! O combinado era que estaria tudo bem contanto que o chefe pudesse provar de todos os privilégios, não era? O que você está planejando fazer com tanta comida?
— Comer é claro! Ouça, da próxima vez, você nos trará comida, muita comida. Você vai negociar com a família Dartanel e se eu não ver resultado, nosso acordo acaba. Você entendeu isso? Traga toda a comida aqui duas vezes por semana!
— Já entendi! Vou tentar falar sobre isso, tá certo? Contanto que você cuide desse nobre, eu provavelmente poderei encontrar uma maneira de fazer os arranjos. 
O carcereiro tomou o caminho de volta. O prisioneiro mal-encarado conseguiu mudar os termos do acordo através de muitas ameaças. Obtendo êxito em sua missão, correu até o local onde eu me escondia.
— Chefe, você acha que me saí bem!?
— Sim, você foi excelente. Acha que ele nos dará comida o bastante? Eu quero que todo mundo volte a ficar enérgico ​​quando voltarem ao trabalho amanhã. 
Se eu tivesse que olhar para os resultados, diria que as negociações correram satisfatoriamente. O acordo era "cuidar" do novato, por isso, contanto que essa parte da barganha fosse mantida, as negociações continuariam como estavam.
Por "cuidar do novato", era claro que significava amaciar a minha carne de maneira rotineira e enviar qualquer tipo de relatório crível deveria ser suficiente.
Uma vez que distribuímos uniformemente a comida recém-obtida, o trabalho da parte interna da prisão melhorou de forma estonteante.
Uma semana de trabalho duro se passou e um brilho de vida cobria o rosto da maioria dos prisioneiros. Eu estava certo, as pessoas precisavam de disciplina e um objetivo de vida claro para que pudessem viver plenamente. Graças a tudo isso, os dias em que fui regado com ainda mais gratidão vieram. Agora eles eram até mesmo capazes de me olhar nos olhos.
“De alguma forma, parece que esta é a primeira vez na minha vida que estou verdadeiramente vivo”, eu recebi esse tipo de relato inúmeras vezes. Ouvir sobre a prosperidade das pessoas era algo maravilhoso.
— Chefe, o velho ressecado quer falar com o senhor.
— E quem é esse “Velho Ressecado”?
— É o membro mais velho desta prisão. Ele diz ter algo importante para dizer, chefe.
— Tudo bem, deixe-o passar.
O velho que entrou na cela lembrava de fato uma árvore fina e murcha. Ele não conseguia comida o bastante? Apesar de tudo, sua coluna e postura eram surpreendentemente rígidas e eretas.
“Então esse era o preso mais velho... eu tinha que admitir, ele tinha uma espécie de presença digna.”
— Quero expressar minha gratidão, Chefe. — Essas foram às primeiras palavras que dirigiu a mim com sua voz rouca.
— Não fiz muito para merecer gratidão. A única coisa que eu queria era viver de uma maneira mais confortável.
— Entendo, no entanto, ainda sou grato. A maioria das pessoas aqui, inclusive eu, é apenas uma escória irrecuperável. Desejo expressar minha gratidão por pegar esses restos de lixo e dar-lhes um propósito. Por torná-los humanos.
— Se for esse o caso, aceito de bom grado essa gratidão, mas vamos ao ponto. Você tem algo que precisa, certo?
— Sim, precisamente. Eu queria pagar minha dívida com o novo chefe e não sei o quão útil posso realmente ser, mas há uma coisa estranha que gostaria de relatar. As paredes da minha cela, a número 002, estão um pouco úmidas. Sempre fiquei quieto sobre isso, mas não posso deixar de pensar que aquele pedaço de terra é um pouco diferente do restante da prisão.

— Bem, isso certamente aumenta meu interesse. A cela 002 está na ala oeste, não é? Nós podemos achar algo interessante com isso...
Prestando atenção ao que o velho... não, ao que o ancião  tinha a dizer, parecia valer a pena. Eu senti como se tivesse tropeçado em uma excelente história. 
O dia seguinte chegou e mal pude controlar a minha ansiedade em escavar na ala oeste da prisão. Assim como o ancião dissera, quanto mais cavávamos, mais inadequada a terra se tornava nesse ambiente seco. A terra tornou-se mais úmida e mole com o passar do tempo. À luz dessa nova descoberta, a disposição dos prisioneiros para prosseguir os trabalhos foi grandemente estimulada. Mesmo depois que as horas escavando haviam passado, ainda tinha dezenas de pessoas cavando o local. Estabeleci a regra de que todos os que trabalhariam amanhã não continuassem e somente aqueles que realmente queriam continuaram cavando. 
Então o dia seguinte chegou. A transformação foi bem repentina. Enquanto eu segurava uma picareta nas duas mãos e a levantava contra a parede, alguém próximo a mim soltou um grito.
— Oooh!
— O que aconteceu!?
— Eu estava apenas focando neste ponto especialmente úmido e–AAAAAAAH!
Por um momento, fomos todos abalados pela sensação do chão tremendo sob nossos pés. Não muito tempo depois, um grande barulho começou e um jato intenso de água fervente explodiu das paredes.
— CORRRRRAAAAAAAAMMMMM!
— SIM, SENHOR! 
Quando as coisas finalmente se acalmaram, já era meio dia. O carcereiro espiou de cima para baixo, e os próprios prisioneiros captaram a visão enquanto eles cercavam o fenômeno à distância.
— É UMA FONTE TERMAL!
Esta foi uma reviravolta curiosa do destino. Nós cavamos em uma fonte termal dentro da prisão. Certamente parecia que eu tinha sido abençoado com uma sorte absurda.
— Bem, deixar tudo sair é um enorme desperdício. Vamos começar a manutenção a partir de amanhã!
Todos estavam transbordando de ansiedade e excitação. Abriram um buraco, espalharam pedras e encheram-no com a água fervente que jorrava. Dentro desse pesadelo infernal conhecido como Prisão de Kudan, criamos uma fonte termal.
Eu não tinha certeza de como colocá-lo, mas isso já estava muito além do simples conforto. Algumas dessas pessoas não tiveram a chance de tomar banho em anos, outras em décadas. Cada um deles tinha o rosto de alguém que havia sido trazido de volta da beira da morte. De alguma forma, comecei a sentir como se vir para cá não fosse tão ruim assim. Todos tinham uma expressão poderosa e radiante em seus olhos.
A fonte termal em si não era tão espaçosa, por isso fizemos um revezamento. Quando chegou a minha vez, entrei na fonte quente acompanhado pelo Velho Ressecado.
— Desde que você se tornou o Chefe, nada além de coisas boas aconteceram.
— Você acha? Penso que temos mais é que lhe agradecer pela fonte térmica.
— Ah não, tem que ser você. Demorou trinta até que eu descobrisse este paraíso, enquanto para ti só levou um dia. Ah, eu sinto como se tivesse sido revivido...
Eu me senti da mesma maneira. Quando cheguei aqui pela primeira vez, passei o meu tempo pensando sobre como as coisas acabariam. Agora, essa preocupação estava longe da minha cabeça.
— O que você fez para ser jogado aqui? Eu realmente não consigo te ver como alguém que mereça ter vindo para a cadeia, Chefe.
— Bem, é uma longa história. Ah, certo. Esqueci de algo importante.
“Por que eu tinha sido jogado aqui? Bem, havia uma razão para isso. Por outro lado, um certo grupo de pessoas deveria estar aqui comigo, não era?”

Eu transmiti a informação para os prisioneiros e disse-lhes para trazerem o “Zeni Geba”, Saishin Ubstol, e o caçador Galdomira até mim. Eles deveriam estar em algum lugar dessa prisão. Eu tinha que ouvir a qualquer custo a verdade diretamente da boca deles...

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